Quando os Lobos Cantam escrita por Ladylake


Capítulo 22
Agora? Matar.


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ♥



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Detroit Michigan E.U.A 1975

Apenas as luzes dos candeeiros de rua iluminavam um jogo que acontecia numa quadra de basquetebol. Seis rapazes Afro-Americanos, jogavam e riam, fintando-se uns aos outros. Cestas atrás de cestas, quedas atrás de quedas, o jogo alargara-se até às onze e meia da noite, apesar dos gritos das mães vindos das janelas.

Uma última grande enterrada de Ívar, termina com o jogo. Ele limpa o suor da testa à camisola azul e vermelha, da equipa de basquetebol mais conhecida da zona: Detroit Pistons.

Ívar pega no saco de desporto, pronto para ir para casa, quando as luzes vão-se a baixo. A quadra fica quase numa escuridão aterrada. Segundos depois, a luz volta, mas Ívar percebe que a sua bola de basquete desapareceu.

 

—Á procura disto?

 

 

Uma voz feminina com sotaque ecoa na quadra. Ívar olha em volta e depois percebe que a pergunta não veio dos lados, mas sim de cima. Ele eleva o olhar até à cesta e depara-se com uma rapariga a girar a bola dele nos seus dedos. Ívar levanta uma sobrancelha. Como é que ela foi parar lá acima?

—Vais devolver? – ele devolve a pergunta.

Ela sorri. Branca, de olhos claros e cabelo loiro com madeixas. Aparenta ter a idade dele. Quinze anos, não mais. O pormenor que ele mais admira é o cabelo rapado de um dos lados. Ela prepara-se para descer. Ívar sobressalta-se ao ver que a jovem vai saltar daquela altura.

— Espera o q-

Ela faz um flip para trás e aterra com alguma força sobre ambos os pés, no chão. O jovem afro-americano fica boquiaberto.

— Queres a bola? – ela pergunta com um sorriso inglês, erguendo-a um pouco no ar. – Vais ter que vir cá buscá-la.

Os olhos claros dela, de repente tornam-se vermelhos. Ívar arregala os olhos. Uma mistura de surpresa e felicidade. A Aura dela descai-lhe do corpo e senta-se ao seu lado, abanando a causa. Ívar não tem dúvidas. Ela é como ele.

 

 

*****

 

 

 

—Então... - ele chama-a à atenção, estendendo uma garrafa de água. – Qual é o teu nome?

Ela olha para ele e ri, sem parar de caminhar no passeio. Ambos ainda não se tinham apresentado, apesar de terem estado uma hora a encestar. Ela aceita a água e pergunta depois de matar a sede:

— Qual deles?

— O verdadeiro. – Sussurra Ívar.

— Malika.

— "Rainha" ... – ele pensa alto. Malika olha para ele e para, surpreendida. – Chamo-me Ívar, mas os humanos chamam-me de Ivan.

— "Guerreiro" – ela sorri.

Ívar encolhe os ombros com as mãos nos bolsos do casaco desportivo e sorri.

— Posso acompanhar-te até casa? "Rainha" ...

— Claro! "Guerreiro" ... – Malika faz ênfase.

 

 

 

 

"Aqueles que vêm aqui, costumam cheirar a medo. Tu cheiras a...esperança"

 

 

 

E ali estava ele. O todo poderoso Fenrir, filho de Loki. O deus que foi colocado numa ilha deserta e acorrentado até ao pescoço, por ser perigoso demais. Ele olha para Nour, de peito feito e à espera que ela diga alguma coisa.

Nour olha em volta. Os cinquenta filhos de Lycaon ainda rosnam e mordem o ar, como ameaça. Apenas a lua brilha o ambiente e o som dos trovões ainda é audível, apesar da distância.

— Fenrir... - Nour ajoelha-se. – foi-me dito que no topo desta montanha, estaria algo para mim. Algo que eu procuro há muito tempo. Mas nunca pensei que fosse a divindade em si.

— Sim eu sei. Eu tendo a deixar toda a gente de queixo caído. O que é que queres de mim?

Nour engole em seco.

— Eu preciso de ajuda. – Ela levanta-se e encara-o. – A minha espécie tem sido massacradas nos últimos meses por um homem. Um caçador. E eu preciso de para-lo. Eu preciso de me salvar, de salvar o meu irmão, os meus amigos...a minha família...

Ela cerra o maxilar, o que saliente os olhos marejados de lágrimas, dor e raiva. Nour molha os lábios, antes de continuar:

— A minha Aura está a tentar matar-me. – uma lágrima cai. – Não fui treinada desde cedo a suportar as luas cheias, a controlar os meus instintos e o meu outro lado. – Ela pausa. Fenrir encara-a com uma expressão séria e atenta. – E agora...tudo está a ficar descontrolado. Temo que não tenha limites.

— Todos nós temos limites, sua tola. – responde Fenrir. – Mas acho que vieste aqui pedir por um milagre. Não te posso ajudar, podes sair.

Fenrir vira-lhe as costas para voltar à forma inicial. Nour não aceita a resposta.

— Não me vire as costas!

Nour transforma-se e rosna para o deus à sua frente, ainda de costas voltadas, mas estático. Uma das estátuas mais pequenas sai da sua base e ataca-a. Nour desvia-se e começa a morder mármore pura, mas quase parte os dentes ao tentar ripostar de volta.

Outras estátuas saem dos seus respetivos sitos para mordê-la. Nour está no chão, com várias bocas e dentes e prenderem-na.

Com as pernas a tremerem e uma força tremenda, a loba preta começa a erguer-se por debaixo deles. Fenrir olha para trás, pasmado.

— "Eu quase morri várias vezes, eu vi a pessoa que eu mais amava neste mundo, morrer à minha frente. – Arfa. – Eu já vi e sofri o suficiente para saber que não há milagres!" – ela grita – "Eu não pedi nada de bandeja. Eu conheço-te. Não dás uma migalha, sem pedir o mundo, mas eu estou aqui! Eu estou aqui para te dar o meu mundo, em troca de algo que me faça destruir os meus inimigos. — Ela pausa. – Porque Fenrir...eu caço aqueles que me caçam.

Num movimento rápido e brusco, Nour sacode-se. As estátuas saem a voar do seu dorso e cauda, contra paredes e velhas ofertas, outrora deixadas ali. Ela cambaleia, ferida e cansada e acaba por cair de joelhos no chão, já humana.

— Estou impressionado, de facto. – Ele ri. — Convenceste-me, eu dou-te o poder que procuras, mas eu quero algo em troca.

— Não esperaria outra coisa. — Ela sussurra.

— Eu quero a tua Aura.

Nour arregala os olhos. Fenrir começa a rir descontroladamente enquanto observa a cara de pânico dela. Nour não estava à espera que ele pedisse tal coisa.

— Pela tua cara, já percebi que-

— Eu aceito!

O lobo gigante para de rir, mas dois segundos depois, um enorme sorriso começa a aparecer. Um sorriso de maldade. Nour acaba de fazer um pacto com o diabo.

— Muito bem então... - Fenrir sussurra. – Muuuniiin!

O chão treme quando o lobo chama por alguém, ou alguma coisa. Segundos depois, o corvo que trouxera Nour até aqui, aparece a voar e pousa em cima de uma estátua normal. O pássaro preto olha para o deus e depois para a "Loba Preta".

 Munin, traz-me a taça. – ordena Fenrir, sem tirar os olhos de Nour. Ele está demasiado contente.

O pássaro vasculha nos tesouros deixados no altar e volta com uma taça decorada com ornamentos e joias. Fenrir morde-se e despeja o sangue que escorre das suas patas para a taça.

— Bebe.

Nour engole em seco e aproxima-se da taça. Com as duas mãos, ela segura na mesma e encara o líquido vermelho escuro com algum asco. Ela olha para o corvo e para o lobo, ambos à espera que ela beba.

— E que eu me torne um destino pior do que a morte...

Num movimento rápido, Nour bebe a taça inteira de sangue, até à última gota. Os trovões começam a soar ao som das gargalhadas de Fenrir.

Nour deixa cair a taça no chão e limpa o sangue dos cantos da boca, com a ajuda do pulso. Os olhos vermelhos vivos encaram o deus-lobo com alguma dúvida.

— E agora?

— Agora, tu matas.

 

 

 

(...horas depois...)

 

 

 

Uns lindos olhos azuis encaravam a dança alaranjada das brasas ainda em chamas. Os estalos da madeira ainda se ouviam, de vez em quando, se se fizesse silêncio. Lá fora, o dia estava a nascer.

Luckyan, com o pulso a segurar a cabeça, fecha os olhos transbordados de sono, mas abre-os novamente. Ele não dormiu a noite inteira. Nour não voltou.

Bear acabara de acordar e espreguiça-se, antes de reparar no Alfa com umas olheiras até ao chão. Luckyan vira a cabeça e olha para ele, mas volta a desviar a atenção para a fogueira.

— Ela não voltou, Bear. – Sussurra, baixando o olhar.

Bear apaga a fogueira com um pouco de água e começa a gesticular para ele.

— "Aposto que é ela está bem". — Ele tenta tranquilizá-lo. "Ela é forte. Vocês discutiram, é normal que ela queira ficar sozinha".

—Durante um dia inteiro...?

Bear muda de expressão. O sorriso alegre que o tanto caracteriza, desaparece e o olhar morre um pouco. Luckyan tem razão. Ela já devia de ter voltado.

— Vou à procura dela. Estou farto de estar aqui à espera. – O Alfa levanta-se, mas Bear impede-o de continuar.

 "Não podes ir embora! Tens que dormir e comer algo primeiro." — ele parece aflito. – "Se fores lá para fora assim, vais ficar vulnerável e distraído".

— Desculpa, Bear. – Ele sussurra. – Mas eu não consigo dormir sem saber onde ela está.

Luckyan transforma-se e sai porta fora, deixando o "lobinho" de barba ruiva sozinho. Bear abana a cabeça, dizendo que não.

 

 

*****

 

 

 

Os meus olhos abrem, embora com um peso de mil homens em cima. Está tudo tão escuro, mas uma pequena luz paira por cima da minha cabeça. Uma sensação fria, como uma brisa de inverno, passa pelo meu corpo, arrepiando-o. Sinto-me como se estivesse no espaço. Sinto-me a flutuar e a cair lentamente, até ao fundo de qualquer coisa.

Algo no canto do meu olho chama-me à atenção. Duas Auras correm uma atrás da outra, como se estivessem a brincar. Um deles cai e o outro fica por cima. Ambos os focinhos parecem tocar-se, como se fossem dois humanos a trocarem um beijo.

Outras duas Auras surgem a correr e cumprimentam os outros dois lobos que estavam no meio da brincadeira. Correm os quatro à minha volta, mas de repente, desaparecem.

O que parecem ser árvores a arder, surge diante dos meus olhos, em forma de fantasma. Os lobos aparecem novamente e correm pelas labaredas espirituais, mas o cenário cessa de novo. Desta vez, o que aparece à minha frente é um lobo pendurado num penhasco, segurado apenas pelos dentes de outro. Eu arregalo os olhos. Sinto-me em pânico.

Eu vejo correntes, balas a serem disparadas e corpos lupinos a tombarem no chão; vejo um enorme lobo a caminhar junto de homem e alguém a ser desenterrado do meio da neve. Aí eu percebo. Não estou a ver cenários randómicos, estou a ver a história toda outra vez! Mas de outra perspetiva.

Tudo evapora novamente. Eu rodo a minha cabeça de um lado para o outro, mas não vejo mais nada. A única coisa que fito, é o meu cabelo a flutuar.

Mas de repente, o som de uma arma a ser carregada ecoa e viro-me para trás. Raphael mira a besta em mim e dispara. A seta fantasma viaja direta na minha direção, mas eu não consigo mover-me para esquivar. As minhas pernas estão estáticas.

A seta penetra a minha carne e o meu coração de tal forma, que sinto-a atravessar-me de um lado ao outro. Eu sinto algo, mas não é dor, é tristeza...é dor emocional e asfixia. Sinto desespero.

Raphael aproxima-se de mim e sorri, como se estivesse pronto a terminar aquilo que começou, mas, num movimento rápido, arranco a flecha do meu peito e espeto no peitoral do velho com toda a força que tenho.

Uma explosão acontece. Sinto que uma barreira acabou de ser quebrada e o ar que continha nos meus pulmões começa a fugir em forma de bolhas. Eu estive debaixo de água este tempo todo!

Aflita, olho para cima e vejo o sol, que aquece a superfície. Eu nado rapidamente desesperada para respirar e estico o braço. Estou quase lá, só mais um pouco!

Nour emerge das águas e revive. Passo a passo, ela caminha em direção à margem em câmara lenta e deixa-se cair à beira do lago, de barriga para cima. Ela está ensopada, mas não quer saber. Ela ouve a floresta e fecha os olhos por uns segundos, enquanto eleva o braço no ar, como se quisesse tocar no sol. Ela sorri.

Ela sente-se diferente. Ofegante, mas com a força para enfrentar um batalhão, se fosse preciso. Prepara-te Raphael, eu estou a ir em direção a ti.

 

 

*****

 

 

 

Pé ante pé, os passos de Ignis mal se ouviam no corredor. Descalça, ela tenta não fazer barulho e dirige-se à enfermaria sem que ninguém a veja. Pelo vidro da porta, ela vê-o. Gabriel está deitado numa cama e com ligaduras à volta da cabeça e do peito. Parece estar a dormir.

Ignis cerra os dentes e franze a testa. A imagem do corpo dele contra o dela dá-lhe voltas ao estômago. Ela fecha os olhos e o punho, cheia de raiva, até que alguém lhe toca no ombro. Ignis assusta-se.

— O que estás a fazer aqui em baixo?

Num tom calmo e sereno, Raphael olha para quem outrora considerava como uma filha. De certa forma ainda considera, mas a traição que ela cometeu ao envolver-se romanticamente com Nanuk, ainda lhe pesa tanto na cabeça como no coração.

— E-Eu estava... e-eu... eu vim só... - Ignis gagueja.

— Ignis. – Chama Raphael. Ela trava. – Está tudo bem.

Mas não está tudo bem. Ignis começa a chorar compulsivamente. O velho entende o porquê, e mesmo assim, segura-lhe nos ombros de maneira calma.

— O que aconteceu? – pergunta. Ignis olha para ele, de olhos arregalados. – Ignis...as pessoas não aparecem com ferimentos na cabeça e queimadelas no corpo, assim do nada. E eu sei que foste tu...

Ignis nega exaustivamente com a cabeça.

— Eu não fiz nada, foram as velas. – Ela devolve, quase a comer a palavras.

— Ignis, para. Ele tocou-te? – pergunta Raphael novamente.

— Quem é que está a falar? É o ex-polícia? O caçador? Ou o pai?

— Não respondeste à minha pergunta.

Ignis limpa as lágrimas e baixa a cabeça. Contar a Raphael, seria suicídio. Gabriel iria se vingar de formas que ela prefere nem imaginar.

— Não aconteceu nada. – Ela acaba por dizer de forma firme. – E pare de andar atrás das pessoas e de criar teorias da conspiração. Ainda dá um ataque do coração a alguém.

Ignis pega nas bainhas do vestido e corre dali para fora. Raphael suspira e lança o olhar para o teto, antes de o fixar no filho novamente acamado. É como se o velho estivesse a reviver um deja vu.

Depois de um suspiro, Raphael acaba por ir embora também. Gabriel abre os olhos.

 

 

 

*****

 

 

Luckyan cambaleava, inundado em sono e cansaço. Estava há horas à procura de Nour, que pareci que se tinha evaporado. Os olhos azuis e exaustos, já não vêm grande coisa. Está quase tudo desfocado e nada nítido diante dele, mas a situação piora.

Luckyan pisa o sítio errado e sente um ardor ao mesmo tempo que o som de uma armadilha de ferro ecoa. Ele grita de dor e agonia, bem desperto agora. O Alfa olha para baixo. Uma armadilha de urso prende o seu pé direito, com os dentes de ferro cravados na carne. Se ele não sair dali a tempo, pode ficar sem ele.

Ele chora ao tentar libertar-se, mas a dor é de tal forma imensa, que ele tem que virar a cabeça para o lado para vomitar. Diante dele, soldados começam a chegar. Luckyan resmunga os piores nomes possíveis, antes de fitá-los como deve de ser.

— Olhem o que nós temos aqui. – anuncia um deles.

— Vai à merda... - sussurra o Alfa.

— Não sou eu que estou preso. – O soldado ri-se. – Levem-no. Ele não vai a lado nenhum nesse estado.

Três soldados apressam-se para pegar nele, mas Luckyan começa a rosnar. Os olhos do Alfa de trinta e seis anos começam a mudar de tom.

— Vocês tocam em mim, são homens mortos.

Luckyan rosna, mas um rosnar mais violento e audível sobrepõe-no. Os soldados olham para trás, para o meio dos arbustos, onde está escuro e de repente, um enorme lobo preto salta e vai reto ao pescoço de um deles, que tem morte imediata. O grupo começa a disparar, mas as balas parecem não surgir efeito.

Em segundos, estão todos no chão já sem vida, mas o lobo ainda brinca com um cadáver de um soldado, apenas por diversão. Ele acha que aquele em específico, tem que ficar sem um braço.

Sangue escorre do seu focinho, quando ele levanta a cabeça para encarar Luckyan, completamente vulnerável.

Uma brisa de início de verão balança-lhe o pelo. Luckyan arregala os olhos, ao ver quem realmente era por detrás do lobo.

— Nour...?

Ela aproxima-se, com as mãos nos bolsos das calças e com um olhar sereno.

—Isto vai doer.

— O que é que-

Ele grita quando ela abre a armadilha com uma força brutal.

— Também estou contente por te ver. 

 


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Notas finais do capítulo

Me deem um pouco de amor ;-; uma pessoa quase que se sente sozinha aqui.



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