Pokémon - Unbroken Bonds escrita por Benihime


Capítulo 9
Reflexo distorcido




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Calista correu os pés descalços pelo chão de tábuas de madeira, penteando distraidamente seus longos cabelos negros, ainda úmidos do banho recém-tomado, com as mãos. A Rainha de Kalos cantarolava consigo mesma, totalmente perdida em seus pensamentos.

— Caly? Amorzinho, está tudo bem?

A voz de sua mãe fez Calista dar um pulo de susto. A morena logo se recuperou e respondeu àquela pergunta com um sorriso.

— Mamãe, a senhora me assustou. — Ela disse. — Sim, estou bem. Não se preocupe.

Dehlia meramente fitou sua filha mais velha com preocupação e adentrou o quarto. O sorriso de Calista se alargou ao ver a bandeja nas mãos de sua mãe, contendo duas xícaras fumegantes. Não precisou perguntar, pois imediatamente reconheceu aquele cheiro: lavanda e erva-cidreira, o chá calmante que era a especialidade de Dehlia e seu favorito.

— Mamãe ... — A morena balançou a cabeça lentamente. — Obrigada.

— Sempre, filhinha. — Dehlia sorriu, sentando-se ao lado de sua filha mais velha e lhe entregando uma das xícaras. — Pode não parecer, mas ainda sou sua mãe. Sei quando tem mais na sua cabeça do que você gostaria. E se quiser me contar ...

— Eu ... — Calista suspirou, tomando um pequeno gole de seu chá em uma tentativa de ganhar tempo. — Acho melhor não, mãe.

Dehlia meramente assentiu, estendendo sua mão livre para acariciar os cabelos de sua filha. Calista permitiu o gesto e as duas beberam chá juntas em silêncio por longos minutos.

— Você pode até não querer me contar o que aconteceu. — A mulher mais velha disse enfim. — Mas acho que tem alguma coisa que você precisa me dizer. Não é, filha?

— Nossa, mãe. — Calista exclamou com uma risadinha incrédula. — Tem certeza de que a senhora não consegue ler a minha mente?

— Só os seus olhos, meu bem. — Foi a resposta. — E então, o que é?

— É ... — A irmã de Ash suspirou e deixou sua xícara de chá na mesinha de cabeceira. Não havia mais sentido em adiar aquela conversa. — Tudo bem. Uma coisa aconteceu e ... Estou voltando para Kalos amanhã à noite.

— Amanhã?! Pensei que você ficaria pelo menos mais uma semana. Isso é muito repentino!

— Eu sei, mamãe, e sinto muito. Muito mesmo. Mas não posso ficar. Preciso ... Preciso voltar.

Dehlia ficou em silêncio, encarando o nada por vários segundos até enfim assentir.

— Eu entendo. — Ela disse, com apenas uma mínima nota de tristeza na voz. — No final a decisão é sua. Eu só ... Gostaria que não estivéssemos sempre nos despedindo. Eu, você e o seu irmão.

— Eu sei. — Calista envolveu a cintura de sua mãe com os dois braços, descansando a cabeça em seu peito como costumava fazer quando ainda era uma garotinha. — Mas sempre nos encontramos de novo, não é?

Dehlia abraçou sua filha mais velha com mais força, assentindo quase para si mesma. Mãe e filha se separaram com relutância e Dehlia mais uma vez abriu um pequeno sorriso cheio de tristeza.

— Tente dormir um pouco. — A mulher de cabelos castanhos disse. — Você não vai querer estar cansada amanhã.

— Tem razão. — Calista assentiu se inclinando para dar em sua mãe um beijo na bochecha. — Boa noite, mamãe.

Dehlia esperou até que sua filha mais velha estivesse aninhada sob as cobertas, então lhe deu um beijo na testa antes de deixar o quarto.

Assim que ficou a sós Calista ouviu um estalo e viu um flash de luz vermelha. Momentos depois algo frio e escamoso, mas ainda surpreendentemente macio, tocou sua bochecha.

— Oi, Arya. — A morena sorriu, tateando na escuridão até encontrar sua pokemon. — O que foi? Não consegue dormir?

Arya, a Brionne, soltou um lamento baixinho, aninhando-se mais perto de sua treinadora.

— Eu estou bem, garota. — A irmã de Ash disse gentilmente, estreitando sua pokemon contra o peito num abraço apertado. — É sério. Não precisa se preocupar.

Arya esboçou um sorriso preocupado, esfregando a bochecha contra a de sua treinadora. Calista a aninhou, ajeitando-se mais confortavelmente sob as cobertas antes de enfim cair no sono.

A morena foi acordada no dia seguinte por uma cacofonia de vozes que gritavam. Sentou-se na cama, confusa, ainda tonta de sono. A luz do sol incidindo sobre os lençóis indicava que estavam no meio da manhã, o que significava que dormira mais do que havia pretendido.

— Não quero saber! — Sua mãe gritava a plenos pulmões. — Depois do que fez, você não é mais bem vindo aqui!

— Isso mesmo. — E agora era Ash quem gritava. — Cai fora daqui, idiota. Minha irmã não quer mais ver você.

— Deixe que ela mesma diga isso, então. — Uma terceira voz, muito familiar, rebateu. — O que acha dessa ideia, retardado?

— Já chega. — A voz rouca e profunda do professor Carvalho soou, apartando a discussão. — Você me decepcionou, Gary. Muitíssimo mesmo. E Dehlia tem razão, você não tem direito nenhum de sequer cogitar discutir.

— Estão brigando por minha causa. — A morena sussurrou consigo mesma. — É melhor eu ir até lá fazê-los parar.

Calista se pôs de pé e Arya imediatamente ergueu a cabeça. A jovem sorriu para sua pokemon.

— Desculpe, eu não queria te acordar. — A Rainha de Kalos disse, acariciando a cabeça escamosa da Brionne sonolenta. — Volte a dormir, meu bem.

Arya fez que não, estendendo as barbatanas dianteiras. Com um suspiro, Calista cedeu a pegou no colo. A Brionne escondeu o rosto em seu ombro e voltou a dormir quase imediatamente, como uma criança.

— Tudo bem, então. — A morena disse carinhosamente. — Já que é assim, somos você e eu.

Calista seguiu o som das vozes que discutiam até a sala de estar. Sua aparição fez todos silenciarem imediatamente.

Gary se limitou a encará-la, boquiaberto. Com os cabelos cacheados caindo-lhe pelos ombros em desalinho selvagem, pálpebras ainda pesadas de sono e usando aquela camisola de cetim branco, Calista era sem dúvida a mulher mais formidável que ele já havia visto.

— Chega. — Ela disse simplesmente. — Essa discussão idiota não vai levar a nada. Parem com isso.

— Idiota?! — Ash rosnou, ainda claramente alterado pela raiva. — Qual é, mana, depois de tudo você ainda ...

— Não, eu não o estou defendendo. — A morena interrompeu, virando-se para Gary com uma expressão mais fria do que qualquer cristal de gelo. — Quero que vá embora, Gary. Suma daqui e da minha vida.

— Caly, eu ...

— Vá. — A Rainha de Kalos repetiu, seu tom inequivocamente uma ordem. — Suma. Nunca mais quero ver ou ouvir falar de você, seu cafajeste duas caras imprestável!

— Caly, por favor. Eu cometi um erro, uma única vez ...

— Com a minha melhor amiga de infância, o que você sabia que me machucaria. — Calista rebateu. — Não quero ouvir mais nada, Gary. Nunca mais. Cynthia tinha toda a razão sobre você. Garoto arrogante.

— Só porque aquele poço de orgulho falou não quer dizer que ...

— Cale a boca!

Gary ia protestar contra aquela ordem súbita, mas Arya foi mais rápida. Saltando agilmente dos braços de sua treinadora a Brionne atingiu o rapaz com poderosos golpes de suas barbatanas dianteiras cinco vezes, num perfeito ataque Tapa Duplo que levaria qualquer oponente a nocaute.

— Minha garota e eu estamos de acordo. — Calista declarou. — Fale assim da minha amiga mais uma vez e eu mesma acabo com você. Já está sendo muito difícil não ceder e lhe dar uma surra agora mesmo, então não me tente. E nem pense em dizer que eu não seria capaz, porque nós dois sabemos que sim.

— Ah, por favor, Caly. — Gary protestou. — Pode parar de fingir. Admita: até sermos interrompidos, você estava gostando. Você gostou tanto quanto eu!

—Ora seu ... — Calista rosnou, perdendo o resto de compostura de conseguira manter. — Seu hipócrita nojento! Canalha! Tarado machista imundo! E você ainda tem coragem de dizer que me ama?!

— Mas eu amo você!

— Mentiroso! — A morena praticamente berrou em resposta. — Suma daqui, Gary! Nunca mais quero ver essa sua cara asquerosa na minha frente!

O garoto meramente a encarou por um longo momento. Calista devolveu o olhar, mantendo a cabeça erguida e uma expressão indignada até por fim Gary desistir e virar as costas. Parecia extremamente desapontado, talvez por se dar conta do que havia perdido.

— Sinto muito, Lina. — O professor Carvalho disse assim que seu neto deixou a sala. — Sei que é difícil, mas você fez a escolha certa.

— Obrigada, tio Sam. — A morena sorriu. — E a vocês também mamãe ... Ash ... Arya ... Muito obrigada, de verdade.

— Eu teria feito muito mais, e você sabe disso. — Ash rebateu, ainda carrancudo. — Se a mamãe e o professor não tivessem me impedido.

— Ash, isso é entre sua irmã e Gary. — Dehlia repreendeu severamente. — Deixe que ela lide com isso como achar melhor.

— 'Tá, mãe. Mas se aquele babaca mexer com a minha irmã de novo ...

— Então não farei objeção. — Foi a resposta. — Aliás, se isso acontecer, eu mesma darei um jeito nele. Entendido, Sam?

— Vai ter que entrar na fila, Del. — O professor respondeu, abaixando-se para acariciar a cabeça de Arya, que chilreou alegremente. — Logo atrás de mim e dessa pequenina aqui.

A Brionne assentiu, olhando rapidamente na direção na qual Gary seguira. Seu olhar soltava farpas de pura raiva. Calista não pôde lidar com aquilo, em segundos inventou uma desculpa para subir novamente para seu quarto.

— A Caly vai mesmo ficar bem? — Ash inquiriu, preocupado.

— É claro que vai, rapaz. — O professor Carvalho respondeu. — Nossa Caly é uma guerreira. Está no sangue.

— Ele tem razão, querido. — Dehlia corroborou gentilmente. — Sua irmã vai ficar bem. Afinal, ela é uma Ketchum. E os Ketchum ...

— Nunca desistem. — O rapaz moreno completou quase por força do hábito. — É, mãe, eu sei. A Caly sempre diz isso.

— Porque é verdade. De onde você acha que herdou tanta teimosia, mocinho?

Calista, tendo ouvido aquelas palavras do patamar da escada, sorriu consigo mesma. Arya mais uma vez pulou para seus braços, olhando-a com preocupação. A morena se inclinou, abraçando a Brionne com mais força e apoiando sua testa contra a dela. Arya gorjeou suavemente, envolvendo o pescoço de sua treinadora com suas nadadeiras dianteiras.

— Obrigada. — Calista disse baixinho enquanto subia as escadas ainda com a Brionne nos braços. — Muito obrigada, Arya. Por ficar do meu lado.

Arya afastou-se apenas o bastante para que a jovem a visse balançar a cabeça, em seguida tocando-lhe a bochecha com seu focinho gelado. Calista mais uma vez sorriu consigo mesma. Qualquer um que as visse no início de seu relacionamento jamais imaginaria o quão próximas acabariam se tornando.

Mais tarde naquele mesmo dia, enquanto Calista terminava de arrumar suas malas Arya, empoleirada sobre sua cama, a observava atentamente. Apesar de suas muitas garantias de que estava bem, a Brionne não se deixara enganar. A pokemon passara a tarde cantarolando baixinho, criando bolhas de tempos em tempos. Algumas eram pequenas e cintilantes, flutuando pelo quarto como vaga-lumes, outras pareciam balões coloridos. Calista invariavelmente erguia os olhos, observava-as por alguns instantes, esboçava um pequeno sorriso e em seguida voltava a concentrar-se com um suspiro.

— Bem ... — A morena disse quando por fim deu a tarefa por terminada. — Ainda temos algum tempo. O que acha de ensaiarmos até a hora do jantar?

Arya assentiu com entusiasmo e a dupla seguiu para o quintal dos fundos. Calista assumiu posição mas antes que desse qualquer comando sua pokemon agiu primeiro, disparando um jato de bolhas coloridas que giraram em espiral ao redor da jovem morena.

— Lindo. — A Rainha de Kalos elogiou calorosamente. — Já percebi que você andou praticando bastante. Não é, Arya?

A Brionne assentiu. Apesar da postura orgulhosa, sua expressão ainda revelava preocupação. Calista se pôs de joelhos e acariciou-lhe a cabeça.

— Eu já lhe disse, mas vou repetir: não precisa se preocupar. — O tom da jovem era afetuoso, porém mortalmente sério. — Eu estou bem ... Ou vou ficar. Só preciso de um tempo.

A Brionne fez que não com a cabeça, afastando-se e disparando uma rajada que a cercou de dezenas de balões coloridos. Calista observou enquanto sua parceira os usava para fazer um verdadeiro show de acrobacias, cada uma mais impressionante do que a anterior. A última bolha saiu com a forma de um coração e flutuou diretamente para as mãos de Calista. A jovem esboçou um sorriso, já que claramente era o que sua pokemon queria. Arya, porém, não se deu por satisfeita.

A pokemon tipo Água se ergueu sobre sua forte cauda e começou a emitir um brilho branco-perolado. Seu tamanho aumentou cada vez mais e sua cauda ficou mais longa. A estrutura ao redor que lembrava uma saia de babados sumiu, sendo substituída por espinhos delgados e algo que lembrava um cinto de babados bem onde a parte superior de seu corpo se juntava à cauda. A mesma estrutura também cresceu na extremidade inferior, logo antes de suas nadadeiras. Em seus ombros, a mesma estrutura apareceu. Suas antenas que lembravam bolas de algodão sumiram, sendo substituídas por um longo cabelo que dançava graciosamente com a brisa. Suas nadadeiras dianteiras também dobraram de tamanho, longas o bastante para apoiarem-se no chão e mantê-la ereta. Seu focinho se tornou maior e mais delgado, e então a luz sumiu tão subitamente quanto viera.

Calista encarou a pokemon à sua frente. Os longos cabelos pareciam presos por dois enfeites de pérolas, adornados também com uma tiara e uma estrela do mar no mais belo tom de cor de rosa, o mais vívido que já havia visto. Os belos olhos amendoados, azuis como o mar e ornados por longos cílios brancos, encaravam a jovem morena com preocupação.

— Arya! — Calista exclamou, espantada. — Você ... Evoluiu! Você é uma Primarina agora! Isso é incrível!

A Pokemon Solista sorriu largamente e ficou de pé sobre sua cauda mais uma vez, erguendo as nadadeiras dianteiras acima de sua cabeça em um arco. Seus longos cabelos se soltaram, dançando à sua volta como ondas do mar. E então ela começou a cantar. Aquela voz imediatamente silenciou qualquer pensamento, qualquer preocupação na mente de Calista. Era cristalina, tocante, misteriosa. Até mesmo Angel, que a tudo observava, ficou boquiaberta.

Uma esfera de água cristalina como um diamante se formou acima da cabeça de Arya conforme a pokemon cantava. Essa esfera cresceu cada vez mais, flutuando no ar como uma miragem e então se dividindo em dezenas de esferas menores que dançaram ao redor de Calista, refletindo a luz e formando um prisma de pequeninos arco-íris. Quando Arya finalmente parou de cantar, Calista sorria largamente, um sorriso de pura empolgação.

— Isso foi lindo, Arya! — A Rainha de Kalos exclamou, atirando os braços ao redor do pescoço esguio da Pokemon Solista. — Era isso que você queria, não é? Me fazer sorrir.

Arya assentiu solenemente em resposta, o que fez os olhos de Calista marejarem.

— Você é incrível. — A morena disse, sorrindo mais uma vez quando a Primarina descansou a testa contra a sua. — Obrigada, garota.

— Ei, mana! — A voz de Ash soou, fazendo com que as duas parceiras se separassem abruptamente devido à surpresa. — O que vocês estão aprontando?

— O que parece, pirralho? — Calista rebateu. — Estamos ensaiando.

Ash não se irritou por ser chamado daquele jeito. Pelo contrário, ele abriu um enorme sorriso e agarrou sua irmã mais velha em um abraço de urso, ignorando quando ela soltou um agudo "ei!" em protesto.

— É bom ter você de volta, mana.

A expressão de puro alívio no rosto de seu irmão quando ele a soltou fez Calista rir baixinho. Ash nunca conseguia esconder o que sentia, aquele garoto era como um livro aberto.

O resto do dia foi passado em família e, naquela noite, Calista embarcou de volta para Kalos. Ash, que havia decidido ficar em casa com Dehlia a fim de treinar com Brock e Misty antes da próxima Liga, despediu-se de sua irmã no aeroporto.

— Olá, fadinha. — Malva disse quando a jovem sentou ao seu lado no avião. — Sentiu minha falta?

— Nos seus sonhos, bruxa.

— Ouch! — A repórter kalosiana levou uma das mãos ao peito, fingindo uma expressão magoada. — Você tem passado tempo demais comigo, está aprendendo a ser cruel. Essa doeu de verdade!

— Então vai ser ainda mais doloroso quando eu disser que você simplesmente não tem jeito. Sua bobona.

Calista pôde jurar ter ouvido Malva dar uma risadinha com aquela provocação. Baixo demais para que tivesse certeza, porém.

— Falando sério agora ... — A especialista em pokemon tipo Fogo se voltou para Calista, preocupação clara como a luz do dia em seus olhos cor de âmbar. — Como você está?

— De verdade? Eu não sei.

— Percebe o quanto essa resposta soa absurda? — Malva rebateu, balançando a cabeça com reprovação. — É claro que você sabe, só não quer admitir.

A Rainha de Kalos balançou a cabeça, sem acreditar. Nem mesmo Ash teria tido coragem de falar com ela daquela forma em um momento como aquele. Não que aquilo realmente a surpreendesse. Malva tinha um jeito especial de disfarçar sua honestidade brutal com ironia, de forma que era quase impossível separar uma da outra. Era algo que Calista admirava naquela mulher.

— É, tem razão. — A irmã de Ash admitiu. — E a resposta continua a mesma. Mas não se preocupe, eu vou ficar bem.

— Eu sei. — Os cantos da boca de Malva se ergueram em um pequeno sorriso, seus olhos brilhando com um misto de malícia e aprovação. — Mas acho que você precisava se ouvir dizendo isso. Para não haver dúvidas.

A Rainha de Kalos não respondeu, limitando-se a sorrir ante o apoio inusitado, e as duas ficaram em silêncio enquanto o avião taxiava pela pista. Calista logo se permitiu fechar os olhos, cedendo ao cansaço. A próxima coisa que percebeu foi Malva chamando-a.

— Ainda está viva, menina fada? — A repórter inquiriu jocosamente.

— Engraçadinha. — Calista resmungou em resposta.

Foi só nesse momento que a Rainha de Kalos percebeu que estava um tanto confortável demais. Uma olhada logo lhe revelou o motivo: sua cabeça descansava no ombro de Malva e a repórter tinha um braço ao redor de sua cintura.

— O que foi, Caly? — Malva provocou. — Não vá bancar a tímida agora. Não combina nem um pouco com você.

— Não comece ... — Calista rebateu, pondo-se de pé. — Sua bruxa.

Assim que a Rainha de Kalos desceu do avião, viu-se cercada por uma multidão de repórteres, cada um falando mais rápido do que o outro. A jovem recuou um passo quase quase sem perceber e chocou-se contra alguém que a seguia de perto.

— Já chega. — Malva disse, passando um braço pelos ombros da jovem kantoniana numa atitude ao mesmo tempo possessiva e protetora. — Sinto muito, mas essa é minha.

Sem outras palavras, a especialista em pokemon tipo Fogo a puxou para mais perto, ignorando os xingamentos e protestos. Calista deixou que a mulher kalosiana a conduzisse, o tempo todo caminhando a passos rápidos, porém sem nunca soltar sua mão.

— Obrigada por essa. — A Rainha de Kalos disse assim que deixaram o bolo de repórteres para trás. — Aliás, de novo.

— É o que as amigas fazem, não é?

Calista meramente riu consigo mesma ante aquela resposta. Malva nunca se cansava de surpreendê-la.

Horas depois, em Anistar, Diantha e Calista se encaravam como duas gatas, parecendo prestes a pular no pescoço uma da outra.

— Você está sendo ridícula! — A Rainha de Kalos vociferou. — Perdeu todo o juízo, só pode!

— Você é a louca aqui, Calista. — Diantha rebateu sem se deixar intimidar. — Andando com aquela mulher. Seria mais seguro fazer amizade com um Yveltal selvagem!

— Isso não é da sua conta, bonequinha. — Calista rebateu friamente. — O que me lembra: não pense que não sei exatamente quem começou aqueles rumores sobre Malva trapacear nas batalhas e ter usado suborno para entrar na Elite dos Quatro. Fiquei muitíssimo decepcionada, Diantha. Eu esperava mais de você.

— Eu não disse nada que não fosse verdade. - A atriz kalosiana declarou teimosamente.

— É mesmo? E quais provas você tem?

Diantha hesitou e desviou o olhar, o que fez a irmã de Ash deixar escapar um pequeno sorriso. É claro que não havia prova nenhuma.

— Posso não conseguir provar ... — A campeã de Kalos disse enfim. — Mas não pense que essa é a única acusação que tenho contra ela. Aquela mulher é ...

— Malva é minha amiga, e ponto final. — Calista interrompeu bruscamente. — E uma grande amiga, a propósito.

Eu sou sua amiga. — Foi a resposta. — Malva é simplesmente o mal encarnado. Está tão cega por ela que não consegue ver isso?!

— Já chega. — Calista declarou imperiosamente. — Essa discussão não vai levar a nenhum.

— Então não fique do lado dela!

— Não aja como uma primadonna mimada, Din. Você é melhor do que isso. — A morena disse, com um toque do antigo afeto de volta em sua voz. — Além do mais, não estou escolhendo nenhum lado. Só não acho que esse seu preconceito seja certo. Dê uma chance a ela.

— Depois do que ela fez?!

— Não é tão diferente do que você fez. — Calista a lembrou. — E, mesmo assim, aqui estamos. Eu não lhe virei as costas.

— Talvez fosse melhor se tivesse. — Foi a resposta. — Ao invés de discutirmos o tempo todo por causa daquela mulher.

Olhos verdes a encararam como se pudessem ler sua alma. Diantha instintivamente desviou o olhar, tomada pelo temor irracional de que Calista talvez realmente fosse capaz daquilo.

— Diantha, não. — A Rainha de Kalos disse gentilmente. — Não desvie o olhar desse jeito. Você sempre faz isso quando foge de um assunto sobre o qual não quer falar.

— Não estou fugindo.

— É mesmo? Então olhe para mim. — Calista tomou as mãos da atriz kalosiana entre as suas afetuosamente, exatamente como teria feito nos velhos tempos, quando ainda eram boas amigas. — Vamos, Din, por favor. Sabe que eu não quero brigar, quanto mais com você. Não daria uma chance a ela nem mesmo por mim?

— Eu ... — O carinho e o pedido inesperado fizeram Diantha hesitar, dividida entre sua antipatia por Malva e a amizade pela mulher à sua frente. Por fim, a atriz assentiu. — Se eu prometer tentar, isso a deixará satisfeita?

— Sim. — Calista sorriu. — Muitíssimo satisfeita. Obrigada por fazer isso por mim.

— Meu bem ... — A campeã de Kalos abriu um sorriso tristonho. — Sabe perfeitamente que há quase nada que eu não faria por você.

— Sim. — A morena assentiu solenemente. — Apesar de tudo, o mesmo vale para mim. Você sabe disso, não sabe?

— Eu sei. — A atriz kalosiana sorriu carinhosamente, toda a sua frustração posta de lado num instante. — Mas tenha cuidado. Isso pode facilmente se transformar em uma arma.

— Está dizendo que usaria nossa amizade contra mim?

— Eu? Jamais. — Diantha respondeu, horrorizada com a mera possibilidade. — Mas Lys ... Não estou certa de que há algo de que ele não tiraria vantagem para conseguir o que quer.

— Por que você ainda o apoia? — Calista inquiriu. — Ele não vai mudar, Din. Não vai voltar a ser o herói que você conheceu.

— Eu sei disso. — Foi a resposta. O tom de voz da atriz combinava com a absoluta tristeza naqueles olhos azuis. — Mas não posso. Me diga: você desistiria do seu pai? Conseguiria virar as costas para ele?

— Jamais. — Calista admitiu pesarosamente. — Só ... Não se deixe envolver demais pela personagem, está bem? Não quero ver nada de ruim acontecer com você, mas seria ainda pior saber que você está fazendo isso de livre vontade.

— Meu bem. — Diantha riu com gosto, aquele riso contagiante que sempre varria qualquer preocupação para longe. — Essa é a última coisa com a qual você precisa se preocupar. Eu prometo.

— Hum ... — Mesmo contra a sua vontade, Calista sorriu. — Acho que já ouvi isso antes em algum lugar.

— Ora essa, Caly. — Os olhos azuis da atriz kalosiana brilharam maliciosamente, uma mera sombra daquele olhar brincalhão de outrora. — Não confia em mim?

A piada de humor negro fez com que as duas mulheres trocassem um olhar de sombria cumplicidade. Sua relação havia mudado, mas a amizade se mantinha forte como sempre.

— É melhor irmos. — Calista disse. — Antes que alguém descubra nosso segredinho.

— Tem razão. — A atriz kalosiana assentiu. — Boa noite, meu bem.

— Boa noite, Din.

As duas se despediram e seguiram caminhos separados. Calista ainda parou por alguns instantes após a partida de sua amiga, observando o famoso relógio solar de Anistar iluminado pela luz da lua cheia que dominava o céu naquela noite. Perdida em pensamentos, a morena só foi trazida de volta quando ouviu um choro baixo.

Só então reparou nela: uma menina pequena, de seis ou sete anos de idade, usando jeans e um agasalho de moletom rosa-shocking. Cabelos negros cacheados lhe caíam pelas costas, presos em um grosso rabo de cavalo. A menina se apoiava na grade de proteção, a poucos metros do relógio solar, olhando o oceano e chorando baixinho.

— Olá. — Calista chamou delicadamente. — Você está bem, mocinha?

— Sim. — Veio a resposta, surpreendentemente firme apesar dos soluços baixos da menina. — Eu estou bem.

Calista se aproximou devagar, com medo de assustar a criança. A garota nem mesmo se virou para olhá-la.

— Você está perdida?

Levou alguns segundos, mas a garotinha finalmente assentiu.

— Eu queria ver o relógio solar. — Ela disse baixinho. — Mas acabei me perdendo. Não consigo voltar para o ginásio. Sou uma boba.

— Eu conheço um pouco a cidade. — A Rainha de Kalos declarou, abaixando-se para ficar na mesma altura da criança. — Posso te mostrar o caminho, se você quiser.

— Não, obrigada. — A menina respondeu, finalmente se voltando para olhá-la. — É melhor eu esperar aqui. Minha mãe deve estar me procurando, ela vai aparecer logo.

A resposta calma e serena, assim como a total ausência de medo no rosto de porcelana da criança, desconcertou Calista por um breve momento. Então, a morena sorriu.

— Tudo bem, então. — Ela disse. — E que tal se eu esperar aqui com você?

A menina assentiu, seus lábios se curvando em um pequeno sorriso. Estava obviamente satisfeita em ter companhia.

— Não é tão ruim. — A criança declarou sonhadoramente. — Ficar aqui, quero dizer. O mar fica bonito à noite.

— Com certeza. — A jovem kantoniana assentiu. — Você gosta do mar?

— Ah, eu adoro! — A menina a fitou com um largo sorriso, esquecendo qualquer receio. — Um dia, quero capturar um pokemon tipo Voador e viajar sobre todo o mar!

— Mesmo? — Calista deu uma risadinha, divertida com aquela declaração ousada. — É uma distância e tanto.

— Eu sei. — A menina assentiu. — Por isso vou capturar o pokemon mais forte e rápido de todos!

— É uma boa ideia. Você é inteligente. — A Rainha de Kalos sorriu. — Qual é o seu nome, mocinha?

— Selina.

— Mesmo? Eu também.

— Sério?! — O rosto da garotinha se iluminou de prazer. — E você é parecida comigo. Podia ser minha irmã mais velha!

— Verdade, somos mesmo parecidas. — A jovem kantoniana concordou calorosamente. — Mas tem certeza? Ter irmãos é um saco.

— Você tem irmãos?

— Tenho um, mais novo. Ele é um bobão.

— Todos os meninos são. — A garotinha concordou solenemente.

— É, acho que você tem razão. — Calista anuiu com uma risadinha. — Mas meu irmãozinho é um pouco mais do que os outros.

Uma voz feminina soou ao longe, chamando pela garotinha. Ela abriu um largo sorriso.

— É a mamãe. — Selina disse. — Preciso ir. Tchau, irmãzona.

— Tchau, Selina. — Calista respondeu, acenando enquanto a garota corria na direção de sua mãe. — Se cuide!

Só por um momento, enquanto mãe e filha viravam a esquina, foi que a Rainha de Kalos conseguiu ver o rosto da mulher. E a visão fez seu coração quase parar no peito. Calista disparou em uma corrida alucinada a toda velocidade mas, ao chegar à esquina onde havia visto a dupla, não havia mais ninguém.

A jovem kantoniana ficou parada, tremendo levemente, cada vez mais confusa. Por um momento, quando a luz de um poste incidira sobre a mulher desconhecida, conseguira ver-lhe o rosto. E o rosto que vira fora o de sua mãe.

(...)

— Que droga! — Malva resmungou consigo mesma, tomando mais um gole de seu coquetel. O gosto doce, frutal, se misturava com o sabor forte do álcool, causando uma careta da repórter. — Aquela mulherzinha insuportável!

A repórter kalosiana tinha as faces coradas de fúria e bebia pequenos goles de seu coquetel, muito mais forte do que o adequado, para tentar manter seu temperamento sob controle. Após uma discussão acalorada com Diantha algumas horas antes, estava tendo dificuldades para acalmar-se.

— Já chega, não acha?

A voz, assim como a mão dotada de longas unhas pintadas com esmalte perolado que se estendeu para afastar o copo de seu alcance fez Malva erguer os olhos. Como esperava, encontrou os olhos azul-celeste de Diantha encarando-a com reprovação indisfarçável.

— Você não tem nada a ver com isso, bonequinha. — A repórter rosnou em resposta, estendendo a mão para recuperar o copo e tomando um gole desafiador. — Aliás, o que está fazendo aqui? Resolveu me seguir?

— Tem razão. — A atriz admitiu. — Mas isso não é um comportamento adequado para alguém da Elite dos Quatro, e eu não seria uma boa colega se a deixasse fazer esse papel ridículo.

— Vá se danar, Diantha. Não preciso que você me dê nenhuma lição de moral.

Os lábios pintados de escarlate da campeã de Kalos se ergueram em um esboço de sorriso. Malva quase nunca a chamava pelo nome, apenas aquele zombeteiro "bonequinha". Era uma mudança, pelo menos.

— Ouch. — Diantha exclamou, da mesma maneira provocadora que a própria Malva às vezes usava com Calista. — Você poderia ser um pouco menos hostil, não acha? Aposto que não iria doer.

— Também não iria doer se você me deixasse em paz.

Malva se pôs de pé, tencionando ir embora para evitar continuar aquela conversa desnecessária, porém uma onda de tontura a fez cambalear. A repórter teria caído se Diantha não amparasse.

— Você está bem?

— Me deixe em paz! — Malva rosnou, soltando-se com um empurrão. — Até parece que você se importa.

— É claro que sim. — Diantha rebateu acidamente, numa óbvia reprovação daquela atitude. — Agora pare de ser boba e me deixe ajudá-la.

A repórter hesitou por um longo momento, mas enfim permitiu que Diantha a puxasse de pé. A campeã de Kalos a apoiou maternalmente pela cintura e a ajudou a chegar ao elevador. Mal se viram a sós, Malva novamente soltou-se com um empurrão e apoiou-se contra a parede.

— Muito bem. — A repórter disse rispidamente. — Qual é o seu truque, Diantha? O que você está tramando?

— Nada. — Aqueles olhos azuis a encaravam, enormes e inocentes como os de uma criança. — Dessa vez, nada. Só quero ajudar. É tão difícil acreditar nisso?

— Se tratando de você ... Sim.

Diantha desviou o olhar, mas não antes que Malva visse o flash de mágoa naqueles olhos azuis.

— Tudo bem, então. — A campeã de Kalos disse. — Proponho uma trégua. Só por esta noite. Vamos esquecer qualquer coisa que tenha acontecido entre nós no passado, certo? Acredite ou não, já estou cansada de brigar.

Malva não teve tempo de responder, pois as portas do elevador se abriram. Diantha estendeu uma das mãos, numa oferta silenciosa. A repórter hesitou, mas enfim colocou sua mão sobre a dela, deixando que a campeã de Kalos a puxasse para junto de si e a ajudasse a sair do elevador.

— Não sei o que aconteceu. — Malva confessou enquanto seguiam juntas pelo corredor. — Eu normalmente não costumo beber. Pelo menos não a esse ponto.

— Você está bem?

— Sim. O álcool só me deixou zonza ... E enjoada. Mas vai passar logo.

Diantha apenas assentiu e a apoiou por todo o caminho até a suíte presidencial.

— Obrigada.

As palavras foram ditas quase com constrangimento, e as duas mulheres trocaram um mínimo sorriso de cumplicidade. Uma vez a sós, antes de se atirar na cama, a última coisa que Malva pensou foi que aquela bonequinha desgraçada talvez não fosse assim tão má, no fim das contas.

Ao acordar, a primeira coisa que sentiu foi a dor de cabeça. Lancinante, como mil lâminas penetrando em seu crânio. A segunda foi o cheiro: picante, selvagem e cheio de frescor. Hortelã. Sentando-se na cama, a primeira coisa que Malva viu foi uma bandeja no criado-mudo. Lysette, a empregada, provavelmente havia subido um pouco antes e levado seu café da manhã.

A repórter levou alguns segundos para notar que haviam duas xícaras sobre a bandeja, uma delas com um bilhete apoiado em sua alça:

Uma amiga sua pediu que eu incluísse isto. Ela insistiu que a senhorita beba tudo, disse que vai ajudar.

A assinatura era um simples L rabiscado no canto da página. Malva não precisou perguntar para saber quem pedira o chá de hortelã. Só poderia ter sido uma pessoa. E isso significava que a noite anterior não havia sido um simples delírio induzido pelo álcool. Fora real.

(...)

Diantha caminhava devagar, perdida em pensamentos. Foi quando o som de passos atrás de si chamou sua atenção.

— É ela! — Uma voz masculina exclamou. — Mademoiselle Belmonte, uma palavrinha por favor.

Por um segundo a atriz se perguntou como aquele homem a reconhecera. Logo depois o hábito tomou conta e a campeã de Kalos apressou o passo. O repórter a imitou.

— Ei! — Uma voz feminina soou, cortando o ar noturno como um chicote. — Já chega.

A campeã de Kalos parou subitamente, surpresa demais até para se mover.

— Cai fora! — O repórter protestou. — Eu cheguei primeiro, o furo é meu.

— É mesmo? — Malva avançou, erguendo uma sobrancelha naquele seu já familiar jeito irônico que era prenúncio de problemas. — Porque, para mim, parece que Diantha não está interessada em falar com você. E só alguém extremamente incompetente se dignaria a forçar uma entrevista.

— Só está dizendo isso para ficar com todo o crédito. Conheço o seu jogo.

— Não me provoque. — A repórter kalosiana rosnou, perdendo de vez a paciência. — Posso acabar com você em um segundo, então não me tente. Suma daqui antes que eu perca a paciência.

Lyse, a Pyroar, que estava ao lado de sua treinadora, rosnou ameaçadoramente e mostrou suas presas afiadíssimas. O repórter encarou a dupla por alguns segundos, então girou nos calcanhares e praticamente correu para longe.

— Precisava mesmo de tudo isso? — Diantha inquiriu, embora parte de si estivesse estranhamente satisfeita com a reação do homem. — Você apavorou o pobre coitado.

— Vai mesmo reclamar? — Malva rebateu com indiferença. — Caramba, quanta ingratidão! Suponho que é isso o que se ganha por tentar ajudar. Não é, Lyse?

A Pyroar assentiu, postando-se fielmente ao lado de sua treinadora.

— Tem razão. — A campeã cedeu. — Obrigada, Malva.

A repórter hesitou por um momento e então, para surpresa de Diantha, sorriu.

— Disponha, bonequinha. — Ela respondeu simplesmente. — Ande, vamos dar o fora daqui antes que mais algum abutre apareça.

— O que você ...?

Malva, que já começara a caminhar a passos largos, parou e olhou-a por sobre o ombro.

— A não ser que esteja com medo de mim. — Ela disse jocosamente. — Eu não mordo ... Muito forte. A menos que você queira.

Diantha ainda hesitou por tempo suficiente para que a repórter sumisse de vista ao dobrar uma esquina. Só então a atriz apressou o passo, quase correndo. Paralisou de súbito ao atingir a esquina, olhando confusa ao redor. Não havia sinal de Malva em lugar algum.

(...)

Calista e IceFire pousaram em frente ao ginásio de Anistar no dia seguinte e a jovem imediatamente arquejou de surpresa ao ver a mulher de cabelos castanhos que adentrava o prédio.

— Din! — A morena exclamou. — O que você está fazendo aqui?

— O mesmo que você, imagino. — A voz familiar de Olympia respondeu. — Prestando uma visita a uma velha amiga.

— Velha? — Calista repetiu jocosamente. — Prefiro o termo "sábia", Olympia, ainda mais em se tratando de você.

— E para você, minha cara. — Olympia sorriu. — A palavra seria "encantadora". Aliás, como sempre. Venham, entrem. Vamos conversar longe de ouvidos curiosos.

As duas mulheres assentiram, tomando o cuidado de manter distância uma da outra até mesmo em olhares, aparentando o máximo possível de indiferença. Olympia, porém, apenas sorriu. É claro que ela sabia a verdade. Ela sempre sabia.

As três mulheres se dirigiram a uma pequena sala nos fundos, decorada em tons de branco e lilás. Uma mesa prateada de aparência delicada com cadeiras combinando dominava o local. Sobre a mesa, três xícaras de chá ainda fumegantes e três pedaços de bolo.

— Como sempre. — Diantha declarou sem parecer nem um pouco surpresa. — Eu devia ter imaginado. Sabia que viríamos, não é?

— Tive um pressentimento. — Foi a resposta. — Sentem-se, por favor. Fiquem à vontade.

Abandonando o fingimento, Calista e Diantha sentaram-se lado a lado. Olympia balançou a cabeça em aprovação, sutil porém calorosa.

— Olympia ...

— Eu já sei, Diantha. — A líder de ginásio declarou gentilmente. — Sei sobre as visões.

— Sabe?!

— É claro. — Olympia assentiu. — Além do mais, posso ver o quanto tais visões as abalaram.

— Foram tão nítidas. — Diantha comentou pensativamente. — Tão reais ... Como isso é possível?

— É possível pela força do elo entre vocês.

— Isso quer dizer que Cynthia também teve a mesma visão? — Calista inquiriu.

— A mesma, não. — A líder de ginásio respondeu. — Mas sim, sua amiga Cynthia também teve uma visão na noite passada.

— Isso é maluquice. — A morena declarou, balançando a cabeça. — Se eu não soubesse, diria que nada daquilo foi real. Parece ... Simplesmente impossível.

— Nada é impossível, Calista. — Olympia a lembrou gentilmente. — Me diga, o que você viu?

— Eu vi minha mãe. — Calista respondeu num fio de voz. — Quer dizer ... Acho que sim. Parecia com ela, mas não poderia ser. A aparência era a mesma de quando eu era criança. E havia também a menina, uma criança que encontrei perto do relógio solar.

— Parada olhando para o oceano. — A Oráculo completou. — Ela havia se perdido e estava esperando pela mãe.

— Sim. — A irmã de Ash assentiu. — Como você sabe?!

— Porque não foi uma visão. — Foi a resposta. — Para que eu saísse em minha jornada, minha mãe impôs uma condição: eu deveria voltar para casa uma vez por mês e dar notícias. Numa dessas vezes, encontrei uma garotinha perto do relógio solar. Ela estava chorando, mas não de medo. Quando lhe perguntei, ela respondeu ...

— Que não conseguia acreditar que tinha sido tão boba a ponto de se perder. — Calista completou suavemente, quase num sussurro. — Ela estava chorando de raiva. Estava furiosa consigo mesma.

— Exatamente. — A líder de ginásio assentiu. — Eu me ofereci para mostrar-lhe o caminho, mas aquela criança era orgulhosa e não aceitou. Fiquei com ela até que sua mãe a encontrasse. O nome da menina ... Era Calista. Calista Selina Ketchum.

— Como isso é possível?! — A morena inquiriu, pasma de surpresa. — Eu não me lembrava de nada disso, mas agora que você falou ...

— Eu sei. E há um motivo para isso, algo que descobri recentemente. — Olympia declarou. — Sua memória foi alterada ainda na infância. Dehlia não queria que você se lembrasse de certas coisas, então pediu a uma amiga que a ajudasse.

— Quem?

— Minha mãe. — A Oráculo revelou. — Foram muitas as vezes em que nos encontramos aqui, Calista. Você mudou muito, e só fui ligar os pontos recentemente ... Ao encontrar isto.

Olympia lhe estendeu algo, uma pequena fotografia Polaroid. Mostrava uma jovem recém saída da adolescência e duas garotinhas, uma de cabelos negros e a outra de cabelos castanhos. As meninas tinham os braços ao redor da cintura uma da outra e todas as três sorriam alegremente para a câmera com o famoso relógio solar de Anistar como plano de fundo.

— Espere. — Diantha estendeu uma das mãos, pousando-a no pulso de Calista para impedi-la de devolver a foto a Olympia. — A outra menina ... Sou eu!

— O que?! — Calista arquejou. — Tem certeza, Din?

— Certeza absoluta. — A atriz assentiu. — Eu me lembro desse dia. Foi pouco antes de você ir embora. Eu chorei por semanas depois de perder minha melhor amiga.

— Se isso é mesmo verdade, por que você nunca me contou?

— Seja honesta, meu bem: quem poderia ligar aquela garotinha à mulher em que você se tornou? Além do mais, você também não me reconheceu. Eu pensei que talvez ... Talvez não importasse mais.

— Diantha Belmonte, você é a criatura mais ridiculamente dramática que eu já conheci. — Calista balançou a cabeça em reprovação fingida, rindo. — Como poderia não importar, sua boba?

— Eu não sei. Só pensei ...

— Pensou que já fazia tempo demais? — A Rainha de Kalos completou, ganhando um aceno positivo em resposta. — É, imagino que sim. Mas mesmo assim quero que faça o favor de me contar tudo. Cada detalhe de que conseguir lembrar. Talvez isso ajude a minha memória.

— Pouco provável, minha cara. — Olympia declarou. — Suas lembranças foram enterradas mais profundamente do que você imagina.

— E pode me ajudar a recuperá-las?

A líder de ginásio sorriu, o sorriso mais largo que Calista jamais havia visto em seu rosto. Aqueles olhos azul-gelo brilharam em um misto de determinação e desafio.

— Pensei que não me faria essa pergunta. — A Oráculo disse jocosamente, estendendo-lhe a mão fechada. Seus dedos se abriram para revelar um prisma descansando em sua palma. — Sabe o que é isso?

— É um prisma. Um refletor de luz.

— Um refletor de energia, minha cara. — Olympia corrigiu. — Não desvie o olhar, está bem?

Calista assentiu enquanto a Oráculo deixava o prisma pender entre seus dedos, movendo-o num movimento pendular. O brilho refletido pelo objeto era hipnotizante, tanto que a jovem se viu incapaz de desviar os olhos.

— O que devo fazer?

— Pense em algo da sua infância. — Olympia instruiu. — A primeira coisa que lhe vier à mente.

Calista tentou mas, afora alguns flashes embaçados, não conseguiu se lembrar de nada. A morena desistiu após alguns instantes com um suspiro de derrota.

— Parece que o bloqueio de minha mãe é mais forte do que eu pensava. — Olympia declarou. — Mas não desista ainda. Não é uma tarefa impossível, eu lhe garanto.

— Então ... Podemos tentar de novo?

— É claro.

De novo e de novo Calista tentou sem sucesso. De novo e de novo até estar com dor de cabeça e nauseada devido ao esforço.

— Caly. — Diantha chamou, quase em lágrimas por ver sua amiga naquele estado. — Caly, meu bem, já chega. Por favor. Pare com isso.

— Não. — Foi a resposta, dada por entre dentes trincados devido ao esforço. — Mais uma vez, por favor, Olympia.

— Diantha tem razão, Calista. — A líder de ginásio disse gentilmente. — Já chega. Se queremos romper esse bloqueio, o melhor a fazer é dar tempo ao tempo.

A Rainha de Kalos cedeu sem nem mesmo tentar argumentar ou demonstrar a mínima contrariedade. A falta de sua costumeira teimosia falava por si só sobre o quão abalada estava. Ela e Diantha deixaram o ginásio juntas minutos depois.

— Sabe ... — A atriz kalosiana disse delicadamente. — Talvez seja melhor você esquecer esse assunto por enquanto.

Calista se voltou para sua amiga, seus olhos verdes chispando de raiva.

— Está me dizendo para desistir?!

— De forma alguma. — Foi a resposta. — Só acho que talvez você precise de mais tempo. Não quero vê-la desse jeito de novo. Nunca mais.

— Então da próxima não fique para assistir.

— Isso não é justo, Caly! — Diantha protestou, magoada por aquela reação hostil. — Não lhe ocorreu que só fiquei porque me importo com você?

— Eu sei. — Calista cedeu, dando um grande suspiro na tentativa de se controlar. — Me desculpe, Din. De verdade.

— Sabe ... — A atriz kalosiana abriu um sorriso maroto, completamente inesperado. — Eu deveria ter percebido antes. Você não mudou nada ... Seli. Lembra? Eu costumava chamá-la assim.

— Quer dizer que sempre fui uma bobona que gritava com você sem motivo? E como você me suportava?

— Ignorando você. — Diantha riu, tirando da bolsa um pacote de balas de hortelã. — Tome, isso vai ajudar com o enjoo.

— Como você ... Ah, claro. O elo. — Calista sorriu em agradecimento. — Você é o máximo, Din.

— Eu sei. — Foi a resposta. — Então ... Amigas de novo?

— É claro. — A irmã de Ash assentiu. — Nem precisa precisa perguntar. Amigas hoje e sempre.

Diantha a olhou por um momento, surpresa, então abriu um largo sorriso de deleite.

— Viu? Suas lembranças ainda estão aí. — Ela disse. — É só dar tempo a si mesma.

— O que você quer dizer, Din?

— "Hoje e sempre". Essa foi nossa promessa quando éramos crianças. — A atriz revelou nostalgicamente. — Você talvez não se dê conta, mas uma parte sua ainda se lembra.

Calista hesitou por um momento mas, após ouvir aquilo, não pôde resistir e abraçou sua amiga o mais apertado que pôde.

Naquele mesmo dia, à noite, as duas estavam reunidas no apartamento de Calista, ambas juntas no confortável sofá de plush que havia no quarto da morena. Diantha estava deitada, sua cabeça repousando no colo da Rainha de Kalos. A irmã de Ash digitava no notebook, confortavelmente equilibrado ao seu lado no braço do sofá. Um bipe agudo indicando uma chamada de vídeo as fez pular de susto.

— É a Cynth. — Calista disse. — Se importa, Din?

— Nem um pouco. — A atriz sorriu, graciosamente se pondo de pé e postando-se fora do alcance da câmera. — Atenda.

A morena o fez e foi cumprimentada pelo sorriso de Cynthia.

— Oi, Cal. — A campeã disse. — E aí?

— Ei, Cynth. Novidades?

— Olá, Cynthia.

— Estou ouvindo coisas, ou Diantha está mesmo aí com você?

— Diantha?! — Calista exclamou, fingindo surpresa. — Claro que não. Você sabe que nós não estamos nos falando. Você está cada vez mais maluca, Cynth.

— É, talvez. — A loira concordou. — Ou talvez vocês estejam aprontando alguma, só para variar.

— Qual é, Cynth, deixe de ser paranoica.

— 'Tá bem. — Cynthia cedeu. — Certo. Talvez eu realmente seja um pouco paranoica.

Diantha não conseguiu mais se conter e caiu na gargalhada, finalmente juntando-se a Calista na frente da câmera.

— Enganamos você. — Ela disse jocosamente. — A cara que você fez foi simplesmente impagável, Cynthia.

— Como você sabe, superestrela? — A loira rebateu, estreitando os olhos. As duas, porém, sabiam que sua contrariedade era apenas fingimento. — Se nem estava vendo ...

— Quem disse? — Diantha provocou. — Admita: Calista deveria receber um Oscar. Ela se provou uma ótima atriz.

Cynthia balançou a cabeça, cedendo a uma risada. Momentos depois uma batida na porta soou, calando o riso das três amigas.

— Cynth? — Uma voz masculina chamou.

— Oi, Cy. — A campeã respondeu por sobre o ombro. — Pode entrar.

Um homem entrou logo em seguida, carregando uma xícara ainda fumegante de café que foi depositada ao lado de Cynthia.

— Desculpe. — Calista e Diantha o ouviram dizer em voz baixa. — Eu não sabia que era uma reunião.

— Só estávamos fofocando. — Cynthia respondeu irreverentemente. — Din e Cal são velhas amigas.

— Quem exatamente você está chamando de velha, Cynthia? — Diantha inquiriu, fingindo-se ofendida.

— Você, é claro, super estrela. — A campeã de Sinnoh retrucou, rindo. — Quem mais seria?

A atriz kalosiana bufou, indignada. Até mesmo Cyrus sorriu, achando graça daquela reação.

— Vou deixá-las conversar. — Ele disse, curvando-se levemente em uma mesura para as duas mulheres. — Foi um prazer conhecê-las, senhoritas.

— Obrigada pelo café, Cy. Você é um amor.

O homem de cabelos azuis simplesmente sorriu mais uma vez e se inclinou para depositar um beijo no topo da cabeça de Cynthia antes de deixar o quarto.

— Então ... — Calista agora estava séria, qualquer pretensão de brincadeira completamente esquecida. — Cy. Isso por acaso seria um apelido para Cyrus? Como Cyrus, o líder da Equipe Galáctica?

Por um momento a campeã loira não respondeu, mas em seguida assentiu devagar.

— Ele não se lembra, Cal. — Ela revelou baixinho. — De absolutamente nada.

— E você acredita mesmo nisso? Não vá me dizer que ... — Calista se interrompeu, sua expressão praticamente desmoronando de tristeza. — Ah, Cynth.

A expressão da campeã de Sinnoh endureceu, tomada por sombras de desapontamento e frustração.

— Sim, Cal. — Ela disse friamente. — E você, de todas as pessoas, deveria entender. Deveria ficar feliz por mim.

— Eu nunca disse o contrário, Cynth. — A irmã de Ash protestou. — Só estou preocupada que ...

— É claro. — Cynthia interrompeu. O leve tom avermelhado em suas bochechas era prova cabal do quanto estava irritada. — Dado o seu histórico, isso não me surpreende.

— Se tem algo a dizer, Cynthia, então diga de uma vez.

— Já chega. — Diantha interferiu. — Parem com isso e se acalmem, vocês duas. Brigar não vai levar a nada.

— É, tem razão. — Calista disse. — Me desculpe, Din. Você não tem nada a ver com essa discussão boba.

— Sem desculpas. — A atriz declarou. — Agora ... Será que alguma de vocês vai me contar que diabos foi isso?

Calista e Cynthia se entreolharam. Tão devagar que teria sido impossível notar a menos que se estivesse prestando muita atenção, a campeã de Sinnoh balançou a cabeça em negativa. Apesar de ainda zangada pela reação de sua amiga, a Rainha de Kalos cedeu, respeitando sua decisão.

— Nada, Din. — Ela disse calmamente. — Cynth está sendo irracional, só isso.

— E a Cal está sendo egoísta. — Cynthia completou.

— 'Tá, agora já chega. — Calista rosnou. — Se vai ficar com raiva de mim por tentar ser sua amiga, só tenho uma coisa a dizer: vá se danar, campeã. E não espere que eu a ajude quando tudo der errado. Porque vai dar errado. Não sei como ou por quê, mas Cyrus está mentindo. Espere e verá. Ele está esperando o momento certo para atingi-la, e você já deveria saber disso. Mas é claro que é burra demais para perceber!

A discussão continuou depois disso. Mesmo Diantha, que a princípio tentara ser neutra, logo ficou furiosa o bastante para também se envolver. Não demorou e a chamada de vídeo foi encerrada, com todas as três fumegando de raiva.

— Cynth. — Cyrus chamou ao ver Cynthia sair do quarto. — Você está bem?

— É, acho que sim. — Foi a resposta. — Você ouviu?

— Não pude evitar. — O homem de cabelos azuis disse apologeticamente. — As coisas ficaram bem agitadas entre vocês.

— Com certeza. — A loira suspirou, ainda tentando controlar sua frustração. — Não pensei que justo a Cal ficaria contra mim.

— Não acho que ela esteja contra você. — Cyrus declarou. — Só acho que ela ainda não entende a situação.

— Claro, porque aquela cabeça de pedra só ouve o que quer. Ela nem me deixou explicar.

— Se acalme. — O ex líder da Equipe Galáctica disse, abrindo os braços em um convite. — Depois pode tentar resolver as coisas com sua amiga.

Cynthia esboçou um sorriso e se aninhou nos braços de seu ex noivo. Os dois haviam, semanas antes, reatado o relacionamento. Um fantasma trazido de volta à vida.

— Sabe ... — Cyrus disse, correndo distraidamente os dedos pelas madeixas loiras da campeã. — Entendo por que suas amigas, ou qualquer um, teria dificuldade para confiar em mim depois do que fiz.

— Isso não importa. — Cynthia retrucou, sua voz tremendo com uma mistura de lágrimas e raiva. — Ou pelo menos não deveria importar.

— O passado não é tão fácil de se livrar. — Foi a resposta. — Mas não sou e não quero voltar a ser aquele homem. Você sabe disso. Acredita em mim, não é, Cynth?

Cynthia manteve o rosto escondido no ombro de Cyrus por mais alguns instantes antes de erguer a cabeça para olhá-lo nos olhos.

— Sim, Cy. — Ela respondeu baixinho. — Eu acredito.


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