Parte II: Em Fuga

Como elas tinham esperado por aquele dia! Tudo estava saindo tão perfeito que parecia até mentira. Ainda bem que estava sendo assim, pois caso contrário, estariam no meio de uma grande crise e não de sorrisos e brindes. Como madrinha, Hinata tinha que garantir que a amiga estivesse feliz e calma. E estava conseguindo, por mais impossível que parecesse.

— Não acredito que tudo está tão lindo e certo! Obrigada, Hina! Obrigada, Ino! — Ver Sakura tão feliz deixava as duas amigas bem aliviadas. Tinham a ajudado a cuidar de tudo, mas conheciam bem a amiga que tinham, qualquer coisa podia ser motivo de uma crise.

— É manter a calma que tudo continuará dando certo — disse Hinata, sorrindo para a amiga e então tirando a taça de sua mão. — E chega de beber, ou vai sentir vontade de ir ao banheiro e não queremos um problema com o vestido, né?

— Oh, não mesmo! Banheiro só depois da cerimônia! Ino, me ajude com a maquiagem. Hina, pode procurar minha mãe?

— Claro que sim. Não demoro. — A jovem de cabelos pretos levantou, deixando a amiga loira com a noiva.

Parecia que tinha sido no dia anterior que elas começaram a comemorar o fato que uma delas iria se casar, ainda mais sendo tão jovem. Todas tinham apenas vinte anos, mas Sakura e Sasuke tinham decidido dar mais um passo. Um passo muito importante! E, claro, as melhores amigas da noiva foram chamadas para ajudar. Hinata, por conta de sua organização, ficara com mais funções, Ino, pela animação, ficara encarregada das festas. Elas tinham conseguido trabalhar juntas e tudo tinha dado certo.

Enquanto andava pelo corredor da casa dos Uchiha, um lugar que conhecia bem, pois todos eram amigos de infância, não notou a porta do quarto de Sasuke aberto. Ele estava sozinho lá dentro, arrumando a gravata. Mas assim que viu a amiga passar, se adiantou para a porta e a puxou, mesmo ela já estando mais adiantada.

— Sasuke! O que é isso? Me assustou!

— Desculpe, precisava falar com você. Ainda bem que estava passando.

Pelo semblante que ele tinha, Hinata tinha certeza que era algo sério. Sem saber porquê, teve um mal pressentimento.

— Oh, por favor, não me diga que mudou de ideia hoje? Sasuke, não pode fazer isso com Sakura. Não a ama?

— Claro que a amo. Deixe-me falar... — Sasuke nunca foi de demonstrar muito os seus sentimentos, Hinata sabia. Da mesma forma, se não pior, ele não era de admitir os sentimentos. Ouvir de forma tão fácil que ele amava a amiga era quase um consolo. Mas não completamente por conta daquela expressão. — Por favor, me ouça até o final.

Ele fechou a porta, não sem antes conferir se não tinha ninguém por perto. Isso deixou Hinata ainda mais desconfiada.

— Somos todos amigos há muito tempo, não é? — Ele fez uma pausa e ela acenou, confirmando. Todos eles se conheciam desde pequenos. — É possível... Nos confundirmos? Acharmos sentir uma coisa e, no final, ser algo completamente diferente?

— Não sei... Do que está falando?

— E se... E se percebêssemos que o que sentimos por uma pessoa não é aquele sentimento...?

— Sasuke, pare de enrolar. Fale logo! Em breve será a hora do seu casamento...

Antes que ela pudesse falar alguma coisa, ele a beijou. Simples e rápido. Ela não teve nem tempo de ver ele se aproximando, quando sentiu os lábios nos seus.

No segundo seguinte, ela o empurrava para longe de si. Respirava tão rápido e tinha os olhos tão arregalados que poderia estar tendo um enfarte que não saberiam a diferença.

Assim que viu Sasuke abrir a boca, deu-lhe um tapa no rosto, que ardeu sua mão e estalou seco. Esse era o único som no cômodo. Nem mesmo as respirações faziam barulho.

— Eu gosto de você há muito tempo, mas você sempre gostou de outro, não é? — Era difícil para ele falar, mas era como se o momento final fosse o impulso que ele precisava. — Eu só queria saber o que você sentia.

— Você não pode brincar com os sentimentos de Sakura dessa forma!

— Eu realmente gosto dela...

— Mas iria abandoná-la se eu fosse uma traíra que correspondesse os seus sentimentos, não é mesmo? — Ele não respondeu e ela sabia que a resposta era positiva. — Preciso sair daqui.

— Não, você é a madrinha da Sakura.

— Você pode conseguir seguir com isso depois do que fez, mas eu não.

Hinata então se virou, abrindo a porta de uma só vez. Finalmente, seus olhos começaram a arder, anunciando lágrimas. Ela estava se sentindo muito mal, mesmo sabendo que não tinha feito nada para que aquilo acontecesse. Sakura não merecia. Talvez ela devesse ir e falar com a amiga. Mas o que diria?

— Não ouse fazê-la infeliz, Sasuke! — Foi o aviso que deu antes de correr pelo corredor, mas desta vez procurando a saída da casa.

O casamento aconteceria no jardim, que ficava nos fundos da grande mansão Uchiha. Ela sairia pela porta da frente, onde ninguém a veria naquele momento, ou era o que esperava. A cada passo que dava, lágrimas escorriam por seu rosto.

A porta do trem se abriu. Finalmente a estação certa! Finalmente chegaria e, se corresse, conseguiria chegar na hora certa para a cerimônia. Sasuke o mataria se ele se atrasasse. Porque, é claro, Sakura estaria no horário.

Porém, assim que ergueu o olhar, pronto para sair do vagão, deu de cara com ela. Seu coração falhou, exatamente como da primeira vez. Mas ela não o viu.

Hinata entrou no vagão como um furacão e, por isso, seu corpo encontrou o de Naruto, que estava bem a sua frente. Ela não o viu, sua visão estava embaçada, mas ela sussurrou pedidos de desculpas enquanto passava a mão no rosto e borrava um pouco sua maquiagem bem feita.

— Hinata? — Ele não precisava perguntar para saber quem era, mas decidira conferir.

— Na-Naruto? — ela gaguejou. Apesar de manterem pouco contato, ela nunca esqueceria a voz dele. Estava um pouco mais rouca, mais grossa, mais ainda tinha o mesmo tom.

— O que houve? Você não é a madrinha? — Olhou para a porta do vagão, que se fechara novamente. — Por que está chorando?

— Me desculpe, eu o atrasei. — Ela passou a mão novamente pelo rosto e, agora, o estrago foi maior. — Eu... Eu...

— O que aconteceu?

As pessoas estavam olhando. Naruto estava muito bem arrumado em seu terno, Hinata da mesma forma. Não que isso fosse incomum, mas como ela estava chorando, é claro que despertara a atenção dos outros.

— Eu... Ah, faz tanto tempo que não nos vemos e olha o que acontece! — Assim que viu um lugar vago, ela se sentou. O rapaz fez o mesmo, ao lado dela e pegou sua mão.

— Eu sei que faz tempo e que não nos falamos, mas você pode falar comigo, Hina. Não me parece bem e precisa colocar pra fora.

— Sasuke me beijou! — Ao dizer aquela simples frase, uma nova onda de lágrimas começou, junto com soluços.

Naruto ficou em choque, olhando para ela, buscando entender o que aquilo significava. Seu melhor amigo, que iria se casar naquele dia, tinha beijado Hinata? Naquele dia? O que era aquilo?

Por mais que quisesse fazer muitas perguntas, esperou que ela colocasse as lágrimas que tinha para fora e não soltou sua mão. Mais uma estação tinha passado nesse meio tempo.

— Ele disse que tinha confundido o que sentia, que gostava de mim há muito tempo. Por que ele fez isso com Sakura? E comigo também!

— Ele a beijou hoje? Ele disse isso tudo hoje? No dia do casamento?

— Sim! Ele não tinha esse direito. Se ele sentia mesmo isso, tinha que esclarecer tudo antes do casamento, antes de ter a chance de magoar Sakura. Mas ele disse que a ama e que irá ficar com ela. Eu fugi. Fui covarde. Deveria ter fala com ela. Estou me sentindo tão mal!

— Hina, a culpa não é sua. Você... Você não o corresponde, não é? — Só então Naruto percebeu que tinha medo da resposta dela.

Mais algumas pessoas entraram e saíram. Mesmo com o barulho, ele conseguiu ouvi-la responder:

— Claro que não! Sasuke sempre foi um amigo muito bom, apesar de muito quieto. Nossas famílias sempre foram amigas, mas só isso. Eu nunca imaginaria isso! Estou me sentindo mal... E se Sakura for infeliz por eu não ter dito nada e ele se casar com ela sem a amar?

— Não acho que irá acontecer isso. Mas ela irá querer saber porque você não estava presente. Por que fugiu...

— Eu não sei o que fazer! — Novas lágrimas marcaram seu rosto. Naruto a abraçou, respirando fundo e pensando.

A vontade que tinha era de pegar o outro trem e ir até Sasuke, confrontá-lo. Ele tinha afastado duas amigas com aquela ação, tinha certeza disso, pois conhecia Hinata. Pior, tinha enganado uma amiga que ele tinha como irmã e outra... Suspirou e olhou para Hinata, se sentindo tão  e desolada que não restava dúvidas que se sentia culpada.

— Vamos dizer que nos encontramos e que perdemos a hora. Não voltamos por medo de Sakura ficar com raiva. Ela vai acreditar, porque estou envolvido na história.

— Como vou olhar para ela novamente?

— Você precisa olhar para saber se ela está bem. Se ver que não está, você conta. Se tudo estiver certo, a gente esquece que isso aconteceu... Pelo menos pra ela.

— Não vou...

— Eu vou falar com Sasuke. É ele quem deve falar para ela, Hina. Ele quem a beijou sem que você quisesse, o que é um abuso da parte dele e não vou deixar passar em branco. E também foi ele quem pediu Sakura em casamento. Ele precisa arrumar isso. Confie em mim.

­— Eu não queria lhe ver de novo nessa situação...

— Eu queria muito lhe ver de novo. Não importa a situação, eu estou feliz de estar com você novamente.

O sorriso, singelo e pequeno, foi verdadeiro e aqueceu o coração de Hinata. Um sentimento adormecido, que ela não imaginava que fosse renascer com um único encontro.

— Obrigada. É muito bom lhe ver novamente. Fiquei sabendo que você está morando na Irlanda...

— Sim, estou. Estou trabalhando com Marketing e morando sozinho. É muito boa a experiência... Mas senti falta de todos aqui. — O olhar de Naruto caiu para a mão dos dois, pois ele ainda a segurava entre as suas. — Sinto muito por não ter mantido mais contato, eu não sabia como agir depois de tudo... Fiquei confuso e era um adolescente bem complicado.

— Não tem que se desculpar. — As bochechas de Hinata ganharam tons rosados. Quando viu aquilo, Naruto pensou em como ela ficava adorável e como ela lembrava a menina que ele tinha conhecido. — Eu agradeço por estar aqui comigo e não fugindo.

— Você era minha melhor amiga. Se não se importar, gostaria de, a partir de hoje, fazer diferente e ganhar minha melhor amiga de novo.

— Não há nada que eu não queira mais. — Ela sorriu, sentindo o rosto repuxar um pouco, lembrando-lhe que tinha chorado mais do que deveria. Provavelmente estava com o rosto manchado e inchado, mas não se importava.

Naruto então tirou um lenço de dentro do paletó do terno e passou por seu rosto, retirando os resquícios de lágrimas e maquiagem. Ele sorria com carinho, o mesmo carinho que sempre tinha lhe passado nos anos que tinham sido amigos.

— No fim das contas, algo de bom surgiu de uma coisa ruim, como minha mãe sempre disse — ele falou, por fim.

Hinata então o abraçou. Sabia que logo eles se separariam, Naruto voltaria para a Irlanda enquanto ela ficaria no Japão. Talvez não se falassem mais, talvez conseguissem mesmo renovar a amizade. Mas, de uma coisa ela tinha certeza, seu coração ainda se aquecia quando estava com ele.

“Você sempre gostou de outro, não é?”. A frase de Sasuke ecoou em sua mente e ela percebeu que sim, apesar de tudo, ela sempre tinha gostado de outro. O melhor amigo dele.