ParaLelo escrita por Lorem K Morais


Capítulo 5
A gaiola




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de: Bruno Garcia

para: JotaPedro@hotmail.com

04 de dez. de 2019 22:00

assunto: Acho que Não Estamos Mais no Kansas

enviado por: gmail.com

Caro estranho

Primeiro de tudo, você escreve meu estilo favorito! Acho que já deu para perceber que sou também fã de um bom suspense e mistério. Ver-se ficar amigão da nossa aparição.

Embora, mesmo negando de pé junto quando perguntam, eu também me derreto por um romance bem clichê de vez em quando. Já basta ouvir 'E só tinha uma cama' que fico atento. Eu culpo isso na grande coleção que Laura tinha no quarto dos romances Sabrina quando eu comecei a me interessar por leitura. Não é todo mundo que pode dizer que foi alfabetizado lendo esse tipo de coisa, mesmo que ela tentasse esconder os livros a todo custo devido as partes mais calientes.

Infelizmente esses romances acabaram com minhas chances de relacionamentos, porque sempre estou esperando algo como lia naquela época. Meio bobo, né?

Mas voltando ao que interessa, me economizou muita pesquisa! A má notícia é que não encontrei nenhuma ligação com a origem do prédio e nossa pequena situação.

E, não queria nem falar, mas aconteceu de novo.

Estava cá eu, depois de retornar do café mais a noite, preparando a apresentação do meu trabalho, quando meu computador apaga de vez. E lá estava eu de novo naquele apartamento caindo aos pedaços.

Foi quando eu percebi que era a Dorothy: não estava mais em Kansas. 

John pirou, eu pirei também, mas dessa vez pelo menos não ouvi nenhuma sirene.

Foi mais demorado dessa vez também e bem mais...intenso. Eu conseguia sentir os diferentes cheiros ao redor até e me atrevi a olhar pelo corredor do prédio.

É uma situação tão estranha, mas estava com menos medo, agora que esperava que fosse acontecer. Troquei até mais palavras com John. E sim, é Setealém. E aparentemente sou um idiota por viajar para um mundo paralelo ACIDENTALMENTE.

John é realmente rude, ainda mais falando.

Pelo menos ele me ajudou a voltar. Eu espero que ele continue me ajudando.

Talvez eu esteja um tiquinho assustado depois daquele depoimento da moça que ficou presa lá. Eu prefiro não ficar preso na versão gótica da nossa realidade, thank you very much. Por mais que apreciei a companhia da nossa aparição rabugenta. A qual estou balançado em começar a chamar de Dona Anesia, depois dos eventos mais recentes.

Alguma dica de como posso resolver isso (pelamordeseus)?

Você me perguntou sobre Stephen Hawking e sim, conheço,bem pouco, mas procurei mais quando me perguntou. Sou desses.

Acredito que me perguntou pela teoria dele sobre multiversos?

Bruno.

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de: João Pedro

para: Bruno Garcia

05 de dez. de 2019 20:00

assunto: Re:Acho que Não Estamos Mais no Kansas

enviado por: hotmail.com

assinado por: hotmail.com

Bruno

Engraçado que primeiro fiquei surpreso, mas parando para pensar você realmente tem jeito de quem curte um bom romance.

A cada curva você me vem com uma nova informação sobre você. É como montar um quebra cabeça que no começo pensei que fosse simples, mas me enganei totalmente.

O cara que se mudou para a cidade e fez amizade com um "fantasma", alfabetizado por romances de banca e que fica obcecado quando põe na cabeça que vai resolver uma charada.

Que manda um e-mail para um estranho com jeito de velhos amigos.

'Só um cara do interior' nada. Você é muito mais.

Faz sentido você se focar tanto nesse mistério, você é um também.

Mas enfim, Bruno, estou preocupado. Como John ajuda você a voltar? Ele tem alguma dica de como isso está acontecendo? Assim podemos fazer parar. Você tem razão, esse lugar não parece lá muito agradável.

Eu queria lhe perguntar o que quis dizer com intenso, mas talvez eu tenha uma ideia. Da última vez tive a mesma sensação.

Só tome cuidado, sim? Sei que pareço uma mãezona dizendo isso, mas vou continuar repetindo. Não quero ter que ir atrás de você em Setealém depois. Vou me afundar mais nessa pesquisa, para ver se você para de 'fugir do Kansas.'

Por enquanto, pelo o que me contou, quero que tente meditação. Eu sei, parece besta, mas tente.

Sim, a teoria do multiverso. Leu sobre ela? O que achou?

Eu sei que não é a mesma situação provavelmente, mas quando li pensei que iria se interessar.

Acertei?

Me dê mais uma peça desse quebra cabeça, Bruno.

Seu caro estranho

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de: Bruno Garcia

para: JotaPedro@hotmail.com

06 de dez. de 2019 21:00

assunto: Baião de dois

enviado por: gmail.com

Meu Caro estranho

Já que deu corda, não sou besta de recusar. Sou desses que só espera darem cabimento.

Laura disse que sou daqueles cachorros que você não pode passar a mão na cabeça que já fica todo dado.

Fazer o quê. Agora aguente.

Eu sou um mistério? Isso é bom? Deve ser né?

Mas você também é. Tipo o John. Somos mistérios tentando resolver um mistério e se resolvendo no processo.

Mas ôh, espero que não se decepcione no fim da página dessa história. No fim das contas eu sou só o cara que gosta de tomar um cafezinho enquanto escuto o último causo.

É interessante, você escreve as histórias enquanto eu ouço elas. O que isso quer dizer? Eu não sei.

Não estou muito coerente hoje, culpo as noites mal dormidas. O curso está puxado e estou pegando ainda o ritmo de trabalhar e estudar, mas logo logo eu encontro meu passo.

Eu ando com saudades de casa também. Acho que posso confessar com você. Eu sinto falta da minha mãe e da forma como ela 'assistia' televisão, dormindo e só acordando no final dos filmes. Eu sinto falta da Laura aparecendo no almoço de domingo, das conversas enquanto a gente preparava o baião com pequi. O cheiro do pão bem cedo para assar, do pessoal vindo comprar antes de seguir para a serra. Do barulho da feira na segunda, o cheiro ao redor das frutas a festa da padroeira, as renovações no fim do ano.

Eu sinto falta dessas coisas pequenas, que não pensei que sentiria. Essas coisas que não voltam. 

Eu sinto que não volto mais para casa e só agora está caindo a ficha. Não é mau agouro, é só que aquele cara que saiu de lá já não existe. Já sou outro. Entende?

Talvez esse clima de fim de ano esteja me deixando nostálgico demais, não sei.

E tem John.

John é uma boa companhia nessas horas.

Ele é o tipo que fica sentado lá e escuta. Talvez porque ele não consiga falar no momento, mas tenho para mim que não é nem por isso. Ele só é bom em ouvir.

Tipo você aí, do outro lado da tela.

Arhmgm, parei.

Outros assuntos. 

Setealém.

Eu percebi que vou para lá quando estou mais agitado, perturbado. É como se o clima pesado me puxasse para o lugar. É estranho.

John apenas disse que tenho que me acalmar para voltar. É complicado.

Eu sinto como se precisasse ir para lá às vezes. Tem algo lá que tenho que fazer.

John disse que sou um idiota.

Ele me parece mais triste esses dias.

Eu não gosto de o ver assim.

E lá estou eu triste de novo!

A teoria dos multiversos? Achei incrível. Estou lendo uma breve história do tempo depois que falou. Ele era um cara com uma mente incrível. Eu penso como era para ele, preso no corpo, a mente nas estrelas. Um universo inteiro na cabeça.

Fico feliz que tivemos um vislumbre disso no tempo dele aqui na terra.

Obrigado pela indicação.

Do seu amigo.

Bruno.

P.S: Estou tentando meditação, mas é bem mais difícil do que pensei que seria.

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de: João Pedro

para: Bruno Garcia

06 de dez. de 2019 23:00

assunto: Re: Baião de dois

enviado por: hotmail.com

assinado por: hotmail.com

Bruno

Acho que nesse ponto você já tem a corda que quer. Converso com você mais do que com qualquer outra pessoa esses dias. O que é um pouco triste, mas não por sua causa.

Nossas conversas me ajudam muito mais do que pode imaginar. Vou te explicar o porquê.

Porém, primeiro de tudo, sobre o que está sentindo: É normal você se sentir assim. Você tem raízes na sua família, Bruno. Só por suas anedotas, eu vejo o quanto você os ama. Você não esconde isso. Então, depois dessa euforia inicial da aventura de enfrentar o mundo, é normal sentir saudades. Um pouco de medo também, de trocar a sua tranquilidade e porto seguro por uma cidade caótica.

Deve estar se sentindo sozinho, mas acredite: não está. Fale com sua família, com seus colegas. Não se puxe demais. O mundo não vai acabar se tirar um dia para você.

Respire e saia por aí. Vá tomar seu café e caminhar. Não faça como eu, não se prenda a rotina.

Não se prenda.

Não deixe esse sentimentos criarem raízes em você, tudo bem?

Segundo, eu não sou um grande mistério. Sou mais um daqueles caras que tenta não ser engolido pela cidade e a rotina, mas se pega falhando. Eu sou aquele cara que você passa na rua e não percebe. Roupa social, pega o mesmo caminho para o trabalho todos os dias. Cabeça baixa, por vezes sai e entra apenas trocando um bom dia e boa noite. Dessensibilizado, até.

Eu sou chato. Normal.

Eu também andei pensativo esses dias. Eu me peguei pensando no garoto de anos atrás, que queria ser um grande escritor e morar nessa casa de frente a um parque arborizado, com um gato e uma boa vista para escrever. Ele queria fazer a diferença, deixar uma marca.

Eu penso o que ele pensaria desse cara de hoje. Do meu apartamento quarto e sala, minha janela para uma parede de tijolos, essa rotina repetitiva a que me sinto preso. Eu sinto como se estivesse bloqueado, eu entrei em um quarto e não encontro mais a porta de saída.

Eu estou preso, Bruno.

É estranho como só agora percebo isso?

E aí vem a parte boa: Nesses últimos dias, eu percebi que tinha uma janela todo o tempo. E não essa de frente à parede de tijolos. Era uma saída.

Lembra quando falei que iria tentar conversar com as pessoas e observar o mundo? Ser o cara do cafezinho? Eu estou tentando.

E eu estou escrevendo. Algo que realmente me dá prazer. Algo meu e que me enche os olhos. Eu sinto que estou atiçando uma chama que jurei que estava morta faz um tempo.

Talvez aquele garoto esteja vivo ainda, em algum lugar por aqui. Eu só precisava olhar ao redor e voltar a gostar da vida. Ver que nem tudo tem essa cor morta como pensava.

E isso, Bruno, aconteceu por conversar com você. Olha só.

Obrigado por isso.

De verdade.

Seu cara estranho

P.S: Meditação é mesmo complicado. Vou separar um material para te enviar.

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de: Bruno Garcia

para: JotaPedro@hotmail.com

07 de dez. de 2019 07:00

assunto: Sem assunto

enviado por: gmail.com

Caro estranho

Eu liguei para minha mãe às seis da manhã para falar para ela que ajudei um cara a abrir uma janela.

A coitada não entendeu nada.

Eu queria falar mais, mas tenho que correr aqui.

Saiba disso: Sei que tem um universo nessa cabeça também. Permita que as pessoas enxerguem ele, como está me deixando ver.

Porque vou dizer: que constelações e sistemas do caralho tem aí.

Seria uma pena se guardasse só para você.

Abre a gaiola. Só você pode se libertar.

Do seu amigo

O cara do cafezinho.

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