Como não acontecia em alguns dias, passei pela recepção vazia por causa do horário. Fazia um tempo que eu não precisava chegar tão cedo para preparar o estúdio, então não havia ninguém ainda. Menos a pessoa que abrira a porta, ou seja, o diretor da agência.

Eu estava menos chateada com aquela história toda. Saber que o Bonnet foi conversar com a Mari e até perguntou de mim, me fez refletir mais e chegar à conclusão de que era besteira continuar me pondo para baixo, que nada mudaria com aquela postura. Todos esses sentimentos me fizeram levantar da cama às seis com muita vontade de trabalhar.

Passei pelo corredor e cheguei ao estúdio. Assim que abri a porta, me deparei com Bonnet sentado em um dos sofás do outro lado da sala, com uma pasta na mão e uma caneta na outra, como se estivesse trabalhando ali.

Claro que meu coração disparou ao vê-lo, ainda mais por ele estar de social, calça e camisa pretas, fora o cabelo arrumado que só era arrumado quando ele tinha alguma reunião.

Sem falar nada, entrei, fechei a porta e fui deixando a mochila na mesa, enquanto ele fechava a pasta e se aproximava, também deixando suas coisas ali.

— Como você está? — perguntou, cheio de ternura na voz.

Demorei uns segundos até ter coragem de encarar seus olhos. — Estou bem. E você?

— Bem. Queria ouvir isso da sua boca.

— Ouvir o quê?

— Que você está bem. Realmente bem.

Dei um pequeno sorriso. — A Mari me contou da conversa de vocês.

Ele me observou. — Eu... sinto muito por ter te machucado. Eu não imaginei que... as coisas tinham evoluído pra você.

— Eu também não imaginava. Só fui me dar conta depois desse rolo todo. — Dei de ombros. — Tá tudo bem, essas coisas a gente supera.

Bonnet fez uma careta de preocupação. Com certeza ele não acreditava naquilo. — Espero que eu não tenha feito muito estrago e...

— Não, eu não vou mudar com você, não vou me afastar.

— Mesmo que eu mereça?

— Mesmo que mereça — brinquei, conseguindo fazê-lo sorrir sutilmente. — Você ficou aqui só pra falar comigo?

— Sim. Até tentei trabalhar, mas não consegui me concentrar. Precisava saber de você.

— Hm... Bom, agora já sabe. Está mais tranquilo?

— Em partes, sim.

— Não tem nada que você possa fazer. Agora temos que seguir em frente. — Fiz um carinho em seu braço. — Preciso trabalhar, tenho o dia cheio hoje.

— Educada até na hora de me expulsar, como sempre. — Bonnet riu. — Vou te deixar trabalhar. Até mais tarde.

— Até.

Enquanto ele saía, fui até os armários começar a arrumar os equipamentos.

...

Ao olhar o cronograma, vi que todo o período da manhã seria tomado pelo shooting para a BeachSun, uma empresa de pequeno porte que vendia trajes de banho.

Quando deixei tudo em suas devidas posições, como luzes, câmera e acessórios de cena, ouvi a porta abrindo e Chani parada ali.

— Pronta?

— Sim, manda o povo todo entrar.

Então, as Íris, Kim e Li entraram, vestindo os típicos roupões brancos, seguidas de Kentin, Dajan e Jade, igualmente vestidos. Liguei minha caixinha de som com músicas animadas e pedi para os meninos irem primeiro. Chani ficou ao meu lado, guiando as posições que eles deviam fazer, e dentro de uma hora fizemos todas as fotos, com três trocas de roupas. Assim que terminamos, eles voltaram para o camarim.

— Estávamos falando de uma coisa... — começou Kim, tirando seu roupão e deixando seu biquíni vermelho à mostra.

— Não, Kim! — Íris protestou.

— O quê? Não tem nada demais perguntar.

— Perguntar o quê? — Comecei a rir vendo Íris enrubescer.

— É verdade que essa “depilação brasileira” tira tudo mesmo?

Se a Mari estivesse ali, com certeza cairia na gargalhada. — Não sei, nunca fiz ela aqui.

— Então no Brasil é só “depilação”, né? — brincou ela, fazendo a ruiva revirar os olhos.

Dei risada. — Pior que é. Na verdade as depilações são por partes. Tipo virilha, pernas, axilas e tal. Eu nunca vi isso de depilação brasileira por aqui. Por que a pergunta?

— Eu fui fazer depilação ontem e vi que tinha essa opção. Eu fiquei curiosa. Mas as mulheres de lá costumam tirar tudo?

— Acho que grande parte, sim, principalmente quem está sempre no litoral.

— Uau, imagina que incômodo deve ser depilar...

— Chega, Kim. — Li a puxou pelo braço para o centro do estúdio.

— Pode nem falar nada, eu hein.

Chani estava rindo baixinho do meu lado. — Ai, essa Kim...

Após mais uma hora, concluímos a sessão. Chani registrou tudo em seu tablet, agradeceu as meninas e saiu rapidinho para cuidar do próximo trabalho.

Quase como sempre, Kim esperou as meninas saírem, fingindo demorar a por seu robe enquanto eu desligava a câmera e pegava o cartão. Não demorou para que ela se aproximasse.

— Jú, você sabe se o Armin tem namorada?

Arregalei os olhos com a questão direta. Não que Kim fosse de enrolação.

— Não. Por quê? — indaguei cheia de curiosidade.

Ela fez um biquinho, pensando em suas palavras. — Você acha que eu teria alguma chance com ele?

Abri a boca, bem surpresa. Então, sorri. — Por que não teria? Você é engraçada, inteligente... É um partidão.

Kim deu risada. — Eu não faço a menor ideia de como me aproximar, que assunto puxar...

— Hm... Eu vou pensar em algo, não se preocupe.

— Sério? — Seu sorriso aumentou.

— Sim. Assim que eu pensar em um plano, te aviso.

— Você é a melhor! — Ela me abraçou apertado e eu devolvi o aperto. — Obrigada! Até mais.

— Até.

Ela se foi, e eu apenas peguei minhas coisas, apaguei as luzes e fui para a sala no andar de cima. Tomei meu lugar dando bom dia a todos, liguei meu computador e sentei, encarando Armin a minha frente, concentrado em seu monitor. Demorou uns dez segundos até ele me notar.

— Que foi?

Dei um sorrisinho. — Nada. Viktor e Nina estão em alguma sessão?

— Sim, estão em alguma praça por aí, não ouvi a conversa.

— Hm...

Eu queria puxar a conversa, mas tinha medo de que alguém da mesa da negatividade ouvisse. Claro que eu não me importaria se a Priya ouvisse, mas tem as outras...

Enquanto as fotos eram passadas para a pasta, abri o sistema da agência e procurei por Amin. Cliquei em seu nome e uma caixinha de mensagens apareceu. Comecei a digitar.

“Você está saindo com alguém ultimamente?”

Segurei o riso quando vi Armin me olhando rapidamente.

“Não. Por quê?”

“Tem alguém interessada em te conhecer”

“Quem?”

“Eu não vou falar aqui, né”

Olhei o horário e vi que logo Ambre e Peggy saíram para almoçar. Fiz sinal para Armin esperar. Cinco minutos depois, as duas saíram.

— Agora fala — pediu Armin. Já vi Priya se virando para saber das novidades.

— Kim Giuliani. Conhece?

— De nome, não.

— Olha aí na pasta.

— Que que tem a Kim? — Priya perguntou, curiosa.

— Bom, eu tenho a impressão de que ela está interessada no nosso amigo aqui.

— Impressão? — Os dois interrogaram em uníssono.

— Ela me perguntou se eu sabia se você estava saindo com alguém.

Armin abriu a pasta, e Priya apontou para qual das modelos era a Kim. Ele ficou boquiaberto.

— Eu sempre achei ela maravilhosa... Por que diabos ela tem interesse em mim? — Ele parecia chocado.

— Por que você é bonito, seu idiota. — Priya riu, recebendo um olhar fuzilante dele. — E você está quase sempre rindo quando não está aqui editando foto, fazendo o site da agência ou qualquer coisa relacionada ao trabalho.

— Isso é — concordei. — Ela também é engraçada. Acho que vocês se dariam muito bem.

Armin considerou. — O que eu faço?

— Eu falei pra ela que pensaria em algo. E se... almoçássemos juntos um dia?

— É um bom jeito de aproximar pessoas. Pela comida — Priya afirmou. — E eu quero estar junto pra ajudar no clima.

— Boa ideia. E é claro que eu também estarei junto.

— Por favor, né — ironizou ele.

— Fica tranquilo. Vocês vão sair de lá super amiguinhos. — Priya deu um tapinha em seu ombro. — Vamos ajudar. Que dia vai ser isso?

— Eu vou ver quando ela estará aqui. Assim que descobrir, aviso vocês.

...

Após mais duas sessões pequenas, o dia de trabalho chegou ao fim. Peguei minhas coisas e corri para fora, quase esbarrando em Bonnet na porta da recepção, para variar um pouquinho. Me despedi dele com um aceno e corri para fora, soltando o ar pela boca.

Como de costume, fui para casa, comi e pedalei até a escola. Pelo menos eu estava animada em ter a melhor aula com o melhor professor. Além de bonitão, ele tinha uma didática impecável.

Me sentei em meu lugar habitual após lhe desejar boa noite.

— Como você se sente hoje? — Rayan perguntou, simpaticamente.

— Bem. E você?

— Muito bem. Pelo menos você parece estar mais animada do que nos outros dias.

— É. Aos poucos vamos deixando as tristezas pra trás.

Ele sorriu, começando a procurar algo dentro da bolsa. — É isso mesmo... Aceita? — Mostrou o mesmo bombom da outra vez.

— Aceito sim. — Levantei e fui até lá, pegando o doce. — Obrigada.

— Por nada.

Ainda era um pouco desconcertante estar sozinha com ele, mas eu já me sentia um pouco mais à vontade, provavelmente porque já tivemos algumas aulas. Não somos mais totalmente estranhos e até tínhamos alguns assuntos para falar.

Comi o bombom, joguei fora a embalagem e fiquei ao lado de sua mesa, conversando com ele sobre um dos livros teóricos da sua aula até o segundo aluno chegar. Depois disso, voltei ao meu lugar e, conforme os outros chegavam, Rayan dava espaço para todos comentarem sobre o assunto.

Fiquei observando meu professor gesticular animadamente, contando sobre sua perspectiva do livro. Me toquei daquilo quando ele direcionou seu olhar para mim e eu corei, porque não estava prestando atenção no que ele dizia, apenas em seus gestos e expressões.

Desviei o olhar para o meu caderno já aberto e pigarrei.

Então, Rayan levantou e começou a aula.