Paradoxo Temporal 2: O Projeto K1 escrita por Vanessa Sakata


Capítulo 11
Eu e eu mesmo




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Gintoki voltou ao mundo real após Shinpachi o encarar. Percebeu, no olhar de seu amigo e outrora parceiro de Yorozuya, o quanto ele estava preocupado. Seria com Ginmaru? Seria com ele? Do jeito que o Quatro-Olhos era, a probabilidade de ele estar preocupado com ambos era grande.

Pattsuan havia mirado no samurai honrado, mas acertara na mãe protetora. Os anos passaram e ele não havia deixado de agir como tal, sempre preocupado com o bem-estar daqueles com quem convivia. Até que a farda do Shinsengumi lhe caía bem, combinando com sua aparência de cara certinho.

 

― Sakata-san – o médico o acompanhara enquanto visitava Ginmaru, já sedado. – Fizemos todo o possível para estabilizar seu filho nesse primeiro momento. Conseguimos remover os projéteis que estavam em seu corpo, mas ainda não posso descartar o risco de morte, porque não sabemos o tamanho do risco a órgãos importantes. Mas faremos todo o possível para salvá-lo.

Havia os elementos de uma espécie de discurso-padrão típico dos médicos. Estabilização do paciente e promessa de que tudo seria feito para salvá-lo. Tentativa de dar alguma esperança aos familiares.

Tudo isso poderia ser eficaz para os outros, mas para ele isso não funcionava.

As imagens da morte de Kagura dezoito anos atrás e o momento em que Ginmaru era atingido e caía ao chão se repetiam em sua mente num loop infinito. O medo de mais uma vez perder alguém o assolava, enquanto via o filho lutando pela vida como ocorrera com ele meses atrás.

Kagura era quase uma filha para ele, e ele a perdera brutalmente. Fora uma das piores perdas de sua vida e essa ainda era uma ferida aberta. E o risco de perder seu filho, sangue de seu sangue, o aterrorizava de tal modo que era como se jogassem sal naquela ferida terrível.

Era doloroso demais, além do que poderia suportar. Seus olhos ardiam e um nó se formava em sua garganta, como se apenas um berro pudesse eliminá-lo.

― Não desaba agora, Gin-san... – murmurava a si mesmo com voz trêmula enquanto cerrava seus punhos. – Ele precisa de você...!

 

Gintoki se levantou para sair. Não havia mais o que fazer e precisava espairecer. Precisava também tomar algumas decisões, além de comunicá-las ao trio que trouxera do passado. Kagura tinha que ser protegida, para evitar que o pior se repetisse.

Ele não podia falhar pela terceira vez seguida.

 

*

 

Mandou Shinpachi e Kagura subirem ao segundo andar, enquanto permanecia no bar de Catherine. Não quis trocar muitas palavras com a mulher com orelhas de gato, pois estava pensando em seus próximos passos e em sua próxima conversa. Pôs sobre o balcão a bokutou de seu alter-ego, junto à katana quebrada de Ginmaru.

Diante do que ocorrera, estava tentando prever como seu outro eu estaria reagindo a tudo. Pensativo, tomou a primeira dose do saquê barato que pedira para Catherine servir – a contragosto, independente da linha temporal em que estivesse. Se seus cálculos estivessem certos quanto às ações e os pensamentos de sua versão mais velha, Gintoki já tinha uma ideia do que poderia lhe falar.

Pelo o que conhecia de si mesmo, já sabia que o outro Gintoki iria lhe procurar. Duas décadas de diferença não eram suficientes para mudar toda a essência de uma pessoa. Uma coisa ou outra, sim. Tudo, não.

Independente de tudo o que passara em sua vida, Sakata Gintoki sempre seguiria sendo Sakata Gintoki.

Ouviu o som da porta corrediça do bar se abrindo e terminou de beber sua dose de saquê. Não iria beber mais, pois queria manter-se sóbrio. Sua contraparte se aproximou, olhou para a bokutou e a katana no balcão e se sentou no banco ao seu lado.

― Vou buscar o controle do portal e vocês voltarão ao passado. – ele disse. – Você, Shinpachi e Kagura.

― Sabe, o seu discurso tá muito parecido com o que fiz a eles quando o velhote do Jirouchou feriu a velha... Se você não estiver com Alzheimer, lembra que eles não te obedeceram, não lembra? Lembro que o Shinpachi me deu um soco bem dolorido.

― São dois adolescentes. Adolescentes são inconsequentes. Adultos são, ou deveriam ser responsáveis, e você vai levar os dois embora para a sua época... Para o seu próprio bem.

― Risco de morrer? Pra morrer, basta estar vivo. – o Gintoki mais jovem cutucava o nariz despretensiosamente com o dedo mindinho.

― Risco de não conseguir proteger todas as pessoas que são importantes pra você.

― E você acha que vai proteger as pessoas que ama fazendo o que quer fazer? Mandando a mim, Shinpachi e Kagura de volta pra casa? Você acha que isso vai mudar alguma coisa aqui na sua época?

― Você não entende...

― O que eu não entendo?! – o Yorozuya vindo do passado agarrou o outro pela camisa preta. – E por que eu não entenderia?

O mais velho se desvencilhou do agarre do mais jovem:

― Você tem vinte anos a menos do que eu! Eu vivi muito mais coisas terríveis do que você! Não consegui proteger a Kagura no passado, vivi dez anos como escravo daquele idiota azul, o distrito onde eu vivo pode ser destruído, e agora... Agora...

Abaixou a cabeça, de modo que sua permanente natural encobriu os olhos avermelhados, ocultando a dor e o medo que eles refletiam.

― Agora... – o Yorozuya mais velho prosseguiu e sua voz começava a ficar embargada, como raramente ocorria. – Posso perder Ginmaru da mesma forma que perdi a Kagura... E não quero que você carregue esse peso como eu carrego...!

Embora sua contraparte do futuro dissesse que ele não entendia a dor que sentia, seu alter-ego estava errado... Ele entendia. Mesmo não passando exatamente por aquelas situações, ele tinha sua bagagem de grandes e dolorosas perdas. Era uma bagagem vinte anos menor, mas não por isso menos relevante.

Ele compreendia, sim, o medo que sua contraparte sentia. Talvez não ao nível que ele sentia em relação a Ginmaru, por ainda não ter um filho biológico, mas temia perder os demais que lhes eram queridos, como Shinpachi... E Kagura, claro! E a bruxa velha – Otose – também. E tantos outros por quem nutria uma grande estima.

Gintoki faria de tudo para jamais permitir que algo terrível se abatesse sobre aqueles a quem amava. E isso incluía mais do que seu círculo de amizades... Porque não era um círculo de amizades, era uma família!

― Ei, ei, “Alter-Ego”! – ele agarrou novamente, agora com mais violência, seu “outro eu”, para encará-lo olhos nos olhos. – Eu sei muito bem o que você tá sentindo... Eu sou vinte anos mais jovem do que você, isso eu sei, mas não sou um pirralho! Nós dois sabemos que, até onde eu vivi, com meus vinte e poucos anos de idade, passei por muita coisa! Perdi muita gente importante pra minha vida, até hoje vivo com essas marcas na minha alma! Você sabe disso tanto quanto eu! Sabe o quanto me dói até hoje tudo relacionado ao Shouyou-sensei, não sabe?

Ele fez uma breve pausa para respirar e ordenar seus pensamentos para falar o que deveria ser falado. Não viajara no tempo para ver aquele cara de permanente natural saindo de sua personalidade original, tomado pelo medo e pela dor, e também deixando sua alma se despedaçar mais e mais! Sua alma, seu espírito samurai era tudo o que tinha de mais valioso em si, era o seu próprio bushido que fazia com que ele não caísse no mais profundo sofrimento e fosse engolido pela escuridão de suas dores, que o sufocariam se ele não tivesse com quem contar!

Seu bushido não permitia que ele se acovardasse, e esse mesmo bushido valia para o homem à sua frente!

― Escuta aqui, seu permanente natural de merda! – vociferou, dando vazão à sua indignação. –Você vai seguir a porcaria do seu bushido como aprendeu quando era criança! Vai levar aquela katana pra Tetsuko consertar, porque o Ginmaru tem em suas veias o sangue do antigo Shiroyasha! Vai usar a porcaria da sua bokutou pra defender esta espelunca que pertenceu àquela bruxa velha! Vai lutar por esse bando de idiotas que vivem aqui! Vai voltar a ser o que sempre foi, pra aguentar as kunais que a Tsukuyo enfiar na sua testa! Você, Sakata Gintoki, seu samurai bom-pra-nada, seu Yorozuya de merda, vai defender esta porra de distrito que tanto amamos! Dos moleques que vieram comigo, cuido eu, entendeu, seu idiota?!

Um poderoso soco atingiu seu rosto de forma devastadora e ele foi parar no chão, a alguns passos de distância. Apesar da pancada, sorriu. Pelo jeito aquela enxurrada de palavras acompanhadas por insultos funcionou, pois seu “eu” mais velho pegou a bokutou do balcão e colocou na cintura. Embainhou a katana de Ginmaru e também colocou à cintura. Em seguida, estendeu a mão para o mais jovem, ajudando-o a se levantar:

― Cara, você deveria cuspir menos na hora de falar tão cara a cara, e com bafo de saquê... Cadê a garrafa pra gente tomar mais uma dose? – sorriu e chamou Catherine. – Ei, mulher-gato de meia-idade! Quero um copo pra tomar umas doses também!


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