Perda de memória escrita por Amaterasu


Capítulo 2
Parte II


Notas iniciais do capítulo

Parte II, conforme o combinado. O capítulo anterior foi na visão do Izuna, o de agora é na do Tobirama. Boa leitura.



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Após o alvoroço por causa do time campeão, as estrelas do campo conseguiram sair da mira de todos e os fizeram acreditar que cada um iria para um lado; ninguém ousaria perturbar o descanso deles, respeitando de imediato a opção por reclusão da euforia coletiva. A rivalidade era grande, assim tinham feito os demais acreditar, então nunca poderia passar pela cabeça de ninguém que o campeão não estaria tão cansado para receber seu prêmio do jogador-destaque do time adversário quando fossem se encontrar no lugar secreto deles.

Estavam nisso há meses, sumindo sorrateiramente da vista de todos para obedecer ao clamor por beijos intensos, mãos curiosas e sedentas por mais contato. Nenhum soube dizer ao certo quando perceberam que a típica irritação que causavam um ao outro desde muito novos se transformou em desejo, tensão sexual que teimaram em reprimir, mas que acabou os vencendo. Teria sido quando dividiram quarto e pela primeira vez notaram os detalhes dos corpos que se definiam pela prática esportiva e pela passagem da puberdade? Eles ficaram algum tempo se privando de ir além dos olhares discretos e desejosos, pois não era assim que rivais se olhavam.

Um dia aconteceu de ficarem acidentalmente presos no vestiário após algumas horas de treino exaustivo, confusões com o exigente treinador e com jogadores novos que não pegavam o ritmo. As estrelas de cada time esperaram o vestiário ficar vazio para não ter que gritar com ninguém sem motivo, resolvendo aguardar que pelo menos parte do estresse ficasse na orla do campo enquanto se hidratavam. Tanto Izuna quanto Tobirama só queriam trocar de roupa e ir descansar corpo e mente em casa sem precisar interagir com ninguém, porém o destino os fez precisar lidar um com o outro — e trancados. Primeiro tentaram se ignorar, cada um em seu box, cumprindo em silêncio o ritual da água caindo no corpo e depois o toque e o cheiro de roupa limpa. Tiveram certo sucesso até que perceberam a porta emperrada quando tentaram sair. Fazê-la abrir não era questão de força, talvez de jeito, mas nenhum deles pensou nisso quando a oportunidade de começar a discutir surgiu. A culpa da porta não estar abrindo não era de ninguém, nem mesmo o fato de que estavam sem sinal para poder contatar alguém da coordenação sobre dois alunos presos no vestiário. Assim, começaram a apontar os supostos defeitos um do outro que levaram à situação na qual se encontravam.

— Você que bateu a porta. Bruto demais e sem necessidade.

— Fechei normalmente, deu merda porque você não soube abrir e acabou emperrando.

— Não sabe fechar uma porta direito. Imbecil demais.

— Não assume o próprio erro. Covarde demais.

As ofensas eram trocadas de frente, sem Izuna se intimidar pela diferença de altura ou Tobirama recuar por estar sendo desafiado como ninguém do colégio se atrevia a fazer com ele. Então o surpreendeu ao prensá-lo da parede e dar uma leve enforcada.

— O que você disse?

— Tá surdo? — Izuna conseguiu falar, tratando como se fosse nada a mão alheia em volta de seu pescoço.

Qualquer pessoa teria apostado que o próximo passo seria um soco ou um chute, mas tanto Izuna nem tentou se livrar do contato quanto Tobirama não esperou mais para ceder à tentação de beijá-lo. Não houve hesitação, apenas uma pausa para Tobirama se vangloriar de ter tomado a iniciativa e assim provar que o último insulto recebido não se aplicava.

Nenhum deles soube quanto tempo se passou, nem quiseram questionar se o que faziam era certo ou errado. A realidade os chamou quando usaram a porta de apoio e ela se abriu com facilidade, como se nunca tivesse emperrado antes. Cada um foi embora com seu desconcerto, mas querendo repetir a dose. Tiveram tempo para falar sobre isso antes de uma reprise, colocando num primeiro momento tudo na conta do desejo, como uma espécie de trato; era apenas uma relação carnal onde os dois ganhariam, desde que mantivessem segredo. Os encontros seguintes foram em um lugar mais deserto, onde dificilmente seriam flagrados; ninguém desconfiava quando sumiam no mesmo espaço de tempo. Eles viviam brigando, então entendia-se que fariam muito barulho juntos.

O passar do tempo elevou a relação para um nível que não imaginaram: apreciar um ao outro além da maneira carnal. Apesar de jovens demais para reconhecer o que era o amor e da inexperiência de como era estar em um relacionamento amoroso, pelo menos estavam certos de que queriam ficar juntos e que precisavam ir com calma. O jovem namoro nasceu no decorrer de quase um ano de encontros mais que sigilosos, mas ainda tinha muito a se pensar sobre as consequências de torná-lo público. Tinham pensado em mil e uma coisas, ponderado os prós e os contras; seria incrível dedicar gols um ao outro, ir comemorar com o campeão e não ter que fingir brigas ridículas. Era divertido controlar a situação como fizeram até o momento, mas os dois queriam mais que isso: viver abertamente.

Além das fofocas básicas e comentários maldosos com os quais teriam de lidar, havia a questão dos times. Como jogadores de destaque que amavam o que faziam, poderiam ser acusados de manipular a partida para beneficiar o adversário, quem quer que fosse o vencedor. A rivalidade entre torcidas ficaria mais intensa e suas habilidades em jogo sempre seriam postas em dúvida, significando até mesmo expulsão deles dos times. Então melhor que continuassem com a fachada costumeira.

Um relacionamento vindo a público traria muitas complicações, mesmo na vida pessoal. Os irmãos não estavam numa situação tão diferente — já que os pais deles sequer podiam imaginar que tipo de relacionamento vivia o trio de amigos de longa data que morava no mesmo lugar, e certamente também ficariam alheios à Tobirama e Izuna —, o que não significava que não os deixariam em paz um minuto depois que soubessem.

— Eles vão apoiar. — Izuna disse. — E também se meter. Sabe como é essa gente mais velha, sempre querendo mandar em tudo porque são “mais experientes”.

Ele estava certo. Tobirama não tinha a mínima dúvida de que lidaria com um irmão curioso para saber como tudo aconteceu e perturbando seu juízo sobre se proteger na hora do sexo; teria uma cunhada tentando flagrar momentos fofos do casal; e claro, ainda tinha seu cunhado que não daria sossego a eles por ser ciumento demais. Primeiro acharia que estavam tentando pregar alguma peça nele, depois diria que Izuna era jovem demais para namorar ou que devia focar na faculdade que sempre quis. Só então não os deixaria ficar no mesmo lugar sozinhos, muito menos no mesmo quarto; seria o cunhado infernal de tão ciumento. Como poderia supostamente preferir os dois brigando do que se beijando, trocando carícias, fazendo coisas não muito diferentes do que ele, Hashirama e Mito faziam?  Izuna e ele precisariam de muita paciência, mas que adiassem isso mais um pouco. Não estavam prontos para mais conflito com tanta coisa acontecendo, como a temporada de jogos se mostrando a mais complicada e a faculdade cada vez mais perto.

E foi só para evitar maiores problemas que o segredo continuou, perfeitamente guardado pelas brigas forjadas. Conseguiram enganar os colegas de turma, os irmãos, todo mundo, todo esse tempo.

Não estava sendo fácil mergulhar nas memórias para contar a história para Izuna. Era egoísmo de sua parte ter negado isso a ele e acabar agindo tão frio de modo a fazê-lo pensar que só estava com pena por causa da atual condição; tudo isso enquanto a memória dele nem dava grandes sinais de que retornaria. Se Izuna não tivesse lhe pressionado, se mostrado tão desesperado, Tobirama teria sido firme quanto à deixar que ele se lembrasse sozinho do que tinham juntos. Era tão difícil olhar para ele e saber que era um desconhecido para o garoto com quem armou estratégias para que não descobrissem que tinham um romance. Não era culpa de Izuna que não existisse mais nada dos dois para ele, mas não era menos doloroso.

— Eu não sabia como dizer sobre a gente. Preferi esperar você lembrar por conta própria.

Agora era Izuna quem não dizia nada, como se além da memória tivesse perdido as palavras, certamente chocado demais com a história. Tobirama tinha mensagens antigas no celular e fotos que trocaram que podiam provar parte do envolvimento deles, e nem o contato com isso tirou Izuna do choque. Tobirama não podia fazer muita coisa além de expressar que compreendia a situação, deixar claro que não o pressionaria.

— E se eu nunca lembrar de você? Da gente... — Izuna questionou minutos depois.

A pergunta era tão pertinente quanto incômoda. Tobirama vinha evitando pensar nela, preferindo ser paciente com a memória de Izuna; algo do passado, fosse da infância ou do dia do vestiário, podia se fazer presente a qualquer momento na mente dele. E havia a possibilidade de que nem tudo fosse recuperado, como a relação deles. Já não se tratavam com implicância como há cerca de dois anos, mas podiam nunca mais serem os namorados de encontros secretos que riam da própria travessura de enganar todo mundo e depois consumavam o desejo. Será que perderam tudo isso?

— Não sei. — foi sincero.

Era impossível fugir para sempre disso, principalmente se com o passar do tempo o romance que tiveram ficasse cada vez mais longe de Izuna. Ele seguiria com a própria vida, conheceria outras pessoas e jamais se lembraria de Tobirama a não ser pelo o que todos diziam: como o garoto com quem cresceu implicando por qualquer futilidade. Nem o rótulo de ex-namorado receberia, já que essa parte da relação tecnicamente não seria lembrada, então não existia.

Após aquele episódio, tudo se passou lento demais na percepção de Tobirama. Izuna ainda processava as informações sem dar pistas do que achava de tudo aquilo. Terminaria um namoro do qual nem lembrava, principalmente sabendo que seu par romântico era o antigo rival? Talvez fosse a decisão mais sensata. Dificilmente as coisas seriam como antes, então era melhor começar a considerar outras possibilidades que não pareciam tão agradáveis. Fosse como fosse, Tobirama continuou sem pressioná-lo e só falaram daquilo quando o próprio Izuna tocou no assunto dias depois.

Ele revelou que foi um grande impacto pelo qual nem podia esperar, mas não estava infeliz por saber daquilo. Tobirama tinha sido muito bom com ele, paciente e também sofreu muito com a perda de memória de Izuna. Não era fácil, de uma hora para outra, ter um namorado que não se lembrava dele. Pior ainda, a única referência que o desmemoriado teria era a de que não se davam bem, pois tinham mantido segredo sobre o romance.

— Isso não é nada fácil. Mas eu acho que não é tarde demais. — ele disse as palavras que Tobirama gostou muito de ouvir, mas mesmo assim achou que Izuna estava perigosamente perto demais. O contexto era desfavorável à sua racionalidade: sozinhos naquele cômodo que dividiam algumas vezes por semana, com pouca luz e na hora de dormir. — Me ajude a lembrar.

Em outra época, teria o agarrado para um beijo, sem se importar se seriam flagrados ou com o que Madara faria com ele quando soubesse. Mas agora não parecia certo. Não significaria nada para Izuna e era injusto consigo mesmo continuar alimentando algo que talvez não teria mais volta.

— Eu faria se pudesse. — se afastou gentilmente, contrariando a vontade de abraçá-lo. — Mas é importante respeitar seu tempo, sem pressão. Saber o que aconteceu já é o suficiente.

Ainda não estava desistindo de Izuna, embora quisesse acreditar que sim. Talvez não fosse a hora para dar seu namoro definitivamente como perdido, mas é verdade que não faria pressão. Se algum dia ele se lembrasse do que viveram quando ninguém estava olhando, seria eternamente grato ao universo — que não estaria fazendo mais que a obrigação de arrumar a bagunça que fizera, de devolvê-los o que estavam construindo.

Sugeriu que era melhor que fossem dormir. Izuna devia estar mentalmente cansado de se forçar a lembrar de alguma coisa. Ele tinha que entender que não era culpa de ninguém, muito menos dele, e que as coisas aconteceriam naturalmente.

Foi possível encerrar aquela noite sem maiores conflitos. Apesar da tensão que ficou entre os dois pelos próximos dias, Tobirama continuaria com o distanciamento de sempre; Izuna já sabia que sua intenção era não pressioná-lo, não invadir o espaço dele. Tobirama só queria que ele ficasse livre de tensão para poder se lembrar de qualquer coisa. Mas estava incomodado com o fato de Izuna ter claramente se afastado, recusado sua ajuda com qualquer coisa.

Procurava pensar que ele só estava querendo retomar sua independência, embora soubesse que ele estava irritado pelo o que aconteceu. Ter escolhido mandá-lo ir dormir quando podia ter cedido aos desejos que duramente reprimiu não deixou Izuna satisfeito. Mas soava aproveitador ficar com uma pessoa desmemoriada.

— Volto hoje para a casa dos meus pais. O quarto vai ficar só para você. — usou o comentário para começar um diálogo, mas não obteve nada além de um assentir de cabeça, sequer uma pergunta do por quê voltaria se os pais dele pegariam plantão e ele ficaria sozinho. — O trio vai sair hoje, acho que vão demorar. Não se importa de ficar sozinho?

Mais silêncio após outro aceno de cabeça em sinal de que ficaria bem sem o irmão, o cunhado e Mito. E pelo visto, sem Tobirama. Por que Izuna não podia simplesmente gritar com ele, xingar de uma vez? Aquele voto de silêncio estava o matando. Como faria para quebrá-lo? Talvez fosse ele quem devesse ceder um pouco.

— Eu fiz alguma coisa pra você? — Mais silêncio. — Ainda não consigo ler pensamento, então vai ter que me dizer o que eu fiz.

— Você não fez nada. — falou pela primeira vez, exibindo um pouco da irritação. — Eu que me vire com minha memória ordinária, não é?

— Isso é difícil pra mim também, mas não vou te pressionar.

— E eu acho que isso é só uma desculpa.

Isso serviu para Tobirama se sentir tão desafiado quanto no dia em que ficaram presos no vestiário, o lembrando da discussão que tinha terminado em beijo e em um roçar de peles que transbordava desejo. Seria assim agora?

Desta vez, foi o desmemoriado quem o encurralou e o beijou. Mais uma vez contrariando o que aconteceu anteriormente, Tobirama teve seu momento de hesitação antes de ceder como tanto tinha evitado. Fazia tempo desde o último beijo, os corpos juntos, e talvez ele devesse viver aquele momento sem pensar muito no depois. Izuna se afastaria quando não sentisse nada do que talvez estivesse esperando, e não era culpa de ninguém.

Se olharam por alguns segundos quando as bocas se separaram. Izuna não parecia desapontado por não ter lembrado de nada, nunca disse que esperava que um contato tão próximo servisse como mágica para trazer suas memórias de volta; Tobirama era quem estava tomando cuidado para não apressar as coisas, querendo evitar quebra de expectativas. Pelo menos começou a duvidar se agir com tanta racionalidade como vinha fazendo era mesmo um mal necessário.

— Por que você fez isso?

— Porque eu queria te beijar. — Izuna deu a resposta óbvia. — E você também queria, mas achava que era errado porque eu perdi a memória.

Era verdade. Mas de que adiantava? O problema não foi resolvido, pelo contrário. Só aumentava o desejo que devia reprimir com ainda mais força; não achava menos errado, mesmo com Izuna tomando a iniciativa.

— Você tem o direito de não querer namorar alguém na minha atual condição. Posso demorar muito a lembrar, se eu lembrar. — Izuna pareceu desistir, interpretando que Tobirama queria o mesmo, mas tinha escolhido fazer aos poucos. — Apenas termine logo comigo, não quero um processo lento.

— Eu não quero terminar! — o contrariou. — Eu quero ajudar meu namorado recuperar a memória.

— Será que eu preciso tanto assim das antigas memórias? — prontamente apresentou um questionamento inusitado. — Eu ainda sou eu mesmo. Que diferença faz como a gente começou? O que impede de recomeçar?

As palavras se perderam dele, embora a resposta fosse uma só: nada os impedia de recomeçar. Criar novas lembranças não anulava o fato de que as antigas seriam bem-vindas quando dessem o ar da graça. Se Izuna, o maior prejudicado com a ausência da memória, mostrava que o desespero por talvez nunca recuperá-la já não existia nele, por que devia existir em Tobirama? Ele estava lidando com a própria situação melhor do que Tobirama poderia imaginar. Parou de se forçar a lembrar das coisas, perdendo o medo que atormentava qualquer pessoa na condição dele, e estava oferecendo com maior maturidade a chance de tentar de novo. Então, o que faltava para Tobirama não deixar passar?

— Tem razão. — admitiu que o distanciamento de antes era mais prejudicial que benéfico.

Se desculpou e abraçou Izuna sem se importar se seria rejeitado, já que sua teimosia costumava irritar e afastá-lo. Ele o queria por perto e Tobirama queria ficar, não precisava se sentir invasivo, pegajoso e nem aproveitador. Mesmo sem se lembrar, Izuna saberia que ainda era amado como antes, em um segredo que provavelmente continuaria por tempo indeterminado. Os dois estavam prontos para o recomeço.


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Notas finais do capítulo

Fui bem óbvia porque eu queria escrever o menos de desgraça possível, e todas as possibilidades só me ofereciam finais tristes. Recusei. Escolhi deixar meu TobiIzu com a promessa do recomeço, mesmo com a incerteza da volta da memória do Izuna. Obrigada quem leu e me deu suporte. Até mais ❤



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