Perda de memória escrita por Amaterasu


Capítulo 1
Parte I


Notas iniciais do capítulo

Olá, trouxe algo que produzi para o desafio do grupo de fics do Twitter. O tema do mês de janeiro é “perda de memória”.
DISCLAIMER: A história se passa em um universo alternativo que significa: nada de poderes ninja, idades possivelmente alteradas, os personagens podem ser OOC.
Boa leitura.



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A visão sem foco causou perturbação por alguns segundos, mesmo quando o teto passou a ser uma imagem limpa. Ele não sabia onde estava ou que tinha acontecido, só sentia um pouco de dor pelo corpo. Inclinou a cabeça de um lado para o outro e viu paredes claras e um móvel de dois lugares em um canto praticamente no mesmo tom; alguém estava sentado e lhe olhou bem há tempo de os olhos se encontrarem. A distância curta ficou praticamente inexistente com o salto que a pessoa deu até seu leito, como se estivesse esperando ansiosamente pelo seu despertar.

— Você acordou, irmão!

— Irmão... — repetiu a palavra sem dificuldade.

— Está podendo falar também! Isso é ótimo! — o outro ainda estava eufórico. — Mas não se esforce, Izuna. Fique quieto que eu vou chamar a doutora.

Em poucos minutos uma mulher lhe fazia perguntas aparentemente simples, mas que não soube responder porque não lembrava. Só sabia seu nome porque tinham lhe dito, mas o resto não lembrava; data de nascimento, endereço ou sobre o acidente que sofrera. Nada. Também não lembrava que a pessoa que viu quando acordou era o irmão mais velho, Madara, cujo nome sabia depois do próprio lhe dizer algumas vezes como se fosse fazê-lo lembrar. Ele lhe olhava com tristeza depois de ter se dado conta que Izuna tinha lhe chamado de irmão apenas porque estava repetindo a palavra.

Sua situação foi explicada. Um acidente de carro há alguns dias tinha lhe colocado na atual condição de perda de memória, causado muitos ferimentos, mas felizmente nenhuma fratura. Deveria ficar mais alguns dias no hospital, e já poderia receber visitas.

— O contato com as pessoas com quem você convive vai logo trazer de volta sua memória. — Madara falava mais confiante que antes.

Talvez ele tenha se decepcionado um pouco quando aconteceu a primeira visita e Izuna não reconheceu nem o homem alto de longos cabelos escuros, nem a ruiva de coques, muito menos o garoto de cabelo claro.

— Hashirama, que eu conheço desde criança. Mito, que eu conheço desde a faculdade. — Madara apresentou cada um pacientemente; eles acenaram para Izuna. — Aquele é Tobirama, irmão do Hashirama. Vocês estudam juntos desde criança.

Ele pareceu um pouco chateado, mas ainda cumprimentou o enfermo e desejou melhoras. Devia estar chocado demais com o estado do colega de turma. Talvez fossem grandes amigos e não era fácil ter sido esquecido de uma hora para outra, apesar de não ser a única pessoa excluída da memória dele. Com o tempo entenderia que Izuna não escolheu estar assim.

Não demorou a refazer exames e receber alta, a perda de memória sendo a única coisa a lhe impedir de ficar plenamente bem. Não havia previsão de quanto tempo ficaria assim, mas Madara estava tendo paciência em lhe explicar algumas coisas das quais não estava lembrando desde o caminho de volta para casa. Resumiu sobre a família: os Uchiha eram grande em número de membros, porém estavam espalhados pelo mundo e só se reuniam para as festividades de fim de ano; os pais deles viajavam constantemente por questões de trabalho, então Izuna ficava sob a responsabilidade de Madara em grande parte do tempo. Agora não seria diferente. O mais velho há muito tempo não morava na casa dos pais, e decidiu não contar a eles de imediato sobre a atual situação. Daria conta de cuidar do irmão, até porque não estaria sozinho. Morava com as duas primeiras pessoas que tinha apresentado no hospital, Hashirama e Mito.

— Você gosta muito deles. Logo vai se lembrar disso. — Madara lhe dizia enquanto o ajudava a se acomodar no quarto que ele costumava ficar, mas que não lembrava.

Também explicou a dinâmica da casa. Madara ainda estava de férias do trabalho, assim como Mito, portanto estavam a maior parte do tempo em casa; apenas Hashirama já tinha retornado às atividades que lhe tomavam o período da manhã. O fato era que sempre haveria alguém em casa para quando Izuna precisasse, coisa pela qual era grato, mas achou exagero quando o irmão lhe disse que não devia dormir sozinho e que por isso os adultos da casa revezariam.

— Me sinto bem. — gentilmente recusava. — Não incomode seus amigos.

Mas o irmão preferiu deixar aquela questão de lado por enquanto, porque ali surgia a oportunidade para Madara explicar a relação que tinha com eles. Os três eram muito mais do que amigos de longa data que dividiam a casa: estavam em um relacionamento, o qual Izuna tinha apoiado na época em que soube. E em sua atual condição poderia estranhar quando percebesse as trocas de carinho além do jeito fraterno.

— Nós três cuidaremos de você. — soou protetor de um jeito que Izuna sentiu que tinham uma relação muito boa, da qual queria lembrar-se logo. — Mito é da área de saúde, então não precisa se preocupar. Ela vai saber o que fazer se você precisar de algo mais clínico.

Izuna agradeceu e o irmão o deixou descansar até a hora do jantar, quando saberia mais sobre o menino de cabelos claros que pareceu chateado no hospital por não estar mais em suas memórias. Ele marcou presença, como fazia no mínimo duas vezes por semana, segundo lhe informaram. Hashirama gostava de ter o irmão por perto, assim como Madara fazia com o seu. Por isso Izuna e Tobirama conviviam com mais frequência do que simples colegas de turma, mas não eram amigos como Izuna tinha pensado num primeiro momento. De acordo com o que disseram, eram mais como rivais; nas notas, na popularidade e principalmente no futebol. Os times eram adversários e quando a temporada de jogos abria, a rivalidade se expandia.

— Vocês sempre brigaram muito, desde crianças. — Hashirama disse quando os dois viraram assunto. — Mas isso passa, assim como passou pra mim e pro Madara.

— Será que passou mesmo? — Mito contrariou. — Eu é que sei como é quando vocês começam.

— Leves desentendimentos que rapidamente se resolvem porque terminam você sabe como.

Madara pigarreou pelo sentido das palavras e pelo tom nada apropriado que Hashirama usou.

— Por favor! Há crianças à mesa!

— Não somos crianças, mas nos poupem. — Tobirama falou pela primeira vez, parcialmente apoiando o cunhado.

O jantar seguiu um pouco mais calmo. Izuna tinha achado a interação divertida, se perguntando se era assim em todas as refeições. Ele descobriria com o tempo que passaria por lá, ou até parte de sua memória voltar.

Pelo menos pode entender melhor qual era sua relação com Tobirama e percebeu que tinha interpretado errado sua reação no hospital. Ele não era um amigo magoado por ter sido esquecido, mas um rival que Hashirama certamente tinha obrigado a ir visitá-lo por conta da espécie de parentesco. Seria educado mostrar solidariedade ao irmão do cunhado em um momento como aquele, mas Tobirama não disfarçou não estar à vontade. Também não lhe disse nada inapropriado durante o jantar, talvez em respeito à seu estado.

— Nunca pensei que teria um jantar silencioso, sem Tobirama e Izuna trocando farpas. — Mito comentou com o que parecia ser seus namorados quando foram lidar com a louça. — Não sei o que dizer.

Os rapazes concordaram que aquilo era uma experiência bem diferente, apenas lamentando o fato de Izuna não lembrar de nada e que talvez por isso é que não tenham implicado um com o outro. Tal dinâmica demoraria um pouco para retornar, pois Izuna sequer lembrava-se das implicâncias, nem tinha ideia do que costumava dizer para seu rival, ou quem começava etc. O distanciamento dele também não ajudava muito.

— Você fica para dormir? — Hashirama perguntou ao irmão.

— Hoje não. — e desejou boa noite antes de negar carona de volta para casa.

Mais tarde, enquanto Mito lhe examinava, Izuna quis saber se ele tinha sido o motivo por Tobirama ter preferido não ficar. Já tinha entendido que não eram amigos, mas seu eu atual se incomodava com o fato de representar um incômodo até para alguém como ele.

— Não, ele costuma ficar mais para o fim da semana que é quando os pais dele não estão. — explicou. — E vocês até dividem o quarto às vezes. Isso me impressionou muito da primeira vez que aconteceu e o lugar não virou uma zona. Achei de grande maturidade vocês darem trégua no momento de descanso.

Devia saber daquilo? Talvez, mas como muita coisa, não lembrava. Mito parecia ser alguém naturalmente paciente, pois não mostrava cansaço em precisar lhe explicar o mínimo detalhe que fosse. Assim, relembrou que os pais de Tobirama geralmente pegavam plantão em dias próximos e ficavam despreocupados porque o filho mais novo poderia contar com o apoio do mais velho.

— Tobirama adora vir aqui, mesmo que viva reclamando de como Hashirama o trata como criança. Aposto que ele secretamente gosta de ser paparicado. — compartilhou a última parte aos sussurros enquanto guardava a maleta com seu equipamento médico.

Ele riu, e segundos depois Mito informou que dormiria no mesmo quarto para caso precisasse de algo. Isso deixaria Madara mais calmo, embora Izuna já estivesse fisicamente bem.

— Como eu costumo te chamar? Pelo nome ou de cunhada? — a dúvida surgiu de repente.

— Pelo nome. Eu não sou exatamente sua cunhada. — a explicação pareceu o deixar mais confuso. — Seu irmão e eu apenas namoramos a mesma pessoa, mas não somos namorados.

Izuna não conteve uma reação de espanto, mas de um jeito bom.  Sendo sua cunhada ou não, ela parecia ser o tipo de pessoa que lhe trataria com o mesmo cuidado. Ela ficava por perto durante o dia, sempre ao alcance de um chamado; também lhe mostrava fotos de momentos importantes para o próprio Izuna, como quando o time dele foi campeão.

— Fui eu que tirei.

Aos poucos Izuna fixava informações e já seria capaz de cumprimentar a maioria das pessoas sem errar o nome e com alguma noção do quão próximos eram; quis reaprender algumas coisas que gostava de fazer; esteve em contato com o que era pessoal, como fotos, vídeos, roupas, cadernos e livros — tentando ver o que tinha de si nos detalhes ou no que diziam que se parecia com ele.

Logo Mito e Madara voltaram a trabalhar e Hashirama pegaria mais um turno. Isso coincidiu com o retorno de Izuna às atividades da escola. Ele estava fisicamente bem, sua perda de memória aparentemente não afetou sua capacidade de ler e escrever, ou de aprender; vez ou outra reconhecia o trecho de uma música, uma pequena vitória para si. Pode ser que estivesse vencendo suas barreiras aos poucos, mas ainda havia muito com o que lidar. Por exemplo, Tobirama.

Ele não deve ter ficado muito satisfeito quando foi designado para ficar por perto de Izuna, ser uma espécie de guia ao ajudá-lo principalmente na escola. Não disse nada que mostrasse desconforto. Pelo contrário, lhe explicava as coisas com paciência, dava informações quando ele esquecia algo como por qual corredor seguir, dependendo de para onde queria ir, ou o nome de alguém que já tinha lhe dito antes. Também lhe tirava das aglomerações quando percebia que a enxurrada de perguntas sufocava Izuna e mais podia prejudicar sua memória do que ajudar a recuperá-la. Mesmo assim, Izuna tinha notado que ele preferia se manter distante, quase como se só estivesse esperando a memória dele voltar para dar como concluída a missão de lhe relembrar das coisas.

Por duas vezes o flagrou lhe olhando de forma intensa e incomum, como se estivesse magoado ou irritado. Izuna chegou a perguntar o que havia acontecido, mas Tobirama desconversou. A hipótese de que ele não gostava muito de ajudá-lo, considerando o histórico deles, se sustentava. Mas não anulava o surgimento de outra: algum acontecimento grave entre eles. Seria alguma briga séria demais pouco antes do acidente, onde Izuna deve ter lhe dito algo muito ruim? Ele precisaria lembrar-se para poder se desculpar. Não importa qual era o costume entre eles, Izuna escolheria pelo menos não ter alguém magoado com alguma de suas ações, principalmente se tivesse que conviver com esta pessoa a maior parte do tempo.

//

— Eu preciso de um favor. — Izuna atraiu a atenção da segunda pessoa com quem dormiria no mesmo cômodo, assim como tantas vezes tinha feito, sem saber se tinha encontrado a maneira mais eficaz de puxar assunto. — Quero que me conte as razões das nossas brigas.

Tobirama ficou muito quieto, parando de sacudir o lençol e o jogando de qualquer jeito na cama. O jeito hesitante indicou que havia algo de alta importância que ele estava esperando Izuna lembrar por si só.

— Você lembrou de alguma coisa?

— Eu quero lembrar. Se você me disser, talvez fique mais fácil. Sinto que esse é o caminho.

O tom soava como um desespero contido e quase dramático demais pelo jeito como estavam dispostos no ambiente; pouca luz e hora de dormir. Tobirama evitava olhá-lo, intervindo na diferença de altura ao sentar-se na cama e dificultar encontrar o par de olhos escuros que estavam famintos por informação. Sem dúvida, estava com receio de falar do assunto sem ser de forma geral. Mas responder que as brigas eram por coisas fúteis não satisfez Izuna; ele queria detalhes. Precisava deles.

Tobirama explicou superficialmente sobre a rivalidade em campo, que era a que predominava. Izuna ficava nervoso a cada frase, fazendo deduções que Tobirama logo disse que eram equivocadas e se enrolava na hora de explicar. O que ele queria tanto guardar para si? Não percebia como essa atitude era egoísta? O fato era que não estavam chegando a lugar nenhum.

— Deixa isso pra lá. — sugeriu meio impaciente, mas não para ir dormir, apenas encerrar o assunto.

— Eu não posso! Sinto que alguma coisa importante ficou mal resolvida entre “antigos rivais”. — fez menção a eles dois, como se o termo soasse ridículo demais para algo tão sério. — Eu quero resolver isso, mas tenho que saber o que aconteceu. Por que não quer me contar? Foi tão grave assim?

Silêncio. Tobirama só soube se afastar para o outro lado do quarto, sem querer contato visual. Izuna não entendia por quê tanta hesitação, mas duas coisas ficaram claras: algo sério aconteceu e Tobirama preferia lhe deixar no sofrimento da dúvida do que contar.

— É desesperador depender da bondade de estranhos para saber coisas sobre mim, porque é isso o que tudo e todos são pra mim: estranhos.

Apesar do que estava lhe fazendo passar, não desejava que um dia ele soubesse como é não lembrar de nada da própria vida. Quem é, o que gosta de fazer, quem são os amigos, a família. Era como ter sido roubado.

— Eu só tenho pequenas informações automáticas e coisas que algumas pessoas tiveram a bondade e a decência de me contar. — compartilhou seu desespero, mesmo que fosse ganhar apenas silêncio com isso.

Deu por encerrado o assunto que ele mesmo havia começado, já que não obteve muita coisa além de desgosto e permanência de incerteza. Seu rival devia estar lhe punindo por algo muito grave que tenha feito, mesmo que aquele meio não fosse justo — eram dois pesos e duas medidas; Tobirama tinha a vantagem de saber de tudo e escolheu deixar Izuna na dúvida. Melhor que fosse dormir, e com sorte teria algum sonho revelador ou acordaria com uma lembrança concreta.

— Eu realmente não sei como é esquecer de tudo. — a voz dele soou de repente enquanto continuava parado de costas para Izuna. Aos poucos é que venceu a hesitação e o olhou pela terceira vez daquela maneira intensa e incomum, agora sem se importar de desviar. — Mas sei como é ser esquecido.

— Eu esqueci de todo mundo, não só de você.

— Mas ao contrário de todo mundo, eu não posso dizer abertamente o que a gente era.

Ele veio com mais uma incerteza, e agora descabida. Todos sabiam o que eram: rivais que brigavam por tudo, desde crianças ao atual momento que era o fim da adolescência. Qual era o problema de falar disso, além de que soava ridículo?

— A gente realmente brigou por qualquer coisa fútil, mas só por um tempo. Nos últimos dois anos era tudo estratégia criada por nós dois. — Tobirama encurtava a distância a cada conjunto de palavras que mais apertavam a venda nos olhos de Izuna do que lhe esclareciam algo. — As pessoas tinham que pensar que a gente não se suportava, nossos colegas de turma tinham que acreditar na nossa rivalidade dentro e fora de campo, nossos irmãos tinham que pensar que nossa trégua só durava dentro deste quarto enquanto a gente descansava.

— Então, na verdade, a gente se dava bem? Por que fingir que não? — isso não fazia sentido. — Qual era o propósito?

Tobirama soltou uma risada curta e amarga, pois agora não dava para fingir que nada tinha acontecido, ir dormir e esperar que Izuna se lembrasse de algo sem sua ajuda. O olhou um pouco saudoso, e só depois meio magoado antes de começar a contar o que Izuna queria saber.


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Notas finais do capítulo

Obrigada quem leu. Posto a parte II até o dia 31.



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