Call of Cthulhu escrita por G V Gomes


Capítulo 3
Cap. 2 - A médica, o Antiquário e a Criança.




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—Querida, fique deitada eu irei procurar um pouco de água pra você beber. - Disse a mulher de cabelos ébano, levemente ondulados, normalmente seu cabelo correria até a cintura, mas naquela ocasião ergam pressões em uma trança. Sua pele clara estava mais pálida devido ao susto que a pequena lhe dera. Vestia um vestido branco executivo. Seu rosto estava jovial, talvez pelo uso de maquiagem, mas não poderia se dizer que tinha mais de vinte. Anastásia havia aceitado o convite de voar no dirigível com o uma rota turística pela América, de Arkham até Los Angeles, de lá pegaria um avião até a França, e então talvez voltasse para a mãe-Rússia, ou como os cães raivosos vermelhos a chamavam União Soviética. Um país tão lindo, arrasado pelo governo. Mas não podia se preocupar, por mais que a imagem de Yeva viesse a sua mente, precisava cuidar de sua pequena Catherina, nome que achavam ser homenagem à Catherina, Grande, quando na verdade era um homenagem a sua amada irmã, que falecera vítima da irá do exército vermelho. 

Sua filha sentira uma tontura quando o Gigante Branco ergueu voo, e agora estava deitada, a única forma dela se acalmar era com um copo de água e depois, somente se Catherina não se sentisse melhor, Anastásia lhe daria um remédio, mas no último caso, já que Catherina nunca foi de ficar assim. Seus olhos castanhos olham para dentro da alma da filha, milhões de pensamentos corriam em sua mente, mas o mais aterrador de todos era a identidade do pai da menina, aquele monstro...porém ela não se parecia em nada com ele, em nada… tinha os cabelos de Yeva e os olhos de sua querida irmã mais velha.

—Está bem, mamãe. - Ouvir a voz da filha acalmou a mulher, pelo menos soube que não era nada grave, talvez fosse só a empolgação e a ansiedade. Anastásia ajeitou uma mecha de cabelo vermelho rebelde no rosto da filha. Ela era muito bonita, como uma boneca de porcelana e Anastásia fazia de tudo para mantê-la segura, a salvo de Andrey e da opressão dos militares da União Soviética. Cath ficou ali, deitada olhando pela janela as nuvens deslizarem lentamente, se questionada poderia jurar ter visto alguns pássaros no horizonte, isso bastava para sua imaginação voar juntos deles.

Anastásia caminhou até o lounge, não era muito maior do que o salão de jantar da Mansão de Yeva e de Andrey, mas devia caber todos os passageiros e alguns membros seletos da tribulação. Chegando lá encontrou alguns serventes e outros passageiros famosos como a família de milionários italianos Di Biasi, a atriz Anne Sorie com seu cigarro e Juan Miguel, ele tinha sido tão educado com ela e com a pequena Catherina, talvez pudesse ajudá-la, estava trabalhando no bar. Ao chegar no balcão, notou que Juan estava entretido em uma conversa com dois homens, um mais velhos que o outro, o mais novo era alto e um tanto magro, tinha cabelos castanhos que corriam pelo pescoço, já o mais velho tinha pouco cabelo e usava um terno universitário.

—Ouvi dizer que irão transmitir as Olimpíadas pela primeira vez. -Juan afirmou enquanto servia os dois. O assunto era as Olimpíadas de Berlim que aconteceriam dentro de um mês e o fato de que houve em certo movimento para impedir que fossem realizadas.

—Não se iluda, isso é uma estratégia, ele quer mostrar ao mundo o que o governo dele fez. -Aquele era ninguém mais, ninguém menos do que o professor James Colorsky, Professor de Mitologia Antiga da Universidade de Oklahoma, apesar disso ele adorava debater assuntos políticos modernos, os seus favoritos era os europeus, Colorsky havia se tornado um especialista em historia moderna e amante de acordos internacionais e havia encontrado alguém que segundo ele, "não tinha uma mente rasa" apesar da idade, era o jovem belga do seu lado, com quem já conversava fazia três horas.

—Tenho que concordar, professor. - O belga aceita com um aceno, era óbvio que o partido alemão estava tramando algo, o número de judeus refugiados nos países vizinhos da Alemanha só aumentava e recentemente, um colega lhe havia escrito dizendo que o serviço militar era havia se tornado obrigatório.  

—Com licença. -Anastásia se introduz no balcão com educação, não pode deixar de ouvir o assunto da conversa, política. Adorava debater e compartilhar suas ideias. Ajudar a pessoas a enxergar a maneira correta do mundo girar. Se Cath não estivesse se sentindo poderia ficar ali debatendo com aqueles dois, mas tinha o que fazer.

—Em que posso ajudá-la, senhorita? -Juan coloca um sorriso não rosto, aquele mesmo sorriso que fez a filha do governador ir para cama com ele. 

—Minha filha precisa de um…-Ao notar o sorriso Anastásia fica desconfortável, por um momento se sentiu completamente nua, com suas cicatrizes à mostra e com a sombra de Andrey cresceu atrás dela. -de um copo d'água.

—Será um prazer ajudar a pequena. -Juan fez a palavra “prazer” soar excitante com aquele sotaque latino dele, maldito sangue quente. O belga notou a forma desconfortável que Anastásia ficou, antes ela estava ereta e receptiva, mas agora adotava uma postura curvada e conservadora.

—Prazer, me chamo Lohan. -Na tentativa de cortar aquele ambiente hostil o belga estendeu a mão para ela de forma cordial. Anastásia olhou para ele pela primeira vez, a pele dele era levemente bronzeada, tinha algumas sardas no rosto bem como um bigode e barba rala, assim que estendeu a mão uma mecha de seu cabelo saiu de atrás da orelha.

—Anastásia. -Ela aceita a mão e a aperta de forma gentil, tinha cheiro de cacau.

—Sua filha está com problemas? -Ele quis saber mais, no início Anastásia teve medo de que ele fosse um amigo do maldito russo, mas depois deixou a paranoia de lado, ele só estava tentando ser educado.

—Um pouco, acho que é a ansiedade. -Anastásia deixa um sorriso escapar, por mais que quisesse esconder, ele só ficava mais largo.  -Sobre o que conversavam? -A única forma de fazer a timidez ir era se envolver na conversa de alguma forma. A pergunta na verdade era um pedido para participar do assunto, uma vez que já sabia do teor da conversa.

—Não entenderia. - O Professor Colorsky pareceu ríspido ao tomar um golpe do conhaque. Ele podia ter um Q.I. alto, mas sofria do mal do século o machismo, ao que Lohan detestava.

—Ora, professor Colorsky. -Ele censurou o velho com um sorriso. -Não diga isso. Falávamos sobre o governo do chanceler alemão e como as Olimpíadas são nada além de um marketing de seu governo. -O sorriso dele deu esperança para Anastásia, esperança em poder confiar em alguém que não fosse Yeva, alguém para quem ela poderia se entregar. 

—É evidente que ele desenvolveu o país, afinal, agora a Alemanha deve ser o terceiro ou quarto país mais industrializado do mundo, mas receio que Versalhes irá causar problemas a ele. -O comentário dela fez o professor de Oklahoma ficar boquiaberto, ele sempre tratara o sexo feminino como um manequim, algo que devia ser lindo e belo, mas agora, por mais que não fosse confessar pensou em aceitar mulheres em seu curso de Mitologia Antiga.

—Uma mulher que sabe o que diz. -O velho lhe bateu palmas em elogio.

—Viu professor, não deve julgar um livro pela capa. -O comentário que fez o fez lembrar de Nicollas, aquela frase era repetida muitas vezes por seu primo/irmão para seu avô.

—Sua água, senhorita. -Juan retorna com um copo cheio de água cristalina diretamente das profundezas dos lagos da Noruega, uma extrema extravagância na opinião do Lohan. 

—Tenho que ir, obrigada pela conversa. - Anastásia se despede dos três ali. Seu coração estava acelerado e suas pareciam suar. Nunca tinha sentido aquilo, ela começou a acelerar o passo para sair dali o mais rápido que pudesse. Enquanto estava no corredor viu o Chefe de tripulação se desculpando com duas mulheres.

—Desculpe o problema, seu quarto já está pronto. -A voz dele era rouca, mas firme, tinha olhos azuis e o cabelo aparado militarmente. As receptoras do pedido eram duas mulheres. Uma delas já era conhecida de Anastásia, a famosa bailarina Yelyzaveta, uma ruiva que vivia no luxo soviético por ser a primeira do Bolshoi, ela não podia evitar, aquela mulher representava tudo o que ela mais odiava na Rússia. O nariz erguido em arrogância e olhar frio, disfarçados por um luxo extravagante e o discurso social falso. Milhões morrendo de frio e fome, enquanto no coração russo havia o desperdício e injustiças.  A outra era uma latina; cabelos ondulados, longos e pretos. De olhos escuros e penetrantes. Tinha mesma altura do que ela, mas não fazia sentido estar junto da orgulhosa Rosa Russa. Anastásia havia conhecido Yelyzaveta aos dezessete anos, quando Andrey e Yeva a levaram para o teatro Bolshoi para assistir a uma apresentação. Anastásia se apaixonou pela apresentação, pelo ballet e pelo teatro, até o momento em que Andrey a levou para o banheiro e começou a abusar dela. Com os olhos cheio de lágrimas Anastásia viu entre as investidas de Andrey uma figura ruiva se aproximar, era Yelyzaveta. Ela o chamou, nem ao menos olhou para ela. Quando ele saiu, Lyza se virou para Anastásia e lhe disse para parar de chorar e retornar ao assento com a cara limpa. Desde então Anastásia passou a odiar a garota e o ballet russo. As duas mulheres saem junto do Chefe de tripulação em direção do lounge. Anastásia cruzou o umbral de seu quarto e se deparou com Catherina olhando pela janela.

—Acho que estou ficando melhor, mamãe. -O sorriso de Catherina fazia desaparecer todas as preocupações que estavam na cabeça dela, naquele momento só ela importava. 

—Beba, Cath. -Anastásia começou a alisar os cabelos vermelhos da filha era tão bonitos, assim como os de Yeva, assim como os de Lyza... 

—Toque Toque. -A porta do quarto se abriu lentamente e Anastásia se levantou, em reflexo acabou pegando um livro para se defender.

—Desculpe, mas achei que isso poderia ajudar. -Lohan ergue as mãos em sinal de paz e amizade, nas mãos tinha um pedaço de chocolate.

—Como se diz, Cath. -Disse Anastásia ao Cath agarrar o chocolate belga e colocá-lo na boca, os olhos dela brilharam como estrelas noturnas. 

—Obrigada. -Cath agradece com uma voz mansa e delicada, no momento ela corria para a própria mala na busca de um livro de contos russos que havia levado consigo para ler.

—E como ela está? -Lohan pergunta se aproximando de Anastásia, ele olhava para Cath com carinho, diferente dos filhos dos Di Biasi, ela não parecia ser mimada ou doutrinada, não parecia enaltecer Stalin ou Lenin, mas também não os parecia conhecer, ela parecia apenas.... uma criança, uma criança aproveitando a infância.  

—Está se recuperando…-Anastásia responde se encolhendo, na verdade parecia fugir, mesmo que involuntariamente da presença de Lohan, como a sombra foge da velha acesa em uma mesa enquanto sua cera derrete a cada passar de tempo. Anastásia não fazia por mal, mas por defesa própria, ser refém de Andrey destruíra sua vida em muitos aspectos, principalmente no convívio social. 

—Bem, eu já vou indo, só queria saber como… você sabe... - Lohan já havia visto aquilo acontecer, a recusa de Anastásia em sua postura, talvez devesse sair, e assim o fez. Saiu pela porta se despedindo educadamente, mas sem tocar em Anastásia ou em Cath. Ao sair tinha um sentimento estranho, o coração acelerado e as pernas tremulas, o que o fez sair desse transe foi uma marca na parede, uma marca estranha como uma pintura rupestre, mas se parecia com uma letra. –Mas o que é isso!?

 

 


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