O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 22
Pequenos terrores




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— Ele está pior.

Dave espreitou Brad. O guitarrista tinha o rosto perlado de suor, estava corado, a boca gretada estremecia em murmúrios e todo ele se agitava num sono inquieto. Sim, parecia que a febre tinha claramente aumentado. Dave sentiu-o a escaldar quando lhe tocou nas têmporas com as costas da mão.

— Merda…

A sua principal preocupação era não terem nada com que pudessem aliviar-lhe a temperatura anormal do corpo. Um simples paracetamol, uma toalha molhada e fresca. Era frustrante e irritante, tudo ao mesmo tempo, numa amálgama de sentimentos ruins que o deixavam irritadiço, na raia da violência. Era só ter o gatilho certo e desatava ao murro e ao pontapé com a primeira coisa que lhe metessem à frente!

Rob sentou-se ao lado dele, depois de ter percorrido pela décima vez aquela caixa hermética onde estavam encerrados e que, de alguma maneira engenhosa e desconhecida, deixava passar o ar, senão há muito que já teriam sufocado. Dave estimava que tinham passado pelo menos entre trinta a quarenta minutos. O baterista puxou os joelhos para o peito, abraçado às suas próprias pernas.

— E agora, o que fazemos? – perguntou.

— Não faço a mínima ideia, Rob – rosnou, tentando não apontar a sua raiva latente ao companheiro, pois que não tinha, como ele, o enfermo Brad ou o contaminado Joe, culpa nenhuma daquilo.

— O Brad precisa de ser medicado. Ainda coze o cérebro com essa febre e deixamos de ter guitarrista.

— Eu sei, Rob. Eu sei.

— O que achas que aconteceu?

— Não faço a mínima ideia. A minha melhor hipótese é que fomos feitos prisioneiros por alguém que também está nesta nave. Ouvimos aquela voz vinda nem sei bem de onde a dizer que fomos capturados e surgiu esta cela onde nos enfiaram, ao estilo de uma prisão instantânea. Sem janelas, sem portas, sem grades, sem vidros ou espelhos, nada.

— Alguma abertura deve ter, continuamos a respirar normalmente e o ar não ficou viciado.

Dave suspirou. Passou uma mão pela cara, repuxou a barba ruiva.

— Rob… meu amigo Rob. Já fizemos essa inspeção um cento de vezes. Será alguma tecnologia alienígena. Nós, pobres humanos, não fomos feitos para quebrar este código e resolver a equação que nos deixe escapar por esse sistema de exaustão que permite a renovação do ar respirável aqui dentro. Somos prisioneiros – frisou.

— Prisioneiros de quem?

Rob olhou em volta. A luz era fraca, num tom azulado, conseguiam ver vultos e contornos, só de perto era possível reconhecer feições. De resto, a caixa não era muito grande, mas dava para eles os quatro à vontade, sendo que dois estavam deitados no chão.

— O Doutor tinha dito que não havia formas de vida na nave que estaria abandonada. Que grande treta! – zingrou Rob, aborrecido.

— O Doutor pode não saber tudo, ele vai descobrindo graças àquela chave de fendas sónica e à cabina telefónica. Apalpa o terreno, como qualquer um de nós, perante uma situação diferente e nunca vista. Ah! Nem sei por que motivo estou a defender o homem, já que acabámos de o conhecer!

— Só ele nos poderá salvar daqui, Dave…

— E como o iremos avisar?

— E se experimentarmos gritar e bater nas paredes?

— Já viste bem estas paredes, meu? Parecem feitas de aço sólido. Não acredito que deixem passar qualquer som.

— Ou talvez isso aconteça. Os fungos são ladrões de som e esta nave poderá estar desenhada para conseguir captar, absorver e devorar tudo o que seja onda sonora. Talvez seja isso que queiram que façamos… um barulho ensurdecedor para engordar os fungos.

— Ei, nós temos um fungo aqui dentro. Já te esqueceste? O Joe está ali, em coma, precisamente porque tem um fungo no seu organismo.

Rob baixou a cabeça.

— Mesmo assim… acho que deveríamos tentar – insistiu. – Pelo Brad. O Joe está doente e já sabemos que a medicina que conhecemos não o pode salvar. Mas o Brad… é só preciso a porra de uma aspirina para aliviar o seu estado, meu.

Pôs-se de pé, decidido a colocar o seu plano em prática. Bater e gritar até se cansar. Chamar pelo Mike, pelo Doutor, por alguém, até pelos seus algozes misteriosos. Alguém iria aparecer.

Alçou o braço direito, a mão fechada num punho.

Escutou-se um raspar, uma respiração funda e uma tossidela. Dave também se pôs de pé e agarrou-se ao braço do baterista. Colou um dedo à boca, pedindo-lhe silêncio. A tosse redobrou e depois de alguns arquejos e outros tantos vómitos viram a silhueta do coreano levantar-se. Naquela meia luz distinguiram a sua tez pálida, os olhos mortiços, a boca húmida. Gritaram quando o ouviram dizer:

— Ei… quem apagou a luz nesta merda? Não vejo nada!

— J-Joe?... – gaguejou Dave. – Joe? Estás… acordado?

— Sim, foda-se, estou acordado. Quem apagou a luz do camarim? Estamos no meio do escuro… isso é alguma moda nova do Shinoda? Sempre com aquelas mariquices ecológicas.

Rob sussurrou:

— Joe… sentes-te bem?

— Não. Estou com uma enorme dor de cabeça… parece que estou de ressaca. Não bebi nada, nem fumei nada, não sei de onde isto veio. Tenho de tomar qualquer coisa senão não vou aguentar o espetáculo. Ei, porque é que o Brad está deitado no chão com ar de morto? Ele não morreu, pois não? Porque isto está a parecer-me a porra de um velório.

— Tu estavas…

— Sentes-te mesmo bem? – cortou Dave, desconfiado.

— Não, sinto-me uma merda. Estou com dor de cabeça. Brad? Brad, corta com o teatro!

Joe deu um pontapé no guitarrista que gemeu alto. Rob saltou para diante, agarrou no coreano pelos braços e empurrou-o.

— Tem calma aí, meu. O Brad está doente.

— Alguém pode acender a luz? Não estou a gostar disto. Onde estão os outros? Onde está o Chaz?

— É uma história muito… longa, Joe – começou Rob. – Não te lembras de nada?

— Rob, larga-o. Não deves tocar nele – avisou Dave.

— Não pode tocar em mim porquê?

— As bolhas… ele já não tem bolhas. Desapareceram. Os braços estão limpos. Olha só. Sem bolhas. Nem uma. Nem uma! E não caíram, nem nada disso. Não estou a ver nada no chão. Foram absorvidas pelo organismo dele, o sistema imunitário conseguiu reagir e eliminou as bolhas.

— Isso pode não ter acontecido, Rob! Não sabemos o que aconteceu.

— Bolhas? Eu estava com bolhas?

— Sim, Joe. Nos braços. E tiveste uma massa enorme verde na cabeça, como um capacete. Era o fungo. Estavas contaminado com o fungo que gosta de som.

— Fungo? – O coreano gargalhou. – O que foi que vocês andaram a fumar, meus? Conseguiste convencer aqui o senhor higiénico a provar da boa ganza, Phoenix? Foda-se! Já te meteste na merda do Chaz… Estás muito lixado, sabes? Se provas, Rob, vais querer fazer a viagem até ao fim. Não vais querer outra coisa. Vais tocar os teus tambores como um feiticeiro.

— Ele está a falar normalmente, Dave. Ele está curado – disse o baterista entusiasmado.

— Isso… isso não faz sentido – avaliou o baixista, desconfiado. – Rob… vem para aqui. Afasta-te do Joe.

— Ah, para de ser pessimista! Temos o Joe de volta. Bem-vindo de volta, meu!

— Acende aí a luz, Phoenix. Ei… o que é isto?

O coreano dobrou o braço direito pelo cotovelo e descobriu o lenço que lhe envolvia os dedos da mão direita, duas pontas atadas num nó no pulso. Arrancou o lenço com um puxão. Na escuridão, a unha do indicador rebrilhou num tom verde fluorescente. Dave gritou:

— Rob!!!

Tarde demais.

Joe Hahn abriu a boca num sorriso diabólico. E num gesto rápido, sem possibilidade de defesa ou recuo, enfiou o dedo indicador contaminado na boca aberta de Rob Bourdon. Dave Farrell encostou-se à parede lisa da caixa e ofegou de medo. Viu o corpo de Rob sacudir-se com espasmos violentos e depois ficar anormalmente quieto. Viu o corpo de Rob iluminar-se como uma tocha viva, uma labareda azulada que o cobriu de cima a baixo e que depois se diluiu, deixando um cheiro acre a chamuscado. Gritou – o mesmo grito histérico de menina que tinham escutado no Mike.

Rob voltou-se para ele. Lado a lado com o Joe, estavam os dois cobertos por pequenas bolhas verdes que se espalhavam devagar pela pele dos braços que tinham à mostra.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Reunião.