O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado
O Doutor avisou-os, como se fazia aos meninos na escola, de que não podiam mexer em nada. Chester abriu a boca para falar, mas um puxão do Rob calou-o. Olhou revoltado para o baterista. Até o pacífico Robert Bourdon estava a contê-lo! Era quase ultrajante. Amuou e foi cabisbaixo pelo corredor afora.
Nada a assinalar até chegarem à parede dos fundos. Pararam na interseção dos corredores.
— Temos de nos dividir – sugeriu Clara.
Pelo esgar que o Doutor fez, ele não gostou muito dessa ideia. Clara explicou:
— Existem dois corredores e somos sete pessoas. Podemos ganhar tempo se fizermos uma exploração separada. Esta nave parece abandonada, o perigo deverá ser apenas proveniente dos fungos que se estão a desenvolver algures, numa sala específica da nave. Se tivermos cuidado e se não tocarmos em nada, não haverá problema.
— Sim, dividimo-nos em dois grupos – concordou Mike. – Eu, o Chester, o Doutor e a Clara ficamos juntos. Vocês… Brad, Rob e Dave. Serão a segunda equipa.
— E como nos vamos comunicar, se encontrarmos alguma coisa suspeita? Ou como nos vamos defender? Nem sequer temos uma arma de raios, como nos filmes… – disse o guitarrista.
— Uma arma de raios? – espantou-se o Doutor. – Julgas que estás numa simulação de ficção científica, rapaz?
— Bradford – resmungou Chester. – O nome dele é Bradford.
— Os americanos gostam muito de parques temáticos e de falsa adrenalina. O que pensas que está a acontecer aqui? Isto é uma nave zorbaniana, uma relíquia da grande guerra dos herdeiros! Não é um adereço de uma qualquer aventura cinematográfica transformada em divertimento barato de fim-de-semana para as famílias trabalhadoras da América!
— Eles sabem disso, Doutor! – alertou Clara, intrometendo-se. – O amigo deles está gravemente doente e estamos aqui a tentar perceber o que se passa, porque a TARDIS transportou-nos para esta nave onde reside a origem de tudo. O Brad tem razão, sabes? Se nos vamos separar, precisamos de ter um meio de estarmos em contacto uns com os outros. Como o podemos fazer?
O Doutor fungou com desagrado.
— Não nos comunicamos ou não nos dividimos. Escolham!
Gerou-se uma discussão, com toda a gente a falar ao mesmo tempo.
Mike impôs-se com um berro, mandando que todos se calassem. E decidiu:
— Dividimo-nos, sim. Seremos dois grupos, como indiquei. Ao fim de uma hora, se as buscas não derem em nada, voltamos a este ponto e regressamos à TARDIS. Combinado? Dave, tu lideras o segundo grupo. O Doutor será o líder do primeiro grupo.
— Porque é que o Dave é o chefe? – quis saber o guitarrista, empertigado.
— Porque é o mais velho do vosso grupo, Brad. E no nosso grupo, esse estatuto cabe ao Doutor.
— Muito bem, rapaz. Continuas a demonstrar que és o mais inteligente.
Chester rosnou.
O Doutor retirou do bolso do casaco um punhado de rolos amarelos pequenos e compactos. Estendeu a mão.
— Usem isto, por causa do som. Não sabemos no que podemos tropeçar, daqui para a frente. Qualquer proteção é indispensável.
— Eu não tomo medicamentos sem serem prescritos por um doutor… a sério— contestou Chester.
— Com esses tampões como é que vamos ver alguma coisa? – perguntou Brad confuso.
— Vais ver, idiota! Só não vais sentir o cheiro de nada – explicou Rob.
— Ah… está bem.
Mike revirou os olhos. Agarrou em dois rolos e colocou-os nos ouvidos.
— É para usar nos ouvidos, meus! Para que querem usar isto nos olhos ou no nariz? Ou mesmo engoli-los? São pedaços de algodão. Nunca viram tampões de ouvidos?! Nós costumamos usá-los nos nossos espetáculos quando estamos a assistir às bandas de apoio! Para não lixarmos os ouvidos antes da nossa música.
— Este tipo de tampões são uma novidade – justificou-se o guitarrista.
— Devem ser de uma marca inglesa.
— O Doutor é um alienígena, Rob. Não é inglês – completou Brad.
— Parece-me mais escocês – resmungou Chester.
— Não há Escócia no espaço. Nem Inglaterra – contrapôs Mike.
O guitarrista agarrou nos seus tampões, esboçando um sorriso envergonhado. Dave disse-lhe que não valia a pena desculpar-se de que não tinha percebido o que era, já se tinha enterrado completamente ao expor a sua ignorância básica. E outras observações ácidas e bem-humoradas. Notava-se que estava nervoso e essa era a maneira que tinha para lidar com tudo aquilo. Era a primeira vez que se via dentro de uma nave espacial, num cenário típico de filme de Hollywood e havia receio, curiosidade, risco e desconfiança. Um pesadelo tornado realidade e tudo isso.
Depois de protegerem os ouvidos, depois de Mike ter cumprimentado Dave, Brad e Rob com um aperto de mão bastante masculino e lhes ter desejado sorte com uma palmada nas costas a cada um, separaram-se. Chester pediu-lhes que tivessem cuidado e que corressem se houvesse algum perigo. A Clara sorriu-lhe e confidenciou-lhe:
— Correr é o melhor conselho que lhes poderias ter dado.
— A sério?... Oh… está bem – anuiu Chester.
— Corremos muito quando estamos com o Doutor.
— Isso não é reconfortante, Clara.
— Eu sei. Depois habituas-te.
O Doutor e Mike avançaram pelo corredor. Caminhavam mais rapidamente do que a prudência aconselhava, mas não se vislumbrava qualquer ameaça imediata e talvez devessem apressar-se para chegarem depressa a um lugar interessante daquela nave sombria. O local mostrava-se bastante aborrecido.
Chester olhou por cima do ombro. Devido à pouca luz já não conseguia ver os seus companheiros, nem sequer os seus vultos. Arrepiou-se com o desalento que sentiu. Olhou para a Clara que o acompanhava. O Doutor e Mike iam mais à frente, com o primeiro a trotar na dianteira, a liderá-los. Chester abraçou Clara pela cintura.
— Talvez não queira habituar-me a correr para salvar a minha vida… há muito tempo que andas com o Doutor?
Clara sorriu-lhe e Chester notou que ela era bastante bonita, como uma pequena boneca.
— Conheço o Doutor há algum tempo, sim – respondeu ela. – É uma companhia… bastante especial. Os dias com o Doutor nunca são iguais e acabas por gostar demasiado das viagens que ele te pode oferecer com a TARDIS. Torna-se… como é que hei de dizer isto? Uma dependência. Vês-te envolvido em situações complicadas, arriscadas, de decisões no limite que podem implicar a destruição de tudo o que amas e conheces, mas depois percebes que a vida é isso. É experimentares o brilho, as trevas, a tristeza, a felicidade, todo o espectro das emoções humanas. A adrenalina! Vives, efetivamente, sentes o sangue a correr quente nas tuas veias, percebes a tua própria pequenez e compreendes como é tudo efémero e extraordinário porque és mortal.
— Ah, Clara. Já tenho isso! Quando canto em cima de um palco… estou a viver em pleno a minha vida. Sinto-me incrivelmente desperto e consciente das maravilhosas dádivas que podemos obter neste mundo ingrato.
— Isso foi muito bonito, Chester.
— Se me quiseres chamar de Chaz…
— Chaz.
— Chazy Chaz. É a minha alcunha. – Sussurrou-lhe, manhoso: – Só para os amigos.
O Doutor chamou num tom grave:
— Clara!
A voz do Doutor reverberou pelas paredes do corredor. Mike deu um salto com o susto. Clara desprendeu-se de Chester.
— Sim, Doutor.
— Está tudo normal na retaguarda?
— Não me dei conta de nenhuma movimentação suspeita. Tudo mais do que o normal. Reparei que não estás a usar a tua chave de fendas sónica… é por causa daquele apito agudo que escutámos quando saímos da TARDIS?
— Sim, Clara. Existirão sensores nestes corredores que se alimentam da frequência específica emitida pela minha chave de fendas, transformam as vibrações sonoras em alimento que vão ajudar a engordar o fungo. Pelos vistos, não funciona com a frequência das nossas vozes ou não podíamos falar.
O corredor terminava numa porta que se encontrava fechada. O Doutor espalmou as mãos na porta, sentindo-lhe a consistência, procurando por alguma saliência ou mecanismo que a destrancasse. Mike também começou a explorar a parede da mesma maneira. Chester disse que não queria tocar em nada. Tinha uma saúde bastante sensível e ainda se contaminava com alguma bactéria estranha.
— E se usasses…? – sugeriu Clara.
— Vou arriscar. Estão todos com os tampões postos nos ouvidos, de qualquer modo.
O Doutor apontou a chave de fendas sónica à porta. O mesmo barulho irritante encheu o corredor, um silvo incómodo e prolongado, mas valeu a pena pois a porta deslizou para cima.
Luzes automáticas acenderam-se iluminando a enorme sala. Clara tapou a boca com ambas as mãos. O Doutor engasgou-se. Chester e Mike soltaram uma exclamação de assombro e, por puro instinto, agarraram-se um ao outro.
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Próximo capítulo:
A exploração.