O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado
A TARDIS estremeceu com um enorme abanão que os atirou a todos para o chão. Menos o Doutor que já estava habituado aos arranques brutos da nave quando esta descolava e se segurou à consola. Menos a Clara que também estava mais do que acostumada aos inícios espalhafatosos das viagens naquele veículo extraordinário que, por fora, era uma vulgar e anónima cabina telefónica azul, e se agarrou ao tubo metálico das guardas que delimitavam o centro do compartimento.
— Porra! – protestou Chester. – Bati com o cu no chão!
— Para onde estamos a ir? – perguntou Rob.
— Acho que mordi a língua… – murmurou Dave.
— Estão todos bem? – indagou Mike.
— Eu estou! – respondeu Brad. – E o Joe?
— O Joe está melhor do que nós. Tem uma cama – disse Dave.
— Ele está infetado com um fungo, Phoenix – irritou-se Chester. – Um fungo parasita do espaço que o está a devorar e que nos vai devorar a seguir, que vai invadir a Terra e trazer a merda do apocalipse. Como é que pode estar melhor do que nós?!
— Esta situação está a deixar-te demasiado irritado. Tens de beber um chazinho, meu. Vê lá se te acalmas. O nosso inimigo é o fungo, não é o Doutor, nem seremos nós.
— Vai-te catar, Phoenix!
— Chaz! Termina essa fase da raiva – pediu Mike agarrando-lhe o braço. – Combinado, companheiro? Vamo-nos concentrar no que importa. – De seguida sentou-se e perguntou: – Doutor, o que está a acontecer?
O Doutor dividia o olhar atento pelos monitores e pelos comandos que acionava num frenesi imparável. O compartimento sacudia-se, zumbia, crepitava e roncava, como se estivesse a ser açoitado, no exterior, por um terrível vendaval.
— Onde estamos a ir? – insistiu.
Com um último estremecimento, que fez um ruído insuportável de aço a contorcer-se, a comoção acalmou-se e cessou por completo. O chão inclinou-se um pouco e os cinco rapazes deslizaram até serem barrados por uma antepara que protegia os degraus que, naquela zona, davam acesso à plataforma onde a consola assentava. Dave ficou por cima de Rob, Brad bateu com as costas em Dave, Mike bateu nesses três e Chester acabou enrolado no Mike. Grunhiram de dor.
— Está toda a gente bem?! – perguntou Mike alto.
— Não parti nenhuma costela, por isso acho que estou bem – observou Chester.
Brad, Dave e Rob disseram que também estavam inteiros e começaram a desengancharem-se uns dos outros e a colocarem-se de pé.
Clara volveu os seus enormes olhos castanhos para o senhor do tempo.
— Onde nos levou a TARDIS, Doutor? – perguntou, ansiosa.
— Para o local de origem do fungo.
— Um planeta?
O Doutor franziu as sobrancelhas grisalhas.
— De acordo com a leitura obtida… uma nave espacial no quadrante leste da Via Láctea. Perto do sistema de Zorban. Houve uma guerra bastante intensa aqui, que me lembre. Os guerreiros amarelos venceram, mas a paz nunca foi consensual e subsiste uma guerrilha entre esses guerreiros e as diversas fações do reino. Os assuntos deles são internos. Os zorbanianos não são uma espécie que pretende a conquista de novos territórios. Não faz sentido que estejam interessados na Terra – declarou, intrigado.
— Estamos no espaço? – arquejou Brad, entre o assustado e o maravilhado.
— Ao que parece – disse Dave.
— Estamos… no meio do espaço com uma cabina telefónica azul inglesa? – especificou Rob, cauteloso.
— A não ser que a cabina azul se tenha transformado numa nave como deve de ser – disse Chester. – Ao estilo dos Transformers, hum?
— Estamos no espaço, Doutor? – perguntou Mike, incrédulo.
O Doutor desceu da plataforma apressado, brandindo a sua chave de fendas sónica.
— Não, Mike, não estamos no espaço. Estamos dentro de uma nave no quadrante leste da Via Láctea! Não estás atento ao que estou a falar. Pensava que eras o mais inteligente deles todos.
— Fomos… de Milton Keynes, em Inglaterra… para uma nave… no meio do espaço – insistiu Rob, rodando os dedos indicadores. – Com uma cabina telefónica.
Mike crispou os lábios, irritado com a reprimenda. Chester segredou-lhe:
— É o que ganhas ao dar tanta confiança ao velho… pensavas que ele te tinha na sua consideração? Nã…
— Chaz, o velho é a nossa única hipótese de salvarmos o Joe e de darmos o nosso espetáculo – ciciou Mike, agastado. – Se estamos dentro de uma nave no quadrante leste da Via Láctea…
Chester riu-se nervosamente.
— Vamos lá ver essa nave… Se calhar nem saímos daquela rua. Estamos todos sufocados dentro da cabina telefónica, a alucinar com falta de ar porque não cabemos todos lá dentro e isto é só um sonho!
Brad movimentou a cabeça.
— Seria um sonho muito estúpido. E o Joe infetado? Também é um sonho?
Chester encolheu os ombros. Não era capaz de dar seguimento àquele raciocínio. Era tudo demasiado doido, rebuscado, incrível e espantoso. Ele queria acreditar. Por outro lado, contudo, o seu lado mais racional buscava encontrar explicações razoáveis.
O Doutor entreabriu a porta de saída da TARDIS, espreitou brevemente e depois girou o pescoço.
— Clara Oswald, tu vens comigo. Vocês ficam aqui a guardar o vosso amigo doente.
— Nem pensar! – protestou Mike dando um passo em frente. – Nós também vamos. Como é que vais confiar nela para uma missão que será potencialmente perigosa, quando nós estamos aqui?
— Estás a querer dizer que mais vale enviar um homem do que uma mulher nesta missão potencialmente perigosa? – questionou Clara ofendida e cruzou os braços.
— Não, Clara. Não é isso que quis dizer. Mas se há perigo, devemos sempre proteger as mulheres e as crianças.
— Nunca julguei que fosses um machista, Mike Shinoda!
— Estou a fazer a sugestão com as melhores intenções – justificou o japonês, atrapalhado, a sacudir as mãos.
Chester revirou os olhos.
— Ela é a minha companheira – explicou o Doutor. – Ela está sempre ao meu lado e preciso dela para que veja o que eu não consigo ver. Sim, confio a minha vida nas mãos dela e mesmo quando se trata de missões potencialmente perigosas. Sempre assim foi!
— Não adianta, Mike – disse Brad e tocou-lhe no ombro. – Aqui dançamos a música do Doutor.
— Gosto de ti, rapaz! Assim é que se fala.
— Ele chama-se Bradford – apontou Dave com um sorriso divertido.
— Achas isto engraçado, Phoenix? – perguntou Chester.
— Hilariante!
O Doutor escancarou a porta da TARDIS.
Um corredor metálico e profundo, mergulhado numa meia penumbra, estendia-se em linha reta até alcançar uma parede opaca, bifurcando-se aí em dois outros corredores, um para a esquerda, outro para a direita. A iluminação era escassa, existiam alguns projetores junto ao teto que despejavam uma luz débil. A temperatura era glacial, o ar era respirável. O silêncio opressivo e ominoso conferia uma certa aura de horror ao cenário.
O Doutor apontou a chave de fendas sónica. A vibração da ferramenta fez surgir um silvo agudo que lhes feriu os tímpanos. Clara, Mike e Chester cobriram os ouvidos com as mãos, Brad gemeu, Dave e Rob recuaram.
— Som – disse apenas o Doutor.
O silvo cessou quando ele desligou a chave de fendas.
— É uma nave zorbaniana – acrescentou o senhor do tempo. Deu meia volta. – E pela leitura que fiz está abandonada. Não há formas de vida a bordo. Mas também detetei um bloqueio de sinal, pelo que alguém ou alguma coisa não quer que se descubra o pequeno segredo que esta nave guarda.
— São os fungos que comandam a nave? – perguntou Mike.
— Pouco provável. Os fungos não terão essa capacidade, mesmo depois de totalmente desenvolvidos e já numa fase mais madura. Mas é certo que são provenientes daqui. Uma colónia, um viveiro, um laboratório, algures nesta nave existe um local onde encontraremos a origem do parasita. Precisamos de explorar a nave para descobrir.
O Doutor avançou pelo corredor, Clara também deixou a TARDIS.
— Isto está cada vez mais interessante! – exclamou Chester com uma gargalhada. Calou-se abruptamente. – Ai, Shinoda! Agora és tu que estás com a merda das cotoveladas?
— Chiu! Seguimos o Doutor e sem fazer comentários.
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Próximo capítulo:
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