Era terça à tarde, o sol estava pouco a pouco desaparecendo no horizonte, trazendo à tona a noite gélida de outono, apertou o cachecol no pescoço desajeitado com a mão livre, enquanto a outra estava com os dedos entrelaçados com outros dedos enluvados.

Se dissesse que não estava nervoso, seria uma grande mentira, porém o aperto firme em seus dedos ainda o mantinha inteiro.

— Tem certeza que é a decisão certa? — Perguntou diante o portão de ferro batido desgastado, estava bem cuidado apesar do tempo e as dobradiças estavam bem lubrificadas.

— É importante para você. — Olhos esmeraldas encararam os carmesins, um sorriso paciente e caloroso em seus lábios. — Ela significou muito para você.

— Eu não sei... Faker... — Suspirou, sua voz estava trêmula, um nó estranho na garganta. Uma visão que poucas pessoas tinham devido a personalidade sempre arredia de Shadow.

— Confie em mim. — Sonic mais uma vez demonstrava uma calma quase pacifica, sua tranquilidade aliviando um pouco da inquietante ansiedade que lhe corroía o estômago.

O ouriço ébano e carmesim suspirou, seus olhos de mesma cor de suas listras encararam o namorado como se tivesse todas as respostas do universo.

Então cedeu a sua candura e paciência. Mesmo sabendo que, mesmo que fosse uma homenagem singela, um gesto simples, seu coração iria doer pela perda.

Sonic entrou em sua vida, porém, mesmo assim o buraco em seu peito não fora completamente preenchido.

Seria pedir demais de Sonic se fosse capaz de curar todas suas feridas, mas o ouriço cobalto fazia o possível para cuidar dele, mesmo que fosse teimoso de forma que acabava por irritar o ouriço ébano.

— É esse o lugar? — Perguntou por fim, sentindo o restante das paredes de seus muros racharem e cederem, de repente se sentiu exposto, frágil, vulnerável.

Mas era Sonic ali com ele, não havia nada que provocasse seus instintos de autopreservação, ele estava seguro, estava em bons braços.

— Pedi para Tails pesquisar onde provavelmente está o túmulo dela, não foi difícil encontrar depois de pesquisar por alguns jornais antigos na internet. — Sonic respondeu tranquilamente, tagarelando como sempre fazia, sua voz fazia com que as batidas de seu coração dolorido se acalmassem, que a dor que sentia fosse suportável.

Mesmo que o ouriço cobalto não fizesse nenhuma ideia do efeito que causava em Shadow.

— Aparentemente não se falavam de outro assunto senão o “acidente” na ARK. A GUN escondeu bem o que fizeram. — Completou com uma careta, sendo totalmente contra qualquer forma de violência ou má índole, tendo em seu cerne a justiça intrínseca.

Shadow estremeceu com a menção, memórias ainda fragmentadas preenchiam sua mente, lembranças do “acidente” e das mortes que presenciaram, a vida de inocentes sendo tiradas por causa de sua existência.

— Não foi sua culpa. — Sonic afirmou com ferocidade, como se estivesse ciente de seus pensamentos autodepreciativos e estivesse os repreendendo.

Antes que Shadow pudesse retrucar ou, remoer mais sobre seu passado, Sonic lhe deu um puxão, arrastando-o para que entrassem, o guiando pelas fileiras de túmulos cinzentos, uns com vinhas se moldando pela pedra das lápides e outros cobertos de grama alta e algumas plantas que cresceram pela ação da natureza.

Ficou claro que o portão de entrada era uma das únicas prioridades ali.

O lugar era silencioso, como o esperado, embora em alguns momentos o vento balançasse os galhos secos, fazendo com que as poucas folhas laranjas que ainda lutaram para se manterem se desgarrassem e fossem levadas a voar.

Sonic se aconchegou mais perto de Shadow, instintivamente, como se algo desconhecido despertasse a súbita vontade de ficar mais perto de alguma alma viva.

Finalmente chegaram onde Tails lhe instruíra de antemão, havia túmulos mais pomposos, com lápides bem esculpidas e gravações, algumas estátuas de anjos decoravam aquele lugar, onde aparentemente era onde os que vinham de famílias abastadas descansavam em paz.

E Sonic nunca havia parado para pensar na influência do sobrenome do seu arqui-inimigo até aquele momento.

O túmulo de Maria ficava no centro de três, levou um tempo para que percebesse que os que a rodeavam poderia ser a mãe da garota e Gerald, avó de Dr. Eggman e criador do homem de sua existência.

Era uma lápide singela, com uma gravação simples e nada menos emocionante.

“A mais doce e gentil rosa colhida antes de seu tempo. Que os anjos acalentem teu espirito jovem e lhe conforte no descanso dos deuses.”

Shadow passou os dedos trêmulos pela gravação, seu coração batendo dolorosamente enquanto tentava respirar, embora fosse com dificuldade.

Sonic ao contrário do que todos esperariam dele, não fizera nenhum comentário, nem mesmo se mexera, deixou com que Shadow tivesse seu momento, embora sua maior vontade de passar seus braços ao redor do corpo esquio e musculoso e aquecê-lo em um dos abraços mais apertados que conseguia dar.

Mas seus braços não conseguiam se erguer.

Sonic se sentiu paralisado ao ver a tamanha dor que Shadow escondeu de si durante todo esse tempo, era uma das raras vezes que via o ouriço ébano chorar.

— Maria... — A voz veio depois de várias fungadelas, então se ergueu de sua posição ajoelhada, a qual nem mesmo percebera que havia adotado. — Quero te apresentar alguém. — Foi até o ouriço cobalto que estava congelado e um pouco desconfortável com a cena, mesmo que fosse ele quem insistira para que viessem.

Shadow passou os braços pela cintura fina e quente e Sonic percebera que era mais para se apoiar do que um gesto carinhoso. Aquilo lhe doeu mais do que todas as armadilhas de Dr. Eggman.

— Esse é Sonic. — Shadow continuou, depois de tomar uma respiração profunda, alimentando sua coragem. — Meu namorado. — Shadow deu uma risada triste. — Você amaria tê-lo conhecido, teriam sido bons amigos.

— Ei. Maria... — Sonic conseguiu dizer depois de um tempo, encontrando novamente sua voz. — Eu tenho muito a te agradecer, por ter feito parte do passado do Shadow e... — engoliu em seco, olhando para baixo. — Por ter sido a razão dele existir, pode parecer idiota ou egoísta da minha parte pensar assim. Mas... Obrigado, Maria.

Shadow olhou para Sonic, suas bochechas pêssego róseas, embora fosse escuro, seus olhos sendo capaz de captá-lo perfeitamente.

— Obrigado por me trazer. — Shadow disse calorosamente, antes de depositar um suave beijo na testa cobalto. — Você estava certo, eu precisava disso.

— Não precisa agradecer. — Sonic estendeu a mão que não estava atrelada a de Shadow e depositou uma rosa branca artificial no túmulo árido, aparentemente tão pouco visitado.

Sonic havia convencido Shadow que flores artificiais seriam melhores, porque nunca murchariam ou se tornariam feias, assim como a memória de Maria no coração do ouriço ébano, então seria mais um gesto singelo que uma forma não muito tradicional de homenagear um amigo falecido.

Shadow deu um sorriso singelo para o túmulo, algo que sugeria uma despedida temporária.

— Obrigado por ter existido, Maria. — Disse antes de virar as costas, prometendo a si mesmo que voltaria outras vezes.

Ambos saíram dali com passos lentos, não tinham pressa. O ar estava frio, embora pouco ventasse. As ruas pavimentadas, silenciosas e cinzentas os recebera, abraçando suas dores, medos e inseguranças de um casal que era tudo, menos perfeito.

Mas que nunca deixariam de se amar.