Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 17
Certas coisas precisam mudar


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, boa noite, bom dia ♥ como vão vocês?
Já estamos entrando na reta final da história!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785950/chapter/17

O restante das férias de inverno foi um primor. Adele “descobriu” que trocar beijos era muito menos divertido agora que estávamos noivos, o que significava que a vigilância sobre nossa boa moral viria em dobro. Apesar disso, não significava que não sabíamos nos aproveitar de momentos onde ninguém estava olhando ou distraídos demais com a Gigi. É claro que para ela se tratava de unir o útil ao agradável. Não era amor, para ela. Porém, eu iria reclamar de barriga cheia? Não, ela havia me oferecido essa possibilidade... Só não agora. Não custava esperar.

Agora que eu e Thomas iríamos retornar a Cambridge – eu para meu segundo ano, e ele para concluir os estudos definitivamente –, estávamos estranhamente mais próximos. Não o segui mais nenhum dia – por favor, eu não sou um maníaco –, porém tinha certeza que Thomas havia diminuído seus encontros com Alice. A maior parte do tempo ele passava comigo no quarto, estudando para as provas finais. Com relação ao casamento, ele até havia se oferecidos para doar uma parte dos direitos de mais velhos para ajudar. “Presente de casamento”, disse ele. Ainda assim, havia aquela incógnita que ainda me deixava com a pulga atrás da orelha.

Num dia desses de início de primavera, quando ainda estava frio o suficiente para nenhum de seus amigos quererem convidá-lo para sair e permanecermos bebendo no quarto para nos esquentarmos, Thomas iniciou o assunto:

— Quando descobriu que queria Adele como esposa, Alex?

Fiquei embasbacado com a pergunta repentina. Thomas não se aventurava com perguntas pessoais, na esperança de que não as fizessem também. Porém, não vi nenhuma armadilha na pergunta. Aparentemente, se tratava de uma pergunta inocente, de irmão para irmão. Meu Deus, eu andava desconfiado da minha própria sombra desde que comecei a investigá-lo...

Decidi ser sincero. Era bom para colocar eu mesmo nos eixos.

— Desde... Desde o incidente com a tesoura — apontei com a cabeça para a cicatriz em meu braço. Já completaria um ano, mas parecia ter sido há um século. As coisas haviam mudado tanto desde então... — E-eu creio que... Só tenha me dado conta pelo modo como ela me tratou. Com atenção. Obviamente ela não... Estava interessada por mim, na época, então preferi manter isso em sigilo até que fôssemos mais... Íntimos?

— Entendi — Thomas sorriu, penteando para trás os cabelos cacheados. — Fico feliz, de verdade, por vocês dois. Adele será uma mulher de grande sorte.

Neguei com a cabeça, me recostando na cadeira.

— Na verdade, é o contrário. Se há alguém com sorte na relação, certamente não é ela. A menos que estiver contando a parte de jamais ter olhos para qualquer outra mulher, porque isso é garantido.

— Essa é uma parte importante — Thomas riu baixo. — Sabe, eu... Faz tempo que eu queria falar contigo. Sobre... Sobre tudo que está acontecendo, eu acho. Não dá para negar que deixei as coisas estranhas ultimamente.

Ah, meu Deus. Para essa eu não estava preparado. Apesar disso, fingi plenitude e ajeitei a postura na cadeira.

— Estou ouvindo, Tom.

Thomas limpou a garganta. Já eu me preparei para o baque, uma vez que não fazia ideia do que estaria me esperando da tal conversa. Já sentia uma pequena taquicardia chegando ao horizonte, porém tentei não me preocupar tanto com isso. Qualquer coisa, Hugh teria uma taça de conhaque me esperando nas gavetas da biblioteca.

— Eu ando tão estressado com... As tarefas do curso e com... Outros assuntos. E... Eu reconheço que tenho sido injusto com você, que só estava tentando ajudar. Acho que estava tão acostumado com ser o modelo da família que eu... Posso ter ficado com inveja de não ter mais controle sobre tudo que acontece na minha vida. Sei que não é justificável, mas... Faz sentido?

— Quer que eu responda em sentido de análise ou só como irmão? — ergui uma sobrancelha, me divertindo com a sua expressão de desespero. Ao ver que fazia uma piada, ele até riu fraco. — Faz sentido, na verdade. Nós só invertemos os papéis. Com menos intensidade.

Ele assentiu com a cabeça, um tanto encabulado. Compadeci-me de sua situação... Pode acontecer com todo mundo, eu supunha.

— Sabe que pode contar comigo, não sabe? — indaguei em tom mais baixo, me virando para ele na cadeira. — Digo, com esses... Outros assuntos?

Era sua oportunidade de se abrir comigo. De contar o que estava escondendo há tempos, desde o ano passado. Thomas ergueu os olhos para mim, com um brilho de entendimento. Talvez ele nunca tivesse se dado conta de que eu pudesse prestar atenção nele ao ponto de notar algo de errado. Agora só me restava saber se ele iria – ou se podia – contar comigo para se abrir a respeito. Ainda não sabia se era ilegal, ou até que ponto Alice estava envolvida. Thomas detinha as lacunas das respostas.

— Sei. E eu agradeço, Alex. Eu... No momento, eu ainda não posso. Sinto muito.

— Entendo...

— Quando eu me formar, prometo que conto para vocês — ele sorriu cansado. — Sinto muito se as minhas ausências tenham sido motivo de preocupação. Mais... Mais alguém notou?

— Provavelmente sim. Mas eu fui o único cara de pau que veio perguntar. Irônico, não?

Apesar de já ser coisa do passado – ao menos, eu esperava que fosse – o segredo de Adele continuaria muito bem guardado. Afinal de contas, se ela quisesse que Thomas soubesse de sua paixonite, ela mesma teria contado a ele na época. Aliás. Ela justamente não contou por pensar que era recíproco. De qualquer maneira, não por egoísmo, mas por proteção, que optei por essa escolha de palavras. Ainda havia nossa mãe que apenas por motivos de ser mãe já garantia a percepção das menores diferenças nas expressões faciais e comportamentais. Isso nem a Psicologia conseguiam explicar, era simplesmente assustador.

— É um pouquinho, sim — Thomas riu fraco. — Mas seu progresso é notável, Alex. Como você mesmo disse, nós só invertemos os papéis. Temos uma estrela em ascensão e a estrela em decadência.

— Diz isso porque não me vê beber com Hugh Shaw — gargalhei. — Poderia vir beber conosco um dia desses. Aliás... Têm planos para hoje assim que terminarmos de estudar?

Thomas negou com a cabeça, sorrindo um pouco mais abertamente.

— Depende. O que vocês vão beber?

— Geralmente, conhaque. Ainda está meio frio.

— Então eu aceito. Pelo amor de Deus, em Paris só há gim e uísque! Meu paladar está buscando por algo mais caipira. Em Bloomsbury, todas as bebidas são suspeitas, acredita que senti falta disso?

Quem diria que ainda faríamos isso um dia? A pessoa que me ensinou a beber estava agora aceitando minhas bebidas...

É, os tempos estavam mesmo caóticos.

┗━━━━━━༻❀༺━━━━━━┛

Hugh aceitou o terceiro membro renegado sem questionar. “Thomas é um bom sujeito”, dizia ele. “O problema só é que é muito bom sujeito, isso abala nossa confiança”. É, Hugh. Sabemos. Mal sabia ele que em matéria de ser bem apessoado, de nós três ele ficava no meio. Ultimamente Thomas e eu éramos diferenciados por “irmãos Banks”, porém ele era “o dos cachinhos” e eu era “o do cabelo que parece um ninho”. O que eu podia fazer se o meu cabelo não se decidia entre um e outro? Enfim.

Disse que Hugh aceitou o terceiro membro sem questionar, mas fui gentil nisso. Obviamente, houve um apontamento da parte dele enquanto bebíamos conhaque no dormitório que me deixou com as orelhas em pé – àquela altura do campeonato, eu já me considerava um canino dos mais bobos.

— Sabe de uma coisa, Thomas? Eu achava que você fosse o maior babaca, quando o Alex entrou aqui — Hugh disse naturalmente enquanto limpava a lente dos óculos na barra da camisa. — Mas agora estou vendo que você era o tipo de sujeito que andava com o pessoal errado. O que aconteceu com os outros, aliás?

Engoli em seco, bebericando um copo d’água. Já havia queimado a garganta o suficiente por uma noite.

— Digamos que eu estivesse um pouco sem tempo — Thomas sorriu amarelo, porém bem-humorado. Conhecia suas expressões faciais de ofensa, e nenhuma delas se manifestava no momento. — Eles ficaram de saco cheio das ausências, então pararam de insistir. Mas não faz falta. Meu pai diz que homens são cansativos.

— Explica muita coisa — comentei com um riso baixo.

— E depois dizem que mulheres são difíceis. Homens são sensíveis e fofoqueiros — Hugh gargalhou. — Só há uns menos fofoqueiros que outros. Estudante de Direito estão no topo da lista.

Thomas e eu nos entreolhamos, segurando o riso. Era bem verdade que Hugh não se controlava com a língua.

— Ao menos sei que estudantes de Medicina estão no final da lista — Thomas contribuiu para a conversa. — Enfermos e mortos não fornecem nenhum assunto quente para se propagar.

— Propaga outras coisas, isso sim.

— Piada horrível — exprimi minha melhor careta de desgosto.

— Desculpe. Mas depois das histórias que ouvi, fiquei muito contente por ter escolhido Psicologia. É uma pena que terminarei ano que vem. O que me consola é que meu bom amigo provavelmente tomará meu lugar, depois que eu indicá-lo. Certo?

Confirmei com a cabeça, sorrindo abertamente. Era a coisa que eu mais ansiava fora atender estudos de casos reais. Nossos professores haviam alertado que, apesar de ainda ser uma profissão questionável e experimental, ainda havia quem necessitasse dela. Alguns de mente aberta e alguns desesperados, mas nada que fosse um esforço inútil. Então, eu permanecia batalhando para enfiar todos aqueles pensamentos e respostas cognitivas na cabeça, na esperança de que encontraria minha utilidade para alguém um dia.

— Pois então. O que mais tenho a fazer da vida a não ser rir das coisas?

— Você tem um ponto — Thomas deu de ombros. — Ao menos, teremos uma felicidade em breve. Aparentemente, tudo que é bom vem do pequeno Alexander aqui.

Sorri torto.

Pequeno? Eu sou mais alto que o Hugh, e perco para o senhor por apenas três centímetros e três anos de idade.

— Para ser mais alto que eu, não é necessário muita coisa — Hugh gargalhou. — Deve ser o sangue francês, não?

— Que nada, é praticamente a mesma coisa. Quer dizer... A mamãe é baixinha, não é como se fizesse alguma diferença.

— Por falar nisso, como sua mãe está com a história do casamento?

Dei de ombros. Era difícil de decifrar qualquer emoção que viesse da minha mãe. Ela era do tipo de pessoa que era misteriosa e introspectiva, mesmo que fosse conversadeira e amorosa com todos. Eu, pelo menos, de nada sabia de seu passado, e duvidava que meu pai soubesse. Então, o que eu poderia dizer a respeito?

— Bem... Ela gosta da Deli. Apesar de disputarem o mesmo nome, não é uma disputa — Thomas respondeu por mim. — Imagino que as sogras de hoje não sejam muito bom exemplo, mas elas sempre tiveram uma relação muito próxima desde que voltamos a entrar em contato. Acho que bem, não?

Assenti com a cabeça, rindo de nervoso ao lembrar-me da ocasião recente.

— Ah, sim. Mamãe está de acordo. Já o tio Émille apertou minha mão com tanta força que pensei que estava querendo quebrar meus dedos para não entrar ali nenhuma aliança... Na hora eu ri, mas confesso que uns quinze minutos depois temi por minha vida.

Hugh e Thomas gargalharam, o que me fez sorrir. Era bom ter meu irmão de volta aos eixos, ainda que estivesse bem claro que ele tinha mesmo algo a esconder. Porém, uma vez feito o pedido de paciência, eu já não mais tentaria ir atrás da informação sem permissão. Olhei-o de soslaio, me recordando da promessa que havia feito à Adele no começo de nossas interações mais íntimas.

Apesar de já ter abandonado a ideia de espioná-lo, eu ainda devia a ela uma explicação plausível para o porquê de seu comportamento questionável. E assim eu faria. Que ideia melhor do que começar um casamento com uma resposta para uma pergunta que ficara para trás no tempo?

— Um brinde ao formando, ao noivo e ao esquisito — Hugh propôs, apesar de taças de conhaque não serem adequadas para isso. — E ao voto feminino, já que estamos honrando a srta. Bretonne.

Brindamos com os copos vazios. Sorri sozinho, procurando manter os pés no chão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eis aí a matilha de lobos solitários. Amo de paixão esses três.
Já já chega o que o Thomas andou fazendo no mato, mas ao menos a treta entre os dois já fechamos. Ufa!
Até o próximo ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Bravado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.