Bravado escrita por Camélia Bardon


Capítulo 16
Vícios e virtudes


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Como vão vocês? Peço desculpas por não ter tido mais capítulos esse mês. Era minha pretensão mas esse mês foi cheio de altos e baixos: derrubei água no notebook, fiquei uns 3 dias esperando ele voltar à vida, tive umas crises lascadas de enxaqueca e tendinite... ou seja, tudo contribuindo para eu escrever o mínimo por dia para conseguir atualizar todas as histórias em andamento. Agradeço pelo carinho e paciência de sempre, vamos que vamos ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785950/chapter/16

Devo dizer que Madame Thenard ficaria escandalizada por último. Nossas mães e tias – as senhoras madames de família que haviam nos criado e agora compartilhavam suas variações de frases de “eles crescem tão rápido” – passaram na frente, chegando à primeira posição na fila do espanto quando fizemos o anúncio na mesa de jantar na noite do dia 31. Poderia não ser tão dramático quanto foi, porém era uma estratégia. Todos já haviam se acostumado com a presença de Giselle para ela não ser a novidade a ser ofuscada – afinal, não era um anúncio de gravidez. Por Deus, não –, então foi dramático com ressalvas.

— Casamento? — tia Sienna alternava entre olhar para a filha, o marido e o futuro genro. Vulgo, eu. Vulgo, apavorado. — Ora, mas isso é... Isso é...

— Ótimo! — tio Émille emendou, apertando minhas mãos com vigor. Senti meus ossos dos dedos pedindo socorro. Pobre homem magrelo que sou. — Ótimo! Alexander é um bom rapaz, Sienna. Bem melhor do que aqueles burgueses arrogantes que pediram permissão para cortejo quando ela entrou em debut.

Adele abanou uma mão em frente ao rosto, as bochechas coradas.

— Por favor, papai, vamos deixar os garotos de fora.

— Isso é tão legal! — Maélie suspirou apaixonadamente. — A gente vai poder continuar chamando os tios de tios, não é, mãe?

Minha mãe, agora incluída no assunto, riu e estendeu a mão para acariciar os cabelos alaranjados da filha. Maélie aproveitou a oportunidade pra ir se aconchegar nos braços da mamãe urso.

— Claro que sim, querida. Eles só irão se casar, não trocar de rosto e nome.

— Ah... Ok, então!

— Vamos providenciar tudo que for necessário para a cerimônia — meu pai se prontificou, colocando uma mão no ombro da esposa e da filha. — Será uma honra receber a pequena Deli em nossa família em laços consanguíneos.

Adele sorriu de lado, ainda corada. Gabrielle, que carregava a irmã menor nos braços, olhou-me de soslaio tentando compreender como havíamos chegado àquele ponto. “E então, passou de tímido extremo a noivo em um semestre?”. Eu devia a ela uma conversa, e com razão. Entretanto, não podia me abrir com todo o coração. Gabrielle sempre seria minha melhor amiga e confidente, porém assim como eu ela estava descobrindo que a vida poderia ser muito complicada se tratando de sentimentos amorosos.

— É claro que dividiremos as despesas, Banks. Contribuiremos para com a moradia — tio Émille pontuou, como se não fosse óbvio. Os dotes já eram considerados absurdos em nossa geração (ou, pelo menos, em nossa família), porém nunca a masculinidade agiria em favor do justo dinheiro. Se havia dois noivos, então havia duas proporções de contribuição monetária.

— Quando pretendem que seja a cerimônia? — tia Sienna indagou para a filha, ultrassensível. Pobre mãe, ganhando uma filha e “perdendo” outra... — E onde?

— Aqui e no verão — Adele sorriu, desviando o olhar do meu. — Tenho certeza de que Alex não vai querer ser o noivo do ano em Cambridge.

— Eu passo, obrigado — contribuí para a discussão.

— Uma cerimônia simples, só nós. Que tal? Casamos na capela e fazemos alguma festa bonitinha no jardim. Ele é tão bonito que parece um desperdício deixá-lo aí para nada.

Tia Sienna riu da colocação da filha, aproveitando para imitar minha mãe e passar um braço ao redor dos ombros da filha. Adele sorriu para ela, refletindo os traços tão marcantes de seu pai no sorriso. Imaginei se tia Sienna estivesse analisando sua postura, procurando brechas no comportamento da filha que indicasse que algo estava errado. Porém, ao perscrutar suas feições vez após vez, só lhe restou sorrir sinceramente com a felicidade da sua querida mais velha. Quando notei o gesto, pensei que poderíamos mesmo ser felizes além da amizade. Desviei o olhar da cena íntima, voltando o foco para um comentário muito pertinente de Evan:

— Perdemos um soldado para a batalha, senhores. Este aqui foi acorrentado — para reafirmar o que dizia, me deu um tapinha nas costas, o qual resultou em risinhos da parte de Thomas e Laurent. Mais de Laurent.

— Ah, os homens másculos e suas metáforas com cordas e correntes — Gabrielle suspirou, revirando os olhos cor-de-mel. Giselle, ainda em seu colo, babou em apoio ao comentário da irmã. — As grandes epopeias gregas teriam inveja dos grandes discursos em protesto a um noivado.

— O que quer dizer com isso? — Evan franziu a testa, consternado.

— Ora, já que o senhor é tão inteligente, pode muito bem adivinhar sem que eu lhe explique.

Foi a vez de Evan revirar os olhos, murmurando algo sobre como “mulheres são criaturas peculiares”. Eu e Adele trocamos um olhar cúmplice, e pude ver que no momento estávamos unidos em pensamento. Era necessário um pouco mais de idade e maturidade para que ambos entrassem num consenso. Até lá, ambos estariam certos e errados e jamais moveriam um dedo para mudar algo dentro destes parâmetros.

— Enfim! — mamãe, a mediadora de todas as horas felizes e tristes, uniu as duas mãos para enfatizar o que dizia. Sempre dava certo. Todos nós olhamos para ela. — Por que não comemos antes que a comida esfrie? É uma ocasião tão feliz, mas somos ainda mais privilegiados por termos o que comer e vestir hoje, neste dia tão frio. Thomas, querido, pode fazer a oração para nós hoje?

Thomas, o que foi pego desprevenido tanto pelo anúncio do noivado quanto pelo pedido de oração da parte da mamãe, assentiu com a cabeça e ofereceu a mão para os dois indivíduos à sua esquerda e direita. Eu, que estava à sua esquerda, levei um tapa sem intenção. Foi o suficiente para acordar do meu torpor do momento.

┗━━━━━━༻❁༺━━━━━━┛

— Casamento — Gabrielle repetiu, estreitando os olhos para mim. Estávamos lendo em conjunto, porém sua curiosidade não se conteve dentro do peito. — Você e Adele.

— Sim. Está com problemas auditivos?

Em resposta, recebi um peteleco na orelha.

— Ai!

— Mereceu. Como assim? E você não me contou nada?

— Bem... Não, porque não tinha pedido para comunicar o fato. Geralmente, uma coisa está associada à outra.

— Você entendeu muito bem o que eu quis dizer — Gabrielle revirou-se na cama, deixando seu livro na mesa de cabeceira. — Quer dizer... No verão você mal suportava que nós fizéssemos piadas sobre estar apaixonado pela minha irmã, agora vão se casar? E outra! Adele nunca deu indícios de que queria se envolver com você. Não é à toa que todos foram pego desprevenidos... Não estou dizendo que não estou feliz por vocês, porque estou. Mas...

— Entendi o que quis dizer.

Gabrielle resmungou, obrigando-me a virar-se para ela também.

— Era com você que ela trocava cartas esse tempo todo?

— Espere aí, Adele não dividiu as cartas? — franzi a testa.

— Não. Eu que a peguei escrevendo de vez em quando, escondida. Adele não tem um diário, então só podiam ser cartas. Para mim não fazia sentido serem suas, porque você escrevia para mim também. Eu devia ter estranhado que você nunca perguntasse por ela nas cartas... Alexander Banks, eu irei matá-lo.

Achei graça de suas colocações violentas, e tive de apaziguá-la abraçando-a de lado. Apesar de soltar mais um resmungo, Gabrielle aceitou a oferta de paz. Daí, ela sussurrou:

— Promete que nunca vai me deixar de lado depois que virar um homem de família?

— E eu seria louco de fazer isso? Você é a minha melhor amiga.

Gabrielle deu-se por vencida, relaxando no abraço.

— Ciúmes não caem bem em você, Elle.

— Eu não estou com ciúmes, seu pretensioso. Estou com a pulga atrás da orelha.

— O que, sou tão ruim assim para que alguém aceitar se casar comigo por vontade própria seja tão inacreditável?

Antes que eu percebesse, as palavras já haviam saído. Sei que Gabrielle não tinha intenção de me ofender, porém aquele ainda era um tema sensível. Quando éramos mais novos, era sempre algo que caía na pauta do cotidiano – eu jamais me casaria porque jamais teria a coragem de investir em alguém romanticamente. Quando Gabrielle repassou a frase em seu subconsciente pela segunda vez, engoliu em seco e desviou o olhar.

— Desculpe... Eu... Você está certo. Foi uma piada infeliz da minha parte.

— Tudo bem — apertei o abraço, mostrando que ainda estava ali. Ela deixou os ombros caírem, procurando relaxar a postura. — Eu também não fui muito cordial. Também não entendo como alguém como ela pode ter aceitado sem objeções. Mas não irei perguntar, pois é algo que pode fazer com que ela se sinta magoada.

— Como não entende? — Gabrielle ergueu os olhos, com uma expressão curiosa. — Quantas vezes já disse que é só o senhorzinho que não se enxerga com qualidades incríveis?

— Sei disso... Sei disso. Mas é diferente ter boas qualidades como amigo e filho e ter boas qualidades como esposo.

Inevitavelmente, senti minhas bochechas pegando fogo. Gabrielle, por sua vez, apenas sorriu sem afetação.

— Se há algo que não dizem aos homens, meu querido Alexander, é que bons amigos posteriormente se tornam bons esposos. Amor e amizade andam de mãos dadas. E bons filhos posteriormente se tornam bons pais...

Confrontei-me com uma nova informação que, de fato, jamais havia chegado aos meus ouvidos. No primeiro dia de 1913, eu podia considerar aquela como uma descoberta digna da inauguração do ano. Por mais que estudasse aspectos e condições psicológicas, o que Gabrielle dizia era bastante lógico. Quem sabe às vezes nós, meros seres humanos, precisássemos de alguns lembretes óbvios de fatores comuns para dar conta de que era necessário pensar sobre eles?

— Por exemplo — Gabrielle continuou, encorajada pelas minhas feições receptivas. — É bem possível que Maélie tenha mais chances de ser uma boa mãe do que Evan de ser um bom pai. Algumas ações tomadas por nós são como um prelúdio das coisas que virão. Adele é uma ótima irmã e uma ótima filha, e o modo como tratou a mim e a Gigi com muito amor e carinho prova que será bem mais fácil para ela ser uma boa mãe do que eu. Mas também não é algo imutável, pois ainda posso aprender a ser uma boa cuidadora de bebês.

— O modo como você chama uma babá de “cuidadora de bebês” me intriga.

Gabrielle gargalhou, batendo em meu braço de leve.

— É nisso que você prestou atenção? Meu Deus, Alex!

— Estou brincando, cabeça quente. Na verdade, faz muito sentido tudo isso que está dizendo.

Pela segunda vez no dia, ela pareceu surpresa com ter sido compreendida com tanta facilidade e rapidez. Piscando algumas vezes, Gabrielle pigarreou e retomou a sua linha de raciocínio.

— Acho que o contrário também acontece, sabe...? — ela murmurou, enrolando uma mecha de cabelo nos dedos. — Acho que alguns pais procuram fornecer aos filhos o afeto que não receberam dos próprios pais. Nem sempre o reflexo dos pais fica marcado na pele como ferro. Mas aí eu acho também que depende de pessoa para pessoa. Enfim.

— Gabrielle Bretonne, você deveria estudar Psicologia.

— Para isso, eu teria que ter ao menos nascido homem, Alexander Banks. Ou rica, como a Alice Bethencourt.

Trocamos um riso amargo. Eu não podia de modo algum revelar a ela meu complô com a irmã para que ela se sentisse livre para estudar Enfermagem quando julgasse conveniente. Suas suspeitas já tinham completo fundamento, porém eu não ia lhe dar esse gostinho. Já fora muito difícil disfarçar minha cara de nojo à menção de Alice.

— Se te consola das injustiças sociais, de qualquer modo eu sou muito preguiçosa para pensar em ser uma universitária. Eu jamais leria material obrigatório, a menos que ele fosse interessantíssimo.

— Oh, é mesmo? — ergui uma sobrancelha, me divertindo com suas reclamações fictícias. — Irei te mandar alguns materiais para ler escondida. Sabia que existe leitura psicológica através de cores?

— Ah, meu Deus — seu senso artístico falou mais alto. Como se fossem palavras mágicas, Gabrielle empertigou-se na cama. — Esqueça Adele, eu quero uma aula sobre isso no máximo de detalhes que conseguir.

Gargalhei, estalando meus dedos para me preparar para a “aula”. Certo, todos estavam felizes e com ótimas expectativas para o casamento. Mas ainda levaria um tempo para me considerar tudo que Gabrielle havia me categorizado. Eu não podia, entretanto, deixar de tentar. Então, comecei a treinar mentalmente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Bravado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.