(Re) Nascer escrita por EsterNW


Capítulo 3
Nova rotina


Notas iniciais do capítulo

Olá, povo!
Só pra lembrar: partes em itálico são referentes a flashbacks e letras de música.
Música do capítulo: Sua Canção do Esteban Tavares.
Boa leitura ;)



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Lysandre lia concentradamente seu exemplar surrado de Reinações de Narizinho, encostado às grossas raízes de uma árvore bem no limite do terreno de seus pais.

Mais cedo, o menino encontrara perdida no meio das velharias do celeiro uma caixa com um dos melhores tesouros possíveis: livros. Sabendo que eles estavam abandonados — junto de outras quinquilharias, as quais o destino talvez fosse o lixo ou o ferro velho —, Lysandre tomou para si aqueles preciosos livros, encantado com os achados. Alguns eram tão antigos que as páginas encontravam-se amareladas. Poucos tinham títulos que ele sequer entendia as palavras direito, não tendo um vocabulário tão vasto assim aos sete anos. Outros conseguiam atrair sua atenção, com sinopses que atiçavam a curiosidade e deixavam-lhe em dúvida de qual começar a ler primeiro.

Querendo ficar sozinho, foi para o mais longe possível no terreno da fazenda dos pais, sabendo que ninguém lhe incomodaria tão cedo. Ou, ao menos, era o que esperava.

— Ei! O que você tá lendo?

Lysandre teve sua atenção desviada do Reino das Águas Claras para uma voz aguda e, ao virar os olhos para a cerca não muito distante, viu nela empoleirada uma menina um pouco mais velha do que ele, com duas tranças de cada lado do rostinho curioso.

— Sítio do Pica-Pau Amarelo — Lysandre respondeu, tentando ignorar a menina e voltar para a leitura.

— Sobre o que é? — ela voltou a questionar, empoleirando-se cada vez mais na cerca que delimitava o fim de uma propriedade e o início de outra.

—Você não conhece o Monteiro Lobato? — Lysandre soltou em espanto e a menina fez que não.

— Não gosto muito de ler, é chato. Eu prefiro brincar do lado de fora, os bichos são muito mais legais. Meus primos brincam comigo, mas eles foram pra praia...

Incomodado com o falatório, Lysandre colocou o livro debaixo do braço e levantou-se, tirando algum mato de suas roupas, e começou a caminhar para longe da árvore e da menina, deixando-a incomodada ao ver aquele garoto tão diferente dando-lhe as costas.

— Ei! Eu tava falando com você!

O menino não se importou, sequer voltando-se para ela. Lysandre era tão introvertido, que suas únicas companhias eram apenas os pais, o irmão e, é claro, os animais da fazenda. Não que o garoto fosse má pessoa, muito pelo contrário. Apenas gostava de ser assim.

Contudo, interrompeu seus passos ao sentir algo atingir-lhe as costas. Ele parou, passando a mão pela blusa de algodão e vendo o que lhe acertara: lama. Lysandre olhou para a cerca, visualizando a menina com um sorriso travesso no rosto. Ele ignorou-a de novo, voltando a caminhar, entretanto, foi atingido novamente por uma bola de lama.

— Por que você tá fazendo isso? — ele perguntou, não compreendendo qual era a intenção daquela garota.

— Eu quero brincar com você.

A menina jogou outra bola de lama e, dessa vez, Lysandre conseguiu sair do meio do caminho, mais preocupado em proteger o livro do que a si mesmo.

— Por quê?

— Porque não tem mais ninguém pra brincar comigo? — Ela revirou os olhos, como se fosse óbvio. — Meus primos foram pra praia e os adultos são chaaaatooos — cantarolou, empoleirando-se mais na cerca, quase ao ponto de cair para o outro lado. — Brinca comigo?

Apesar de querer muito ler aquele livro, Lysandre sentiu pena da menina, que ele sequer conhecia, quase caindo da cerca e com olhos de cachorrinho caído da mudança. O menino olhou para baixo, segurando o livro que carregava com as duas mãos.

— Brinca comigo?

...

Lysandre abriu a boca em um “o” com a lembrança de infância. Memória nunca fora seu forte, mas se perguntava como não reconhecera Clarice de imediato ao ver seu rosto. Certo que ela cresceu e mudou as roupas e cabelo desde que a vira pela última vez há seis anos, porém, ainda era possível reconhecê-la pelos olhos castanhos risonhos. Apenas isso, pois todo o resto apontava para a maturidade que conseguira nos últimos anos.

— Os livros nunca me abandonaram — afirmou, falando de seus melhores companheiros, e a veterinária fechou a bolsa de couro com um baque, parecendo ter se irritado. — Eu não quis dizer...

— Eu também gosto bastante de livros. Tava lendo um ontem à noite, mas cochilei com ele em cima de mim — Chico interrompeu, sequer percebendo que havia algo por entre aquelas entrelinhas.

— Me lembra de te perguntar o nome depois. — Diferente de sua versão infantil, Clarice aprendera a apreciar a literatura conforme crescia. Parte de seu amor pelos livros fora desenvolvido graças a um certo amigo. — Bem, assim que o Fausto mamar, ele vai estar cem por cento bem. — Ela passou a mão pelo lombo do animal, que mugiu para a veterinária. — Devo voltar dia sim e dia não pra trazer o colostro, começando por hoje depois do almoço.

Dadas as últimas instruções para manter o bezerro longe dos outros animais, Chico abriu a baía para que a moça saísse.

— Chico, você poderia ver se está tudo bem com a Julieta? Eu acompanho Clarice até a saída — Lysandre pediu e o caseiro arrumou o boné como de praxe, deixando os dois para ir até uma das baías mais ao fundo do curral.

— Tá tudo bem com ela? Se precisar eu posso dar uma olhada — Clarice ofereceu, conforme saíam da cobertura do local, recebendo o sol morno da manhã de outono.

— Julieta estava estressada pelo que aconteceu, mas depois que Chico a afastou do bezerro, melhorou — Lysandre afirmou, enquanto os dois passavam pelo galinheiro e pelo cercado dos coelhos. Os animais não davam a mínima para eles.

— Se precisar de qualquer coisa com ela, é só chamar. Se precisar de qualquer coisa com algum dos animais, é só chamar também — a veterinária ofereceu prestativa.

— Obrigado — Lysandre agradeceu com um meneio de cabeça. — Fico feliz que tenha conseguido se tornar veterinária, você sempre gostou de animais.

— Obrigada. Consegui vaga numa das universidades da capital, me formei não tem tanto tempo assim. Eu ia só auxiliar o doutor Luís, mas, como ele tá quase se aposentando, deixou que eu assumisse alguns trabalhos — Clarice contou um pouco sobre a vida, enquanto Lysandre apenas ouvia. Ele ainda era mais um ouvinte do que um falante, a moça pontuou para si. Certas coisas nunca mudavam. — Mas e você? Das últimas vezes que eu vim pra fazenda da minha vó, você ainda morava na cidade com o Leigh.

Os dois deixaram os animais para trás, passando pela horta e atingindo uma porção de terra apenas habitada por árvores e pássaros. Mais alguns metros à frente, era visível a casa de dois cômodos do caseiro e os limites da fazenda.

— Voltei para a fazenda há um pouco mais de um ano, após a morte dos meus pais, para assumir os negócios...

— Sinto muito — Clarice interrompeu, percebendo a descida no tom de voz de Lysandre. Era óbvio que ali ainda era terreno incômodo para ele. — Só fiquei sabendo do que aconteceu quando me mudei de volta pra fazenda esses dias. É realmente uma pena o que aconteceu...

O fazendeiro apenas assentiu e os dois puseram-se em silêncio pelos metros restantes. Era algo diferente, já que, quando crianças, Clarice falava mais do que a boca, como a mãe da garota costumava dizer. Bem, era de se esperar algumas mudanças ao longo dos anos separados. Ele próprio não era mais o mesmo por dentro.

— Sobre o que eu disse no curral... — Lysandre retomou o assunto interrompido por Francisco. Ambos pararam ao atingir a porteira da fazenda e a veterinária voltou o rosto para ele. Lysandre percebeu que agora ela não precisava mais olhar tanto para cima para falar com ele. Clarice crescera uns bons centímetros. — Eu não quis dizer que...

— Tudo bem — Clarice interrompeu o pedido de desculpas. — E eu meio que te abandonei, né. Fui embora de um dia pro outro, sem avisar...

— Você não sabia que seus pais iriam voltar definitivamente para a capital... — O fazendeiro recebeu apenas um dar de ombros e um balançar de cabeça como resposta. Crente que aquela conversa estava quase acabando, abriu a porteira.

— Pena que quando eu voltei pra passar as férias no ano seguinte, você também tinha ido embora pra morar com o Leigh na capital. — A veterinária segurou a maleta com as duas mãos, voltando o corpo na direção de Lysandre. — Mas foi bom te ver de novo. 

— Digo o mesmo. — Ambos trocaram sorrisos e ficaram apenas assim, não sabendo o que dizer em seguida. Ao mesmo tempo em que a conversa ainda fluía facilmente entre eles, parecia estranho tentar voltar ao que era antes.

— Volto depois do almoço com o colostro. E não se esqueça que o Fausto vai precisar mamar a cada três horas, tudo bem? — ela instruiu e Lysandre assentiu, tentando obrigar a mente a se lembrar de adicionar algo novo à rotina. Chico ajudaria com isso.

Com um último sorriso, Clarice entrou na estrada de terra, pronta para caminhar durante os poucos minutos que separavam as porteiras das duas propriedades. Lysandre observou a partida da veterinária. Lembrando-se que tinha que preparar o próprio almoço, fechou a porteira e voltou para dentro de sua propriedade, alheio aos animais e seus barulhos característicos.

Lysandre finalmente poderia dizer que tinha uma nova rotina pela frente.

 


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Notas finais do capítulo

Sua Canção, Esteban Tavares: https://youtu.be/HAW8qeH40OQ
Preciso dizer que morro de amores e fofura toda vez que escrevo um flashback entre esses dois :3
Hummm, não é que vamos ver menina Clarice com mais frequência?
Até mais, povo o/



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