Pictures of Us escrita por Ellen Freitas


Capítulo 24
Scars || Felicity


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas!! Voltei!!

Nem falei pra vocês, mas as coisas vão andar mais rápido daqui por diante. Esse capítulo mesmo, se passa uns sete meses depois do casamento. Vamos acelerar tudo por aqui, pessoal!
Vocês sabem como amo dar risadas escrevendo. Mas aqui temos um daqueles capítulos que é meio diferente dos outros, um pouco mais tenso e sério, com temas importantes, mas sem deixar de ser bem POU. E prtagonizado por, choquem-se, Tommy e Felicity.
Desde o início estava doida para chegar ao ponto de começar a desenvolver essa amizade, e finalmente chegou. E junto disso, vamos saber mais sobre o passado da nossa Lissy e descascar mais uma camada de Tommy.

Espero que gostem. Boa leitura!!



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A delegacia estava repleta de gente. Seria melhor para o que eu precisava. Ótimo.

― Hey, Felicity! ― Kara me cumprimentou enquanto equilibrava uma pilha de pastas de casos nos braços. ― Precisa de alguma ajuda?

― Tudo bem, parece que você já tem muito em mãos. Literalmente. ― A loira sorriu simpática.

― Isso aqui está uma loucura hoje. Capitão em uma reunião com o comissário, Sara viajando e Oliver saiu em uma ocorrência, mas se veio para o almoço, ele logo está de volta.

― Valeu ― agradeci e ela seguiu seu caminho.

O que eu não disse, foi que não estava à procura de Oliver, sabia que ele não estaria ali naquele momento, e que precisava sim de ajuda, mas não a dela. Avistei meu objetivo sentado com os pés da mesa, bebericando em um copo de café enquanto, com o teclado no colo, digitava algo preguiçosamente, parecendo alheio à toda correria ao seu redor.

― Bom dia! ― Depositei o saco pardo que havia acabado de tirar da bolsa, o cheiro doce atingindo meu olfato em cheio. ― Um bolinho para meu moreno preferido. ― Tommy parou o que estava fazendo e me olhou de esguelha, os olhos azuis estreitos de desconfiança.

― Tá envenenado?

― Engraçado ― falei sorrindo, sentando na cadeira mais perto disponível, geralmente usava pelas pessoas que prestavam algum tipo de depoimento.

― Não, senta aí não.

― Qual é, Tommy, te trouxe comida e sorri de suas piadas, missão de paz aqui. ― Ergui minha palma.

― Okay ― concordou ainda não totalmente convencido, pegando o bolinho e começando a comer. ― O que você quer? Não tenho tempo pra fazer favor, peça ao Oliver.

― A gente pode conversar em um lugar menos barulhento?

― Me traz um bolinho e não me deixa comer ele em paz, grande coisa.

Levantou a contragosto, parecendo apenas querer se livrar logo de mim, e me seguiu para um depósito de materiais de limpeza. Tommy só não precisava saber que eu conheci aquele lugar nas primeiras semanas de casada, por motivos puramente sexuais.

― Nossa aqui dentro é menor que eu me lembro. E quente! ― Depositei a bolsa em cima de uma das prateleiras, tirando o terninho que usava e suava.

― Opa, opa! ― Recuou até os limites permitidos pelo almoxarifado pequeno. ― Tenho que admitir que você é gata e tudo mais, mas é casada com meu irmão. E sem falar da sua melhor amiga que tem uma queda por mim, não vai rolar!

― O quê? ― Estranhei sua reação, até que entendi. ― Eca, não! Ai, que nojo, não! Nossa, que nojo, nada a ver, eca! ― Fiz uma careta com a língua para fora, só pensar era estranho demais.

― Okay, quanta ênfase, estou lisonjeado! ― ironizou e cruzou os braços, encostando na estante dos fundos do cômodo. ― O que é?

― Preciso da sua ajuda para um caso. ― Tommy franziu a testa, e percebi que poderia estar sendo vaga demais. ― Preciso da ajuda de um policial para um caso no escritório, sobre uma colega de trabalho.

― Não tem ninguém mais para pedir, tipo, seu marido?

― É que Oliver pode ficar muito com sensível com isso. Não queria envolvê-lo ― justifiquei, fazendo uma careta. Se eu conhecia bem Oliver, e eu conhecia, aquela seria o início de uma briga, que não aconteceria se eu pudesse evitar.

― Então estou fora. Eu não minto para o meu melhor amigo, nem que eu quisesse, não tenho essa capacidade, ainda mais sobre você.

― Não preciso que minta, e não é nada sobre mim ― argumentei. ― A gente pode almoçar e eu te explico tudo.

― Não, valeu. ― Deu de ombros e já ia passando por mim ao sair sem ao menos considerar mais um pouco.

― Tommy, qual é?! ― Segurei seu braço. ― Um almoço. Eu pago.

― Okay, com uma condição. ― Sorriu maléfico e já vi que ali vinha alguma ideia que o faria escapar do convite.

― Fala.

― Me acerta um golpe.

― O quê?

― Simples, se você conseguir me acertar qualquer tipo de golpe, eu vou com você, e até ajudo. Se não, me deixa em paz e nunca mais fala comigo.

― Eu não posso ficar sem falar com você, criatura, você quase mora na minha casa!

― Se não temos um acordo, estou indo.

― Tá bom! Mas isso é muito injusto, você tem treinamento policial, como espera que eu te acerte, eu só faço ioga!

― O problema não é meu.

― Quantas tentativas eu tenho?

― Nossa, vai ser mais fácil me livrar de você do que imaginei ― comentou sorrindo para si mesma. ― Três tentativas. As use com sabedoria ― completou solene e franzi o nariz preocupada.

O que Tommy não sabia e eu fiz questão de esconder, foi que Oliver cumpriu sua promessa de me dar algumas aulas de defesa pessoal quando chegamos da lua de mel. Tudo bem que todas as aulas meio que serviam de preliminares, mas eu tinha aprendido uma coisa ou duas.

― Eu vou precisar de mais de três tentativas! ― fingi revolta. ― Já sei, eu posso contar até três!

― Isso vai facilitar para mim… Deixa pra lá, faz o que quiser.

― Um… ― Sem que o moreno esperasse, fechei a mão esquerda em punho e soquei sua garganta. Não forte como Oliver havia me dito para fazer em um ataque surpresa a um possível agressor, mas não tão fraco que nem fosse sentido.

Tommy fez um ruído esganiçado, segurando o próprio pescoço quando deu um passo para trás, apoiando as costas na estante.

― Ah é, Oliver tem me dado aulas ― justifiquei sorrindo de sua cara chateada. ― Nos vemos no almoço, te mando o endereço por mensagem. ― Pisquei, pegando minha bolsa e casaco e lhe dando as costas.

~

― Pare de me olhar assim, eu nem bati tão forte!

Tommy tinha mantido a palavra e vindo em nosso almoço, mas desde que chegou (atrasado, só pra constar) me encarava como seu eu tivesse roubado sua honra ou coisa assim, soltando bufos ocasionais e xingamentos baixinhos.

― Mentirosa, disse que não sabia lutar.

― Eu não sei, ué.

― Você quase quebrou minha traqueia! E nem chegou no três, você disse que ia chegar no três, sua falsa.

― Oliver disse que o elemento surpresa e ataques rápidos são ideais para pessoas pequenas, e sem tanta força ou treinamento como eu. E também, olha seu tamanho e o meu, está fazendo drama.

― Ollie é um ótimo professor, aquele bastardo! ― resmungou, apertando a mão em punho. ― Saiba que vou contar pra ele que você me bateu ― falou em tom de ameaça.

― Pode falar, acho que vai virar uma história bem engraçada de como derrubei você com um golpe. Talvez eu mesma fale.

― Okay, é o seguinte… ― Baixou o tom de voz, se apoiando nos cotovelos para chegar perto pela mesa entre nós. ― Eu te ajudo, mas você nunca vai falar do que aconteceu naquele depósito pra ninguém, estamos entendidos? Ah, e você vai pagar o que eu quiser comer.

― Feito.

Quando o garçom chegou para anotar nossos pedidos, Tommy pediu praticamente tudo que era frito e com carne vermelha que havia no cardápio.

― Só uma salada capresi pra mim, obrigada. ― Ele assentei e saiu.

― Eca, você vai comer mesmo esse queijo nojento? Como Ollie deixa sua língua chegar perto da dele?

― Não é nada nojento, é uma delícia! Seu cardiologista que deve te amar ― comentei me referindo à refeição nada saudável que ele pediu.

― Agora te peguei, nunca fui ao cardiologista ― se gabou como se fosse grande coisa, mas só fiquei preocupada. Ele poderia enfartar a qualquer momento. ― O que você quer?

― Como te disse antes, um caso na defensoria.

― Um de vocês vai processar o cirurgião plástico que fez uma cirurgia para deixar de parecer com o Shrek, mas acabou como o Burro? Ou em uma visita regular a Hades, não conseguiu voltar para o trabalho e precisa de resgate no inferno?

― Okay, aí vai… ― Tomei uma respiração profunda. Não seria uma história fácil de se contar, e se Tommy começasse a levar na brincadeira, eu bateria nele de novo. ― Uma colega de trabalho está enfrentando repetidas ações que com certeza configuram assédio sexual. ― O meio sorriso que Tommy sempre mantinha nos lábios morreu na hora, e suas feições ficaram sérias e frias de repente.

― É a Caitlin?

― Não. ― Mesmo com minha resposta, ele não relaxou.

― Eu não sou a pessoa para te ajudar nisso, Felicity, sinto muito. Peça ao Oliver. Ou à Sara.

― Tommy, por favor! Sara está viajando e Oliver… Bem, você conhece seu amigo. Ele pode se deixar levar, sabe como ele se sente por mim.

― Obcecado?

― Apaixonado ― o corrigi. ― A história é a seguinte: Danna entrou agora, ela não trabalha no meu setor nem nada, mas a surpreendi chorando no banheiro essa semana e ela me contou sobre… ― Engoli seco para continuar. ― É Ethan Morris, o nosso chefe.

― Tipo, o seu chefe é um assediador? Entendo porque não queria Oliver nisso.

― Vê? Quer dizer, ele nunca tentou nada comigo, ou com a Cait, mas… Não posso deixar isso acontecer debaixo do meu nariz. Ainda está na fase dos convites inapropriados ou sugestões indiscretas, mas vai piorar, eu sei que vai.

― Sempre achei aquele cara um babaca, além do fator óbvio de ser um advogado de defesa. Lembra quando ele te fez trabalhar quase até a exaustão ano passado? Mas eu não preciso te explicar como o sistema funciona, Felicity, ela precisa fazer uma denúncia para que eu abra uma investigação, você sabe.

― E perder o primeiro emprego da carreira? Ela não quer. Pensei que a gente pudesse conversar com ela, explicar direitinho, quem sabe a convencer.

― É sério, eu não sou a pessoa para esse caso. ― Apertou as pálpebras com os dedos.

― Só conversa com ela, explica como será se uma denúncia for feita. Eu vou estar com você.

― Espera a Sara voltar, então.

― Sara pode levar para o pessoal também, sabe, defender uma mulher disso, e ela é tão violenta e imprevisível. Você é perfeito, cabeça fria sempre quando se trata de trabalho e meio que...

― Um babaca que liga para os sentimentos de ninguém?

― Não foi o que eu quis dizer. ― Apesar de que pensei nisso sim. ― Por favor…

― Tá bem! ― concordou, depois de me deixar mais um minuto esperando que ponderasse. ― Uma conversa. E depois daqui você vai me pagar quantos doces eu quiser.

― Juro de mindinho. E prometo em seguida te levar ao cardiologista para alguns exames.

― Esqueça, não sou o Oliver, não sou obrigado a aguentar essas suas frescuras, você e nem nenhuma mulher nunca mandará em mim ― falou resolutivo e eu mordi minha língua. Thea mandava nele, muito, mas reprimi a frase, já havia conseguido o que queria, melhor não contrariar quando já havia ganho.

A conversa com Danna me saiu melhor do que imaginei. Ainda era horrível, minha garganta deu um nó a cada relato, e a vontade de sair dali e dar uns bons socos naquele babaca era gigantesca, mas tinha que segurar. Fazer as coisas pelo modo certo era o que tinha de ser feito agora.

― Hey, obrigada por ser legal sobre isso ― agradeci ao acompanhar Tommy até sua moto, fazendo um carinho em seu ombro, mas com apenas uma olhada mortal do moreno, retirei a mão. ― Você é tão persuasivo, não conhecia esse seu lado.

― Como acha que consigo tanto sexo? ― brincou, subindo no veículo.

― E obrigada por não fazer nenhum comentário desse tipo na frente dela ― pontuei.

Confesso que esse medo me ocorreu quando já era tarde demais, mas Tommy havia sido nada além de profissional e empático o tempo todo. Talvez Caitlin não estar hoje à tarde trabalhando no escritório não tenha ativado o pestinha de cinco anos que toma conta dos dois quando estão ao redor um do outro.

― Eu sei ser profissional quando é preciso, mas preciso te dizer uma coisa, e isso agora é sério.

― Fala.

― Não sei se isso vai virar um caso, Felicity. Quer dizer, ela vai na delegacia quando sair daqui, vou pegar o depoimento e vamos seguir em frente com isso, mas se te conheço, você é meio maluca. Não a pressione a fazer disso algum tipo de cruzada.

― Só não me diz que você está do lado daquele cara.

― De jeito nenhum, claro que não. É só que quando se lida com um homem poderoso como ele é, há consequências. Danna só tem 22 anos, será que vale já destruir uma carreira que acabou de começar?

― Tommy, não me faz te bater de novo.

― Não é sobre o que você ou eu achamos justo, é sobre o que é melhor para ela, a vítima. Mas deixa isso comigo. E não a pressione! ― repetiu, e nem me deixou ter direito de resposta, já foi logo colocando o capacete e arrancando a toda velocidade.

~

― Merda, caralho, puta que o pariu, que inferno! ― Franzi o nariz para Tommy e sua bagunça em minha sala de estar.

― Okay, pega leve nos palavrões, você vai ter que lidar com crianças aqui em alguns anos. ― Como fui prontamente ignorada, mantive a postura e depositei uma xícara ao seu lado, na mesinha de cabeceira.

― Eu pareço para você alguém que toma chá? ― falou depois de cheirar por dois segundos o conteúdo da xícara. ― Me traz outro expresso reforçado e uma garrafa de whisky, daí podemos conversar.

Já faziam três dias que a denúncia havia sido feita e o Morris comunicado sobre. Só que tudo foi obrigado a ser mantido em sigilo, não contei nem a Oliver ou Caitlin, ninguém sabia que eu também sabia, e só deixamos assim para que eu pudesse ajudar em algo.

Só que as consequências já estavam vindo. De algum modo ele sabia que a denúncia havia partido do nosso escritório, então tudo estava mais hostil e difícil por lá, e para Danna, tudo era pior ainda. Ela só não havia conseguido sua demissão ainda para não piorar o caso e era uma merda.

Por isso a revolta e crescente obsessão de Tommy em conseguir provas. Não havia nada salvo em mensagens, sem registros telefônicos suspeitos ou qualquer outra pessoa com queixa semelhante disposta a depor. O convidei para minha casa, na esperança que um ambiente calmo nos fizesse pensar melhor, mas havia sido tão inútil quanto trabalhar na delegacia.

Mas algo estava estranho. Pedi ajuda do Merlyn por achar que ele fosse levar tudo de modo tranquilo, direto e imparcial, mas estava o oposto disso. Logo Tommy, o mulherengo sem respeito por mulheres assumindo um caso assim com empenho tão ferrenho, era bizarro. Quer dizer, eu sabia porque era pessoal para mim, mas porque havia se tornado tão pessoal para ele?

― Tá bom, você não pode beber mais café, vai começar a tremer como um pinscher. ― Peguei o outro copo que estava perto dele. ― E experimenta o chá. Tem uns cinco componentes calmantes e foi adoçado com mel.

― Isso tem gosto de doença, não quero. ― Rejeitou logo no primeiro gole. ― E se quer ajudar, pega alguns desses emails e vai procurando algo que o comprometa. Em minha experiência, não deve ter sido a primeira vez que ele fez isso, filho da puta. ― Um soco na mesa e o copo de chá só não entornou porque eu estava perto o bastante para segurá-lo.

― Tudo bem, ainda estamos bem tensos. Larga isso tudo e senta aqui. ― Tomei quase uma pilha de papeis de suas mãos e indiquei o lugar ao meu lado no sofá que Tommy usava como encosto.

― Felicity, eu não tenho tempo...

― Oliver te falou que eu fiz alguns períodos no MIT? Posso te ajudar reduzindo essa busca para que não precise ler tudo, mas só se você sentar aqui por dois segundos ― exigi.

― Como meu amigo te suporta, isso é um mistério que eu não consigo resolver.

― Deixa de ser implicante, senta aqui!

― Insuportável ― reclamou, mas acabou por atender meu pedido. ― O que é?

― Por que isso é pessoal pra você? ― perguntei o que já queria saber há tempos.

― Quê? ― questionou surpreso.

― Esse caso, é pessoal pra você. Primeiro você disse que não seria a pessoa para ele, depois relutou até o último segundo, então agora está obcecado. Não preciso ser nenhuma detetive brilhante pra saber que há algo, então o que é? ― Ele estreitou os olhos azuis para mim, a testa franzida.

― Me mostre o seu que te mostro o meu. ― Ergueu uma sobrancelha em desafio.

― Como é?

― É pessoal pra você também, Felicity, então... O que é?

Respirei fundo. Como sempre, eu era péssima em esconder sentimentos e agora havia sido pega, logo por Tommy Merlyn em um assunto que nem meu marido ou minha melhor amiga sabiam. Só minha mãe.

― É complicado ― falei vagamente.

― Sou inteligente.

― Acho que vamos precisar daquele whisky agora. ― Rapidamente coloquei um pouco do líquido em dois copos e voltei a sentar no sofá. ― Vai em frente.

― Você sabe como eu fiquei pobre, não sabe?

― Seus pais morreram e você é péssimo em administração e finanças? ― testei.

― Resumiu bem. ― Sorriu amarelo. ― Mas essa não é nem 1% da história.

― Você vai me contar?

― Por quê? Não somos amigos!

― Supera isso, Merlyn. Ou então só me diga o que preciso saber para te tirar do surto.

― Meu pai era um homem muito difícil, e o modo como tratava minha mãe... Traições, daí conseguimos Thea, hostilidades também, e como sempre tinha que colocar a culpa nela, de todos os problemas dos dois. Ela começou um problema com bebida, que evoluiu mal, e bem, você sabe… ― Assenti. ― Eu só tinha oito anos.

― Sinto muito.

― Tá tudo bem, faz muito tempo. ― Dispensou com um gesto de mão. ― As pessoas acham que quando a agressão não é física tá tudo bem, que vai melhorar, mas não está e não vai. Eu poderia ter feito mais, deveria ter feito mais.

― Você só era uma criança, Tommy, pelo amor de Deus, o que poderia ter feito?

― Mas não sou mais criança e não consigo resolver esse também. Essa garota está arriscando arruinar a carreira porque nós prometemos fazer o melhor por ela, talvez o melhor não seja…

― O melhor é que não deixemos Ethan Morris solto, ponto.

― Sério, esse cara já fez alguma coisa contigo? Uma testemunha cairia bem agora.

― Não, ele não ― respondi vagamente, bebendo tudo de uma vez para tomar coragem.

― Ai, não. ― O rosto de Tommy ficou mais pálido de repente e eu sorri amarelo. ― Não me conta, não sei como consolar garotas. Eu sou um babaca, lembra?

― Você não é. Não completamente.

― Reconfortante.

― Aconteceu quando eu tinha acabado de me formar, na minha primeira firma, em Central City. Eu estava empolgada, e meu chefe me achava muito boa, eu conseguia bons casos, trabalhava direto com ele, até que... ― Mordi o lábio e fechei os olhos com força. A lembrança veio intensa como se não tivesse se passado um dia. ― Ele me pediu para ficar até tarde, era normal fazermos isso. Daí ele tentou… Ele tentou me agarrar e passar a mão, sabe?

― Felicity, Oliver tem que saber disso! Temos amigos na polícia de Central e…

― Nada aconteceu, eu fugi de lá, pedi demissão e me mudei pra cá. E já faz muito tempo também, mas a coisa é que eu devia ter tido a coragem naquela época. Quem sabe com quantas ele fez isso depois, quantas mulheres incríveis ele diminuiu a objetos, que só estavam em cargos bons porque ele ajudava, não por mérito próprio. Foi horrível.

Mal percebi que já chorava. A sensação de não ser boa o bastante, de só conseguir sucesso oferecendo em troca algo além de trabalho duro.

― Droga, eu te falei que não sabia consolar ninguém! ― reclamou, mas surpreendemente me senti sendo abraçada. Um abraço de conforto de Tommy Merlyn, quem diria. ― Vamos resolver isso, tá bom?

― Danna precisa da justiça que eu não tive. Ou sua mãe. ― Me afastei, limpando o caminho das lágrimas com as costas das mãos. Ele me olhou com vergonha, por ter me abraçado talvez, quando sempre alegou odiar a mim e toda minha classe trabalhista.

― Ela vai ter. ― Desceu do sofá, voltando a sentar no chão, como estava no início. ― E pelo amor de Deus, conta tudo pro Oliver! Sabe que eu não consigo manter segredo nenhum dele. ― Sorri.

― Tem razão, eu já devia ter contado.

Consegui reduzir os email de dezenas de milhares para apenas alguns milhares. Ainda era muito para se ver, mas estava menos ruim agora.

Oliver chegou depois das nove da noite, ele avisou que estaria fazendo horas extras na delegacia, e logo fez um gesto de estranheza ao encontrar Tommy ali.

― Então é aqui que você tem estado desde hoje à tarde? ― perguntou ao amigo, vindo me dar um beijo na testa. ― Oi, babe.

― Conta pra ele! ― sussurrou, mas meu marido acabou ouvindo.

― Me contar o quê? ― Sério que Tommy não conseguiu segurar a língua por nem um minuto inteiro?

― Peixinho, cozinha. ― Saltitei entre as pilhas de documentos, o puxando pela mão.

― Você e Tommy são amigos agora? ― questionou enchendo um copo de água para si. ― Não que eu esteja reclamando, esse meio que foi meu pedido de natal, só estranhei.

― Mais ou menos, estamos trabalhando junto em um caso. Precisava da ajuda de um policial. ― Oliver estreitou os olhos para mim, como se apontasse o fato óbvio dele também ser um. ― De um policial com quem eu não fosse casada ― expliquei melhor.

― Por isso vocês dois tem estado estranhos essa semana?

― Olha, eu juro que te conto tudo mais tarde, tá bom? Tem muito que você precisa saber, mas não agora, precisamos ter essa conversa com calma.

― Estou ficando preocupado, Felicity.

― Eu estou bem, okay?! Hoje ainda eu te conto tudo, é uma promessa.

― Tá bem, confio em você. Tem algo que eu possa fazer pra ajudar?

― A gente não comeu nada, você pode pedir alguma comida para nós três?

― Ou eu posso fazer aquela receita de frango à cacciatore que estou doido pra testar! ― exclamou empolgado. ― Deixa o jantar comigo, pode voltar ao trabalho.

― Obrigada, você é o melhor! ― Lhe dei um selinho e voltei para a sala, sentando ao lado de Tommy no chão. ― Oliver vai fazer o jantar.

― Você realmente o tem em um cabresto, não é? ― comentou sem tirar a atenção do que lia.

― Não deixe que o casamento dos seus pais o faça criar tanta aversão ao casamento em si. ― Era bem mais fácil lê-lo agora que conhecia mais de sua história. Servi de mais dois copos de bebida, lhe entregando um.

― Acha que é por isso que eu implico com vocês dois e digo que nunca vou casar? Porque acho que todos os casamentos serão fracassados?

― Acho exatamente isso.

― Ao contrário, acho o casamento uma instituição que deva ser respeitada, ao ponto de só entrar nela quando tiver certeza.

― Então sua implicância não é com o casamento, mas com o divórcio?

― Por isso nunca vou casar, assim nunca me divorcio. Simples assim.

― É uma lógica estranha.

― Faz todo sentido, ponto final - encerrou o assunto.

― Não deixe que o medo de errar impeça que você jogue. ― Lhe dei dois tapinhas no ombro, sorrindo complacente.

― Isso é de algum filme, não é?

A Cinderella Story, do meu crush da adolescência Chad Michael Murray. E não quero ouvir nenhum comentário ruim sobre esse filme.

― Por que faria isso, Hilary Duff foi um dos meus amores da adolescência. Sabe que a gente acabou ficando uma vez, mas isso é história para outro dia ― respondeu sorrindo, e voltamos a atenção ao trabalho.

Oliver teve que nos arrastar uma hora depois para comer, e já passava da meia noite quando terminamos de ler tudo. Tommy encontrou emails estranhos para duas pessoas diferentes, e eu, triangulando informações de mulheres que trabalharam perto do Morris e se demitiram nos últimos dez anos, consegui mais três nomes. Pelo menos era algo para se trabalhar amanhã.

― Melhor ir pra casa, nada vai ser desculpa para o capitão me encher o saco amanhã se chegar atrasado.

― Ou você pode dormir no escritório, eu faço café da manhã e você e Oliver vão trabalhar daqui. Está tarde, até que chegue em casa…

― E se você me matar enquanto eu durmo?

― Somos amigos, cara, lide com isso. Eu vou preparar uma cama lá e pegar uma muda de roupas do Oliver para você, pode ir guardando a sua moto na garagem.

― Você é mesmo muito mandona.

― Vai logo, seu chato!

Empurrei suas costas para fazer o que sugeri, e corri no closet para pegar uns cobertores e lençóis para ajustá-lo no escritório, assim como as roupas que emprestaria. Voltei ao meu quarto, meu marido dormia, tomei meu banho e ao retornar, Oliver estava acordado mexendo em algo no celular.

― Hey.

― Hey. ― Beijei seu rosto, sentando ao seu lado na cama com meu hidratante. ― Ah, temos visitas. Tommy está dormindo no escritório.

― Okay, conseguiu minha total atenção. ― Deixou o celular de lado. ― O que tá rolando?

― Podemos conversar depois, já passa de uma da manhã.

― Ou podemos conversar agora e acabar com o suspense. Qual é, babe, me fala!

― Tudo bem.

Como previ, Oliver ficou bem puto da vida quando lhe contei o que estávamos passando com Danna e a briga foi inevitável. Ele queria que eu pedisse demissão imediatamente, que não devia trabalhar com o homem assim e que amanhã mesmo iria quebrar a cara dele. Eu argumentei de volta que sabia me cuidar e que resolveria tudo de um jeito mais inteligente do que sair socando pessoas.

Mas foi só chegarmos na parte do que aconteceu em Central City, que ele amoleceu, meu caridoso e empático marido voltando à tona. Oliver deixou de lado todos os argumentos que continuava soltando e apenas me abraçou, dizendo que sentia muito por vivermos em um mundo que isso acontecia com tanta frequência, e por ter acontecido comigo.

Foi bom ter o apoio e carinho dele, mas foi como quando contei à Tommy. Oliver viveu a vida toda cercado por mulheres fortes e dominantes, seja sua mãe, irmã ou namoradas, além de ser o homem mais feminista que eu conhecia, então ele não sabia bem o que era ver mulheres sendo subjugadas e diminuídas por homens, enquanto com Tommy era diferente. O moreno conseguia me entender melhor porque tinha a história dos pais na conta, mesmo se, por vezes, se mostrasse um babaca por si próprio.

Só que agora tínhamos Oliver no time.

Gastamos os dias seguintes em busca das testemunhas. Uma delas sequer continuou a falar conosco quando falamos o assunto, outras duas conversaram mas diziam não ter nada a relatar, e uma até ficou relutante, mas acabou por negar. Outra não encontramos, apesar de todas as ligações e mensagens deixadas.

Pelo caminho que estávamos indo, Danna não ia ter a justiça que precisava, ao contrário disso, perderia o emprego e eu me demitiria em protesto, quase tendo a certeza que Caitlin me seguiria na ideia. Apenas não era justo com todas nós.

Foi quando uma espécie de milagre aconteceu. Andrea, a garota que não encontramos entrou em contato. Ela havia pedido demissão depois de dois meses como assistente pessoal do Ethan, e apesar de não ter dito nada na época, estava disposta a falar agora sobre o assédio que também sofreu.

Não conseguimos um final satisfatório, entretanto. Dada toda a influência que meu chefe tinha, ele conseguiu um acordo com a promotoria onde oferecia sua demissão e uma mudança de cidade em troca de que nada isso fosse para seu histórico. Que para total revolta minha e de Tommy, foi aceito.

― Um brinde? ― Oliver levantou a taça de vinho.

― A quê? Mais um imbecil solto e impune no mundo.

― Conseguimos que ele perdesse o emprego, já é algo. E mesmo que Danna não tenha mantido o seu, ela está mais feliz na promotoria, foi o que ela sempre quis e Laurel ajudou ― argumentou. ― E outra, não importa onde ele vá, as pessoas vão saber. Podemos nos assegurar disso com a internet.

― Eu não acredito que vocês me deixaram de fora dessa ― Caitlin fez beicinho.

Eu havia contado tudo no dia anterior e agora ela estava ali também para essa comemoração, que não era bem uma comemoração, estava mais para uma reunião para reclamar do veredito e dar um ponto final para esse momento de nossas vidas.

― Você sabe o que acontece quando juntamos fogo e gasolina, não sabe? ― Minha amiga franziu as sobrancelhas. ― Fogo e gasolina. ― Apontei para Tommy, então para ela.

― Viu, Ollie? Tua mulher me acha quente! ― falou sugestivo, erguendo ambas as sobrancelhas, ao que Oliver apenas balançou a cabeça rindo.

― Não foi isso que ela disse.

― Eu não ligo, peixinho, Tommy é meu novo melhor amigo da vida.

― Eu não sou seu melhor da vida, eu te odeio e tudo que você representa.

― Ninguém acredita mais nisso, cara. ― O moreno cruzou os braços emburrado. ― Enfim, como eu dizia… Um brinde a minha linda e destemida esposa, heroína em tempo integral e o amor da minha vida.

― Te amo. ― Aceitei o beijo que me deu, os outros dois fazendo uma careta. ― Um brinde à Tommy Merlyn, a pessoa mais controversa e cheia de camadas que eu já conheci.

― Esse daqui, cheio de camadas? ― Caitlin apontou com o polegar para eles com um sorriso de desdém. ― O Merlyn tem a profundidade de uma colherzinha de chá.

― Por isso ninguém te conta as coisas, sua serpente do Éden! Quem aguenta esse mimimi?

― Cala a boca, colherzinha de chá!

― E eles estão de volta! ― Oliver declarou, passando o braço por meus ombros, enquanto a discussão a nossa frente aumentava. ― Ei, mano, para de borrifar vinho, meu sofá!

― Já chega, parou! Agora quero fazer um brinde ao meu lindo e compreensivo marido, que faz o melhor frango a cacciatore, e além de tudo é um excelente professor.

― Professor? ― O próprio Oliver estava confuso com o que falei.

― Ah, não contei pra vocês? Ganhei do Tommy em um único soco que Oliver me ensinou em aulas de defesa pessoal. ― Os olhos do moreno dobraram de tamanho, e sua boca abriu em choque.

― Traidora fofoqueira! ― Nós três explodimos em sonoras gargalhadas. ― Você só conseguiu porque me pegou desprevenido ― se justificou.

― Posso fazer agora de novo, se quiser ― me gabei.

― Me ensina, amiga?! Pra quando ele me encher muito a paciência.

― Eu tenho cara de Bob, o boneco que apanha?

O clima foi amenizado e apenas nos divertimos pelas horas seguintes, os meninos brincando como crianças no chão da nossa sala, eu e minha amiga com dor de barriga de rir e até participando, quando não detonávamos as garrafas de vinho. E eu só conseguia agradecer, mesmo que mentalmente, por que, apesar das pessoas ruins que cruzaram meu caminho, ter encontrado também essas pessoas maravilhosas na minha vida.


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Notas finais do capítulo

Resolução da história meio triste, injusta, mas real.
Com uma amizade Smoak-Merlyn se firmando aí, mesmo que Tommy vá negar até a morte!! E Oliver meio como coadjuvante nesse, o próximo capítulo é todo dele. já no aniversário deles de um ano. Eu não disse que as coisas iam andar rápido?
Até os reviews.. Bjs*



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