Meu querido sonâmbulo 2 escrita por Cellis


Capítulo 35
Meu querido julgamento


Notas iniciais do capítulo

E não é que eu não desapareci mesmo (pelo menos não dessa vez rsss)! Demorei para aparecer? Um pouquinho, mas com certeza menos do que da última vez né kkkkk.
Esse capítulo dá início a uma fase MUITO importante dessa história, por isso ele é um pouquinho grande e eu também levei todo o tempo que precisei para aprontá-lo. Enfim, espero que gostem!

Boa leitura.



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— Como assim ele já vai ser julgado hoje? — Shinhye indagou, surpresa. — Por tudo o que você me contou, um julgamento desse porte deveria levar, no mínimo, uma semana de preparação.  

— O que é exatamente o que eles não querem: preparação. — o Kim mais novo respondeu, sério. — Tanto o Juiz Song quanto o Lee Jihoon sabem que a situação do Namjoon é bastante complicada, mas uma defesa forte e bem elaborada poderia dar alguma chance a ele. O que, em outras palavras, significaria que... 

— Significa que os traseiros deles correm perigo. — a mais velha completou o raciocínio do irmão. — Toda a história do Namjoon e até mesmo do Yoongi seria exposta no tribunal, incluindo, principalmente, o que o Hoseok e o Seokjin fizeram no passado.  

— Exatamente. — Taehyung continuou. — Não iria demorar dois tempos para todos descobrirem a ligação do Juiz Song e do Jihoon com o juiz que inocentou esses dois há anos atrás. — o mais novo pausou e, sentado na beirada da cama da irmã, a fitou. — Noona, nós estamos falando de algo que traria à tona toda uma rede de corrupção no sistema judiciário desse país. Trocas de favores, propinas em dinheiro... Coisas de que nós não fazemos a menor ideia e que já acontecem há décadas. 

— Não é mais só sobre o julgamento do Namjoon e do Yoongi. — Shinhye concluiu, por fim.  

Por um momento, os irmãos Kim apenas permaneceram em silêncio, cada um contemplando por si só toda aquela situação da qual estavam diante. Na visão de Shinhye, o que tinha começado com um misterioso caso de assassinato na porta do seu prédio e um sonâmbulo ensanguentado no beco ao lado, agora se transformara no que, do lado de fora daquele quarto sem graça de hospital, a mídia já chamava de o julgamento do século sem sequer saber o que realmente estaria em jogo durante o mesmo. Já para Taehyung, quem tinha vivido uma verdadeira montanha-russa de sentimentos e acontecimentos naqueles últimos dias, falhado em proteger sua irmã como deveria e desistido do seu cargo na polícia de Seul por conta daquelas malditas politicagens, o que estava diante de si era a chance ideal de chutar o traseiro da mesma instituição que havia lhe virado as costas quando o jovem mais precisava.  

Por isso, ainda que os irmãos Kim tivessem percepções um pouco distintas quanto a todo aquele caos, o sangue nos olhos de ambos e seus respectivos objetivos eram exatamente iguais.  

— Nós precisamos parar esse julgamento. — disseram em uníssono quando seus olhares se encontraram. Por um instante, a expressão no rosto de um parecia um espelho do que era expressado no rosto do outro; deixando claro, pela primeira vez em muito tempo, o quão alinhados os dois estavam.    

Shinhye encarou o irmão e arregalou os olhos.  

— Você tem certeza disso? — perguntou, ainda que os olhos de Taehyung por si só já fossem capazes de responder àquela pergunta. — Digo, eu sei que você não confia cem por cento no Namjoon e, como policial... 

— Nesse momento, Kim Namjoon está precisando de uma cadeira de rodas para se locomover porque se voltou contra o Yoongi e o enfrentou para salvar você. Se eu não puder confiar nisso, em que mais confiaria? — o Kim mais novo disse, o que pegou a irmã de surpresa. Por um momento, Shinhye também se sentiu culpada pela grave lesão de Namjoon, mesmo sabendo que Taehyung não estava dizendo aquilo com aquele intuito. De repente, o mais novo respirou fundo e a fitou. — Além disso, eu não sou mais um policial.  

Aquela era a única informação que Taehyung ainda não tinha contado para a irmã desde que ela acordara. Já fazia quase uma hora que os dois estavam conversando, tendo ele que explicar e tentar fazer com que ela se lembrasse de tudo o que aconteceu naquela noite no parque de diversões. Depois, o Kim mais novo também a atualizou sobre o estado de saúde tanto de Namjoon quanto de Yooongi e, por fim, contou o que sabia sobre o futuro julgamento dos dois. Ele tinha lhe dito absolutamente tudo, com exceção de um único ponto.  

— Como assim? — Shinhye perguntou, genuinamente confusa. — Você sofreu alguma punição da corregedoria ou algo do tipo?  

— Eu entreguei o meu distintivo hoje de manhã. E sim, foi por livre e espontânea vontade. — ele respondeu, simples. Em silêncio, Shinhye apenas esperou que, no tempo dele, Taehyung lhe contasse o que estivesse preparado para contar. — De repente, eu apenas percebi que aquele não era o meu lugar e, mais importante de tudo, aquele Kim Taehyung não era realmente eu. A verdade é que eu não entrei para a polícia por vontade própria e, bem, você mais do que ninguém sabe disso... Mas sair por conta própria foi extremamente libertador.  

Taehyung simplesmente não sabia como se expressar melhor do que aquilo, mas Shinhye ainda o entendia perfeitamente bem — afinal, ela tinha passado pelo exato mesmo processo há anos atrás, quando resolveu abandonar a academia de polícia e faltar no seu exame final. Não tinha sido só por Taehyung, mas por ela própria também. E, naquele momento, ela estava vendo a mesmíssima história se repetindo bem diante dos seus olhos. No fundo, apesar de estar nítido o quão perdido o irmão se encontrava naquele momento, Shinhye estava apenas feliz de vê-lo se libertando daquelas correntes gélidas e enferrujadas do passado.  

Um passado que deveria ter sido enterrado junto com o seu pai, há muitos anos atrás. 

— Eu estou orgulhosa de você. — ela disse, pegando o Kim mais novo de surpresa. — De verdade. 

Em resposta, Taehyung decidiu apenas não conter o pequeno sorriso que se formara em seus lábios depois de ouvir as palavras ditas pela irmã mais velha. Ele a tinha ao seu lado e sabia que ela continuaria o apoiando, então aquilo por si só já era o suficiente para ele. Balançou a cabeça positivamente e, em seguida, voltou a fitá-la. 

— Por isso, não se preocupe mais comigo ou com o meu ex-emprego. — ele iniciou, agora num tom um pouco mais sério. — Nesse momento, o nosso foco deve ser tentar adiar o máximo possível esse julgamento. Só assim nós teremos algum tempo para organizar melhor a defesa do Namjoon e, obviamente, derrubar quem quer que tente impedir isso.  

Um breve silêncio se fez presente no quarto de hospital. Shinhye concordou com o irmão com um simples balançar de cabeça e começou a colocar a mesma, ainda que dolorida, para funcionar.  

— O que nós sabemos sobre esse julgamento até então? — ela questionou.  

— Bem, tudo indica que tanto o Namjoon quanto o Yoongi irão a júri popular. Os dois definitivamente serão julgados juntos, como cúmplices, e o juiz que irá conduzir todo o espetáculo será o próprio Juiz Song. — Taehyung respondeu, organizando cada fato no seu devido lugar. 

— Isso não é bom. — Shinhye raciocinou em voz alta. — Um júri popular nesse momento de pressão da mídia e tudo mais já está praticamente fadado a condenar o Namjoon. E a presença do Juiz Song não vai ajudar em nada.  

— E ainda piora. — Taehyung afirmou, chamando a atenção da irmã. — O promotor de acusação do caso é o Jihoon.  

— O que?! — a mais velha exclamou, repentinamente revoltada. — Isso é um absurdo, esses dois juntos vão esmagar o Namjoon no tribunal! Tem alguma coisa que a gente possa fazer para mudar isso?  

Por um momento, o Kim mais novo analisou as possibilidades diante de si em silêncio. Ainda que não fossem muito favoráveis, existia algo que talvez surtisse algum efeito.  

— Vai ser muito difícil se livrar logo dos dois, mas talvez exista um jeito de nós tirarmos, pelo menos, o Juiz Song do julgamento. — disse. — Eu posso trabalhar nisso.  

— Nós podemos fazer melhor do que isso. — a mais velha afirmou, o que fez com que Taehyung franzisse o cenho. — Quem está fazendo a defesa do Namjoon provavelmente é um defensor público, certo? 

— Eu não sei ao certo, mas deve ser. — o Kim respondeu. — E muito provavelmente também se trata de alguém que pertence à panelinha do Juiz Song. 

— Ótimo. Independentemente de quem seja, é ele quem vai cair primeiro. — Shinhye disse, convicta de que estava indo pelo caminho certo. De repente, ergueu o canto da boca num sorriso um tanto discreto, mas igualmente malicioso. — Lembra do ditado que circulava pela academia de polícia sobre os promotores?  

— Por trás de todo promotor, há um advogado particular imbatível. — Taehyung imediatamente respondeu, sem precisar se esforçar para se lembrar daquela época. — Então, você está pensando em ir atrás do maior inimigo do Lee Jihoon e contratá-lo como advogado de defesa do Namjoon.  

Para quem olhava de fora, a sintonia dos dois irmãos poderia parecer impressionante — afinal, eles sempre completavam os raciocínios e falas um do outro sem que muitos detalhes precisassem ser explicados verbalmente, o que era realmente incrível e único — mas, para ambos, aquela era apenas mais uma interação normal.  

Shinhye voltou a sorrir de canto. 

— Exatamente. E eu posso não saber quem essa pessoa é, mas ela certamente existe. E não vai ser nem um pouco difícil de encontrá-la, dado o fato de que o Jihoon coleciona inimigos por onde passa. — a terapeuta afirmou. — Nós só precisamos encontrar a pessoa certa, aquele advogado que o Lee nunca conseguiu vencer no tribunal independentemente das suas conexões.  

— Eu posso descobrir isso. — foi a vez do Kim mais novo se empolgar com a ideia. — Não se preocupe, eu irei atrás do melhor advogado na arte de ser uma pedra no sapato de Lee Jihoon.  

Uma parceria estava formada. De repente, os irmãos Kim estavam embarcando juntos naquilo, como quando eram crianças e precisavam se unir contra algumas outras crianças maldosas do bairro. A diferença era que, agora, essas crianças usavam terno e gravata refinados e tinham conexões onde os Kim sequer imaginavam — mas, mesmo assim, o espírito dos dois irmãos contra elas ainda era exatamente o mesmo. 

— Isso, por si só, já resolve alguns dos nossos problemas. — Shinhye concluiu. — Depois, para ajudar a resolver o resto, nós vamos precisar do meu carro. 

— Carro? — Taehyung perguntou, confuso. — Noona, não me diga que você está pensando em dirigir no seu estado? O médico foi bem claro quando disse que você... 

— Não é para dirigir, Taehyung-ah. — a terapeuta o interrompeu e, novamente, sorriu de forma maldosa. — Nesse momento, o meu carro pode nos fornecer algo muito mais útil do que ser um simples meio de locomoção. 

 

*** 

 

O julgamento de Kim Namjoon estava marcado para começar às quatro horas da tarde daquele mesmo dia, quando fora levado praticamente à força do hospital pela polícia, mas o seu início já tinha sido atrasado em mais de meia hora. Parecia que tudo estava conspirando contra o Kim, o que de fato era o que estava acontecendo. Para Namjoon, quem não tinha dinheiro, conhecimento sobre o assunto ou sequer tempo para contratar um advogado particular, fora designado um defensor público que logo de cara não lhe pareceu muito interessado no seu caso. O Kim foi levado do hospital direto para uma sala de espera em uma delegacia, onde de lá, mais tarde, seria transportado até o tribunal; pelo menos aquela tinha sido a pouca informação que um policial havia lhe passado. Naquela sala fria e de ventilação precária, ele teve a sua cadeira de rodas posicionada de um lado de uma mesa metálica e, de frente para si, logo sentou-se o tal defensor, que se apresentou como Choi Mingi.  

Alto, tronco esguio, barba por fazer e terno puído. A primeira coisa que fez ao se sentar foi bocejar. 

— Kim Namjoon, se você confessar, talvez eu consiga um acordo de redução da sua pena. — o homem disse com uma simplicidade que assustou Namjoon. — É a única saída que eu vejo para o seu caso.  

Demorou alguns segundos para o Kim absorver a fala do defensor, que o aguardava aparentemente sem muita paciência. 

— Confessar? — Namjoon questionou, um tanto atônito. — Você não vai nem ouvir a minha versão da história antes de dizer uma coisa dessas? 

Ao ouvir aquilo, junto do tom de voz injustiçado do Kim, o defensor sacudiu a cabeça e voltou a fitá-lo. 

— A sua versão da história simplesmente não existe, rapaz. — afirmou, sério. — O que existe, nesse caso, são provas. Existem diversas evidências contra você, e são elas quem vão contar a história no tribunal a partir de hoje. Por isso, o máximo que nós podemos fazer é minimizar o estrago que está por vir.  

Se conseguisse andar com as próprias pernas, naquele exato momento Namjoon teria se levantado e ido embora. Teria corrido, na verdade, e para o mais longe possível de tudo o que estava acontecendo. Sentia-se sufocado, encurralado e não via nenhuma luz no fim daquele longo e escuro túnel. Há horas que não tinha nenhuma notícia do mundo externo, não sabia sequer do que exatamente seria acusado no seu julgamento — e, aparentemente, aquele defensor público não estava muito disposto a ajudá-lo com tudo aquilo.  

Não podia nem mesmo andar. 

— Eu... — iniciou, ainda perdido em seus próprios pensamentos. — Não tenho direito a uma ligação? 

Pela primeira vez desde que entrara na sala, Choi Mingi esboçou algo a mais do que apenas a sua nítida aparência cansada e sem nenhuma boa vontade: uma risada. Alta e longa, como quem realmente tinha se divertido com a pergunta. 

— Você tinha quando foi preso, mas isso foi há mais de quarenta e oito horas atrás. — respondeu após a gargalhada. — Agora você pode falar, no máximo, comigo. 

— Mas eu estava no hospital! Eu achei que... 

— Aish. — o defensor bufou, interrompendo Namjoon da forma mais desumana possível. Esfregou as têmporas e abaixou a cabeça, murmurando sozinho. — Eu deveria ter escolhido o outro cara... Pelo menos ele nem defesa quis.  

A fala imediatamente chamou a atenção de Namjoon, que não tardou a ligar um ponto no outro e entender do que se tratava.  

— Outro cara? — questionou. — Você diz Min Yoongi? 

— O seu parceiro de crime, o próprio. — o Choi respondeu com uma pitada de sarcasmo, mas sem muito ânimo. — A situação dele não é muito diferente da sua, com o diferencial de que ele se recusou a dizer uma única palavra desde que foi preso. Só abriu a boca para recusar o defensor público que lhe foi oferecido, mais nada. O que me faz acreditar que ou esse Min é muito corajoso, ou é um tremendo estúpido.  

— Nenhum dos dois. — Namjoon sussurrou para si mesmo, inaudível o suficiente para que o defensor o ignorasse.  

Calculista. Min Yoongi não fazia nada que não fosse exato e friamente calculado e revisado. Tinha custado muito a Namjoon em todos os campos possíveis, mas ele finalmente tinha se dado conta disso. Por isso, se Yoongi estava agindo daquele modo, ele certamente tinha um propósito por trás disso.  

No fim das contas, a conversa com o seu defensor público não tinha levado Namjoon a lugar nenhum. Sem direito a trocá-lo por outra pessoa que, talvez, pudesse estar mais interessada e empenhada no seu caso, e sem as condições necessárias para contratar um advogado particular, o Kim apenas pode aguardar que o Choi fosse embora — com a promessa de que arranjaria uma defesa para o rapaz até o início oficial do seu julgamento — para soltar um longo e frustrado suspiro. Não tinha como se defender sozinho, andar ou sequer ter notícias do mundo exterior. Não sabia nada sobre o seu julgamento, tinha pouquíssimas notícias sobre Min Yoongi e menos ainda sobre Shinhye.  

E o pior de tudo: e a sua família no meio de todo aquele caos? 

Ninguém teria os avisado, mas era muito provável que, naquela altura do campeonato, o rosto de Namjoon estivesse exposto nos noticiários acompanhado das manchetes mais bárbaras possíveis. O coração de sua mãe devia estar doendo pelo filho e a sua irmã certamente estaria revoltada ao saber de tudo aquilo, o defendendo com unhas e dentes; afinal, não importava o que acontecesse, Kim Namkyu sempre estaria ao lado do irmão mais velho. Por um breve momento, Namjoon se permitiu esboçar um sorriso pequeno e nostálgico. Parando para pensar sobre aquilo, Namkyu e Taehyung eram extremamente parecidos um com o outro, então deveria ser por isso que o Kim mais novo costumava ser tão hostil com Namjoon.  

Ambos os mais novos só estavam defendendo as pessoas que mais admiravam. 

O tempo se passou, mas Namjoon não sabia dizer exatamente o quanto — não havia sequer um relógio de parede naquela maldita sala. Até que, finalmente, uma policial da delegacia veio lhe trazer alguns remédios prescritos como essenciais na sua recuperação pelo seu médico no hospital, um copo de água e a notícia de que, em breve, o Kim seria levado até o tribunal para o início do seu julgamento. Pela primeira vez em muito tempo, Namjoon se deparou com alguém que aparentava ter o mínimo de empatia pela sua situação, já que a mulher chegou a lhe perguntar se ele estava precisando de algo depois de vê-lo esvaziar o seu copo de água com certa pressa.  

— Você está com fome? — a oficial perguntou, calma. — Bem, tem uma máquina de lanches no fim do corredor. Não é muito, mas eu posso buscar algo se... 

— Por que você está fazendo isso? — o Kim a interrompeu, tomando o último gole daquela água tão valiosa. — Desculpe, eu não quis soar rude assim. É só que já faz algum tempo desde que alguém me demonstrou o mínimo de humanidade desse jeito. 

Conforme Namjoon terminava sua fala, o tom da sua voz diminuía até que a mesma praticamente desaparecesse no ar. Acuado, o Kim encolheu os ombros e recolheu as mãos para mais próximo de si, sem jeito pelo o que tinha acabado de dizer. 

A policial o encarou e, por um momento, apenas respirou fundo.  

— Não faz muito tempo que eu comecei nesse trabalho, mas acredite se quiser, já deu para ver bastante coisa nesse meio tempo. — a jovem comentou. — Nem todo mundo que entra por essa porta é culpado, e o nosso trabalho deveria ser tratar todos assim até que se prove o contrário.  

Silêncio. Por um instante, Namjoon apenas pensou como era incrível o fato de ele, até então, só ter encontrado policiais que lhe tratassem de um único modo entre os dois extremos: ou como um ser humano que merecia o benefício da dúvida, ou um criminoso condenável. Por mais irônico que aquilo pudesse parecer, o único que fora capaz de caminhar entre as duas zonas tinha sido, justamente, Kim Taehyung.  

E aquilo tinha o levado a um péssimo lugar. 

— E se o que for provado estiver errado? — o Kim questionou, sem saber exatamente o porquê. — E se o culpado for inocente e o inocente for culpado?  

Pega de surpresa, a jovem policial não soube responder àquela pergunta na velocidade que a mesma pedia. Por fim, acabou sendo cortada por um outro policial, dessa vez bem mais velho e carrancudo, que entrou na sala onde os dois estavam sem muita cerimônia.  

— O pessoal da escolta chegou. — o homem disse, simples. — Kim Namjoon, a partir de agora você será levado para o tribunal. Oficial Jeong, você está dispensada. Ele agora não é mais responsabilidade nossa.  

— Mas... — a mulher tentou intervir, mas logo foi interrompida pelo policial veterano.  

— Dispensada. — ele disse de forma curta e grossa e, sem poder fazer nada, a jovem foi obrigada a deixar a sala sem olhar para trás. No caminho até a porta, passaram por ela três oficiais federais em busca de Namjoon, algo nitidamente desnecessário se levado em conta que o acusado em si sequer podia se locomover sem uma cadeira de rodas.  

Sozinha no balcão da delegacia, a policial assistiu em silêncio e à distância ao Kim sendo conduzido para fora do lugar até o veículo oficial que o esperava do lado de fora. Em todo o momento, Namjoon mantinha a cabeça abaixada e não demonstrava nenhum sinal de resistência. 

— Significa que nós falhamos. — a jovem Jeong murmurou para si mesma. — Se o culpado for declarado inocente ou o inocente for julgado como culpado, isso significa que nós falhamos

 

*** 

 

Com o julgamento atrasado, não havia muito o que ser feito além de esperar. A justificativa, pelo o que Namjoon tinha entendido, é que um dos integrantes do júri tinha sido considerado como inapto para o julgamento e, naquele momento, um substituto estaria passando por uma breve entrevista para que fosse cuidadosamente analisado. A notícia de que seria julgado por um júri popular por si só já havia aterrorizado o Kim, mas aquela troca e toda aquela espera estavam piorando ainda mais a sua situação.  

Tudo realmente parecia conspirar contra si. 

Até que, finalmente, um dos guardas do fórum veio comunicar que a corte finalmente estava pronta para iniciar o julgamento. Sem muita vontade, o Defensor Choi, responsável pelo caso de Namjoon, se levantou de onde estava sentado na sala de espera — mais uma para Namjoon, naquele dia — e começou a empurrar a cadeira de rodas do Kim em direção à sala de audiências, já que ninguém mais havia se prestado a esse papel. Quando entrou na mesma, o choque para Namjoon foi grande. O ambiente era enorme, muito maior do que costumava ver em filmes e séries televisivas, e estava absolutamente lotado. As cadeiras mais ao fundo, onde estavam as pessoas que tinham ido até lá apenas para assistir ao julgamento, estavam todas ocupadas por rostos desconhecidos por Namjoon, com exceção de três lugares logo na fileira da frente do seu lado esquerdo: seu pai, sua mãe e Namkyu. Quando os olhares da família se encontraram com o de Namjoon, tudo pareceu desmoronar para eles.  

Seu pai tinha o semblante triste e estava mais magro, mas ainda assim estava lá como apoio físico e emocional da esposa, que desabou a chorar quando viu o filho naquelas condições. Todos pareciam confusos, cansados e extremamente abalados, o que automaticamente partiu o coração do Kim mais velho. Até mesmo Namkyu estava visivelmente afetada por tudo o que estava acontecendo, o que só aumentou ainda mais a culpa que seu irmão mais velho sentia por os ter arrastado para aquela situação infernal. Ele quis correr até eles e se explicar, gritar aos quatro cantos que não tinha feito nada daquilo o que lhe acusavam, mas sabia que não o poderia fazer naquele momento — pelo contrário, aquilo muito provavelmente só serviria para piorar a sua imagem, pitando-o como um louco descontrolado que sequer consegue se portar diante de um tribunal. Engolir aquela vontade e todas as palavras que queria dizer à sua família naquele momento foi como engolir um punhado de espadas, as quais desceram rasgando toda a extensão da sua garganta. Tudo era extremamente dolorido, mas o pior ainda estava por vir.  

Do lado direito da sala majoritariamente amadeirada estava o banco do júri, que consistia em nove cadeiras ocupadas por pessoas de diversas idades e gêneros; as quais Namjoon, obviamente, nunca tinha visto antes em sua vida. Os nove júris o encaravam com frieza, o que fez com que Namjoon se sentisse instintivamente acuado. Além disso, mais ao centro do ambiente, estava a imponente cadeira do juiz, o qual vinha acompanhado de mais um par de pessoas as quais o Kim não fazia a menor ideia da utilidade. De pé do outro lado da sala, estava o homem que tinha vindo buscar Namjoon no hospital mais cedo, quem ele descobrira, mais tarde, que seria o promotor responsável por tentar colocá-lo atrás das grades — esse sim tinha um olhar sinistro, como se tivesse plena certeza de que estava prestes a devorar o Kim vivo.  

Mais nada disso se comparava com o que Namjoon viu por último; na verdade, com quem ele se deparou por último na sala. Havia o banco dos réus, para onde o seu defensor público estava o conduzindo, e em algumas cadeiras depois da sua estava sentado o único responsável por colocá-lo naquele inferno: Min Yoongi. Automaticamente, o sangue subiu para a cabeça de Namjoon e, por um breve momento, ele agradeceu por estar preso àquela cadeira de rodas, caso contrário não fazia ideia do que seria capaz de fazer ao se deparar com aquele rosto pálido e sórdido do Min. Já o mais velho, por sua vez, vestia o uniforme do sistema prisional sul-coreano e, quando se deparou com a figura de Namjoon entrando na sala, fez o que ninguém poderia esperar que ele fizesse: sorriu. Não um sorriso de deboche, irônico e nem nada do tipo, mas um sorriso que expressava uma genuína — e completamente psicótica — felicidade. Completamente fora de si, Yoongi já não se encontrava mais em real sintonia com a realidade e, após ser examinado por um psiquiatra, fora diagnosticado com uma extensa lista de problemas mentais, tais como transtorno dissociativo de personalidade e estresse pós-traumático. 

Fisicamente, aquilo o deixava duas vezes mais aterrorizante. O Min estava nitidamente alheio ao que estava acontecendo naquele momento, não falava uma única palavra sequer para ninguém e apenas sorria na direção de Namjoon feito uma criança inocente. Ele também usava uma tipoia, o que fez com que o Kim se lembrasse do tiro que ele havia levado no ombro. De repente, a raiva quase sobre-humana que o Kim sentia de Yoongi se misturou a um pânico inexplicável ao vê-lo daquele jeito. Primeiramente, nada lhe garantia que aquele Yoongi completamente fora de órbita não pudesse ser ainda mais perigoso do que o antigo e, além disso, também poderia resultar em uma condenação mais branda se o júri levasse seus transtornos psicológicos e psiquiátricos em conta — o que resultaria em uma combinação nada segura. 

Por um momento, o estômago de Namjoon se revirou. Não podia acreditar que tudo aquilo realmente estava acontecendo.  

Um pesadelo teria sido muito melhor. 

Quando o defensor público ajustou Namjoon no seu devido lugar, o juiz bateu o martelo um par de vezes sobre uma pequena peça de madeira e, num estalar de dedos, todos se calaram.  

Pigarreou. Com sua voz grave e imponente, ele brandou: 

— A décima quinta vara criminal do Tribunal Regional de Seul dá início ao julgamento dos réus Min Yoongi e Kim Namjoon.  


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Seu juiz, esse julgamento vai ferver!!!
Ah, eu disse que agora começa uma fase muito importante da história, vulgo reta final kkkkkcrying. Eu sei que ninguém quer ouvir sobre isso agora, mas nós começamos a caminhar pelos últimos capítulos de agora em diante! Ansiosos? Teorias? Me contem tudo!

Enfim, até breve e obrigada por tudo ♥



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