The Mischievous Prince - Spin-off escrita por Sunny Spring


Capítulo 8
Seven




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785535/chapter/8

A terra dos gigantes de fogo era quente demais. Também era escura e o cheiro de lava e enxofre era quase insuportável. Novamente, eu estava diante de Surtur. Outros gigantes nos rodeavam, batendo suas lanças no chão num ritmo coordenado e irritante. Eu apenas encarava o líder deles sem dizer nem uma palavra sequer. Um misto de raiva e medo tomava conta de mim, mas não esbocei nenhuma emoção. Era isso que eu queria, não? Teria a minha vingança. Teria o trono. Era esse o meu plano inicial, não? A voz de Victor soava em minha cabeça em várias memórias. “Você merece mais do que ser o guardião de sua irmã”. “Você pode ter tudo que sempre desejou”. “Você tem o direito de arruiná-los, é apenas justiça sendo feita”. Arruiná-los. Sim. Eu poderia arruiná-los. 

 

O ritmo da batida das lanças aumentava cada vez mais, junto com as batidas do meu coração. Surtur deu um passo para o lado, revelando a sombra de alguém bem menor. Presa em correntes, Evie mal podia caminhar alguns passos para frente. Estava pálida e fraca. Não parecia com a irmã que eu conhecia. Seus olhos cabisbaixos não esboçaram emoção alguma quando encontraram os meus. Meu estômago revirou. “Você é um maldito traidor”. “Ela vai morrer e a culpa é sua”. A minha consciência gritava comigo ao mesmo tempo que a batida ficava mais alta, me deixando tonto. Não era isso que eu queria. Não. Não queria a morte deles. Não queria que ela morresse. Eu nem mesmo sabia porque estava fazendo aquilo. Eu precisava parar. Precisava impedir que Surtur continuasse. 

 

“Evie, reaja” , sussurrei para ela, mas ela não me ouviu. “Por favor, reaja”

 

Surtur levantou uma espada no alto, rindo alto demais. Não havia mais tempo. Minha irmã me lançou um último olhar e um sorriso fraco antes de… 

 

— NÃO! - Eu acordei assustado, com a respiração ofegante. Olhei para os lados, percebendo que tinha pegado no sono. Eu nem mesmo havia trocado de roupas. Não pretendia dormir, mas foi mais forte que eu. 

 

— Pesadelos, gatinho? - Mary deu um sorriso. Estava sentada na única poltrona do quarto, próxima à janela. Em seu colo haviam algumas fichas de possíveis suspeitos. O dia já estava começando a amanhecer, o que significava que eu tinha dormido demais. Isso explicava o pesadelo. Será que o remorso nunca me abandonaria? Minha família estava viva, mas a minha mente parecia não se lembrar disso quando eu dormia. Ela sempre me lembrava de quão traiçoeiro e ruim eu era. Uma alma sem salvação.

 

— Não devia ter deixado eu dormir por tanto tempo. - Resmunguei, esfregando os olhos e me recostando na cabeceira da cama. 

 

— Eu sei. - Mary deu de ombros. - Mas você estava tão apagado que fiquei com pena de te acordar. - Arqueei uma sobrancelha. 

 

— Você? Com pena de alguém? 

 

Mary revirou os olhos, sem tirar a atenção das fichas.

 

— Ah, cale a boca, seu idiota! 

 

Soltei uma risada com vontade. 

 

— Sabe, se continuar agindo assim vou achar que você gosta de mim. - Provoquei. Mary me encarou, perplexa. Era como se eu tivesse dado um tapa em seu rosto ou a tivesse espraguejado até sua última geração. Isso me fez sentir ainda melhor. Adorável, eu diria. 

 

— Acha mesmo que eu desceria a este nível? - Perguntou ofendida. Soltei uma risada sínica. 

 

— Acho que você já desceu a um nível bem mais baixo, querida Mary.— Sibilei. Mary sabia do que eu estava falando tão bem quanto eu. A lembrança veio em minha mente, tão clara que eu podia jurar que tinha acontecido no dia anterior. 

 

Quase dois anos antes, eu precisava ir à biblioteca pública para fazer um trabalho de biologia. O único problema era - a biblioteca pública não era perto o suficiente da Midtown Science High School. Isso tornava impossível a minha ida até lá à pé. Eu precisava de um carro. Para conseguir um, sem roubar (o que eu deveria ter feito), tive que engolir meu orgulho e pedir para a minha adorada (insuportável praga) irmã. Foi o que eu fiz. Ela e seus amigos, ou melhor, seu amigo e seu namorado (o Peter devia mesmo ser um santo para aturá-la) estavam no estacionamento da escola. Caminhei até eles usando a minha melhor cara de moço inocente. Aquilo era desconfortável demais. 

 

— O que você quer, bebê javali? - Perguntou com um sorriso. Definitivamente. Eu odiava a peste da minha irmã. Ela era… Como diziam mesmo os humanos? Ah! O mal em forma de gente. O próprio Surtur sem chifres. Por que diabos ela tinha que me chamar de bebê javali? A desgraçada desalmada sabia o quanto eu odiava o apelido. Tive que me controlar para não mandá-la a um lugar muito inapropriado. Eu precisava do carro dela. Mas, aquilo teria volta.

 

— Não me chame de bebê javali! - Respondi entre dentes. Respirei fundo. - Será que pode me emprestar seu carro? - Lembrei a mim mesmo de forçar um sorriso fofo. Evie me analisou com aquele olhar de irmã mais velha que só ela sabia fazer. 

 

— Não. Para que você quer meu carro? 

 

Eu quase bufei. Custava emprestar a merda do carro sem questionar? Mas era claro que ela questionaria. Ela era uma Lokison. E minha irmã. Desconfiar de tudo e todos estava em nosso sangue. Nossa discussão continuou por longos segundos até que alguém inesperado falou. 

 

— Eu te dou uma carona, gatinho. - Mary tinha um sorriso nos lábios. Eu hesitei por alguns segundos mas aceitei a carona. Era melhor aturar uma Mary do que não ir. Até porque, eu sabia muito bem como lidar com ela. Nós éramos parecidos demais, eu tinha que admitir. Talvez fosse esse o motivo de tanto desentendimento.

 

O nosso caminho até a biblioteca foi silencioso. Não trocamos farpas, o que foi um milagre. No entanto, Mary estava calada demais e isso era estranho. Quando chegamos à biblioteca, Mary contou que precisava pegar um livro. Nós entramos no lugar juntos e, depois de nos identificamos, seguimos para as centenas de prateleiras cobertas de livros do chão ao teto. 

 

Como o normal, a biblioteca pública de Nova York era silenciosa. Para a minha sorte, ela não estava lotada. Estava vazia, para ser mais preciso. Eu segui até a seção de biologia, procurando algum livro de genética. Mary também estava procurando por um livro da mesma matéria, então, paramos no mesmo lugar. Ela passeava entre as prateleiras, lendo os títulos e fazendo caretas quando percebia que não eram o que ela queria. Eu estava próximo, procurando o que eu queria. Não deixei de reparar que os ombros de Mary estavam um tanto tensos.

 

—Ah! Finalmente! - Mary murmurou consigo mesma ao encontrar o livro. O objeto estava em uma das prateleiras mais altas, portanto, ela se esticou na ponta dos pés para tentar pegá-lo. Foi involuntário quando eu resolvi pegar o livro para ela. Eu era bem mais alto, afinal. Isso fez nossos corpos se chocarem de leve. Mary encarou a minha mão que estava no livro e depois o meu rosto. Seus ombros ficaram ainda mais rígidos. Ela me analisou por um longo segundo até que pegou o livro da minha mão. - Obrigada. - Respondeu quase seca e seguiu para uma mesa vazia. 

 

Voltei à minha busca pelo meu livro. Quando o encontrei, tomei um lugar à mesa, de frente para Mary, me concentrando na leitura. Ela também estava calada, lendo o próprio livro. Ou pelo menos, fingindo. Sim, ela estava fingindo. Mary estava me observando por cima do livro que fingia estar lendo. Contive um sorriso. Não importava qual jogo ela parecia estar começando, eu decidi que iria jogar. 

 

Passei a fingir que estava lendo o meu livro também e seus olhares passaram a ser menos discretos. De repente, o espaço pareceu ficar abafado demais para nós dois. Havia uma tensão esquisita no ar. Mary arqueou uma sobrancelha, olhando para o livro. Ela mordeu o lábio inferior logo em seguida. "Ah, Mary! Você está flertando comigo?". Se havia algo que eu apreciava era flertar. Principalmente com humanos. A reação deles era sempre muito inusitada ou, no mínimo,  interessante. Fechei o meu livro, recostando na cadeira e puxando as mangas da minha blusa até o antebraço. Precisava ter certeza de que ela estava realmente fazendo aquilo. Mary se moveu um pouco e entortou a cabeça um pouco para o lado, deixando que seus cabelos caíssem sobre o seu ombro. Ela deu um sorriso discreto, fingindo desinteresse. Retribuí o gesto, sem desviar o olhar. 

 

—Algum problema, Mary? - Perguntei fingindo inocência. Ela me encarou. 

 

—Nada

 

O nosso joguinho durou por longos minutos até que Mary se levantou. 

 

—Sabe, não era bem o livro que eu estava procurando. - Ela deu de ombros. - Será que poderia colocar no lugar para mim, por favor? - Sorriu, fingindo despretensão. Contive uma risada.  

 

—Claro!

 

"O que você quer de mim, Mary?" , pensei enquanto a seguia até a prateleira de livros de genética. Bem, a verdade é que eu não era nenhum santo. Nem inocente. Nem puritano. Eu sabia bem o que ela queria. No fundo, eu desejava o mesmo. 

 

—Ali! - Mary apontou para o lugar vazio na prateleira e me entregou o livro. Eu o coloquei  no lugar, sentindo os olhos dela sobre mim. Mary estava de braços cruzados e recostada na estante, com um sorriso malicioso nos lábios.

 

—Deseja mais alguma coisa? - "Além de mim, é claro!", acrescentei mentalmente. 

 

—Na verdade… - Ela hesitou, encarando meus ombros. - Eu tenho uma dúvida. - Mary finalmente me olhou nos olhos. 

 

—Qual seria? - Levantei uma sobrancelha. Mary deu um passo na minha direção, encurtando o espaço entre nós. 

 

— Você não é humano, certo? - Ela suspirou. - Consegue fazer coisas que humanos fazem? Só por curiosidade. - Sorri, estreitando ainda mais o espaço entre nós dois. 

 

Aproximei-me dela, praticamente grudando nossos corpos. Senti o corpo de Mary ficar mais tenso por causa disso, o que me fez sorrir ainda mais. Inclinei minha cabeça em direção ao seu pescoço, roçando meu nariz levemente em seu maxilar. Sua pele estava fervendo e reagiu ainda mais ao meu toque. Meu corpo também reagiu. 

 

—Por que você não testa? - Sussurrei em seu ouvido. Quando me afastei, Mary estava mordendo o lábio inferior. Ela me encarou por um longo segundo e depois olhou para os lados. Repeti seu gesto. Não havia ninguém ali além de nós. 

 

—Bem… - Suspirou. - O que não fazemos pelo bem da raça humana, não é? - Deu de ombros, fingindo desinteresse. 

 

—Claro, claro! - Respondi no mesmo tom, estreitando o espaço entre nós mais uma vez. 

 

A respiração dela estava irregular e a tensão no ambiente aumentou ainda mais. Aproximei meu rosto do dela, misturando nossas respirações, mas não fiz nada. Apenas esperei seu tempo. Foi Mary quem tomou o primeiro passo. Ela passou uma mão em minha nuca, grudando nossos corpos e colando nossos lábios. 

 

O beijo foi intenso, cheio de desejo de ambas as partes. Sua pele estava quente demais, fazendo a minha esquentar também. Suas madeixas faziam cócegas em meu rosto e liberavam um perfume de lavanda. Eu a empurrei contra a estante atrás dela, tomando cuidado para não fazer barulho nem derrubar nenhum livro, e a pressionei ali entre os meus braços. Mary soltou um gemido baixinho contra a minha boca, passando seus dedos entre os meus cabelos e me puxando para mais perto. Mordisquei seu lábio inferior preguiçosamente para provocá-la e beijei o seu pescoço três vezes lentamente, fazendo Mary perder a paciência e murmurar um palavrão cabroso. Dei um sorriso por causa disso. 

 

—Calma, Mary. - Sussurrei em seu ouvido, me divertindo.- Estamos em uma biblioteca. - Ela arfou.

 

Voltei a sua boca em um beijo tão intenso quanto o outro e explorei o espaço com a língua, enquanto minhas mãos passeavam por suas costas. 

 

Quando saí do transe, não pude conter uma risada. Uma risada com vontade. Mary me olhava, séria. Ela sabia muito bem o que estava na minha cabeça, não era necessário falar. 

 

— Você é narcisista demais, Nerfi. - Respondeu tranquila. - A propósito, você não é tão bom assim.

 

—Você pareceu gostar no dia da biblioteca. - Sibilei, sorrindo. Eu mal havia terminado de falar quando uma almofada eletrificada acertou o meu rosto em cheio. Senti um choque leve, mas ainda assim dolorido. - Tudo bem. - Soltei uma risada dolorida enquanto esfregava a minha bochecha que a essa altura já devia estar vermelha. - Eu mereci essa. Desculpa.

 

Mary levantou-se, irritada, deixando as fichas de lado em uma mesinha próxima. Sua mente parecia estar à beira da confusão e ela deu as costas para mim, seguindo em direção ao banheiro quase batendo os pés no chão. Antes de entrar, ela parou e se virou para mim. 

 

—Se você quer saber… - Disse irritada e desconcertada. - Aquele beijo foi regular, ok? Nada de mais! - Franziu o cenho. Sorri. Mentirosinha. - E eu só fiz isso pelo bem da ciência. Testar se alguém não humano como você era capaz de beijar. - Acrescentou. Soltei mais uma risada pelo nariz. Eu podia jurar que nem Mary acreditava na própria mentira. Ela havia gostado do beijo. Não tinha como negar. 

 

— Tudo bem. - Dei de ombros, sorrindo. Mary levantou uma sobrancelha, séria e estreitou os olhos. 

 

Hmf! - Ela deu as costas para mim de novo. 

 

—Ah! Mary? - Chamei. Ela não me encarou. Apenas parou, na porta do banheiro, e soltou um longo suspiro. - Sempre que quiser fazer algo do tipo, pela ciência, é claro, estou bem aqui. Pode fazer o que quiser comigo. Estou à disposição. - Dei um sorrisinho. 

 

Mary apenas virou o rosto na minha direção, me avaliando. 

 

— Você é inacreditável. - Não havia irritação em sua voz. - Parece uma cadela no cio. - Foi a última coisa que disse antes de entrar no banheiro e bater a porta. 

 

—Também adoro você! - Gritei de volta. Um segundo depois, Mary me mandou para um lugar bem peculiar. 

 

Agarrei um travesseiro e voltei meus olhos para as fichas em cima da mesinha. Era hora de parar com a brincadeiras e focar em nossa missão. Tínhamos muito trabalho pela frente. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Mischievous Prince - Spin-off" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.