Ignotus - A lenda do Caçador escrita por Azai


Capítulo 4
Capítulo 4 — Coração em trevas.


Notas iniciais do capítulo

Perdão pela demora em atualizar as histórias, tive que me afastar um pouco desse hobby pra estudar pra uma prova importante e ao mesmo tempo me recuperar de uma lesão, agora vamos voltar a programação normal, de preferência com um capítulo de Halloween e um especial sexta-feira 13 (no mês de novembro)
Enfim... Boa leitura.



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Ī

Miguel ficou calado o trajeto todo, surpreendentemente ele não questionou quando lhe pedi uma carona, nem mesmo demonstrou qualquer intenção de conversar comigo ou com o Britânico no trajeto.

Aquele silêncio infernal já estava me matando, é… sou do tipo que não consegue ficar calado por mais de cinco minutos, mas graças a Deus mais alguém não aguentava o silêncio. E então, após aparentemente lutar contra a vontade de falar qualquer coisa, Isaac se manifestou:

— Eu realmente estou deveras curioso. — Iniciou.

— Curioso quanto a…? — Miguel falou ainda com os olhos focados na estrada.

— Não é conveniente demais teres encontrado Arthur? — Ele questionou.

— Não… — Respondi me apoiando nos bancos da frente e olhando na direção do Britânico. — Nós temos uma ligação muito específica, mas é uma coisa muito complicada de se explicar.

— Em qual âmbito? — Me olhou o Britânico, sua expressão estava sempre serena, sua fala pausada e formal, chegava a espantar de tão eloquente e robótico.

— Espiritual…

— Então tá, né… Eu estava a espera de uma explicação lógica e racional, mas acho que não obterei uma… — Isaac se virou para mim.

Me recostei no banco e olhei pela janela, o céu estava nublado e gotas de água escorriam pelo vidro, mas ainda sim, comecei a apertar o botão repetidas vezes, abaixando e levantando o vidro do carro.

— Arthur! — Urrou ele irritado com o som do motorzinho, é isso o que ele é: uma versão minha com pavio curto e uma tendência homicida, mas nem eu acordei de bom humor hoje, então posso dizer que o entendo, mas de resto nós somos muito parecidos, por exemplo essa característica de repetir padrões, no meu caso são coisas comportamentais como: ficar entrelaçando os dedos quando estou em situações desconfortáveis, ou seja, quase sempre, as vezes é pior, fico balançando a perna, o que costumava, e ainda costuma, incomodar demais o meu irmão.

Após parar de apertar o botão, admito que abri e fechei a boca umas dez ou quinze vezes até o momento em que decidi falar:

— Okay, então isso me dá o direito a uma pergunta também, certo, Isaac? — O Britânico assentiu. — Exoesqueleto ou prótese?

— O que? — A expressão calma se desfez por um segundo.

— Seu braço esquerdo… — Completei e sorri. — Quando apertei sua mão ontem senti uma resistência quase metálica, acredito que seja um polímero de alguma liga de metal maleável. — Expliquei e ele comprimiu as sobrancelhas. — Eu e o Miguel ficamos debatendo sobre o que você tinha no braço esquerdo, Isaac direcionou o olhar para Miguel e arqueou uma sobrancelha.

— "Ficamos debatendo"? — Questionou ele com uma sobrancelha erguida. — Engraçado… Eu lembro perfeitamente de acordar de madrugada com o barulho do liquidificador na cozinha…

— Eu tava com fome, véi… — Repliquei.

— Eram três horas da manhã! — Exclamou ele com uma veia saltando na testa.

Nós três ficamos em silêncio

— Então você sabia… — Deduziu o Britânico, aparentemente ele não tinha contado nem mesmo ao Miguel.

— Digamos que eu tinha minhas suspeitas. — Miguel nos olhou de soslaio. — Acredito que seja uma prótese. — após finalizar a frase ele voltou a se focar na rua. 

Isaac tirou uma moeda do bolso e a segurou na mão, ele fechou o punho lentamente e esmagou a mesma, deixando os vinte e cinco centavos totalmente tortos.

Ele soltou a moeda na minha mão e então falou:

— É uma prótese.

Isaac se voltou para a frente, sua expressão retornou ao normal, tranquila como um rio.

— Arth, você me deve 1.000 reais… — Miguel me olhou pelo retrovisor.

O carro parou na esquina e eu abri a porta colocando parte do corpo para fora.

— Eu te pago… — Falei antes de descer. — Mas com uma condição… — Isaac nos olhou com uma incógnita em seu rosto, e por fim eu finalizei: — Chame a Lily pra sair…

Miguel não demonstrou nenhuma resposta emocional, apenas me olhou com aquela cara emburrada como sempre fazia:

— Andou ouvindo nossas conversas? — e questionou com uma sobrancelha soerguida.

— Yeah… ele ouviu sim. — Concluiu o Britânico com um sorriso no rosto.

— É nisso que dá hospedar seu irmão mais novo em casa. — Brinquei e saltei do carro batendo a porta.

Miguel abaixou o vidro e Isaac que se inclinou para falar comigo, disse:

— Tu é uma pessoa horrível.

Eu apenas sorri e acenei com a mão.

— Eu sei. — Respondi.

O carro saiu dali e eu me virei seguindo pela rua.

Segui caminhando pela rua lentamente, a chuva havia tirado toda a visibilidade do local, mas eu conseguia ver algumas pessoas de aparência bastante elegante, alguns deles usavam ternos e as mulheres que passavam por mim trajavam roupas de gala, cobertas por bijouterias caras em seus pescoços.

ĪĪ

A noite foi comum, foi o básico: Jantamos pizza, tomamos sorvete e por fim assistimos alguns filmes de terror.

Foi tão bom, uma noite normal sem ter que me preocupar com o trabalho, com os meus irmãos ou com a mãe… eu queria aproveitar ao máximo, mas… eu estava tão cansada que adormeci junto a Ana, com o lençol me cobrindo segurei o relógio em mãos com força, o relógio de ouro que ele me deu...

E tudo ficou escuro, Foi muito diferente das outras vezes, meu corpo foi aos poucos relaxando e então… eu apaguei, de alguma forma eu conseguia sentir cada músculo descansando, repondo energia e renovando as minhas forças.

Na hora que acordei fiquei surpresa, o relógio ainda estava na minha mão e eu ainda estava no sofá, Ana estava deitada comigo e também dormia tranquila de boca aberta babando as velhas almofadas de tricô da vovó.

Me levantei e abri o pequeno e velho relógio, eram 23:10… estranho, sempre que eu dormia eu acordava às 3:33, independente da hora que eu fosse deitar… o que mudou?

Olhei em volta, a sala estava escura e Eric não havia chegado, talvez tivesse dobrado o turno de guarda ou sei lá. — era isso o que eu pensava.

Sabe quando o seu organismo te acorda pra comer? Então… eu precisava comer alguma coisa, qualquer coisa e essa qualquer coisa era um pacote de Doritos gigante que estava no armário. Peguei os salgadinhos e coloquei em um dos muitos pequenos baldes de pipoca que eu e meus irmãos tínhamos na cozinha pras noites de filmes, na geladeira inox eu peguei o imenso pote de ketchup e cobri o salgado o máximo possível — Esse é o meu lanche favorito: me julgue. — enfim, voltei a sala e me sentei no sofá pra comer, quando luzes coloridas azuis e vermelhas surgiram na porta da frente iluminando o ambiente, em seguida ouvi o som de palmas, três vezes seguidas e um pigarro de garganta.

— Logo agora… — Murmurei.

Me levantei com os dedos melecados de Ketchup e pó dos salgadinhos e abri a porta, havia um homem em pé lá, ele era forte, mas barrigudo, era careca e tinha pele negra, seu rosto era o mais normal possível acompanhado de um bigode grisalho e olheiras no rosto cansado e enrugado.

Ele vestia um uniforme de policial militar, coturno preto, calça verde e a camisa bege, e em seu peito trazia um nome "Sgt Guimarães".

— Pois não? — Murmurei após mastigar o último salgado que havia levado a boca enquanto ia da sala até a porta.

Na viatura atrás dele estava Eric ainda vestindo o uniforme camuflado que, obrigatoriamente, ele sempre tirava pra vir pra casa.

O rapaz de pele negra que estava sentado com as pernas pra fora da viatura levantou o olhar em minha direção, ele estava ofegante e por alguma razão ele parecia assustado.

— Kamila Branco?

— Essa sou eu… — Respondi.

— Sou o Sargento Ubiratã… Aconteceu um pequeno acidente...

— O que houve?

— Seu irmão foi atacado enquanto exercia o papel de sentinela no Quartel do Derby.

— Se ele está alí, que dizer que ele tá bem, né? — Questionei olhando-o nos olhos.

— Quase… Ele bateu a cabeça… teve uma concussão, meu parceiro e eu levamos ele para o médico.

O Sargento chamou Eric para perto com um gesto de mão e ele se aproximou, sem falar nada, ele passou por mim e seguiu para o primeiro andar da casa.

— Se importa em responder algumas perguntas? — Meneei a cabeça em negação. — Seu irmão tem algum transtorno psicológico?

— Não… — Respondi de pronto.

O homem colocou as mãos na cintura e respirou fundo.

— Ele tem bebido com frequência?

— Não, se ele bebe... é no fim de semana quando tá de folga com os amigos e as vezes em pizzarias ou rodízios.

— Certo… — Ele olhou em volta e mordiscou o lábio inferior enquanto olhava para qualquer ponto longínquo no horizonte, era quase como se estivesse hesitante em perguntar. — Seu irmão faz uso de algum tipo de droga que possa… Causar efeitos alucinógenos?

— Não… Sendo bem sincera com o senhor, Eric cigarro e qualquer coisa que solta fumaça. — Respondi olhando-o nos olhos. — Aconteceu alguma coisa, o Eric fez alguma coisa?

— Não… Ele é um bom rapaz… Só falou coisas estranhas que me deixaram intrigado. — O homem tirou as mãos da cintura deslizou os dedos sobre o bigode. — Desculpe o incômodo… Tenha uma boa noite...

Ele simplesmente se despediu e saiu rumo a viatura… Sei que a polícia tem um trabalho a fazer, sei que eles fazem perguntas, mas nunca achei que ficaria tão confusa conversamos com alguém de farda, mas não falei nada, apenas fechei a porta e fui atrás do Eric, talvez fosse desleixo meu, mas no fundo no fundo eu só queria terminar de comer e ver o resto daquele filme ruim, por isso me sentei de novo no sofá e voltei a comer meu lanche super saudável…

Entretanto... veja bem, estamos falando de mim: Kamila Branco, eu que reprovei cinco vezes na prova pra faculdade e tive quatorze possíveis relacionamentos que acabaram antes mesmo de começar… 

E é exatamente por isso que posso dizer… eu só me ferro...

Ana abriu os olhos quando ouviu a porta bater, os olhos castanhos me fitaram no escuro com uma interrogação em si.

— Eric chegou, teve uns problemas no quartel, mas relaxa, ele ta bem… — Expliquei enquanto comia.

— Tem certeza? — Questionou sonolenta. Ana estava com o famoso rosto amassado, por ter dormido com a cara apoiada sobre o braço do sofá e estava também com os olhos bêbados de sono, seus cabelos estavam assanhados como as folhas de uma árvore, cada fio apontando um lugar distinto.

— Sim… — Ela me olhou com uma expressão séria, fazendo-me revirar os olhos. — Tá legal... Eu vou falar com ele. — Murmurei me levantando e indo rumo às escadas.

Ela assentiu e passou a usar os braços como travesseiro, ainda que com má vontade fiz um esforço para subir as escadas, com passos tão lentos que pareciam uma filmagem em câmera lenta, enquanto terminava de mastigar os Chips que restavam na boca, segui pelo corredor procurando iluminação na casa escura, assim avistei a primeira porta a esquerda, popularmente conhecida como 'a porta do banheiro' e por fim me posicionei em frente a ela, sem hesitação ergui uma mão e com os nós dos dedos bati na porta.

Sem resposta, fui forçada a chamar por ele:

— Eric, você tá aí? — Claro que ele estava, a porcaria da luz estava acesa, eu só precisava saber se ele estava bem, não é do feitio dele chegar em casa e subir sem falar nada, principalmente em noites de filme. — Eric?

Ouvi alguns grunhidos e barulhos de vômito seguidos por um "já vai".

Ele abriu a porta, estava com a boca suja de vômito, aquilo me fez sentir o jantar revirando na barriga. O meu irmão nunca foi do tipo que se importa com a aparência demasiadamente, mas ele malha, se alimenta bem e costuma cortar o cabelo bem baixo, está sempre de barba feita e anda sempre perfumado, o que é curioso, pra alguém que vive enfiado na lama ele tem a pele morena tão limpa quanto um talher lustrado, deve ser porque lama é esfoliante… sei lá...

— Mano, tá tudo bem? — Questionei e ele assentiu em resposta.

O rapaz seguiu para a pia de mármore e encheu a boca com água, ele cuspiu no ralo e lavou o rosto, a boca e as mãos com sabão e água corrente.

— Um drogado invadiu o quartel hoje, acho que ele queria remédios, tentou entrar em um dos anexos médicos. — Explicou enquanto tirava a camisa, ele estava com uma expressão irritada nos olhos, e possuía contusões nas costas e braços.

Por fim ao terminar de falar ele jogou a gandola e a camisa camuflada no cesto de roupas.

— O que você viu lá? O policial que veio te trazer perguntou se você tinha fumado um beck ou algo assim… — Brinquei e ele sorriu, mas aquela expressão longínqua continuava em seu rosto.

— Nada… — Ele fez uma pausa, o sorriso que estava em seu rosto desapareceu e ele engoliu em seco. — Eu não vi nada…

Naquele momento senti um pequeno arrepio, um frio na espinha, seguido pela sensação de estar sendo observada, esse arrepio vinha do início do corredor, por isso olhei para lá por um segundo, ficando meus olhos na direção da escada por onde eu havia subido e fitei meus dancei com o olhar pela densa escuridão que se formava lá, mas não havia nada… ao menos aparentemente...

— Beleza… — Respondi me voltando para Eric.

Virei-me para sair, só queria descer as escadas, com certeza eu já devo ter perdido todo o final do filme, mas que seja… eu posso voltar e rever outra hora, tinha algo errado, ele não ia me falar, mas eu conseguia sentir e também tinha aquela sensação ruim… como quando eu estava com Ana na loja de sapatos.

— Kami? — Chamou. — você ta bem?

— To sim… melhor do que você, — Debochei. — vai tomar um banho, se precisar de algo me chama, eu vou terminar de ver aquele filme horrível. — Dei uma piscadela de olho e desci as escadas.

E eis aqui um defeito da nossa relação, desde pequenos nós nunca fomos muito próximos, na real o Eric sempre foi muito sozinho, enquanto eu tinha a Ana por companhia, ele ficou por seis anos como figura paterna em casa, então… ele meio que se comporta como um entidade protetiva, mas o que ele não entende é que também precisa de alguma proteção, coisa padrão, ele é o tipo de cara que acha que tem que ser durão o tempo todo, forte e inabalável como uma montanha, acho que esse idiota às vezes esquece que tem sentimentos.

Quando coloquei o pé no primeiro degrau ouvi o burburinho de vozes vindo do andar de baixo, uma delas era a voz de Ana, porém a outra não pude identificar com clareza, portanto desci rapidamente as escadas e no exato momento em que me virei para ir a cozinha, avistei Ana sentada ao lado de um rapaz alto e forte… ele estava com um distintivo no pescoço com a sigla "S.N.I." grafadas e ao fundo uma parte da bandeira do Brasil com a palavra "ORDEM" grifada, a imagem ficou diante dos meus olhos e após piscar, por alguns segundos ambos desapareceram e Ana surgiu sentada no sofá, sem entender o motivo da minha pessoa estar congelada encarando assentos vazios, Ana dirigiu o olhar para mim enquanto dobrava o lençol branco que a cobria quando subi as escadas.

— Ana, quem estava aqui com você? 

Ela bocejou e se espreguiçou com o lençol no colo ainda me encarando, a garota ainda estava desnorteada e esfregava os olhos, os cabelos cacheados estavam desgrenhados e arrepiados cada um direcionado a um norte diferente.

— Quem o que? — Ela questionou no meio do bocejo.

— Nada… — Talvez eu esteja alucinando.

— Então tá, né? — Murmurou com uma sobrancelha erguida. — Pra todos os efeitos o filme é ruim e já acabou, o assassino era o namorado da garota. — Ela se levantou e veio caminhando em minha direção. — Tá tudo bem? — Questionou ela antes de bocejar mais uma vez.

— Sim… — Olhei em volta novamente e em seguida pus meus olhos nela.

— Kami, você tem dormido direito esses dias? — Ela questionou, Ana sempre foi a mãezona da família, às vezes as suas preocupações chegavam a incomodar, mas ela nunca fez isso por mal.

— Eu tô bem… — Respondi, apesar de não ter certeza. — Na real faz tempo que eu não dormia tão bem quanto hoje. — Não sou do tipo que admite, mas aquele relógio tinha algum coisa a ver com meu estado de espírito atual.

— E isso por acaso tem a ver com o tal Arthur e o relógio que ele te deu? — Ela sorriu de forma maliciosa, passei por ela e me sentei no sofá ligando novamente a TV.

— Não. — Murmurei mudando do meu 'eu' seco para o 'eu' irritado.

— Eu sou sua irmã mais velha…

— E eu sou sua irmã mais chata… — A olhei nos olhos e gesticulei com a mão para que saísse.

Ela fez um sinal de rendição erguendo nas mãos ao céu e saiu rumo as escadas.

Naquele momento pude ouvir seus passos nos degraus e em seguida ouvi o som de vidro quebrando e em seguida uma pancada forte.

Ana correu em minha direção saltando os poucos degraus que havia subido, ela se jogou no sofá ao meu lado e agarrou o meu braço.

Continua...


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