A Melodia Profana escrita por Biax


Capítulo 2
Dois




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Armin abriu os olhos, sentando-se no tecido que usara de cama, e levou a mão à cabeça, resmungando baixinho pela dor. Se levantou e buscou uma fruta em sua bolsa. Sabia que, comendo algo, aquela ressaca diminuiria.

Comeu uma maçã em poucas mordidas e enterrou as sementes do lado de fora do abrigo. Contemplou o céu sem nuvens, feliz por estar um clima agradável, e se concentrou nos sons da natureza. Os pássaros cantando, a brisa movimentando os galhos e folhas... Era extremamente agradável.

Observando ao redor, avistou um baú abaixo de um carvalho que não vira antes, nem mesmo na noite anterior. Com certeza teria visto, mesmo no escuro.

Curioso, aproximou-se e olhou ao redor, pensando que alguém poderia ter deixado lá e ido procurar comida ou água. Talvez fosse um viajante assim como ele, e essa ideia o fez ficar ali por alguns um tempo. Depois de dez minutos, o baú começou a tremer e ele, assustado, pensando que tivesse um animal dentro, puxou o fecho e abriu a tampa.

Uma fumaça rosada fluiu de dentro do baú, deixando quase impossível de se enxergar o fundo. Apesar disso, Armin esqueceu completamente do objetivo e observou a fumaça, encantado pelo brilho e pelo perfume doce que exalava. Lentamente, notou algo se formando lá dentro e, ao pegar, viu que era uma citola, fabricada em uma madeira escura e brilhante.

Seus olhos brilharam, maravilhados, com aquele instrumento perfeitamente construído.

Uma sensação nostálgica o tomou, se lembrando de quando era mais novo, quando desejava aquele instrumento mais do que tudo. Infelizmente seus pais não tinham condições de comprar um, então o que ele podia fazer era admirar quando via.

Eufórico, posicionou o instrumento e dedilhou as cordas para reconhecer o som. Começou a tocar, feliz, as melodias já conhecidas, que saiam em outros tons.

As notas começaram a soar estranhas. Desafinas, estridentes... Pareciam notas de dor, de raiva. De... gritos.

Armin ouviu. E, naquele instante, percebeu que suas mãos estavam vazias. O baú havia desaparecido, e tudo o que havia era silêncio. Um silêncio tenso, que nem mesmo os pássaros ousavam interromper.

Ele levantou, confuso, e escutou mais uma vez um grito abafado. Seu coração acelerou e, correndo, voltou para seu abrigo. Já à vista dele, enxergou dois homens. Um tentava manter Galienne presa em seus braços, enquanto o outro puxava seus pertences para fora. Sem notar o que estava no caminho, Armin pisou em uma armadilha, e uma corda envolveu seu tornozelo, o puxando para cima, deixando-o de ponta cabeça. Seu resmungo foi ouvido pelos invasores, e o que estava pegando suas bolsas veio em sua direção, com um sorriso triunfante.

— Ora, ora, como você conseguiu sair do feitiço?

— O que vocês querem?! — Armin perguntou, furioso. — Somos apenas viajantes! Não temos nada de valor!

— É claro que vocês têm coisas de valor... — Ele deu uma olhada rápida para Galienne, e voltou a encarar Armin. Abriu um sorriso orgulhoso, como se medisse o valor de uma mercadoria rara. — Eu não sei o que você fez, mas preciso que volte ao seu sonho, ou você pode complicar as coisas um pouquinho para nós.

O homem murmurou palavras irreconhecíveis, e Armin sentiu o mesmo cheiro doce de antes, caindo na inconsciência em poucos segundos.

Levantando-se do chão, o bardo se viu em uma vila lotada de pessoas correndo para várias direções, assustadas. Ele verificou se estava com sua flauta e seguiu a direção oposta, à procura do motivo daquele alvoroço. Após alguns minutos, avistou um homem de manto escuro no centro de uma praça, envolto por uma neblina acinzentada. Do outro lado, viu os mesmos dois homens de antes se aproximando, parando em cada lado do primeiro.

— O que vocês querem aqui? — Armin indagou, firme.

Com um movimento de mão do homem de manto, um corpo saiu de trás dele, levitando, e foi colocado no chão à sua frente. Com desespero, Armin viu que era Galienne. Suas roupas estavam ensanguentadas, assim como os cabelos, e havia um grande corte em seu pescoço. O bardo não se moveu, em estado de choque.

Novamente, o homem ergueu a mão, murmurando palavras inaudíveis, e uma áurea púrpura envolveu o corpo da garota. Seus olhos e boca se abriram, e segundos depois seu corpo foi erguido pela áurea, até que ela ficasse de pé. Seu olhar vagava, apesar de parecer encarar Armin, sem piscar.

Galienne puxou sua espada e afastou os pés, preparando-se para atacar.

Antes que algo acontecesse, o silêncio foi quebrado por sons de cascos no chão e, olhando para trás, Armin viu Alex descendo de seu cavalo, ao seu lado. Encarou seu irmão, sem acreditar no que via.

— Como você...

— Deixe as perguntas para depois — disse o paladino, puxando a espada.

— Não. Você não devia estar aqui. Você não sabia onde eu estava.

— Você é previsível, Armin. Nunca é difícil demais te achar.

Armin apertou os dentes, enfurecido e, se deixando levar, ergueu o punho e acertou um soco no rosto de Alex, que foi ao chão com o barulho alto da armadura batendo contra a pedra.

Em um movimento rápido, o bardo sentou-se, ofegante, sentindo pingos de suor escorrendo pelas têmporas. Notou que estava em uma jaula de grades não muito espaçosa, e prestando atenção ao redor, viu que estavam no meio da floresta. Não muito longe havia outra jaula, contendo uma Galienne desacordada. Pelo pouco que enxergava, ela parecia respirar tranquilamente, e ele soltou o ar, aliviado.

Pouco mais à frente, havia uma fogueira baixa, e os dois homens que os pegaram estavam deitados na grama, dormindo. Todas as coisas estavam entre eles, incluindo seus pertences. Os cavalos estavam presos em uma árvore mais à esquerda, e Armin pôde enxergar uma construção à direita, que parecia ser uma casa de madeira.

Tocando seu próprio corpo, percebeu que fora limpo, com exceção de sua flauta. Afinal, o que de extraordinário um instrumento musical faria?

Torcendo para que nenhum deles acordasse, Armin começou a tocar notas baixas, para agitar o ar. Mesmo demorando um pouco, pela velocidade da música, o bardo formou um pequeno moinho de vento, movendo as folhas para longe. Ele tentou fazê-lo o mais silencioso que pôde, e o aproximou do homem mais perto.

Não demorou para que ele acordasse, estando no centro do moinho, e Armin aumentou a velocidade, não deixando que o outro conseguisse falar ou respirar. Ele se arrastou pelo chão, buscando uma forma de sair, em vão. Em poucos minutos, ele caiu, desacordado, e Armin continuou para ter certeza de que ele não acordaria novamente naquela vida.

Assim que o bardo parou de tocar, o moinho se desfez, e ele respirou fundo. Por sorte, o outro homem tinha um sono pesado.

Olhando para o lado, Armin percebeu que Galienne havia acordado. Ela acenou, indicando que estava bem, e apontou para o outro capanga, o apressando. Novamente, Armin fez outro moinho de vento e fez o mesmo com o último homem, que resistiu um pouco mais do que o outro, porém, teve o mesmo fim silencioso.

Uma pequena sensação de alívio tomou os dois viajantes, entretanto, Armin sentia que não tinha acabado ali. Recordou do seu sonho, ou alucinação, sobre aquele homem de manto escuro. Ele era real? Armin tinha a impressão de que sim.

— Você está bem? — Galienne perguntou. Sua voz ecoou pela floresta.

Armin afirmou e encostou o dedo indicador nos lábios, pedindo silêncio.

Parou para observar o lugar, pensando no que poderia usar para se soltar. Com certeza as chaves estavam com um dos homens, mas como poderia pegá-las? E ainda sem fazer barulho...

Galienne balançou a mão, chamando a atenção do bardo, e assim que ele olhou, ela indicou algo abaixo da jaula. Rodas.

Para ter certeza, Armin colocou o braço no último espaço entre as barras da gaiola e sentiu a roda fronteira. Animado com a descoberta, sentou-se próximo às grades e começou a tocar sua flauta, agitando o vento, que logo começou a empurrar a jaula na direção do pequeno acampamento mal iluminado. Quando se aproximou o suficiente, parou de tocar, deixou o instrumento de lado e tentou puxar o primeiro homem pelo braço, mas não tinha como vasculhá-lo, seu corpo não chegava tão perto assim.

O bardo tomou um susto quando uma silhueta apareceu ao lado da jaula, mas era Galienne.

— Como diabos você saiu? — indagou ele em um sussurro, abismado.

Ela mostrou um punhal e um objeto pontiagudo de um lado e arredondado do outro, cheio de pedrarias.

— Eles não olharam dentro da minha bota e nem desconfiaram do meu prendedor de cabelo — explicou enquanto agachava e procurava as chaves no corpo do homem. — Não foi tão difícil arrombar o cadeado. Não que ele fosse forte.

Segundos depois, Galienne achou as chaves e abriu o cadeado da jaula de Armin.

— Você sonhou com algo? Quando estava desacordada?

— Sim, com a minha família. Por quê? — Devolveu a pergunta, guardando seu punhal na bota e prendendo a parte de cima do cabelo.

— Eu vi meu irmão... Mas também vi um homem de manto. Ele parecia... ser o líder desses dois. Ele... — Engoliu seco, sem saber se devia contar a próxima parte. — Acho que ele ressuscitou um morto.

— Ressuscitou? Isso é possível?

— Não sei... Ouvi algumas histórias sobre necromantes, mas... eram histórias, afinal...

Galienne olhou para trás. — Será que tem alguém dentro daquela casa? Por que esses dois ficariam aqui fora, se poderiam ter um lugar quente e seco para dormir?

— Talvez... o líder esteja lá.

— Mas ele teria nos visto, não? Provavelmente teria vindo ajudar seus capangas.

— É, bom... Só vamos ter certeza se formos lá olhar.

Sorrateiramente, os dois caminharam até a casa. Viraram, acompanhando a estrutura, e viram uma janela. Olharam para dentro, observando o cômodo vazio e pouco iluminado por uma luz que vinha do cômodo ao lado. Seguiram até a próxima janela, de onde vinha a luz de velas espalhadas pelo lugar. Ao contrário da outra sala, aquela tinha muito o que observar.

Além das velas, haviam algumas estantes cheias de potes de vidros com líquidos, transparentes, amarelados e escuros, contendo coisas que afundavam ou boiavam. No fundo, do outro lado, outras estantes mostravam diversos livros de lombadas escuras.

Quase no centro da sala, tinha uma mesa de carvalho e, à sua frente, um pedestal da mesma madeira, onde um livro pesado repousava, fechado.

Antes que Armin e Galienne pudessem ver outras coisas, a porta da frente foi escancarada, e ambos abaixaram-se, tomando cuidado para não serem vistos. Demorou alguns segundos até que alguém entrasse e, para a surpresa dos observadores, o homem carregava um corpo. Uma mulher. A colocou na mesa cuidadosamente, ajeitou suas roupas e arrumou seus cabelos negros delicadamente.

O homem de cabelos ruivos parou atrás do pedestal, abriu seu livro e procurou por uma página específica e, quando a encontrou, parou para lê-la. Após alguns segundos, levantou sua mão direita ao mesmo tempo em que murmurava palavras inaudíveis.

As chamas das velas balançaram, algumas apagaram como se entrasse vento pela porta da frente, e até as roupas dos dois moveram-se. Uma áurea arroxeada começou a envolver o cadáver, e os olhos de Armin arregalaram-se ao notar as semelhanças daquela cena com seu sonho. Sem dúvida alguma aquele era o necromante.

Após alguns segundos, conforme a áurea se intensificava e movia-se mais rápido, o corpo levitou da mesa até certa altura, e voltou, assim que o homem abaixou sua mão. Rapidamente ele afastou o pedestal e contemplou seu trabalho.

A mulher se sentou, cambaleando, e com um comando do outro, virou, ficando de pé.

Galienne arregalou os olhos e levantou de supetão. Antes que ela saísse dali, Armin a segurou pelo pulso, indagando com o olhar o que ela faria e, sem responder, puxou seu braço e saiu apressadamente, dando a volta na casa. Sentindo o medo e o sobressalto daquela ação, o bardo paralisou no lugar, sem saber o que fazer.

Então, ele viu Galienne entrar no cômodo com sua espada em mãos e simplesmente atravessá-la no peito do homem que, com o choque, olhou para baixo, engasgando, e logo caiu para o lado.

Rapidamente Armin levantou e entrou, encontrando sua companheira tocando o rosto da mulher, sussurrando coisas, chorando ao mesmo tempo.

— Você ficou louca? Ele poderia ter te matado!

— Eu o matei primeiro — esbravejou ela, sem desviar o olhar da mulher. — Mãe? — cochichou, entre lágrimas. — Mãe...

— Como... Por que ele trouxe sua mãe? Ela não estava...

— Sim, na nossa vila. Por que justo ela... Ele...

O olhar vago da mulher mostrava que não havia vida ali. Era apenas um corpo vazio, à espera de algum comando. Enquanto a guerreira chorava, o corpo de sua mãe inclinava cada vez mais para frente, perdendo as forças, até que caiu para frente, onde Galienne a segurou e a deixou no chão, soluçando sobre ela.

Compadecido de sua dor, Armin preferiu permanecer em silêncio. Observou aquela sala, pensando em quantos corpos foram colocados naquela mesa e revividos daquele jeito. Então, localizou o livro e o pegou, determinado a destruí-lo para que ninguém mais o usasse. Caminhou para fora, jogou alguns galhos e folhas na fogueira já quase apagada, para reacender o fogo, e assim que as chamas aumentaram, jogou o livro ali.

— O que está fazendo? — Galienne surgiu atrás dele, secando as lágrimas do rosto.

— Queimando o livro para que ninguém mais use esse tipo de magia... Pelo menos não essas... — Armin parou de falar ao observar as chamas, espantado.

O fogo queimava tudo o que estava ali, menos o livro. As chamas ardiam somente ao redor do objeto, enquanto ele permanecia intacto. Após alguns minutos, com uma das espadas dos comparsas, puxou o livro para fora do fogo e, ao tocá-lo, notou que ele estava frio. O pegou e tentou puxar as páginas com toda sua força, porém, elas estavam tão presas à lombada que era difícil acreditar que eram feitas de papel. Até Galienne tentou puxá-las enquanto ele puxava para o lado contrário, e isso só fez com que eles caíssem para trás. Ela tentou furar a capa com seu punhal, mas foi como tentar furar uma rocha.

— E agora? — indagou ela.

— Talvez... esse livro só possa ser destruído por alguém mais... poderoso.

— É, talvez.

— Vamos levá-lo conosco, talvez encontremos alguém de confiança no caminho.

— Tudo bem. Será que... antes de irmos... — Ela engoliu, segurando o choro.

— Você quer enterrar sua mãe?

— Sim.

— Certo, vamos.

Armin guardou o livro em sua bolsa, juntou todos os seus pertences e ajudou Galienne a cavar uma cova o mais longe que conseguiram. Para ir mais rápido, o bardo fez um moinho de vento para abrir a terra, e o restante foi feito manualmente. Depois, ele levou o corpo da mulher até lá e terminaram a sepultura, colocando algumas flores ao redor.

Finalizaram o trabalho quase ao amanhecer. Pegaram suas coisas, os cavalos, e Galienne puxou sua espada do peito do necromante antes de partir, a limpando nas roupas dele.

Montaram os cavalos e correram para longe dali.

Após quase duas horas de viagem, já a cavalgadas mais lentas, instalaram-se em uma hospedagem perto da estrada. Se limparam, comeram e descansaram. Galienne deitou-se na cama e apagou completamente. Armin, apesar de cansado, não queria dormir. Algo o incomodava, algo atraía seu olhar sem que notasse e, quando percebeu, estava levantando para pegar sua bolsa, de onde tirou o livro do necromante.

Voltou para a cama e começou a folhear as páginas, lendo seus escritos e desenhos. Alguns estavam em uma língua antiga, difícil de se entender. Eram todos escritos à mão e nem todas as folhas estavam preenchidas.

Para Armin, tão acostumado a transformar tudo em notas musicais, mal percebeu que montava melodias em sua mente com tudo o que estava lendo, mesmo sem entender os significados daquelas escrituras.

Após alguns minutos, Armin sentiu a necessidade de tentar tocar uma daquelas melodias.

Chamou Galienne várias vezes para ter certeza de que ela não acordaria, e pegou sua flauta, começando a sopra-la de acordo com as notas. Depois de repetir a melodia mais uma vez, percebeu que nada havia acontecido. Será que aquele realmente era um feitiço? Ou era apenas um escrito para enganar quem lesse?

Desistindo, deixou a flauta de lado junto do livro e deitou, decidido a tentar dormir um pouco.

Um grito feminino ecoou em algum lugar da hospedagem, seguido por outros gritos e uma movimentação estranha. Galienne pulou na cama, acordando assustada, e Armin rapidamente pegou seu instrumento e correu para fora do quarto, descendo até a recepção e saindo para a rua, onde se deparou com pessoas correndo e outras atacando outras pessoas paradas no meio da rua.

Sem entender nada, o bardo estacou na entrada da hospedagem, e ao observar a cena, notou que quem estava sendo atacado, não atacava de volta.

— Para! — gritou uma mulher, saindo da casa e puxando o rapaz que mutilava o outro.

Vendo que seus golpes não faziam efeito algum, o rapaz parou, se afastando.

— Joseph... — sussurrou a mulher, se aproximando dele, chorando. O homem não teve reação, mantendo os braços ao lado do corpo, com os ombros caídos. Seu olhar estava vago, sem vida.

Ligando uma coisa com a outra, Armin aproximou a flauta dos lábios, sentindo o coração acelerado, e começou a tocar. Joseph deu alguns passos em sua direção, e o bardo parou, sentindo o corpo gelar com o que tinha feito.

Segundos depois, sem mais comandos, uma chama roxa brotou do peito de Joseph, começando a incendiar seu corpo todo. Em menos de um minuto, tudo virou pó.

Os presentes observaram tudo aquilo, pasmos, completamente horrorizados.

— O que você fez?! — Galienne puxou Armin pelo braço, para dentro. — Você leu o livro?!

— Eu não achei que...

— Você sabe o que aquilo faz! Isso é profano e desrespeitoso! Você está indo contra à natureza!

— Eu entendi! — Armin a empurrou para a outra parede, já que as pessoas estavam voltando para dentro da hospedagem. — Eu nunca mais farei isso.

— Jure por sua vida — ordenou, apontando seu dedo indicador.

— Eu juro. Eu não achei que aconteceria algo. Eu só... toquei e aconteceu aquilo. Por que aquele homem pegou fogo?

Galienne se afastou. — Eu não sei. E eu prefiro esquecer. Sorte que ninguém prestou atenção em você ou notou que sua música o moveu, ou teríamos que sair correndo daqui.

— É...

Voltando para o quarto, Galienne guardou o livro em sua bolsa após Armin enrolá-lo com uma pequena corda e entregá-lo a ela. Mesmo voltando à cama, nenhum dos dois conseguiu dormir e continuaram sua viagem logo após o amanhecer.

Horas depois, cavalgando, Galienne observou Armin.

— O que faremos com o livro? Não podemos carregá-lo para sempre. Precisamos encontrar alguém de confiança. Que guarde esse livro ou saiba como o destruir...

— Você conhece alguém?

— Não. E mesmo que conhecesse, talvez essa pessoa tivesse morrido também.

— Eu não conheço alguém que possa destruí-lo, mas... Não sei. — Soou duvidoso.

— Não sabe o quê? Então você tem alguém de confiança que possa guardá-lo?

— Não sei bem... A única pessoa forte e de confiança que conheço é meu irmão. Com certeza ele não pensaria em usar esse livro para benefício próprio...

— Ótimo. Podemos pedir para ele guardar.

Mesmo não concordando totalmente, Armin não viu outra alternativa senão aceitar.

Após uma rápida parada para verificar o mapa e mais uma hora de viagem, os dois viajantes chegaram ao reino de Ekrakar. Galienne perguntou à diversos feirantes, vendedores e os próprios moradores, porém, ninguém reconhecia os sobrenomes indicados por ela.

— Nada? — Armin questionou assim que ela voltou, desanimada.

— Não. Ninguém sabe nada sobre as famílias que falei. Eu... terei que começar do zero. E você? O que fará agora?

— Voltarei para casa. Preciso deixar o livro em segurança.

— É verdade... — Galienne pegou o livro em sua bolsa e lhe deu, sendo rapidamente guardado novamente. — Tome cuidado.

— Tomarei... Espero que você possa recomeçar e ser feliz de novo.

Ela sorriu, ficando com os olhos marejados. — Obrigada...

Sem saber como agir, ambos ficaram envergonhados e deram um aperto de mão. Armin ajeitou a bolsa nos ombros e deu meia volta. Subiu em seu cavalo e voltou à estrada, com o peso da despedida no peito.

Alguns minutos depois, ouviu galopes cada vez mais perto e, de repente, alguém parou em sua frente, travando a passagem e assustando seu cavalo. Ao olhar para o cavaleiro, viu que era Galienne, ofegante e com um sorriso enorme no rosto.

— Eu quase fui roubada, não vou ficar aqui nem que me paguem — disse ela, rindo.

— E para onde você vai?

— Seria um problema se eu fosse com você para a sua vila? Assim você poderá reclamar do seu irmão e de mim.

Armin negou com um aceno de cabeça, sorrindo. — Bem-vinda de volta.

Os cavalos, já acostumados, ficaram lado a lado, e todos seguiram o caminho.

A viagem levou menos dias e, ao passar por sua antiga vila, Gapia, Galienne viu que os cidadãos voltaram. Não haviam mais mortos, sangue ou tristeza. Os sobreviventes recomeçaram, assim como ela. Apesar disso, ela não fez menção de ficar, e teve apenas que esconder o rosto e os cabelos para não ser reconhecida.

Eles continuaram, fazendo as paradas necessárias, e em três dias e meio chegaram aos arredores da vila Nidia. Ao se aproximarem do centro, Armin notou que tudo estava silencioso demais. Não haviam visto ninguém até então e, preocupado, o bardo acelerou o cavalo. Antes de chegar à praça principal, viu civis correndo, fugindo de algo.

— Era só o que faltava — sussurrou Armin, descendo do cavalo e correndo para a praça.

— Espera...! — Galienne desceu também, dando um tapinha nos dois animais para que eles fugissem, e ela seguiu o bardo.

Armin deparou-se com uma cena que nunca imaginou encontrar em sua casa. Os civis mais fortes lutavam contra outros, e o que mais intrigou Armin era que os invasores estavam mortos. Desacreditado, procurou pelo responsável, mas sem sucesso. Ao longe, o único que conseguia enxergar com clareza era Alex, lutando incansavelmente contra os inimigos que não se machucavam.

— Outro necromante?! — Galienne indagou, assustada.

— Ou é o mesmo. — Armin sentia-se desesperado, sem saber o que fazer para ajudar.

— Mas eu o matei. Enfiei a espada em seu coração — respondeu, a voz cheia de aflição.

— Ele é um feiticeiro, com certeza conseguiu se curar. Ou teve ajuda.

— O que faremos?

Observando seu irmão, já visivelmente cansado, junto dos outros civis que mal paravam de pé, pegou a flauta e começou a tocar, criando um ciclone no meio dos corpos reanimados, os jogando para longe. Os civis restantes e Alex se afastaram da cena, e o último localizou o irmão entre as casas.

— Saiam daqui! Não há o que fazer! — exclamou ele, segurando o próprio braço ensanguentado. — São mortos-vivos, nada os detém.

O bardo encarou Galienne, indagando com o olhar se devia fazer o que estava pensando. Ela hesitou, em dúvida e, no fim, fez um sinal positivo.

— Temos que encontrar o necromante — explicou Armin, controlando o ciclone com uma mão e quebrando a janela da casa com o cotovelo. Jogou sua bolsa lá dentro, e Galienne fez o mesmo.

— O que vocês vão fazer? Temos que sair daqui — enfatizou Alex.

— Alex, cale a boca e ajude os outros a fugir. Não tem outro jeito de resolver isso.

— Mas...

— VAI.

Relutante, Alex saiu dali, ao mesmo tempo em que o ciclone desmanchava-se. Antes que a poeira abaixasse, Armin começou a tocar a melodia dos mortos, e em poucos segundos, os corpos enterrados das proximidades apareceram, recebendo ordens para atacar. Armin se concentrou ao máximo. Não sabia se aquela magia duraria muito, e nem sabia se os corpos entrariam em combustão.

Enquanto mortos atacavam mortos, ele e Galienne desviaram o caminho, tentando encontrar o necromante. Mais ao norte, um pouco afastado da praça, ambos ouviram conversas enfurecidas entre três pessoas dentro de uma casa. Eles esperaram, encostados na parede, e assim que o primeiro saiu, Galienne o surpreendeu com um corte atrás dos joelhos, seguido de outro na garganta quando foi puxado para trás pelos cabelos longos.

Armin estremeceu ao ver a cena, lembrando do sonho que teve com sua companheira morta, à mercê do necromante. Naquele instante, temeu que aquela fosse uma previsão.

Nenhum dos outros dois pareceu perceber a movimentação na frente da casa, pois continuaram conversando. Antes que saíssem, Armin e Galienne puxaram o corpo para trás. O rastro de sangue não seria notado junto dos outros rastros de sangue fresco que haviam no chão de pedra.

Os dois homens saíram, e os amigos reconheceram o necromante. Apesar de ter sobrevivido, ele não parecia estar a todo vapor. Na verdade, parecia frágil.

— Continue procurando — ordenou o feiticeiro. — Ele está aqui em algum lugar.

O outro homem se afastou, indo para a próxima casa. Armin estava prestes a acenar para Galienne segui-lo, mas ela foi mais rápida. O necromante caminhou por entre as casas, sendo seguido pelo bardo sorrateiro, e parou à frente do começo do bosque. Virou-se e encontrou Armin.

— Vejo que você aprendeu algumas coisas, criança. Devolva meu livro e eu poderei lhe mostrar o que é poder de verdade.

— Você é sujo. Eu não quero aprender seus feitiços profanos.

Ele deu uma risada profunda. — E, no entanto, você os conjurou.

— Para salvar a minha vila.

O necromante ergueu as mãos. — Você aprendeu o básico, garoto, não tem noção do que é necessário para manipular os mortos.

Armin apenas parou de se concentrar nos corpos vivos naquele instante, para poder atacar o homem à sua frente. Começou a jogar jatos de vento para afastá-lo, porém, o necromante foi mais rápido, criando um escudo. O bardo mudou a tática e jogou os jatos para trás, o empurrando contra sua própria parede invisível. Não teve tempo de deixá-lo sem respirar, pois ele foi ao chão, desfazendo a magia para se livrar da prisão.

Criando mais um escudo, dessa vez de todos os lados, o necromante levantou. Armin gerou outro ciclone, sem efeito contra a fortaleza. Assim que parou, o homem desfez seu muro para atacar, correndo para frente. Armin tentou agir rápido para criar uma defesa de ar, e só não foi acertado pela espada que aparecera pois Alex pulou em sua frente, empunhando sua espada, fazendo a cabeça do necromante voar para longe.

Todos foram para o chão ao mesmo tempo com o impacto gerado.

Respirando rapidamente, o bardo encarou o céu levemente alaranjado, pela primeira vez, agradecendo a súbita aparição de seu irmão, ou tudo teria acabado ali.

Alex se arrastou até ele e deitou, exausto.

— Como você se meteu com isso, Armin? Magia negra? Eu nunca achei que...

— Ah, não começa. Eu salvei essa vila. Um “obrigado” já conta.

Ele riu e resmungou de dor. — Obrigado. Mas você vai me contar tudo depois.

Armin bufou e ouviu passos apressados. Ao virar o rosto, encontrou Galienne ajoelhando ao seu lado, desesperada.

— Você está vivo...! — Ela riu, aliviada, fungando as lágrimas que estavam aparecendo. — Achei que estava morto deitado desse jeito.

— Eu estou bem. Cansado, mas bem... Galienne, esse é meu irmão, Alex. Alex, essa é Galienne, a companheira que ganhei durante a viagem.

Antes de olhar para Alex, Galienne se abaixou e beijou Armin, o pegando completamente de surpresa. Ela se afastou, sorrindo.

— Agora sim eu encontrei meu lar.

— É, eu também.


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Notas finais do capítulo

Espero que você tenha gostado, Ingrid, e os outros leitores também, claro xD

Até mais o/



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