A História Prometida escrita por Ly Anne Black, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 2
Cuidado Com as Narrativas Imersivas




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— Argh, como eu odeio contos de fadas!

Rony ergueu os olhos do livro sobre o qual estava piscando e bocejando pela última meia hora – Obras Completas de Charles Perrault — e olhou para o outro lado da mesa, onde estava Hermione.

— Acho que você comentou isso cerca de oito ou nove vezes na última hora, mas obrigado pela atualização — ele disse, com um sorriso engraçadinho que ela quis esmagar com o livro que estava segurando. Rony não fez caso do tique de impaciência que apareceu no canto do olho esquerdo dela. — Eles até que não são tão ruins, para livros trouxas.

— Está brincando? Não basta que a maioria dos contos de fada incluam uma caracterização extremamente preconceituosa e deturpada dos bruxos e bruxas, e disseminem ideias utópicas e disfuncionais de relacionamento, e nem me deixe começar a falar da exaltação tendenciosa da realeza europeia, pelo amor de deus todos esses príncipes e princesas…

Hermione parou de falar, porque Rony estava sorrindo como um gato que tinha avistado um canário apetitoso. No caso, como se ela fosse o canário apetitoso.

— Qual a graça? — ela retrucou de mal humor.

— Eu só não sabia que havia uma classe de livros de que você não gostava. Não é muito Hermionesco da sua parte, é só isso. Mas não preste atenção em mim, o você estava dizendo?

Ela pressionou os lábios juntos numa demonstração de desagrado. Ele tinha estragado completamente a sua sessão de resmungos.

— É só que, as histórias são sempre tão estúpidas. Há sempre uma princesa estúpida que faz alguma coisa estúpida e acaba metida numa situação estúpida e precisa ser salva por um feitiço estúpido. Como se a vida real fosse qualquer coisa perto isso!

— Eu acredito que sejam metáforas, Mione. Não é por isso que estamos escrevendo esse trabalho? Para discutir o uso de metáforas em contos de fadas clássicos e modernos da literatura trouxa? — Rony precisou abaixar os olhos para ler o título, porque sem chance ele ter decorado tudo aquilo.

— É, que seja — ela bufou, puxando o seu livro de volta com má vontade. Hermione normalmente fazia seus trabalhos de escola com muita felicidade, mas aquilo estava acontecendo com cada vez menos frequência em Estudo dos Trouxas – matéria que se tornara obrigatória em Hogwarts desde que a segunda guerra bruxa terminara. Analisar as idiossincrasias da comunidade trouxa – a sua comunidade de origem – sob a ótica bruxa não estava sendo saudável para os seus nervos.

— Eu gosto desse aqui — Rony apontou para o conto que estava lendo —, O Pequeno Polegar. Me identifico um bocado com ele, que também tinha um monte de irmãos maiores que o infernizavam.

— Oh, sim — Hermione assentiu com sarcasmo. — Um belo conto de abandono infantil e canibalismo. Que criança não ficaria nas nuvens com uma história dessas? 

Rony ainda estava rindo. Hermione não fazia ideia do que, mas provavelmente era da sua cara, já que ele tinha mania de não a levar a sério.

— Mas o ponto importante da história é a lição, não é? Todo conto de fadas tem uma lição de moral. Não foi isso que a professora Calandra disse? Se você focar na lição, tudo faz sentido.

— Desde quando você se tornou um grande especialista? — Ela reclamou, amuada de que ele se lembrasse da aula e que estivesse certo. Embora o comentário tivesse uma nuance ofensiva, Rony não o tomou como ofensa, e quando ele sorriu, ela sorriu de volta, rolando os olhos.

— Só vamos acabar com isso logo, está bem? — ela suspirou.

— O seu desejo é uma ordem, minha senhora — disse Rony, rindo de volta para o seu livro.

Pela janela da biblioteca, Hermione via neve caindo, agora há muitas horas. Além deles, os únicos alunos restantes na biblioteca eram setimanistas. Ano de NIEMs significava que eram sempre os primeiros a chegarem pela manhã e os últimos a saírem na noite. Passar longos períodos na biblioteca nunca tinha sido um grande problema para Hermione, mas agora ela se achava na constante companhia de Rony – que estava decidido a garantir bons NIEMs para postular a sua carreira de auror. A constante companhia de Rony era, por diversas razões, inquietante.

— A Princesa Prometida… droga — Rony olhava a pilha de livros que tinha ao seu lado. — Acho que esqueci de pegar esse. Você tem um na sua pilha? 

— Não — Hermione disse sem olhar para ele. — Eu conheço esse. Minha mãe insistia em ler para mim quando eu era pequena.

— É mesmo?  Talvez você possa me fazer um resumo, então — ele disse, se animando. — Se eu ler mais um conto de fadas hoje, vou acabar sonhando que sou o lobo mal e que soprei a casa de abóbora da branca de neve até conseguir comer todos os sete anõezinhos.

— Eu não lembro da coisa toda. Eu sempre pegava no sono lá pela metade — quando disse isso, Hermione estremeceu, mal contendo um bocejo. Pelos seus cálculos, já devia passar de dez da noite...

— Tudo bem, vou achar um exemplar então — Rony deslizou suas pernas longas de um lado para o outro do banco com habilidade e se levantou. — Você precisa de alguma coisa? 

Você, seu idiota, pensou Hermione, reprimindo o lapso em seguida. Pensamentos intrusivos como aquele continuavam invadindo a sua cabeça quando estava em torno de Rony, especialmente quando estava muito cansada para filtrá-los. Felizmente, nunca chegavam a atravessar a barreira da sua boca e se fazerem ouvidos por ele.

— Não, tenho tudo que preciso — ela disse, o rosto efetivamente escondido atrás do cabelo volumoso. — Ah, Rony, tenha cuidado, eu ouvi dizer que Pirraça andou espalhando uns livros de narrativas imersivas, da sessão reservada, por outras prateleiras da biblioteca... — ela percebeu que estava falando sozinha. Rony já tinha se embrenhando entre as prateleiras mal iluminadas, sua figura alta e esguia desaparecendo das vistas de Hermione.

A garota se esticou no banco, espreguiçando-se e soltando um suspiro.

Era preciso ter fibra para viver em torno de Rony Weasley, especialmente desde que eles tinham se beijado no meio da batalha, no fim do ano letivo anterior.

Eles tinham voltado para Hogwarts a fim de terminar o sétimo ano – sem Harry por perto para aliviar a tensão entre os dois – e Rony tinha sugerido, muito sem graça e com as orelhas vermelhas, que era melhor que eles continuassem amigos, “para-não-entragar-tudo”.

Hermione não sabia o que era o tudo que ele tinha medo de estragar, mas ela tinha assentido, balbuciado e acatado a decisão do garoto. Afinal, o que mais ela poderia ter feito? 

Hermione se distraiu relendo A Princesa e o Sapo pela quarta vez, então vinte minutos haviam se passado e Rony não tinha voltado. Ela esticou o pescoço e ele não estava à vista, mas ela estava no último parágrafo do seu relatório, e decidiu que ia terminar o rascunho primeiro.

Trinta minutos. Será que Rony tinha voltado para o salão comunal sem avisá-la? Se ele tivesse ousado deixá-la ali para guardar todos aqueles livros de volta à prateleira sozinha, ia decaptar a sua irritante cabeça ruiva. Hermione decidiu esperar, enquanto corrigia alguns erros no relatório, feitos por puro cansaço.

Quarenta minutos. A garota suspirou, indignada, empilhou os livros e os fez levitar ao seu lado. Àquela altura a biblioteca estava decididamente vazia, e se Hermione fosse olhar no relógio, descobriria que estavam infringindo o toque de recolher. Não era um grande problema para setimanistas, que contavam com certos privilégios. Era só dizer para Filch que estavam na biblioteca estudando – o que era pura verdade – e ele não estava autorizado a puní-los.

— Rony? — Hermione chamou, uma vez na sessão de contos de fada. É claro que ele não estava ali, o que ele estaria fazendo ali pelos últimos quarenta minutos? 

Então Hermione viu um livro caído no chão, mais adiante. Ela suspirou – se era pirraça fazendo bagunça de novo na biblioteca, ela ia dar um esporro nele e ele teria que ouví-la, ela era monitora-chefe, pelo amor de Merlin…

Hermione pegou o livro no chão e leu o título na capa: A Princesa Prometida, por S. Morgerstein – Narrativa Imersiva Encantada Pelo Autor.

Caída no chão, perto de onde o livro estivera, Hermione encontrou a varinha de Rony. Não foi difícil deduzir que o livro, plantado como uma armadilha para leitores distraídos, havia tragado o garoto, desarmado.

(Continua...)


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