Os Observadores escrita por Cozinheira de Cookies


Capítulo 3
Alucinação ou não


Notas iniciais do capítulo

Gente, eu gostaria de dedicar esse capítulo para S2LalinhaS2, que comentou todos os capítulos postados até agora com incríveis feedbacks e super me encorajaram.



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            Retornava à minha cela carrega, tanto por conta da minha falta de vontade quando da minha indisposição tanto mental quanto física.

            Não sabia o que me esperava depois e esse fato me deixava ansiosa, mas, para preencher minha mente, prestava atenção no caminho já percorrido, só que agora estava em minha plena faculdade mental (pelo menos era nisso que eu acreditava).

            Duas lâmpadas de led juntas a cada dois metros, mais ou menos a cada dois metros e no intervalo das luzes, eram expostas duas janelas paralelas no alto das paredes.

            Será que eu conseguiria passar por lá? Será que eu conseguiria chegar até lá sem que ninguém me atrapalhasse? E se eu conseguir passar, o que teria depois daquilo: vários seguranças armados? Sem contar nas câmeras presentes em todo corredor. Toda aquela eletricidade pesava sobre mim como centenas de olhos.

            Não sabia se ainda comeria hoje, mas sabia que boa parte da minha exaustão se tratava da falta de alimento em meu corpo. Precisava digerir algo que não fosse palavras, pensar somente em mastigar era tudo que eu precisava agora.

            Mas fui levada para o meu quarto, me decepcionando por completo. Se estava sana antes, depois de ficar aqui não estaria mais.

            Era um cubículo branco com uma cama, uma pequena janela sem oportunidade e um banheiro acoplado ao lado. Digamos apenas que não era um lugar muito divertido. Deitei-me na cama (ao menos o lugar era refrigerado, porque se estivesse quente, surtaria agora) e senti o vento frio em meu rosto levar um pouco minhas preocupações, apenas olhando para o teto. Estava passando por um bloqueio criativo momentâneo, então decidi dormir. Teria conseguido se não tivessem entrado no meu quarto levando uma bandeja com comida, mas, definitivamente não foi algo da qual que pudesse reclamar. Me contive, esperei que eles colocassem a comida no chão do lado da minha cama e saíssem para finalmente saciar a fome que eu sentia a dias.

            A voz da minha mãe começou a martelar em minha mente: “Não encha boca para comer!”. Ahh, mas ela teria um ataque se me visse agora _por esse motivo coloquei ainda mais comida em minha boca.

            Por um momento, temi estar me tornando aquilo que sempre abominei: a adolescente/jovem adulta rebelde fazendo tudo que faz apenas para contrariar os pais. Mas pensei comigo mesma que não queria apenas contrariá-los, queria apenas me encontrar, não a pessoa baseada no que meus pais queriam que eu fosse.

            Minha noção de tempo não estava muito boa, principalmente por conta da falta de um relógio em meu quarto e porque já estava escuro há um tempo, pelo que conseguia ver pela janela e nem mesmo a posição da lua poderia me entregar algo, já que essa se escondia de mim.

            Olhei para o prato completamente limpo e fiquei o encarando até que a porta se abriu novamente e seres completamente em branco apareceram para tirar de mim o que haviam me dado. Engraçado, me senti uma leoa. Uma abertura surgiu, fiquei ereta, minha cabeça vazia, só analisando o momento.

            Eram dois homens, poderia ser os mesmos que me agarravam e me levavam para todos os lugares, mas nunca olhei para seus rostos enquanto era arrastada, por isso não poderia compará-los. Um usava um objeto estranho e metálico, talvez uma arma de choque, já o outro usava um grande molho de chaves tilintando a todo instante e um relógio no pulso. Os três objetos me interessaram, até mesmo o relógio, já que estava precisando me situar no espaço de tempo em que me encontrava, mas fiquei encarando mais as chaves _eram todas extremamente parecidas, inclusive a que estava mais separada, que assumi como minha, já que, se eu prestasse atenção, poderia perceber que ela ainda estava descendo pelo molho, indicativa de recente uso. A lógica por onde estava seguindo era mais ou menos assim: todas as fechaduras dos quartos dos pacientes eram da mesma marca, inclusive a minha, por isso era muito parecidas, aproximadamente do mesmo tamanho e da mesma cor, mas nenhuma era realmente diferente e eles nunca colocariam a mesmo fecho na porta principal, minha saída. Era um plano falho, sabia antes mesmo de tentar, mas a minha mente animada não pode deixar de pensar em pegar a arma de choque, atacar os dois com isso, pegar as chaves e sair correndo. Era um sonho bom. O que me deixou minimamente mais animada foi que eu consegui ver que o horário marcado no relógio, coisa que quase não enxerguei –9:07.

            No fim, eles saíram e me deixaram sozinha de novo, agora olhando para as poucas estrelas em meu campo de vista com as luzes apagadas. Ao contrário delas, eu era invisível.

            Pouco tempo depois, escutei o girar de chaves do lado oposto da minha porta outra vez, embora a luz continuasse apagada. A luz que vinha do corredor iluminava muito pouco, mas pude ver Lúcio adentrando no cômodo. Ele havia deixado bem claro como seria nossa relação mais cedo naquele mesmo dia (parecia ter sido uma eternidade atrás), estritamente profissional, então o que ele estaria fazendo em meu quarto, de noite e sozinho?! Instintivamente, me encolhi, mas logo lembrei que poderia ser algo a meu favor. Eu pretendia usá-lo, mas e se, no fim, fosse ele que quisesse me usar?

            Me mantive imóvel e esperei que chegasse até mim, com meus olhos nunca deixando seu rosto. Ao finalmente parar ao lado da minha cama, agachou-se até ficar de joelhos ao lado da minha cama, não encostando em mim (ainda), mas com as mãos na cama, unidas. Consegui perceber que havia algo entre elas, mas não o que era.

            –Oi. –Ele começou um tanto inseguro, de um modo que me fez questionar se eu realmente sabia o motivo de sua vinda. Respirou fundo e levantou seu olhar, que antes se encontrava mirando para o meu, – Eu só queria falar que acredito em você. Que você não é uma doente mental. Pelo menos nada sério o suficiente para ficar nesse lugar.

            Aquilo me surpreendeu de verdade, logo eu, que queria ficar no controle dessa confusão (uma doce ilusão pela qual me deixei ser levada). Aquilo me fez despertar, me fazendo sentar e levar aquilo com mais importância.

             –Você veio aqui só isso? Não que eu não ache importante, mas porque não esperar até de manhã?

            Talvez eu soubesse a resposta, mas estava me fazendo de sonsa para deixá-lo pensar que, se for o que eu acho, ele que tivesse a ideia e sugestão.

            –Eu também queria falar que me lembra um pouco a minha filha, – ao escutar isso, queria que ele se afastasse de mim de todo jeito, afinal, se aquilo estivesse indo para o caminho que eu queria mais cedo e ele tivesse acabado de falar que eu lembrava a filha dele (que deveria ser bem nova, já que o homem não passava de trinta), que tipo de ser era aquele?! –ela também era muito curiosa, inteligente e, acredite, uma menina de quatro anos pode ser extremamente persuasiva quando quer um sorvete. –As palavras traziam muita nostalgia consigo, me fazendo perceber que para onde quer que aquela conversa iria, a probabilidade de ser algo que cogitei era bem pequena. _Queria ter tido mais tempo com ela antes de morrer por câncer no cérebro.

            Imediatamente, senti o peso daquela conversa no ar. Aquilo não era algo que ele contava a todos, bem evidentemente. Não conseguia decifrar quais eram os sentimentos que perpassavam seu rosto: tristeza, nostalgia, raiva... esperança? Estava sendo muito surpreendida por aquele homem –e estava gostando bastante disso. Embora nunca acreditei em instinto, saia que ele era bom.

             –Penso que, se o futuro não tivesse nenhuma carta na manga, talvez ela fosse como você. Ou pelo menos a pessoa que você era antes de entrar nesse hospício. –Aquilo, para mim, havia sido como um soco no estômago. Essa pessoa que tenta seduzir pessoas alheias não sou eu e, ao mesmo tempo, não teria como ser menos eu. Ele plantou uma semente com uma simples frase e eu a cultivei rapidamente: quem sou eu agora? –Mas eu sei que nada aqui está a seu favor, por isso não a julgo. Você, Emily, é muito parecida com a minha filha e, por mais que algumas atitudes suas deixam a desejar, é uma garota normal. Muito inteligente para alguém da sua idade, devo admitir, mas seu lugar não é aqui, você já conseguiu me convencer disso. Se depender de mim, vai sair daqui rapidamente.

            Pensava ser fria, mas aquilo me deixou tão emocionada! Meus olhos nem sequer chegaram a marejar e foi fácil controlar minha voz para não embargar, mas aquele jovem médico conseguiu me pegar verdadeiramente de surpresa. Ele pegou minha mão sobre meu colo e a segurou com força, mas consegui perceber algo dentro dela e, ao soltar, vi minha xuxinha em minha palma esquerda.

             – Achei que você gostaria de ter algo a se apegar do seu mundo antigo. Se não quiser nada de antes, pelo menos agora você tem algo com o que prender o seu cabelo. –Não tinha noção se aquilo era de fato uma piada, mas ri de todo jeito. Era uma risada afetada, mas, para todos os efeitos, era uma risada.

            –Obrigada por isso. –Já falei tanto naquele dia que me surpreendeu eu ter falado só aquilo levando em conta tudo que aquele minúsculo gesto significava. Talvez ele tenha entendido o que eu realmente quis passar. Ele me dirigiu um sorriso e se encaminhou para a porta, olhando para trás uma última vez já no batente.

            Ao vê-lo sair, fiquei avaliando comigo mesma: desconfio que tenha conseguido chamar sua atenção do jeito que eu queria desde o começo, mas definitivamente aquele homem era íntegro e profissional demais para se submeter a isso. Não perdi muito meu tempo remoendo tais pensamentos e logo dormi.

            Acho que quando pequena eu tinha a habilidade de sonhar, agora me pergunto quando foi que perdi isso. Distrair-me da minha vida de uma forma não tão forçada agora seria legal e super aceita, mas quem disse que eu controlava qualquer coisa em mim ali? Obviamente, logo chegaram aqueles homens que puxavam as cordinhas da minha boneca de ventríloquo para todos os lugares (nomeei o maior de Radiante, já que sempre estava de cara fechada, algo que consegui identificar mesmo quando estava drogada e sua face apenas um borrão, já o outro, que era menor e usava óculos de uma armação bem arredondada, o batizei de Harry Potter).

            Passei por um local bem movimentado, onde pude esgueirar minha visão e flagrar muitas pessoas com a mesma camisola de hospital sentadas e tomando café da manhã, porém havia passado reto do refeitório, me dando um presságio ruim.

            Por que não poderia comer, como todos os outros? Resposta: Estava em jejum (olhei novamente para o relógio, que agora notei que pertencia a Harry Potter e vi que horas eram, nove da manha, minha última refeição havia sido feita há mais de 12 horas).

            Por que estava em jejum? Iria tirar sangue? Eles estavam preocupados com o meu colesterol, por um acaso?! Iria tomar soro?

            Perdi meu fôlego por um segundo. Tudo que considerei era preciso de um jejum de doze horas para ser feito, mas tinha uma opção que havia deixado passar em branco.

            Nunca pesquisei muito sobre o hospital psiquiatra St. Louis, será que eles usavam tratamento de choque?

            Fiquei com uma leva vertigem, um pouco por conta do medo e por conta da fome que eu sentia. Estava apavorada, mas acho que o único indício que poderia me denunciar era a respiração mais pesada. Ainda mais aterrorizada por admitir meu medo para mim mesma.

            Acha que estava disfarçando a situação muito bem até receber uma cotovelada nas minhas costas, como um aviso para acelerar meu passo. Aparentemente não estava tão bem quanto pensava se meus passos estavam vacilando.

            Paramos em frente a uma porta de madeira despretensiosa, neutra. Nunca pensaria no que poderia estar me esperando do outro lado. Acho que o tratamento de todo aquele lugar era errado.

            Como queriam deixar os pacientes lúcidos sem um relógio no quarto, sem muito contato com os outros, com os enfermeiros levando seus designados sem se importar com o acolhimento, diálogos ou qualquer coisa que fizesse nos sentir como seres humanos em vez de animais?

            Que tudo pegue fogo –adoraria ver tudo queimando (talvez eu desse ficar preocupada com minha sanidade agora).

            A porta se abriu e uma pessoa apareceu. Era uma senhora já na casa dos cinquenta, não tão cuidada, de cabelos grisalhos e um pouco acima do peso. Não tinha aparência simpática.

            –Sente-se aí, por favor. –Adentrei na salinha (realmente salinha porque o lugar era bem minúsculo) e notei que os enfermeiros/carcerários permaneceram no batente da porta. Sei que aquilo era apenas mais uma regra do protocolo dado a eles, mas será que me consideravam uma ameaça? Bem, eu sei que adoraria ser uma ameaça (ao mesmo tempo que adoraria ser a pessoa mais inofensiva do mundo, para abaixassem a guarda a facilitassem minha saída, sendo pela porta da frente ou não). Radiante parecia mais um segurança de um clube de strip-tease, olhos fixos em um único ponto e sem oscilações, já Harry Potter tinha definitivamente um interesse por mim, mais especificamente pelo meu corpo, já que sua atenção não ia para outro lugar. Não sabia se via como vantagem ou não.

            A senhora tirou minha pressão, fez com meus olhos seguissem uma luz, me fez escutar um som nos dois ouvidos, testou os outros reflexos, disse “Decore a palavra ‘batata’” e, por fim, injetou uma agulha em mim com um líquido retirado de um frasco escrito “Zaleplon”, algo que sei que funciona como sedativo.

            Ótimo, sou uma vaca sedada indo em direção ao abatedouro.

            Já sendo levada para a outra porta, não a pela qual entrei, não pude deixar de perceber que minha dupla dinâmica havia permanecido no mesmo lugar, ou seja, seria só eu e a senhorita velha demais para me vencer em um confronto mano a mano. Eu tinha a vantagem que a idade me dava, mas ela tinha a vantagem de não estar com um sedativo poderoso nas veias. Acho que estava justo, mas se a balança pesasse só um pouco mais para o meu lado, já partiria pra cima.

            Adentramos no novo lugar e já fui analisando. Uma janela (com grades, infelizmente), uma persiana, uma saída de ar, outra porta e uma maca com vários aparelhos ao redor. Aparelhos de choque.

            Eram muitas variáveis para o meu cérebro retardado por drogas calcular tão rapidamente, rápido o suficiente para saber se eu poderia investir contra a senhora, se aquilo me ajudaria ou teria o efeito contrário. Ela continuava me levando para o único móvel do recinto enquanto ainda pesava as possíveis escolhas, embora eu soubesse o meu tempo não passava de mais de sete passos. Acho que foi por isso que surtei, por desespero e, antes de saber o que era melhor, reagi.

            A empurrei contra a parede com o ombro e fiquei segurando-a contra a mesma, segurando sua boca para que ela não pudesse gritar, mas não tinha pensado nas conseqüências dessas ações, como ela podendo morder a minha mão (deve ter sido o sedativo que não me fez raciocinar direito). E foi o que ela fez, em seguida me empurrando ao chão com a maior facilidade, na realidade, acho que cairia mesmo sozinha, já sentia minhas pernas pesadas e olhos sonolentos.

            Estirada no piso branco e frio, pude vê-la se recompor e ir chamar minhas sombras vestidas em branco. Acho que esse ataque não vai me fazer sair daqui mais rápido.

            Como uma gelatina, eles me colocaram na maca, prenderam meus pulsos, meus calcanhares, os dispositivos em minha cabeça e eu, obediente, sem soltar um piu _queria fazer um escândalo, gritar até que eles ficassem surdos, mas minha boca não obedecia mais ao meu cérebro. Talvez fosse melhor desse jeito, berros não me soltariam e só mostraria que tinha perdido completamente o controle, mesmo sendo a mais puira verdade para mim naquele momento.

            Radiante e Harry Potter sairam da sala novamente quando terminaram o auxílio e eu me encontrava impotente, frágil o suficiente para que a senhorinha pudesse tomar conta de mim sozinha.

            Tudo bem, vou ficar quietinha, vou ser uma boa menina, vou esperar isso passar, mas eles não vão me ver chorando de jeito nenhum, nunca. Podem tirar minha sanidade, minhas lágrimas não. Ela já tinha passado pela outra porta, de onde iria operar as máquinas, isso já tinha entendido, agora era só esperar meus sentidos finalmente desligarem e a eletricidade percorrer o meu corpo.

            Foi quando meu desespero realmente começou a me tomar, já que meus olhos ainda estavam abertos, eu ainda sentia o frio da cama contra minha pele exposta, o que significava que, quando os volts fossem permitidos invadir minha cabeça, eu também os sentiria.

            Me mexia na medida do possível (o que já não era muito, considerando que eu tinha algemas e uma droga no meu sistema sanguineo), tentando apenas me desvencilhar dos eletrodos.

            Primeiro, escutei um zumbido, leve e aumentando constantemente até que, simplesmente, senti. Não era o suficiente para me desacordar, mas com certeza não era a voltagem permitida para esses tratamentos. Aquela escrota velha devia ter aumentado, o que me fez ficar morrendo de raiva dela, só que mais raiva de mim mesma. Emy estúpida, por que agredir logo a pessoa que te eletrocuta? Mas agora está tudo bem, porque ela vai vir aqui, checar se tive algum dano cerebral, ver que a dose de relaxante que me foi inserida não tinha sido o suficiente e me dar mais até finalmente não sentir mais nada.

            Ok, ela passou pela porta. Se assustou quando ainda me viu acordada, ótimo. Pegou uma lanterninha, ligou e passou rapidamente pelos meus olhos, perguntou se eu me lembrava da palavra que ela tinha pedido para gravar e eu respondi "batata". Somente isso e voltou para o outro lado do cômodo.

            Espera, aquele ser abominável acabou de me perceber acordada e não fez absolutamente nada além de ver se eu conseguiria aguentar mais um choque? Aquele Satanás em forma de senhora (foda-se, agora eu posso odiar velhinhos, ou melhor, aquela velhinha) realmente quer que eu sinta os volts de energia passando pelo meu cérebro? Céus, o quão errado é isso?!

            Agora sim me permiti surtar (como se já não tivesse surtado antes), mas ainda não conseguia gritar, parecendo que eu tinha um ovo dentro da garganta. Fiquei me revirando o máximo que podia, mas convenhamos que meus movimentos eram bastante limitados. Sentia meus pulsos não me obedecendo, meus tornozelos cedendo à algo mais forte que a gravidade, minha energia se esvaindo aos poucos, mas nada o suficiênte para me desligar.

            Acordada o bastante para sentir e saber o que estava contecendo mas sedada o bastante para não conseguir fazer nada além disso –a dosagem perfeita.

            Descobri naquele momento que não era nenhum Jean Grey, pois se nada aconteceu com aquele teto mesmo com toda minha raiva direcionada para ele enquanto o olhava, definitivamente não era uma x-men, embora com certeza minha energia era tamanha que havia deixado toda a atmosfera do ambiênte pesada e quase palpável.

            Duas vezes. Aquele desespero se repetiu duas vezes depois das primeiras e nada conseguiu me preparar. Quando eu pensei já estar acostumada, qua a próxima não iria me ferir tanto quanto as outras por já ter sentido, logo, lembrei que nunca deveria subestimar nada, algo válido tanto para pessoas quanto para choques na cabeça.

            Acho quer tinha chegado em um nível onde pensar era algo que eu não conseguia mais, só estava registrando, Os volts pararam de aparecer. A senhora filha da puta voltou ao quarto outra vez. Me soltou e chamou ajuda dos enfermeiros. Eles encostaram em mim e penso que o que me fez desmaiar (novamente) foi o estresse, o cansaço mental, finalmente talvez o meu corpo pirando mais. E a última coisa sentida foi a mão fria de algum dos dois em minhas pernas descobertas pela roupa de hospital.

            Estava fazendo um trabalho do caralho não chorando, mas do que isso importava se todo o resto mostrava o quanto estava desgastada?!

            Abri os olhos novamente na cama do quarto em que me mantinham com um gosto amargo no boca e lá fui eu, correndo para o banheiro,vomitando as tripas com a barriga roncando –uma péssima combinação, a propósito.

            Mesmo quando tudo que eu tinha e não tinha estava fora do meu corpo, não conseguia sair daquela posição e nada em mim tinha entendido que já tinha parado, por isso vários de meus órgãos ainda se contraíam comose ainda houvesse algo para expelir além de bile, como se fossem espasmos.

            Estava com a cabeça na privada, no entento, ainda consegui escutar a trinca da porta se abrindo. Com todas as minhas forças, torci para que não fosse Harry Potter, não estava pronta para atacá-lo e roubar suas chaves nem apresentável para tentar seduzi-lo e depois pegar suas chaves. E eu realmente queria aquelas chaves.

            A porta se abriu, porém não havia passos até que escutei uma voz que não conhecia –se bem que isso não era muito parâmetro, só conhecia a voz de três pessoas que trabalhavam no lugar.

            –Venha jantar no refeitório. Não é uma opção pular essa refeição para você. –Disse Radiante sem olhar em meus olhos pela primeira vez que o escutava.

            Nem sequer cogitei a possibilidade de fazer greve de fome. Precisaria ter energia se fosse continuar na tentativa de sair –mesmo que a alternativa mais falha para escapar seja, talvez, na força. Não precisaria ser nenhum gênio para saber que, possivelmente, não conseguiria nem ao menos me afastar quatro passos da minha porta em direção à saída. Uma olhada para mim já era prova o suficiênte.

            Sem contar que eu estava morta de fome.

            Fui andando tranquilamente, seguindo Radiante na direção que ele ia. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis portas fechadas e uma aberta até chegarmos lá, onde duas portas grandes, pesadas, brancas e uma janelinha retangular em ambas, na altura do olhar. Estratégico, pensei. Se quisessem saber se os internados estavam se matando, bastava passar pela frente do refeitório, não era necessário sequer abrir a porta. Não como se tivesse sequer a possibilidade de ficarem (ou devo usar “ficarmos“ agora?) sozinhos de verdade. Pela janelinha, pude duas mulheres e dois homens atrás do balcão de refeição e eu não duvido que houvesse    um botão de emergência para o caso de revoltas. Não havia percebido que estava analizando por tempo demais até escutar Radiante pigarreando, impaciente. Olhei para ele dura e irredutível, me divertindo e tacando o foda-se ao notar que ele realmente me considerava louca. Já que estava na merda, iria tirar uma casquinha disso.

            Ao finalmente entrar sozinha, dei uma olhada mais atenta ao conjunto. Nenhuma surpresa ao ver que objetos cortantes não eram permitidos. Nenhuma latinha (alumínio pode ser extremamente perigoso nas mãos certas), nenhuma faca, obviamente, nenhum prato ou copo de vidro ou porcela e nem mesmo garfos estavam em meu campo de visão mas, de repente, tudo isso fugiu da minha mente e me senti novamente na cafeteria do colégio, a pressão de onde me sentar e com quem me sentar, escolher os mais populares com quem tinha contato e imediatamente a nostalgia me bateu porque, claramente, aquilo não provocava a mesma sensação.

            Sentaria sozinha. Queria sentar sozinha. Não conhecia ninguém e não queria conhecer ninguém. Eu poderia até estar sendo uma puta de uma hipócrita, afinal, os motivos para terem me colocado ali não eram poucos –inválidos, porém não poucos– e me dar o direito de pensar ser a única sã ou a única que se econtrava ali por engano podia facilmente ser visto como uma atitude, no mínimo, questionável, mas olhando ao redor, nenhum rosto me encarava com compreensão ou qualquer coisa diferente do que hostilidade, por isso, peguei minha bandeija com comida e em isolei em um canto dos fundos, um de onde teria a visão de todo o ambiênte. Se algum deles resolvesse fazer um ataque, pegaria uma das grandes colheres de aço que as pessoas do outro lado do balcão tinham para servir a comida.

            Quando já estava na metade da comida em meu prato, o que devo confessar que não demorou muito, escuto um corpo sentando-se no banco à minha frente, tendo a mesa entre nós. Levantei meu olhar para a pessoa e vi uma mulher de cabelo bem curto, pele em um tom de caramelo e olhos, assim como os meus, de cores diferentes, no entanto, suas cores eram castanho escuro e castanho claro. Era um tanto quanto sutil, mas pra mim sempre foi fácil notar detalhes (principalmente quando estes eram nos olhos). Mas o que mais me chamou a atenção era o rastro de duas cores que vi atrás dela, algo que só havia visto uma vez em minha vida, em uma pessoa aleatória passando por mim pela rua. Na época, eu era nova e o rastro foi deixado por uma mulher apressada, com uma saia um tanto solta e preta até o joelho e uma blusa clara com uma estampa de pequenos pássaros de botões. Não tenho certeza, mas acho que ela também possuia heterocromia.

—Gostei da sua tatuagem no pescoço. _Disse a mulher sentada na minha frente. Nem me dei o trabalho de explicar que não era uma tatuagem e, sim, minha marca de nascença. Já tentei isso por anos e, por mais verdadeiras que fossem, ninguém nunca acreditou nas minhas palavras. Na verdade, até compreendo quem é convicto a não acreditar no meu discurso, afinal, que tipo de marca de nascença tem uma sequência exata de números? Eu mesma não tenha plena certeza de que os números 61212291 foram formados no útero da minha mãe, quem sabe meus pais, quando jovens, eram meio loucos e decidiram tatuar um bebê, nunca se sabe, no entando, analisando a caretísse de meus pais, acho pouco provável, sem contar que todo novo semestre minha mãe me levava no dermatologista para ver se aquilo não afetava em qualquer maneira minha vivência, talvez com um possível câncer de pele ou qualquer coisa. Só eu sei a quantas pesquisas e tratamentos fui submetida para saber como era sequer cogitável aquilo ter nascido comigo, logo, minha teoria da tatuagem no bebê caía por terra –exceto se, talvez, minha mãe tivesse gastado tanto dinheiro, tempo e preocupação para encobrir a verdade, sua falta de mazela de anos atrás mas, que tipo de psicopata chegaria a esse ponto ou mesmo conseguir pensar nessa hipótese, certo?!

—Obrigada. _Dei um leve sorriso para demonstrar empatia e sabia que deveria dizer algo de volta. _Gostei da sua heterocromia. É raro encontrar outra pessoa com essa condição.

Ela me deu um sorrisinho de canto de boca, um que poderia ser intepretado de duas maneiras. Primeira possibilidade: não precisa dessa cordialidade, tudo aqui tá sendo fingindo (nossa, como gostaria de me agarrar à essa chance, mas se tive algum aprendizado nas últimas 48 horas, foi que eu defenitivamente não posso construir meus castelos de areia muito perto do mar e, esse castelo que eu estava querendo contruir estava dentro da água, praticamente). Segunda possibilidade: não precisa tentar me cativar, vim aqui só pra te analisar, ver se você está comigo ou contra mim.

            Ou talvez ou só tenha assistido filmes/séries de prisões demais, não sei realmente como é a interação dentro de um hostpital psiquitra entre os pacientes. Aqui dentro poderia até mesmo ter uma máfia e eu não faria ideia de nada disso.

Mas, para a minha surpresa, ela pegou a colher da minha mão e soltou em cima da mesa, o que me fez ver o rastro de sua queda em um laranja tão neon que se fosse verdadeiro, poderia até afetar meus olhos, mas ela ficou me encarando na expectativa, alternado os olhares para onde eu estava olhando e para mim até que, para a minha grande, ou melhor, enorme surpresa, ela disse:

—Você consegue ver também, não consegue?!

Pisquei. Essa era a única reação que eu podia oferecer. Será que aquele seria meu veredito? Eu estava oficialmente louca? E aquela mulher era ainda mais que eu?

—C-como assim? _Droga, Emy, você não é de guagejar, que merda!

—Boba, você não está louca e tampouco eu. Se as duas viram, você não deveria ficar confusa, deveria estar esclarecida.

Ela não estava habituada com o ambiênte médico, supus, pois realmente existem alucinações coletivas, efeito mandela que afeta mais de uma pessoa da mesma forma, no entanto, definitivamente, aquele caso não se enquadrava nisso (pelo menos era isso que todo o meu ser pedia, para não estar sozinha nessa).

            _Ok, mas o que exatamente você viu? _Ainda com um pé atrás... talvez dois, para ter certeza de que não estava me agarrando a qualquer oportunidade que me fizesse crer na minha sanidade, algo que estava lutando para preservar, e acabar comprando a loucura de outra.

—Um rastro, amor. O rastro da trajetória da colher em uma cor laranja. Essa era a resposta certa pra prova, amor?

Fiquei olhando para ela. O que mais eu poderia fazer?! Minha cabeça começou a encher tanto, pensamentos se atropelando, um silênciando outro, frases que não conseguiam se completar pois outra linha de raciocínio entrava no lugar e, mesmo assim, nenhuma conhecia encontrar o caminho para a boca.

Depois de um bom e constrangedor tempo encarando ela, a menina me ofereceu uma careta desconfortável e começou a falar, sendo perceptível minha falta de habilidade em lidar com aquilo e como meu cérebro não estava processando direito as informações e o que ela significavam.

—Você não é a única, existem vários como você e eu. Nos chamamos de “observadores“, o que é um nome bem legal, se você parar pra perceber. _Esse comentário, diferentemente de toda a conversa, foi sussurrado (mesmo que suas definições de sussurro não sejam lá tão sussurradas).

—Sem querer ser rude, mas passei toda a minha vida imaginando que havia algo de errado comigo, então não ligo se o nome que vocês escolheram é legal ou não, só quero saber o que é isso.

Juro em minha mente, aquilo não havia soado de maneira agressiva e, mesmo tendo dito de maneira educada, era notável sua reação afetada.

—Não tenho tempo para essa explicação, Daniel ou Elijah vão falar sobre isso mais tarde com você, agora tenha que te falar o que fazer para te resgatarmos hoje.

 

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Notas finais do capítulo

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