Aline por Aline escrita por Mary


Capítulo 9
Capítulo 9 - Solução adversa?




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Fugir não é a solução, nunca é.

E se fugimos de nós mesmos, damos voltas pela rotatória até voltarmos ao local de início.

Fugir parece ser sempre mais fácil que enfrentar.

A fuga é o fruto do medo.

A Tita quer fugir da rejeição, da dor, das lembranças ruins do primário, mas não se enterra as dores do passado fugindo delas. Uma ferida mal curada necrosa.

Fugir da escola não é a saída.

Pensar no final do Ensino Médio parece tempo por demais, é assustador para quem está com medo do futuro, mas se for analisar pelo lado bom (porque tem que ter um!) pelo menos é uma estimativa que tanto pode se cumprir como não.

Adolfo e Tita estavam muito determinados a fugirem de casa, por mais que eu insistisse que os adultos só iriam saber do sofrimento deles se o mesmo fosse verbalizado.

Eles não queriam conversa. E se zangavam se eu mencionasse qualquer coisa relacionada a isso.

Eles não queriam a intromissão dos adultos. Nenhum tipo de ajuda. Pareciam certos de que estavam agindo com maturidade. Certeza é isso mesmo. Requer coragem. Eles tinham, não posso deixar de reconhecer. Deveriam tê-lo para não se arriscarem a ponto de a vida ser tratada como se fosse pouca coisa.

Procurar pelo Sr. Félix Linhares na capital do tamanho que ela é não haveria de ser expedição bem-sucedida. Não preciso nem ser vidente para saber que isso terminaria mal.

A princípio eu não iria ao passeio no Jardim Botânico, apesar de tudo, já que era o dia de folga da minha madrinha e eu queria mesmo ficar um pouquinho com ela, só nos vemos à noite e isso quando não tem sessão.

Meus padrinhos são espíritas e graças a eles estou começando a frequentar as sessões.

Estou gostando, gostando muito.

Pensar que a vida não acaba com a morte me conforta.

Não obrigo que concordem e façam da verdade que meus pais acreditam a única e absoluta. É por isso que venho tendo tanta calma para aguentar a Cássia. Preciso todos os dias exercitar a minha boa vontade e a minha paciência inclusive com quem não merece... tipo a Cássia!

Quero ser hoje o melhor que eu tentei ser ontem. Amanhã quero ser melhor do que eu fui hoje. E eu quero tentar como se não pudesse ser depois. Pode realmente não ser.

Tita e Adolfo aproveitaram a desculpa do passeio para fugirem. Eu nem dormi numa noite dessas pensando nisso, pensando os prós e contras dessa decisão, ciente (no alto dos meus 12 anos) que não era o certo a fazer.

Com isso, durante o passeio, tomei fôlego e me aproximei da Cássia. Ela estranhou um pouco, mas acabou gostando da minha velha história do triângulo amoroso. Aí aproveitei para falar bem da Tita que ainda naquela mesma tarde voltou para o colégio com o Adolfo e pediu a minha ajuda. Comuniquei aos meus padrinhos e eles faltaram à sessão daquela sexta-feira para me ajudar.

Eu sabia que a D. Meire estava mentindo. Não gostei quando ela jurou pela própria vida, achei que não devia dramatizar tanto se a intenção era apenas ser cordial diante de adultos com mais sensatez do que ela tem.

Os pais de Adolfo, pelo menos, não se utilizaram de disfarces. Eles estavam revoltados, ele ainda mais. Sei que a noite não terminou boa para ele. Consequência de se decidir pelas razões erradas. Arriscar o definitivo. O tudo. Por nada.

A mãe do Adolfo é sempre assim, justifica tudo o que o Sérgio faz, muitas vezes tentando minimizar a rivalidade entre padrasto e enteado, dificultando o diálogo, porque o homem se prevalece da submissão dela e do fato de que meu amigo só tem 12 anos e sem a mãe, quem no mundo tem?

Miriam é filha legítima, o tratamento de Sérgio é diferente, tem uma pegada de pluma, alguns ovos pisados, as regalias mais escancaradas. Adolfo não tem pai, não tem um Félix para pelo menos idealizar um futuro bom.

Essa história do Félix ter mentido para a Tita me parece outra fantasia da Meire. Se ela impediu minha amiga de ir ao casamento da Prof.ª Daniela, é capaz de outras coisas.

Deus queira que eu esteja errada!

Julgar Meire não faz de mim a dona da verdade.

Ela me vê como uma má influência para sua filha, mas o que eu ganharia desencaminhando a minha melhor amiga se o que eu mais quero no mundo é vê-la feliz?

Menti para Cássia tolerar a Tita? Sim. E faria de novo. Se isso fizer a minha melhor amiga ficar mais calma e tentar ver o lado bom das coisas nessa altura da vida, eu mentiria. Espero ser perdoada, não quero prejudicar ninguém, nem a Cássia. Eu só quero uma trégua, um pouco de paz, ter essa chance de conhecer melhor essa garota para tentar entender os motivos dela para ser a palhaça da turma.

À primeira vista, Cássia tem “tudo”.

Tudo que uma garota da nossa idade pode querer. A aparência que seduz os garotos e faz as meninas a admirarem com certa pitada de inveja também.

Ela é muito alta para a idade, muito alta mesmo, o que a faz parecer mais velha em pelo menos cinco anos.

Cássia Reis não parece ter medo de recessão ou coisa do tipo, sua única preocupação é fugir da reprovação. Creio que não tenha culpa se seus pais cursaram faculdades e conseguiram bons empregos, nada disso é culpa dela, nem mesmo a genética que lhe deu um par de olhos claros.

Eu procuro ver a Cássia além de todas essas premissas, quero saber quem é a garota por trás dos rótulos, das bajulações, longe do seu grupinho inseparável.

Pois bem, ela tem quarto só para ela. Maquiagens, computador, CDS, roupas da moda, calçados, geladeira cheia e liberdade!

Cássia gosta praticamente das mesmas músicas que a Tita, chorando litros ao escutar Even flow, Nutshell e Would. Ela é bem receptiva, tratou a mim e a Tita com muito respeito, como se fôssemos suas irmãs mais novas porque perto dela é o que nós parecemos. Nenhum indício da menina palhaça, nadinha.

Na hora do jantar, ela chorou nos nossos ombros.

Por que uma garota como ela choraria comigo se eu não passava de uma pirralha?

Porque Tita e eu sabíamos, segundo as palavras dela, conversar “sério”.

Nesse caso, o que seria conversar sério?

Com a Sandrinha, a Rita e a Thay, a abelha-rainha do sexto ano não pode contar que os pais estão se separando, que se sente sozinha por ter a casa inteira, mas não ter quem realmente a espere todos os dias. Os pais vivem ocupados, o irmão mais velho está longe e já é adulto, independente. Com as outras meninas ela pode ser a palhaça, a contadora de piadas, aquela que vive rindo e sempre para as festas é convidada. Conosco, porém, ela podia remover a maquiagem e se mostrar... Eu acho que ela gostou disso!

Guardamos esse segredo e eu não teria por que prejudicá-la sem entendia, bem no meu interior, o que ela sentia muito mais do que a Tita, do que qualquer outra pessoa.

Cássia tem muitos amigos dentro e fora da escola, mas amigos que podem ser selecionados conforme a necessidade.

Ao precisar de uma melhor amiga, a quem ela tinha?

Ninguém!

Rir da vida é um mal necessário para ela.

Rir de si própria.

Do tombo de alguém.

De uma piada sem sentido.

Rir por rir.

Matar tempo.

Matar também um sorriso.

Rir sem se sentir contente.

Rir para ser acompanhada.

Rir até chorar.

A popularidade é desejada por todo mundo em algum momento. Tem quem diga viver bem sem ela, querer passar longe de ser o centro das atenções, mas tem obcecada por isso.

Cássia tem o dom da persuasão, da comunicação. Ela se expressa bem, ninguém pode negar. Ela tem um carisma, uma presença. No entanto, em grande parte do tempo, usa mal todos os recursos que tem a seu favor e agora penso se ela se comporta como uma idiota para não ser tratada como uma ou se ela realmente não percebe a estrela enorme cujo brilho se reflete e derrama sobre ela.

Fica difícil entender.

A Tita queria ser a Cássia para não ser mais perseguida.

A abelha-rainha queria ser comportada e aplicada como a Tampinha.

Senti uma pontinha de ciúmes vendo Tita e Cássia tão unidas, mas por outro lado comecei a raciocinar por outra vertente. Meire e Tita não estão brigando. A minha amiga não apanha faz tempo, ela parece acordar sempre contente, radiante. O fato de estar inserida numa panelinha é o bastante. Ninguém mexe com a amiga da Cássia. Ninguém é bobo de se indispor com a abelha-rainha.

Se você é amiga da Cássia, automaticamente, é popular. Gente assim só não sai no fim de semana se não quiser porque convites não faltam.

Por questões lógicas, eu não acompanho a Tita nesses eventos e sem mim ela também não vai, já que a D. Meire não permite.

Para começar, eu não curto o Erick e nem aqueles amiguinhos idiotas dele, são todos uns aloprados. Eu os tolero para vivermos em paz, estou longe de morrer de amores por eles.

O Erick é bem disputado, é aquele menino o qual todas acham lindo. Olhe, ele é bonitinho, não vou negar, mas o Tadeu é bem mais bonito. A Thay gosta do Erick, vive na promessa de se declarar, e a Rita faz tipinho de menina apaixonada, fantasiando que o Erick também a ama, sendo que ele já a chamou de baleia assassina várias vezes. Ela afirma com um sorriso aberto que ele é tímido e faz tipinho.

Será que ela vai ter que tomar um fora bem horrível para se mancar?

Eu desejo que ela se situe sem precisar ser constrangida, mas metida do jeito que é talvez mereça passar um pouquinho de vergonha.

Erick é um fanfarrão, como diria a minha mãe. Ele é tipo o Roni, só que o Roni era bobalhão na vida e no amor, enquanto o primeiro recebe cartinha de amor quase todo dia e realmente tem várias admiradoras.

Amor? Até parece que ele sabe o que é isso. Ele só quer curtir.

As menininhas da quinta série têm paixonite aguda por ele que por sua vez curte mesmo é flertar com as do sétimo amo. Algumas correspondem, já o vi ficando com várias. E partindo o coração delas.

Eu também não gosto muito da Thay, ela vive me olhando de cima a baixo como se eu fosse um pedaço de nada, a Rita é toda cheia de querer imitar a Cássia e se não puder imitá-la, encontrará alguém para copiar.

Gente como a Rita é tão desprovida de senso crítico, se todas as meninas se jogarem de uma ponte, ela se joga também. Se todas rasparem a cabeça, ela raspa também mesmo que estime as longas madeixas. Isso é tão patético, tão... tão... estúpido! Eu não consigo me conformar com falta de personalidade, é algo que me tira do sério.

Vendo a Tita tão feliz com o convite de aniversário da Cássia, sinto-me tentada a ir, mas não porque deseje de verdade. Se a Tita for, por lei eu preciso ir para acompanhá-la... Não tenho um bom pressentimento para este sábado e espero estar enganada, como eu espero!


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