Aline por Aline escrita por Mary


Capítulo 23
Capítulo 23 - O trio desmembrado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785091/chapter/23

Adolfo Hass estava no banco dos réus, não podia fazer muita coisa pela Tita, nada estava ao seu alcance. Nada. Nadinha. Por mais que quisesse, ele era tão vítima daquela situação quanto ela.

Ele se ajoelhou no asfalto aos prantos, jurou que ia deixar um carro passar por cima dele.

— Adolfo, não fala isso! ― Eu gritava (contagiada por aquela onda de ódio) com toda a força que minhas cordas vocais tinham. Por mais difícil que viesse a ser a vida, a morte nunca seria a solução para todos os problemas, tampouco aqueles que por essência pareciam insuperáveis.

Era sem dúvida o fim de um ciclo nas nossas vidas. Um fim que veio sem aviso algum, sem nem sequer nos preparar para a despedida.

— Sem a Tita eu não quero viver. A Meire vai matá-la. ― Adolfo era interrompido pelos próprios soluços. ― A gente não pode deixar isso acontecer. Se ela morrer, eu quero morrer junto.

― Adolfo, pelo amor de Deus, para de falar isso.

A nossa sorte (tinha que ter alguma palavra que eu pudesse usar que não fosse otimista nem realista demais) é que aquela rua não estava muito movimentada, então os carros desviavam, mas mesmo assim...

— A Tita vai morrer! ― Chorou ele, se rendendo e me abraçando, já recomposto na calçada.

— Não vai, Adolfo.

― A Meire estava... ela estava... estava... estava muito nervosa... ela... ela... ela vai matar... Matar a Tita...

— Respira fundo, amigo... isso! Prende o ar, relaxa e solta esse ar... Isso, isso, meu amigo... A Meire vai castigar a Tita, mas tenta ficar calmo, meu amigo, por favor. Tudo vai ficar bem...

Alguns dos nossos colegas (inclusive Cássia) ficaram muito chocados, parados, vendo àquilo tudo sem entender nada, comentando os possíveis porquês daquele barraco.

Adolfo chorou muito nos meus ombros. Nós esperamos a multidão se dispersar para entrar na escola e apanhar nossos pertences. Demos uma volta de ônibus até que ele se tranquilizasse, e receosa de que o mesmo pudesse fazer alguma besteira, acompanhei-o até em casa.

― Até que enfim o conquistador chegou. ― Debochou Sérgio sentado no sofá com a D. Sônia e a Miriam, chorando, encolhida num canto da poltrona.

― Como é que você faz uma coisa dessas, Adolfo? — Pressionou Sônia, chorando tanto quanto Miriam, mas mandando a enteada se calar: ― Como é que você engravida uma menina debaixo dos nossos narizes?

— Não é do jeito que vocês estão pensando. — Apressei-me, pois a fúria de Meire era previsível, eu conhecia minha melhor amiga tempo suficiente para saber que a mãe dele reagiria mal ao namoro, porém os Hass não pareciam ser tão opressores. Diferentemente da Tita, o Adolfo era livre para ir e vir e as rixas com o padrasto tinham muita ligação com o fato de o meu amigo ser filho de outro homem.

Estando Adolfo sem condições de negociar, eu ofereci meu rosto para as possíveis represálias.

Sônia se colocou de pé e caminhou a passos pesados para se aproximar de mim.

— Mas eu sei de quem é toda a culpa. — Ela apontou o dedo em riste na direção do meu rosto: ― É toda sua! A culpa é sua, piranha do cabelo ruim. Fica aí de cupido, levando os outros para lama junto com você, mas isso vai acabar, vai acabar...

— Não fala assim comigo, D. Sônia. ― Implorei, horrorizada.

— Não fala você, putinha. Não quero você perto do meu filho. Eu sei que foi você. Você ficou induzindo esses dois a fazerem o que fizeram, então o que acha de ser madrinha dessa criança bastarda?

― Isso é um absurdo. A Tita não está grávida!

— Ela não tem nada a ver com isso. ― Adolfo me defendeu.

— Cala a boca, seu balofo inútil. ― Berrou Sérgio.

— E quem é o inútil beberrão, hein tripa seca? Cala tua boca, velho! ― Retrucou Adolfo.

— Pego meu 38 e te dou uma lição, desgraçado ― ameaçou o padrasto. — Eu não vou sustentar filho de ninguém.

Por pouco D. Sônia e Sr. Sérgio não me guilhotinaram. Se Meire pegou muitíssimo pesado com a Tita, não me atrevo a pensar no que enfrentou meu amigo nesse feriado que deveria ter sido bom e foi tudo, menos humano.

Sônia ofendeu meus cabelos, se referiu a mim com palavras de baixo calão e em nenhum momento eu lhe faltei com o respeito. Ela podia falar que os meus cabelos são horríveis para o seu padrão (e certamente o de muita gente mundo afora), mas para mim eles são lindos, eu não os quero lisos, gosto deles assim do jeito que são.

Por que só o cabelo liso é tido como belo e tudo que se oponha a ele é ruim?!

Não tem sentido!

Nenhum de nós é igual!

Cabelo ruim...

Antes ter “cabelo ruim” do que ter um coração cheio de rancor e ressentimento. Pelo menos, quando me deito para dormir, sei que se não puder fazer o bem, o mal é que não fiz.

Tenho orgulho das minhas raízes paraenses porque minha mãe Nice veio de Santarém no Pará procurar a sua felicidade no Paraná e acolhida foi pela saudosa Prudentópolis. Eu me orgulho da cor da minha pele, das mãos calejadas de mamãe porque cada uma daquelas linhas de expressão tanto na mão quanto no rosto contam a história de uma verdadeira guerreira, de uma mulher que nunca teve medo do trabalho duro.

Eu não trocaria o meu “cabelo ruim” por falsos elogios.

***

Na segunda-feira, Tita chegou à escola arrasada e desmoronou nos meus ombros depois de quase acertar um soco na Cássia que aproveitou a situação para fazer piada. Prestes a completar catorze, a abelha-rainha está regredindo. E se orgulha de ser disparadamente a mais idiota do bando. Sim, bando. Aquelas garotas são muito selvagens.

Eu tentei, realmente tentei entrar em contato com o Adolfo, mas disquei várias vezes até o final e ninguém me atendeu. A almôndega foi transferida em caráter de urgência (Sônia mexeu os palitinhos para viabilizar seu sonho de ver Adolfo usando farda) para o CM segundo o que me contou o Yohann, com quem eu voltei a conversar.

― A Tita me pressiona todo dia para ter notícias dele, Yohann. Eu não sei mais o que fazer, pois as coisas para ela estão as piores possíveis, com a prima puta reinando, a mãe troglodita desferindo porrada... se eu contar que o Adolfo foi embora, ela pode fazer alguma bobagem.

― Nesse momento fica perto dela.

— Eu já estou perto dela, mas parece que não é o bastante.

― Por que vocês não passam a sair só vocês duas, sei lá? Ficar em casa vai fazer muito mal à Tita.

— Yohann, você não está entendendo! A Meire radicalizou com a Tita. Ela só não foi expulsa de casa porque não tem para onde ir. A Meire a enxotou do quarto dela e a jogou na despensa. Meire cortou a mesada, o dinheiro da passagem, do lanche, está levando e buscando a Tita no colégio e aí dela se vier a se atrasar por um minuto...

― E a mulher acha que com isso vai mandar nos pensamentos da filha?

— Parece que sim!

― Ela não acha que proibindo a menina de tudo não vai despertar nela a vontade de rebelar, se é que ela já não se rebelou?

— Até onde é humanamente possível ajudar eu já ajudei, Yo. Eu tenho muito medo do dia em que a Tita se voltar contra Meire.

― Não quero te desanimar, mas isso vai acabar acontecendo. É natural.

Ainda no começo de maio os professores da nossa (minha e da Tita) decidiram aderir à greve dos professores estaduais e com isso ficamos sem aulas. Eu fui passar uns dias com a minha querida mãezinha no feriado do Dia do Trabalho e voltei para Curitiba logo em seguida por causa do curso de Inglês cujas aulas eram ministradas de terça a sexta-feira às 19h00min com duas horas de duração.

Miss Yumi acompanhava o meu progresso na conversação. Eu ainda me confundo um pouco na pronúncia, mas nossa professora é um doce de pessoa e atende a todas as nossas dúvidas com a gentileza de sempre.

Meu companheiro de falação é o Erick, já que Yumi nos separou em duplas para fazer as atividades propostas.

Sim, eu me sento com o fanfarrão de olhos azuis, conhecido por Erick do Carmo do sétimo ano. Fanfarrão dentro da escola. Fora dela, apenas um menino brincalhão.

Ele entrou na segunda aula e me reconheceu, porém não fez nenhuma piada, até veio bater papo comigo quando me encontrou no corredor.

— “Cê” fala bastante com a Tita, não fala?

― Sou a melhor amiga dela — esclareci olhando para a minha bolsa transversal. ― Por quê?

— Porque... ― Ele olhou para os pés, com certa dificuldade de me olhar nos olhos e articular algumas palavras: — Porque eu soube do que aconteceu e queria saber como é que ela está.

― Por que você mesmo não pergunta?

— Ela me odeia.

― A Tita não odeia você.

— Ela não vai muito com a minha cara. ― Argumentou ele como se não se lembrasse das peças que vivia a pregar nela.

— A Tita não gosta de quem a trata mal, isso qualquer um pensa.

― Sei lá... estou preocupado com ela...

— Por que você não se aproxima mais dela?

― Será que ela vai gostar?

— Se você não for zoar, não vejo por que não.

— O Adolfo saiu mesmo da escola? ― Ele fez questão de me acompanhar até o carro onde o meu padrinho me esperava.

Respondi umas mil vezes que sim e ele queria ter certeza de que a almôndega não tinha chance nenhuma de voltar. Sim, eram as mesmas chances de o Ramon Valdés ressuscitar e o Roberto Bolaños voltar a escrever e gravar Chaves e Chapolin... nulas!

Telefonava para Tita todos os dias, mas Meire me insultava do outro lado da linha. Se lhe sobrasse tempo, aproveitaria para me acusar até da Segunda Guerra Mundial, isentando o Hitler das acusações que sobre ele sempre pesarão. Até pela extinção dos dinossauros eu seria indiciada.

Outra amiga no meu lugar teria entregado os pontos, mas será que seria justo abandonar a Tita quando ela mais precisa do meu carinho e da minha companhia?

Desistir acena para mim, diz baixinho que não vale a pena teimar nessa amizade. Vem o amor e diz que Tita precisa de mim. E muito.

As desgraças muitas vezes são inevitáveis, mas a presença de um verdadeiro amigo sempre ajuda a tornar a escuridão mais suportável!

Minha vontade realmente era partir a cara da Maria Clara, mas a sensatez me avisa que isso não basta para recontar a história. Espancar a prima invejosa não será o passaporte para voltarmos todos a abril e recontar essa história. Essas linhas dolorosas já foram escritas pelo destino e cabe a nós tentarmos viver com o que restou de nós.

Aquele trio que se formou no começo do ano passado agora é uma dupla. Os planos que fizemos no comecinho de fevereiro foram resumidos a meras cinzas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Aline por Aline" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.