CRY BABY - The Storyfic escrita por puremelodrama


Capítulo 11
Pacify Her




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Para a grande sorte de Melanie, conseguira chegar à sua casa antes que outro maluco resolvesse sequestrá-la ao escurecer.

 Quando por fim atravessara as portas do lugar onde fora mantida cativa, se deu conta de que não fazia a menor ideia de onde estava. Por vezes fora obrigada a parar pessoas na rua para lhes perguntar os caminhos por onde deveria seguir, isto tudo tentando ignorar os olhares tortos acerca de sua aparência.

 Nunca sentira tanto alívio quanto no momento em que avistara sua casa ao virar a esquina, pensando em como era possível sentir aquilo em relação ao lugar que mais odiava no mundo. Correu para dentro em desespero, tendo a inevitável sensação de estar sendo perseguida por alguém mais. Assim que adentrara sua casa, sua primeira visão foi a de uma Murcy realmente muito brava.

 — Você acha que pode fugir desse jeito para que não tenha que arrumar essa bagunça, sua peste? — Murcy puxou-a pela orelha. — Limpe esta casa antes que eu te tranque para fora.

 Melanie não contestou. Pôs-se imediatamente a arrumar o desastre deixado horas antes pela sua frustração. Limpou. Varreu. Lavou. Esfregou. E, ao fim de tudo, Murcy parecia bem satisfeita com o resultado, Melanie então subiu para seu quarto, levando consigo bolhas nas mãos.

 Deitou-se por um longo tempo na cama, tentando assimilar tudo o que havia acontecido até então. A imagem de Freddie e suas palavras ainda dominavam a mente de Melanie. Embora suas ações tivessem sido em legítima defesa, sentia-se como o pior ser humano do universo. Como poderia ela ter adivinhado que aquele homem estranho e maluco poderia ser apenas mais uma pobre vítima de uma realidade cruel? Se soubesse, talvez arranjasse outra forma de lidar com a situação.

 Melanie lembrou-se de Freddie e a sua história sobre o hospital e o tempo que passara nele. E, claro, os detalhes horrendos que havia contado. Por ali, só havia um lugar conhecido por amarrar pessoas a cama e tratá-las com “brinquedos” de metal. O manicômio de Rutledge, um lugar que faria até o mais brutal dos homens molhar as calças.

 Melanie já passara uma ou duas vezes em frente ao hospital Rutledge, era situado bem ao lado do orfanato, dois lugares que lhe causavam tremendos arrepios. Era difícil imaginar tudo o que Freddie poderia ter enfrentado. Imaginou o quanto aquele lugar destruiria facilmente uma alma infantil, tendo a mente e o corpo torturados diariamente. Mesmo para um hospital, os métodos usados dentro daquele lugar estavam longe de serem saudáveis, principalmente para uma criança.

 “É passado, não há como mudá-lo”. Foi ao banheiro, limpou-se e finalmente livrou-se daquele vestido imundo, junto com o frasco com resto de veneno. Porém, enquanto o fazia, lágrimas involuntárias saltaram de seus olhos, derramando-se no chão como cachoeiras. Seus pés cederam e Melanie caiu deitada no chão, condenando a si mesma pelo que fizera. Você matou alguém. Foi em legítima defesa. Você matou alguém. Eu não sabia quem ele era, estou tão arrependida. Você matou alguém. Eu queria poder consertar as coisas. Você deveria acabar como ele. Eu sei.

 Melanie rastejou até a lixeira, recuperando o frasco de veneno ainda pela metade. Sem hesitar, engoliu todo o líquido restante. Porém, imediatamente, suas mãos involuntariamente lançaram o frasco para longe e seus dedos se enfiaram profundamente em sua garganta, vomitando violentamente logo em seguida. Melanie levou alguns segundos até recobrar a consciência, não tendo total certeza do que acabara de fazer. Por fim, levantou-se do chão, pondo-se a limpar aquela sujeira antes que Murcy pudesse ver. Idiota. Ainda não.

♠ ♠ ♠

Na segunda-feira de manhã, Amelie McGee oferecera-se para levar Melanie à enfermaria diversas vezes. Melanie recusou, não querendo preocupá-la ainda mais, apesar de ser visível que o estado da garota era mais do que crítico.

 Estava avoada durante as aulas. Seus olhos inchados carregavam olheiras profundas. Seu corpo estava marcado por ossos, como se não comesse há dias. Uma vitalidade muito abaixo do normal. Um repentino desmaio no meio do corredor. Rastejava como um morto-vivo. Melanie estava acabada. Tão acabada e digna de pena que nem mesmo Lewis Cooper ousara dirigir-lhe um mínimo olhar de desprezo, na verdade, parecia ter medo da menina.

 Embora não estivesse em condição alguma de continuar vivendo naquele dia, Melanie insistiu em ficar até o fim das aulas, teimando para com a preocupação obsessiva de Amelie. Tal atitude de sua professora poderia ser muito bem apreciada caso Melanie conseguisse raciocinar normalmente, mas naquele momento a mulher parecia apenas irritante. “Apenas me deixe sofrer em paz”.

 Quando o sinal do término das aulas soou pela escola, Melanie dirigiu-se cambaleante até o pátio após a insistência infinita de Amelie para levá-la para casa e sob os olhares assustados e repulsivos das outras crianças. Embora não entendesse o porquê, o fato de estar causando certo medo nas pessoas parecia-lhe engraçado. Prazeroso, você quer dizer.

 Continuou andando, ainda com este pensamento na mente e um sorrisinho no rosto, porém, mais à frente no pátio, Melanie viu algo que a fez empacar no lugar onde estava.

 Johnny e Beth Anne, com sorrisos de orelha a orelha, felizes como se fosse mais um dia normal em suas vidinhas normais. Ódio dominou de súbito os sentimentos de Melanie, que, sem pensar, aproximou-se sem dizer uma só palavra.

 O casal de primos seguiu um bom tempo conversando e rindo, sem notar a presença da garota ali ao lado. Somente após alguns minutos, Johnny enfim percebeu a menina, que parecia ter certa dificuldade para manter-se em pé, parada próxima a si. Johnny parou de rir e fitou a menina de cima a baixo, provavelmente se perguntando o que diabos acontecera àquela criança.

 — Melanie? O que... Você quer? — a fala do menino carregava alguns traços de preocupação, mas o tom de indiferença se sobressaía.

 — A única coisa que eu queria é que você fosse para o inferno — Melanie não via necessidade em disfarçar a raiva no seu tom de voz.

 Johnny olhou para Beth Anne, como se esperasse alguma explicação, mas a menina também parecia confusa e apenas deu de ombros.

 — Você quer me explicar o porquê de estar agindo assim? — perguntou Johnny.

 — A única pessoa que me deve explicações aqui é você, ou melhor, vocês — a ira era visível nos olhos castanhos de Melanie.

 Johnny ainda aparentava ter dúvidas sobre o que ela poderia estar falando, já Beth Anne colocou uma das mãos na cintura e arqueou as sobrancelhas claras na direção de Melanie.

 — Não posso te explicar nada se não me disser do que está falando — Johnny respondeu com um leve tom de impaciência na voz.

 A cada segundo que passava naquela conversa, o ódio de Melanie apenas aumentava. A sensação era de que seu corpo iria explodir a qualquer momento, tamanha era a sua fúria. Seus punhos estavam fechados tão fortemente que ela podia sentir as unhas perfurando a palma de suas mãos. Melanie nunca desejara tanto possuir algo afiado. Ainda não.

 — Parem de se fazer de tontos! Falem logo! — gritou Melanie.

 Enquanto Johnny fitava Melanie como se a garota estivesse louca, sua prima parecia ter dado mais atenção ao modo como a mais nova se dirigira a eles, e, claramente, a loura não estava nem um pouco feliz.

 — Escute aqui, Melanie — disse Beth Anne, ressaltando a impaciência na sua voz. —, pare de nos enrolar, temos coisas importantes a fazer. Poupe nosso tempo e nos diga logo porque está gritando conosco.

 Apesar de sua imensa vontade de avançar em suas gargantas naquele momento, Melanie manteve o controle. Tudo o que desejava era ouvir um simples pedido de desculpas, no entanto, resolveu aceitar que ninguém ali iria facilitar para ela.

 — Por que vocês não apareceram na minha festa? — Melanie gritou, soltando uma saraivada de tosses logo em seguida, fazendo sua garganta doer.

 Johnny mantinha a sua expressão confusa. O garoto arqueou as sobrancelhas, claramente imaginando se a menina estaria delirando ou coisa do tipo.

 — Você está querendo nos enganar ou o quê? — perguntou Johnny.

 — O quê? Como assim enganar vocês? — retrucou Melanie com a voz rouca — Eu só quero saber por que vocês fingiram ser meus amigos!

 Johnny parecia ainda não compreender. Beth Anne agarrou a mão do primo e disse:

 — Não sabemos quais as suas intenções, mas é melhor não continuar com isso. Venha, Johnny, esta menina é louca. É melhor que não fiquemos perto de gente assim — e saiu puxando o menino em direção à saída da escola, porém, Melanie os impediu.

 — Parem agora! Vocês não vão sair daqui enquanto eu não ouvir uma explicação e um pedido de desculpas dos dois — gritou Melanie mais uma vez, sentindo a garganta começar a queimar.

 Johnny tentou dizer algo, mas, antes que começasse, Beth Anne entrou na sua frente e gritou no rosto da garota menor:

 — Nós não temos culpa se você está delirando! Você é quem devia se desculpar agora mesmo por nos chamar de amigos falsos e estar gritando com a gente sem motivo algum! — Beth Anne começou a lacrimejar. Aquele ato não parecera genuíno, por isso Melanie se exaltou ainda mais.

 — Pare de ser falsa!

 Melanie avançou para cima de Beth Anne, porém Johnny entrou no meio das duas garotas, impedindo que Melanie fizesse qualquer outra coisa ao mesmo tempo em que tentava proteger sua prima.

 — Melanie, pare com isso já! Nós não estamos fingindo nada, quem nos deve explicações é você! Você nem mesmo fez a festa, como poderíamos aparecer?

 Diante de sua dúvida incessante, Melanie quase se convenceu de que eles poderiam não saber realmente o que se passava. Mas era impossível, fora Johnny quem a convencera a fazer a maldita festa e Melanie havia deixado completamente clara a data do evento, como poderiam dizer coisas absurdas como aquela?

 — O que você está dizendo? Eu lhe disse que iria fazê-la, você ficou tão feliz que até disse que iria chamar seus amigos para ir também.

 — Mas, Melanie, você cancelou a festa.

 — O quê? — foi a vez de Melanie arquear as sobrancelhas.

 — Você disse que havia desistido. Disse que era uma ideia muito tosca e... Também disse que eu sou muito idiota por pensar em algo assim — o rosto de Johnny foi invadido por uma sutil expressão de tristeza.

 Melanie nunca em sã consciência diria uma coisa daquelas. Definitivamente só poderia ser alguma encenação.

 — Johnny, eu nunca disse isso, eu fiz a festa! Eu comprei enfeites, comida, e até fiz um bolo, como num aniversário de verdade! Eu me arrumei e fiquei a tarde toda esperando por vocês, mas ninguém veio!

 — Bom, Melanie, não foi isso o que Beth Anne me disse — respondeu Johnny.

 Melanie então fitou o rosto de Beth Anne, até então imóvel atrás de Johnny. A garota loura exibia um meio sorriso malicioso estampado na face, como se debochasse dela, como se risse dela.

 Melanie não saberia dizer se o fator principal era a fraqueza e o cansaço já residente em seu corpo ou apenas o choque da situação, mas de repente sentiu-se tonta. Suas pernas fraquejaram e por um momento temeu que fosse desmaiar ali mesmo, porém conseguiu se recompor e manter-se em pé, ainda temendo que algo pudesse acontecer.

 Beth Anne. Beth Anne. Beth Anne era a maldita culpada o tempo todo. Por causa dela ninguém aparecera na festa. Por causa dela Johnny havia se afastado. Por causa dela. Espere. Melanie não conseguia entender. Que motivos ela teria para fazer aquilo?

 Beth Anne quisera ser sua amiga. Beth Anne chamou-a para brincar na praça. Beth Anne havia lhe traído. Beth Anne havia feito Johnny odiá-la. Os motivos não importavam mais a Melanie, seu único desejo era pular em Beth Anne e arrancar-lhe a língua com as próprias mãos.

 — Beth Anne? — perguntou Melanie entredentes.

 O sorriso de Beth Anne foi imediatamente substituído por uma expressão triste e chorosa. Ela se agarrou ao braço de Johnny e começou a choramingar.

 — Mas foi isso o que ela me disse! Por que eu inventaria algo assim? Johnny, não acredite nela, ela é maluca!

 — Sua vadia! — Melanie gritou e finalmente foi com tudo para cima de Beth Anne. Mesmo a garota sendo muito mais alta que ela, Melanie ainda conseguia lhe dar tapas fortes sem que ela revidasse na mesma intensidade, apesar da fraqueza dominando seu corpo.

 Johnny lutava para separar as duas garotas. Por fim, agarrou Melanie no ar e a afastou de sua prima. Ele a pôs lentamente no chão enquanto Beth Anne ajeitava o cabelo louro emaranhado.

 — Melanie, não é legal o que você está fazendo! Não pode nos culpar se foi você quem disse tudo aquilo.

 — Ai, meu Deus, Johnny, você é burro? Ela está mentindo! Eu já lhe disse que eu fiz a porcaria da festa. Você insistiu nisso então eu a fiz para que você pudesse ficar feliz. Eu fiz isso por nós... Acredite em mim, por favor.

 Ao assistir Melanie implorando e tentando convencê-lo ao máximo de sua razão, o olhar de Johnny sugeria que ele estava começando a acreditar. Virou-se então para sua prima.

 — Isso é verdade?

 — Mas é claro que não, Johnny! — Beth Anne deu um riso fraco. — Essa menina está mentindo só para que você se afaste de mim. Ela apenas tem inveja de nós dois.

 “Como?!”. Naquele instante, tudo pareceu um pouco mais claro na cabeça de Melanie. O modo como Beth Anne falava sugeria que ela e seu primo possuíam algo. Algo... Amoroso? Mas isso era impossível, afinal... Eram primos! Johnny nunca demonstrara gostar de Beth Anne daquela forma. Desde o início, Johnny havia tido interesse apenas por Melanie e... Talvez isso deixasse Beth Anne enciumada!

 Tudo se encaixava. A garota mias velha havia inventado todas aquelas coisas para Johnny porque ela gostava dele! Ela também sabia que seu primo gostava apenas de uma única garota: Melanie. Fazê-lo odiá-la era o modo perfeito de abrir espaço para si mesma.

 — Eu não acredito nisso... — disse Melanie, incrédula. — Eu não acredito que você estava com ciúmes esse tempo todo, Beth Anne.

 — Como é que é? — retrucou a garota.

 — É claro... Você fez tudo isso porque você sabia que Johnny gostava de mim. E você ficou com raiva porque ele nunca vai gostar de você do jeito que você gosta dele!

 Johnny fitou a garota mais velha, um pouco confuso, esperando que ela dissesse algo, mas ela apenas continuou encarando Melanie por alguns segundos antes de finalmente se pronunciar.

 — Olha só... Eu não sei de onde você tirou isso e não quero saber. Você mesma veio até mim me dizer que cancelou a festa e que não queria mais ver Johnny. Você não vai se safar dessa, garota, em que você acha que ele vai acreditar? Em mim ou na bebê chorão?

 As duas meninas viraram os rostos para Johnny, esperando sua resposta. Ele, por sua vez, parecia confuso em quem confiar. A versão de Beth Anne talvez parecesse bem mais sensata, afinal, era loucura a possibilidade de a garota que era quase sua irmã estar realmente apaixonada por ele, talvez até um pouco bizarro.

 — Bem... E-eu — Johnny não conseguia achar uma resposta que pudesse agradar a todos.

 Beth Anne, sem paciência, passou um dos braços por cima dos ombros do primo.

 — Ora, nós não devíamos estar tendo essa conversa sem sentido. Vamos, Johnny, isso já está me dando dor de cabeça.

 — Eu não vou deixar que você faça a cabeça dele, sua bruxa! — disse Melanie.

 — Eu não estou fazendo nada! Está zangada só porque ele acredita em mim, não é mesmo, Johnny? — Beth Anne mantinha a voz mansa ao mesmo tempo em que alisava o rosto de Johnny com uma das mãos. Uma visão que fez o estômago de Melanie revirar.

 Monstro. Lá estava novamente, outro dos monstros que tentavam lhe arrancar todo rastro de felicidade que lhe aparecia. Esse monstro havia tomado a forma de Elizabeth Anne. Um monstro que tentava lhe tirar o amor, um garoto que realmente amava Melanie, mesmo com todos os seus defeitos. “Não dessa vez”.

 Melanie aproximou o seu rosto do de Johnny e lhe deu o olhar mais sincero que conseguia. Era realmente como fazê-lo sair de um feitiço de uma bruxa malvada.

 — Johnny, você me conhece muito bem, pelo menos melhor do qualquer pessoa já se preocupou em conhecer. Acha mesmo que eu poderia ter dito uma coisa dessas? Você sabe que não, e sabe também o que sente por mim, é o mesmo que eu sinto por você.

 — Pare de falar asneiras — Beth Anne interrompeu. — Até parece que ele iria sentir alguma coisa por uma menina feia e bobinha igual a você, olhe seu estado, garota! Vá para casa chorar na sua caminha e deixe nós, adultos, em paz.

 “Adultos? Você só está um ano acima de mim”.

 — Elizabeth, peça desculpas — disse Johnny num tom quase inaudível.

 Ambas as garotas fitaram surpresas o garoto. Melanie então recuperou o único fio de esperança que lhe restava.

 — O que você disse? — perguntou a loura.

 — Eu disse para pedir desculpas — Johnny respondeu num tom mais firme.

 Melanie sorria disfarçadamente. Beth Anne estava perplexa, como se não pudesse acreditar no que estava ouvindo. A mais velha fitou Melanie e seu rostinho repleto de vitória, e decidiu que não deixaria tudo terminar daquele jeito.

 Para a surpresa de Melanie, e também a de Johnny, Elizabeth Anne agarrou o rosto de seu primo e lhe deu um enorme e demorado beijo nos lábios. A cena deixou Melanie boquiaberta. Johnny estava claramente desconfortável, pois tentava se soltar dos braços da prima, mas depois de um curto período, para o choque ainda maior de Melanie, o garoto retribuiu o beijo.

 Os olhos de Melanie automaticamente se encheram de lágrimas. Não podia acreditar que a cena diante de seus olhos era real. Johnny, o seu Johnny, se entregando aos feitiços da vadia que tentara separá-los. Era muito pior do que um pesadelo.

 Enquanto se beijavam sem parar, Beth Anne fitou o rosto de Melanie pelo canto do olho, e a mais nova pôde ver o olhar de pura satisfação que a loura exibia. Como se não fosse o bastante, Elizabeth tomou uma das mãos de Johnny e a pressionou fortemente sobre um dos seus seios. Johnny não contestara em momento algum.

  Aquilo fora demais para Melanie, que pôs-se a correr antes que tivessem a chance de ver o seu rosto encharcado. Embora sua saúde e vitalidade não estivessem em seu melhor estado, Melanie deu o melhor que podia para chegar rápido ao seu destino, tendo em seu caminho alguns tropeções causados por desatenção. Bateu a porta de entrada de sua casa e correu para o quarto, já ouvindo a voz enfurecida de Murcy vinda de outro cômodo.

 Trancou a porta de seu refúgio, sendo guiada impulsivamente para um espelho situado numa das paredes do quarto. Ao fitar seu rosto inchado, molhado, cansado e horrendo como o de um zumbi, Melanie sentiu nojo e ódio de si mesma. Tudo o que aquele espelho refletia era a pior forma de feiura que aquele mundo podia possuir. Arrancou o espelho da parede e o estilhaçou no chão, pisoteando os cacos de vidro logo em seguida, sem se importar se eles poderiam lhe ferir ou não. Gritou alto e caiu deitada em sua cama.

 Após uma hora estirada nos lençóis, imóvel e sem capacidade alguma de parar de chorar, Melanie sentou-se na cama, obrigando-se a se acalmar. Tentando controlar a respiração afobada, foi até o banheiro e lavou o rosto, e então recostou-se à parede, fitando outro espelho intacto acima da pia.

 Melanie sempre havia odiado espelhos. Odiava olhar a si mesma. Odiava contemplar o reflexo da bebê chorão, o estado mais pútrido que sua alma poderia alcançar. Uma menina feia, magricela e sozinha. E acima de tudo, idiota.

 Alexandre. Beth Anne. Johnny. A lista apenas aumentava. Falsos. Um mundo construído em cima de farsas, onde não havia gentileza alguma, não havia bondade, generosidade, ou qualquer outra coisa do tipo. Isso fora provado à Melanie nada menos do que três vezes, e mesmo assim insistia em ignorar as lições que o universo lhe oferecia.

 Pessoas eram monstros. Um mundo de monstros. Mas pessoas como Alexandre, Beth Anne e Johnny não eram monstros comuns. Eram monstros de plástico e tecido. Almas que viviam para sugar vida de qualquer criatura ingênua que pudessem ser levadas pela sua falsidade. Como Melanie.

 Talvez a culpa seja sua. Talvez a culpa seja minha. Espere, minha? Sua. Talvez viver naquele mundo de monstros logicamente a tornasse um monstro. Um monstro muito inocente. Confiava tão facilmente em qualquer pessoa que se dispusesse a ser seu amigo porque estava desesperada. Desesperada por afeto, amor, carinho, atenção, qualquer coisa. É apenas questão de aprender. Aprender a agir como se devia agir? Quem sabe. Adaptar-se para sobreviver. Melanie não era a bebê chorão, tampouco a menina feia e bobinha, apenas se negara por um bom tempo a lidar com aquela realidade.

 Confiar em Johnny fora imbecil, mas não poderia negar que ainda nutria certos sentimentos por ele, seu eu interior fazia questão de culpá-la por isso. Johnny havia feito surgir em si os sentimentos mais profundos e verdadeiros dos quais ela nunca tivera conhecimento da existência. “Ele é um dos piores”. Não poderia crer no quanto aquele garoto poderia fingir bem. Ele nunca parecera gostar de Beth Anne daquela forma, teria sido um plano para lhe magoar propositalmente? O que Beth Anne possuía que havia feito-o deixar Mel de lado em meio segundo? Beth Anne era só uma das garotas mais bonitas e populares da escola, além de ser legal com qualquer um... “Talvez ela cuspa veneno num frasco e guarde no sutiã”.

 Melanie levantou-se e forçou-se a fitar seu rosto no espelho do banheiro. “Eu odeio espelhos”. Observou-o bem e tentou compará-lo ao de Elizabeth. A primeira coisa que chamava a atenção em qualquer um eram os seus dentes tortos e separados. Definitivamente era o detalhe que mais odiava em si mesma. Os dentes de Beth Anne eram perfeitamente alinhados e corretos, não poderia de maneira alguma ser comparado ao de Melanie.

 O nariz de Melanie era um pouco redondo, o oposto de Beth Anne, claramente Johnny preferia narizes finos e femininos. O formato de seu rosto era estranho e seu queixo um pouco longo.

 Melanie entrou em desespero. Era totalmente compreensível a escolha de Johnny. Beth Anne era linda, com bochechas rosadas e o rostinho delicado, sem falar de seus cabelos compridos e claros. “Quem iria dispensar uma menina perfeita daquelas por alguém como eu?”

 Melanie passou a mão pelo rosto, preocupada com o que via. Se ela quisesse que Johnny ou qualquer um gostasse dela, precisaria se adequar aos padrões, mesmo que fossem padrões de monstro. Melanie precisava ser como eles. Ela tinha de ser como eles. Adaptar-se para sobreviver. Seu eu interior gritava na sua cabeça, lhe alertando o quão péssima aquela ideia era, infelizmente Melanie não ouviu. Idiota!


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