Professor Victor Nikiforov está em um grande dilema. Embora ele tenha dito que seria amigo de Yuuri, ele não sabe se é isso mesmo que ele sente pelo rapaz. De algum modo, ele se vê em seu estúdio, colocando tudo em uma tela branca, a pintando toda de preto primeiro e depois fazendo traços aleatórios por cima usando cores como amarelo, laranja, vermelho, rosa e branco. Ele pára de pintar com o corpo encharcado de suor e ofegante, e dá passos para trás antes de cair no chão de joelhos, surpreso com a pintura que está na sua frente. 

...

"Ai meu deus!" O professor escuta e observa um de seus alunos olhar para a pintura com surpresa. 

"Chulanont? O que faz aqui?" Victor pergunta, se levantando do chão.

"Professora Katsuki me pediu para te entregar esses livros." O aluno Tailandês diz, retirando da mochila 6 livros diferentes e os estende para o professor.

"Oh, os livros que eu havia comentado." Victor diz, surpreso. 

Sim. Victor falou sobre eles. Para Yuuri.

"É um belíssimo quadro, professor." Phichit diz, sorrindo. 

"Muito obrigado, Chulanont." O professor sorri, se despedindo do aluno e o vendo se afastar. 

Victor ergue os livros, olhando os títulos de cada, até chegar ao último. Um livro de capa marrom sem nada nela. Nem título nem nada. Ele o ergue e o vira, vendo que não há nada além da cor marrom nele. E então, ele o abre. 

E tudo escurece.

~x~

"Mentiroso."

"Maluco."

Por favor. Acredite em mim.

"Mentiroso."

"Deixe de brincadeira, menino."

Eu não estou mentindo.

"Maluco."

"Monstro."

Mamãe? Papai? Eu não sou maluco!

"Fique longe!"

"Eu te odeio!"

"Sai daqui!"

Eu não sou maluco. Eu não sou.

"O menino dos Katsukis está possuído pelo diabo."

"Coitados do Toshiya e da Hiroko."

"Eu o vi sentado no banco da praça conversando sozinho e falando o nome Ryou."

"Ryou não é o nome do menino que morreu em um acidente de carro 18 anos atrás?"

"As palavras que o menino diz são como um veneno."

"É assustador."

Calem a boca!

"..."

"..."

"..."

Não, espera! Por favor! 

"Você ouviu? Aconteceu de novo."

"Apenas Shirou não obedeceu o menino."

"Ele é surdo. E ficou apavorado quando viu as pessoas ao redor dele começarem a brigar entre si só por que o menino pediu Katsudon para a mãe."

"Ouvi dizer que até agora as fofoqueiras da rua ao lado estão sem poder falar. Os médicos estão apavorados, pois não encontram nada de errado com elas."

Me deixem em paz!

"Yuuri. Pare de falar, por favor."

Entendo...

...

Crack...

...

"Olha! É o maluco que não fala!" 

"Ouvi boatos que ele é amaldiçoado."

"Meu irmão disse que leu em um livro dizendo que prata pode acabar com a maldição dele."

"Mas eu não quero me aproximar dele."

"A gente não precisa. Basta jogar nele."

"Boa ideia!"

...

Está doendo. Parem de jogar essas coisas em mim. 

Eu não devo falar.

Eu não devo falar.

...

"Ei Katsuki! Toma isso!"

Quê... AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHH!!!

"Mas o que estão fazendo? Ai meu deus, chamem uma ambulância!"

"O que... Takumi, o que diabos você fez?"

"Mas Otou-san, Kyou-niisan disse que eu deveria enfiar isso no peito para matar um monstro."

Está doendo...

"Menino idiota! Mesmo que ele seja anormal, ele é um humano também!"

"Otou-san?"

"Merda. Isso vai fazer com que nossa família seja alvo de fofocas."

...

"Ei, você ouviu? Os Isozakis se mudaram para Hokkaido."

"Claramente para escaparem da vergonha que aconteceu mês passado."

"Não que o culpamos. Yuuri Katsuki é amaldiçoado mesmo."

"De fato."

Eu sou amaldiçoado? 

...

"O que está havendo?"

"Yuuri! Ele desapareceu!"

"Como assim, Hiroko?"

"Ele não está no quarto dele. A mochila, roupas, objetos pessoais, dinheiro e lanches desapareceram também."

"Vocês acham que ele fugiu de casa, Toshiya?"

"Sim."

Assim é melhor. Assim eu não sou um incômodo para ninguém. 

Crack

...

"Ei, menino? Cadê seus pais?"

Eles estão felizes sem mim.

"Menino, você está bem? Está com fome?"

Sim, estou. Mas não falarei nada. Apenas irei dar um sorriso e continuar andando.

"Ai meu deus, você está bem? Venha, eu vou cuidar de você."

Se eu não falar nada, as pessoas não tem medo de mim. 

...

Crack

...

"Eu finalmente encontrei você."

Quem é?

"Meu nome é Minako Okukawa. Sou uma sacerdotisa que serve o templo Juuzou, em Kyoto."

Ela é uma 'Miko'?

"Yuuri Katsuki." 

Como ela sabe...

"Você não quer saber a verdade por trás da sua voz?"

Como assim?

"Menino. Tenho certeza que você teve uma vida difícil. Mas acredite em mim quando eu digo que posso te treinar para usar melhor suas habilidades."

Você realmente pode?

"Sim. Se você não desistir e me mostrar que está empenhado em aprender, eu te ensinarei tudo o que sei."

...

"Yuuri, por que você não fala?"

Eu... Tenho medo.

"Eu preciso que você fale para continuar seu treinamento. Faça da sua voz uma arma para exorcizar espíritos perdidos."

Fazer da minha voz uma arma...

"Vou te dar uma semana."

...

"Sen...sei?"

"Oh, Yuuri. Está tudo bem. A sua voz não me afeta."

...

"Você nasceu com o dom da palavra, Yuuri. Kotodama é usado desde os tempos antigos por xamãs como meio de ajudar espíritos presos no mundo dos vivos irem para o além. Meu ancestral também tinha essa habilidade, e ele treinou seus filhos, que treinaram seus filhos e assim por diante, tudo para que quando encontrassem alguém como você, nós sejamos capazes de ensinar tudo o que sabemos para você."

"Por que eu nasci com esse poder?"

"Talvez o destino tenha algo de importante preparado para você."

…

“Sereia-san, Sereia-san, você deu suas lágrimas para alguém?”

“Não, Pequeno Mestre das Palavras. Eu apenas pensei que seria divertido fazer ela pensar que poderia ter vida eterna por causa delas então eu dei para ela um frasco com um pouco de água do lago.”

“Entendi. isso foi uma brincadeira cruel que você fez, mas pelo menos as consequências não foram graves. Volte para o seu lar e não tente enganar mais humanos.”

~x~

"Está se divertindo vendo memórias do meu passado, Nikiforov?" Victor escuta e olha para o lado, vendo o verdadeiro Yuuri ao lado dele, também assistindo as cenas com um sorriso triste no rosto.

"Desde quando..." Ele começa, mas para ao escutar ele rindo.

"Desde quando eu quase tive uma estaca de madeira fincada no peito. Se ele tivesse a força de um adulto, eu teria morrido." Yuuri responde, virando o rosto para o olhar.

"Eu não sabia..." Victor se interrompe, engolindo em seco.

"Eu sei." Yuuri diz, ainda sorrindo. "Mas acho que já está na hora de voltar ao mundo real."

"Como assim..."

Pela terceira vez, Victor se interrompe. Mas quem poderia julgar ele, quando vê sendo agarrado pelo queixo e beijado na boca por Yuuri Katsuki. 

Thud!

"Ai!" Victor exclama, ao sentir algo bater na sua cabeça.

Ele então percebe que está de volta no seu quarto, deitado no chão. Ao lado dele, Yuuri segura o livro de capa marrom e começa a rir.

"O que aconteceu?" O professor russo pergunta, surpreso.

"Sua consciência foi absorvida por este livro, que tem a capacidade de mostrar memórias de pessoas importantes para nós. Eu estou feliz em saber que sou importante para você. Mas você viu partes do meu passado. Eu... Não esperava por isso." Yuuri diz, se levantando do chão. "Como você conseguiu esse livro?"

"Phichit Chulanont me deu junto com os livros que eu havia falado para você." Victor responde, se levantando também.

"Phichit... Yuuri apenas diz.

"Me desculpe, Yuuri." Victor diz, olhando para ele com preocupação. "Se eu soubesse, eu jamais teria aberto este livro."

"Eu sei disso. Eu não estou bravo com você. Eu estou sim, com Phichit." Yuuri responde, abrindo um sorriso para ele.

"Como assim?" Victor pergunta, surpreso.

Mas Yuuri não responde. Ele apenas ergue o isqueiro e assiste o livro queimar nas sua mão direita.

"Bem, agora que está tudo bem, irei para o meu quarto." Yuuri diz, voltando a olhar para Victor." E antes que você me questione, eu não saio beijando todo mundo que se envolvem com viagens mentais."

E Victor fica em choque.

Porque se for assim, significa que...