Encantos & Desencontros escrita por Maitê Miasi


Capítulo 30
Capítulo 30




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O capítulo será narrado em primeira pessoa, e vai ser um capítulo meio diferente dos demais, e espero que gostem.

RETA FINAL

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“Eu não me perdi e mesmo assim ninguém me perdoou
Pobre coração, quando o teu estava comigo era tão bom
Não sei por quê acontece assim e é sem querer
O que não era pra ser, vou fugir dessa dor
Meu amor, se quiseres voltar, volta não
Porque me quebraste em mil pedaços.”


Legião Urbana – Mil Pedaços

 

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Maria

Dizem que um abismo puxa outro, e isso se encaixava perfeitamente na minha vida. Jamais imaginaria que meu retorno ao Brasil pudesse trazer à tona um passado que eu insistia em esconder; ou que meu casamento com Cláudio não fosse a saída mais racional para meus problemas, e eu estava apenas tapando o sol com a peneira; e indo até onde tudo começou, nunca presumiria que aquele “oi, tudo bem” se tornaria meu maior ponto fraco.

Não que eu me arrependa, isso nunca passou pela minha cabeça, mas é que também dizem que há males que vem para o bem, e meus filhos são a prova disso. Por eles, certamente, repetiria meus atos, da mesma forma, outra vez.

Mas devo admitir que estava cansada, sobrecarregada. O peso de todo o julgamento que vinha sobre mim, me deixava exausta, cabisbaixa. Sempre soube da minha força, minha vontade de vencer e alcançar o inalcançável, por isso cheguei onde cheguei, mas duro era enfrentar aqueles olhares pesados me encarando. Se fosse um estranho, eu suportaria sem dificuldade, mas eram os meus que me puniam; eram as pessoas por quem eu daria a minha própria vida que tiravam a minha força, quase me fazendo sucumbir aos meus próprios fantasmas; eram as pessoas que eu amava que pisoteavam pouco a pouco meu coração, o pior é que se achavam nesse direito, como se realmente eu fosse uma fora da lei.

Entao me cansei. Minha intensa vontade de protegê-los me deixou cansada. Todas as minhas incansáveis explicações (que hoje vejo como desnecessárias) me deixou cansada. Meus erros me deixaram cansada. Fiz inúmeras coisas louváveis, plausíveis, mas todos preferiram destacar meu erros, que agora não quero e não faço questão de esconder, mas, isso diz quem sou? Então, tudo que havia feito de bom foi esquecido, e para eles, eu já não passava de uma farsa.

E foi por estar cansada de tudo que tomei essa decisão, afinal, era isso que eu queria: esquecer aquelas palavras que tanto me feriram. Não pensei muito, não queria retroceder. Sempre pensei e repensei sobre tudo, até tomar a decisão correta, mas dessa vez seria diferente. Eu só queria abrir meus olhos e ter certeza de que não seria questionada. Queria ter a oportunidade de respirar em paz, afinal, não sabia o que encontraria: poderia ser uma família arrependida, ou apenas aqueles que deixei há alguns... Dias? Meses? Não tinha certeza, minhas ideias ainda estavam muito embaralhadas.

Certamente seria julgada por mais essa atitude, mas ia pagar pra ver, e o fato disso virar uma bola de neve não me assustava. O que tinha a perder? Nada, ou quase nada.

E por fim, ali estava eu, prestes a começar meu show.

— Nossa, que exames demorados! – Miguel foi dizendo assim que nos viu chegar. Ele sorria, parecia estar bem animado. – Tá tudo bem, né? – Ele se manteve distante, enquanto uns enfermeiros me acomodavam de volta ao meu lugar de origem. – Maria... – Percebi seu olhar constrangido. – Desculpe, tenho que me acostumar a te chamar de mãe de novo, faz tempo que não te chamo assim. Então mãe – enfatizou bem aquela palavra – liguei pras meninas, daqui a pouco elas estão aqui. Você não imagina o quanto elas ficaram felizes em saber que você acordou.

— Por que você tá me chamando assim?

— Ora, você sempre quis que eu voltasse a te chamar de mãe, não tem porque eu não fazer isso agora. – Aquele sorriso que eu tanto amava, estava me deixando tensa, com medo de não conseguir prosseguir em meu propósitos.

— Por que um desconhecido está me chamando de mãe?

— Desconhecido? – De imediato, ele olhou o médico, incrédulo com a possibilidade que lhe era imposta. – Mãe, sou eu, Miguel, seu filho! O que tá acontecendo com ela?

— Miguel – meu médico tomou a palavra; ele me olhou, e lhe informei como olhar que ele poderia prosseguir – fizemos alguns exames, e diante dos fatos, ela está sem memória, parece que a parte do cérebro responsável pela memória foi afetada, e não dá pra dizer se e temporário ou permanente, vamos ter que aguardar. Só vamos ter certeza com o decorrer dos dias.

— Eu não acredito nisso. – Miguel levou a mão até a testa, deu pra notar que aquela notícia não fazia parte dos seus planos.

— Eu vou deixar vocês dois a sós.

— Desculpa – ele se achegou à cama, mas ficou de pé, me olhando – eu não esperava por isso.

— Acredite, é mais difícil pra mim saber que meu filho está na minha frente, e só sei seu nome porque o médico citou.

— Calma, vamos passar por isso juntos. Você tem uma família que te ama, e quem tem estado com você todo esse tempo. E estamos prontos pra nos desculpamos com você.

— Pelo quê?

— Muitas coisas aconteceram antes do acidente, e todos nós te julgamos, julgamos certas atitudes suas. E nós ficamos com medo de te perder, e não ter te dado o pedido de desculpas que você merece.

— Foi tão grave assim?

— Foi inesperado, pra todos.

...
Foi difícil enganar meus filhos, fingir que não sentia nada ao vê-los ali, e doeu tanto não poder abraçá-los, beijá-los, e dizer o quanto eu os amava, mas me contive, agi como se eles fossem completos estranhos pra mim.

Depois que os três saíram, tentei dormir pra ver se o tempo passava mais rápido, mas nem sequer consegui cochilar, só fiquei pensando, e pensando, e pensando, e mesmo cansada de pensar, meus olhos se recusavam a fechar, então, desisti e fiquei a observar o que acontecia a minha volta.

Era tudo ainda mais entediante que meus pensamentos. Tirando algumas conversas entre médicos sobre pacientes que estavam à beira da morte, foi aí que percebi que ainda não havia agradecido por estar viva, a essa hora poderia ser meu nome citado naquela conversa, mas não era, e eu me sentia grata por isso.

Meus inúmeros pensamentos foram interrompidos quando avistei a imagem de Cláudio no corredor conversando com meu médico. Meu coração acelerou, mas tratei de me acalmar, senão ia acabar me denunciando. Bastou que eu respirasse fundo para que trouxesse novamente a Maria sem memória.

— Oi, te acordei?

Não respondi, apenas mantive meu olhar distante. Sem resposta, ele fechou a porta, e foi se achegando lentamente.

— Você deve tá se perguntando: quem é esse doido que tá invadindo meu quarto? – Brincou. – Sou Cláudio, sou o pai das gêmeas. Eu queria ter vindo mais cedo, mas tava numa reunião, e sabe como é, né. – Ele pareceu estar bem a vontade na minha presença, e então se acomodou numa poltrona próxima à minha cama.

— Na verdade, eu não sei. Eu não sei de muita coisa. – Tentei não expressar sentimento nenhum. Eu tentava parecer um robô.

— As coisas vão se acertar, você vai ver só. Vamos torcer pra que seja tudo uma questão de tempo.

— E se não for?

— Vamos ter que aprender a lidar com isso. Todos nós. – Logo senti ele segurar minha mão; não recusei, ele parecia querer me dar força. – Mas  enfim – um sorriso animado se formou, ele parecia estar mesmo feliz em estar ali – você não sabe como eu tô feliz por te ver bem, acordada. Eu fiquei com tanto medo de te perder. Eu não me perdoaria se você partisse sem saber que me arrependo por ter te falado coisas tão horríveis, você não merecia ouvir nenhuma delas. Você não é nada do que eu disse.

— Você me falou que é pai das gêmeas, então somos casados? – Perguntei, ignorando tudo o que ele havia dito.

— Estamos nos separando.

— E qual o motivo?

— Ele está na empresa resolvendo um assunto que só ele pode resolver, por isso ainda não apareceu aqui. Mas daqui a pouco ele chega.

— Então quer dizer que eu sou uma vadia adúltera? – Estava dando corda, queria ver o que ela diria.

— Talvez eu tenha te enxergado assim por um bom tempo, mas não. Você não é uma vadia adúltera.

— Não? E qual o nome que se dá pra uma mulher que dorme com outro cara que não é seu esposo? – Provoquei.

— Maria, eu sempre quis que você me amasse, a qualquer custo, mesmo sabendo que era ele que você queria ao seu lado. Mas por ironia do destino, acabamos nos casando, e cheguei a pensar que tinha vencido, até voltarmos ao Brasil. Eu tentei lutar contra, mas não deu.

— Não tenta amenizar as coisas porque estou nesse estado. Eu errei, não é justo que se culpe por um erro meu.

— Pode ser que eu esteja fazendo isso, mas eu pensei tanto nesses últimos dias, Maria. Eu quis te forçar a ficar ao meu lado, sabendo que você nunca seria feliz de verdade comigo. E descobri isso antes de você parar aqui, mas ainda assim, quis te prejudicar, quis te fazer se sentir um lixo, e você não sabe o quanto eu me arrependo.

— Arrependimento ou remorso?

— Arrependimento. Eu sei que é fácil falar, mas tô disposto a te mostrar que tô falando a verdade. Quando você se lembrar de tudo, por que isso vai acontecer, quero que me olhe sem rancor, quero que sejamos amigos, não só por nossas filhas, mas pela bela relação que tivemos.

Minha conversa com Cláudio não poderia ter sido melhor, tão madura, tão sensata, e no fim, acabei me sentindo à vontade ao seu lado, coisa que não acontecia há muito tempo. Eu estava torcendo para que todas aquelas palavras não fossem apenas palavras, e sentia que não era, eu o conhecia bem, sabia quando ele mentia, e quando era sincero. Com os muitos anos do nosso casamento, aprendi a interpretar cada gesto, ou feição sua.

...

O dia estava chegando ao fim, e ele ainda não tinha aparecido. Sua ausência gerou indagações, mas me contive, não podia exigir nada de Estêvão, ele tinha razão quando decidiu me odiar, eu havia lhe ocultado um filho, eu não o perdoaria se fosse ao contrário.

Tratei de encontrar justificativas para sua ausência, e encontrei, porque não queria pensar que ele simplesmente não queria me ver. Talvez estivesse me prestando a um papel desprezível, pensar inteiramente nele depois de tudo? Que tipo de pessoa se sujeitaria a isso? Mas eu o amava, ah, como o amava! Seu nome estava marcado em mim, e eu não conseguia lutar contra isso.

Quando já tinha desistido da ideia de vê-lo aquele dia, o vi chegando de mansinho. Sorri sem querer, mas teria que fazer o mais difícil, fingir que ele não era ninguém de especial, fingir que sua presença não mudava nada dentro de mim, e o único jeito de fazer isso, era fechar os olhos, e torcer pra que a velha Maria cooperasse.

— Não acredito que não consegui te pegar acordada. – Disse logo que entrou, me vendo dormindo. – Mas pelo menos tô vendo você. Eu não tava aguentando mais ouvir aqueles malas falando, e justo hoje, eles não paravam de falar. Quando soube da notícia, quase tive um troço. – Senti ele se acomodar ao meu lado na cama. – Eu queria vir correndo pra cá, mas ser o dono tem suas desvantagens. Engraçado – ouvi uma risadinha – nem num leito de hospital você perde a graça, continua linda, graciosa. Eu escolhi a mulher certa pra amar.

Não resisti àquelas palavras, e acabei abrindo os olhos, ele percebeu.

— Não queria ter te acordado, me desculpe. Se quiser, eu posso sair. – Num movimento rápido, ele se levantou, e ficou parado a minha frente.

— Não, não, acho que já dormi tempo suficiente. Hum, será que você pode ajeitar meu travesseiro?

— Claro.

Como um perfeito cavalheiro que era, Estêvão de pronto atendeu meu pedido. Estávamos muito próximos, ele parecia fazer questão disso, na verdade, parecia um jogo de sedução, ou simplesmente, eu estava ficando louca. Meu corpo entrou em curto quando senti suas mãos quentes em meu pescoço, e meu coração acelerou no mesmo instante. Naquele momento, torci pra que ele não soubesse ler o monitor, senão perceberia o aumento do meu ritmo cardíaco. Finalmente, a sessão de tortura havia terminado, na verdade, não havia durado mais que vinte segundos.

— Você deve ser o senhor motivo. – Falei, quando ele ainda estava do meu lado.

— Senhor motivo? – Ele me olhou com uma cara engraçada. Me segurei pra não rir.

— Motivo do meu casamento ter chegado ao fim.

— Ham... Talvez. – Sem graça, ele se afastou um pouco, mas ficou próximo aos pés da cama.

— Posso saber o seu nome, senhor motivo?

— Estêvão. Estêvão San Roman.

— É um bonito nome, forte, influente. Combina com você. Você deve ser um homem cheio de mulheres, Estêvão.

— Só existe uma mulher por quem eu tenha interesse.

— Ela deve ser uma mulher de sorte.

— Na verdade, eu sou, mas também sou um imbecil. A fiz sofrer tantas vezes, fui duro, idiota, egoísta, a perdi uma vez, e talvez tenha perdido de novo por achar que tinha razão, quando na verdade, ela tinha. Ela sempre teve. Tudo que ela fez foi pra se proteger, porque eu nunca fui capaz de fazer isso por ela. E quando mais ela precisava de mim, eu sumia. Acho que não sou a pessoa perfeita pra ela, enquanto ela é areia demais pro meu caminhão.

— Você deveria dizer isso a ela. – Nessa altura, meu coração estava em solavancos.

— Eu só queria que ela me perdoasse, mas sinceramente, acho que não mereço seu perdão. Já pedi tantas e tantas vezes, mas no fim, eu sempre a machuco. Eu não quero vê-la sofrer, principalmente quando eu sou a causa. – De novo ele se aproximou do meu lado. – Eu te amo, eu te amo demais, e talvez eu esteja te assustando falando dessa forma, mas eu preciso falar, tudo isso tá me consumindo. A ideia te perder me enlouqueceu por isso, eu te peço: me perdoa. – Ele moldou sua mão em meu rosto. Seu toque me fez tremer, mas mantive a compostura.

— Vai embora, eu preciso descansar.

Estêvão parecia incrédulo à minha resposta, mas não se opôs. Eu não imaginava ouvir tudo aquilo, apesar de já ter ouvido tantas vezes, mas preferi não dizer nada a respeito, senão, acabaria me entregando.

Por um momento, cheguei a pensei que veria Fabíola naquele hospital, mas acho que foi ingênuo da minha parte pensar nisso. Sei que não éramos melhores amigas, mas ela era a única irmã que eu tinha, vê-la ali, assim como todos os outros, ia me deixar imensamente feliz.

Fechei meus olhos por alguns segundos, e respirei aliviada, o primeiro dia tinha passado, faltavam alguns outros ainda, e eu tinha que me preparar para o que estava por vir.


 


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