Dona Maria escrita por Braunjakga


Capítulo 2
Planos e mais planos




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Capítulo 2

Planos e mais planos

 

“Me desculpe vir aqui desse jeito

Me perdoe o traje de maloqueiro

De camisa larga e boné pra trás

Bem na hora da novela que a senhora gosta mais…”

 

Quartel do Exército Alemão (Heer) em Stuttgart, Alemanha

No mesmo dia

 

— Ela te ameaçou até com greve é? — disse um rapaz loiro de cabelos longos e encaracolados. Ele gargalhava a cada gole de cerveja que dava. — Você tá ferrado!

— Você ri, né, Cardina? Queria ver se fosse com você… — disse Kuklo, apoiando a cabeça no punho fechado. Ele nem sequer havia tocado na cerveja sem álcool em cima da mesa. 

Cardina Baumeister era colega de farda de Kuklo na bundeswehr, forças armadas federais da Alemanha. Eles se conheceram quando serviram no Afeganistão. Antes disso, o loiro foi preso por ser um batedor de carteira nas ruas de Munique, mas arranjou uma pena alternativa servindo nas tropas da OTAN. 

— Mas… Para pra pensar: como é que você namora uma menina faz dois anos e a mãe dela não sabe de você?

— Coloca mais dois anos na conta…

— Então! Quatro anos!

— Eu não conheço a Rosa de agora, Cardina…

— Não conhece, é? Seu malandrinho! — disse Cardina, dando um soco fraternal no braço do amigo.

— Eu conheço ela desde que a gente tinha 15 anos… 

— Sei… 

— Meu pai era capitão do "Heer", cara. Eu te falei dele, não te falei?

— Sim, seu pai serviu em Kosovo, né?

— Meu pai morreu em Kosovo. Era moleque, tinha três, quatro anos de idade… Não me lembro muita coisa… Só me lembro do caixão com a bandeira da OTAN e da Alemanha… Minha mãe tem as bandeiras até hoje… 

— Trágico…

— Sabe o mais engraçado? O pai dela também serviu com o meu pai! Os dois eram amigos! 

— Amigos?

— É! Olha só… — Kuklo tirou o celular do bolso e mostrou para Cardina uma foto antiga do pai, que estava no porta-retratos da sala. — Esse aqui é o meu pai, o capitão Heath Munsell, tá ligado, né? Esse aqui do lado é o pai dela, o tenente Sorum Humé.

— Puxa vida, que coincidência! Até a fisionomia dele é igual a da Rosa! Vocês foram unidos pelo destino mesmo, hein?

— Não é bem assim… Quando meu pai morreu, o pai dela também morreu. Um míssil caiu na barraca deles e…

Cardina até parou de beber o copo enorme de cerveja quando Kuklo falou do míssil.

— Minha mãe Elena ficou arrasada. Ela teve até que ficar internada, depressão, cara… 

— Ela me falou… 

— Ela ficou um tempão na Grécia com a minha vó e os tios…

— Você me falou uma vez… Ela sempre vai passar uma temporada por lá, né?

— Pois é, tive que ficar com o meu tio daqui, irmão do meu pai… Mas a mãe da Rosa ficou pior ainda…

— Como assim? 

— Sabe, eu conheço a Rosa desde os 15 anos. A gente só começou a ficar quando a gente tinha 16, 17 anos, nem era namoro, nem nada sério. Só ficar de vez em quando, sem compromisso. Um ano depois, eu prestei a prova e me alistei no "Heer"... 

— Sua mãe não foi contra não?

— Foi, como foi! Me falou um monte de coisas, mas até que ela aceitou depois de um tempo. Ela acha que isso é coisa do sangue do meu pai, ele gostava da carreira de militar e ela conheceu ele assim. Eu também gosto de ver as fotos do meu pai como soldado, cresci escutando as histórias dele… Ela não se opôs, mas me advertiu até umas horas dos riscos.

— Me pergunto a cara que ela fez quando soube da bomba… 

— Nem me fale! Só faltou eu e ela ter um infarto! Quando eu voltei, minha mãe já tava na Grécia de novo com os tios… Só sei que ela me fez jurar que eu nunca mais ia pisar num campo de batalha! Nunca vou me esquecer do abraço que ela me deu… 

— Eu até entendo ela, afinal, você perdeu um olho… 

— Sim, perdi por um lado, mas ganhei no outro… Eu reencontrei a Rosa, depois de dois anos separados… — Kuklo sorria. — Aí, a gente bateu um papo, eu falei: você por aqui? E ela: sim, tô servindo como voluntária de enfermaria, não sei o quê e tá, tá, tá… E… O resto, o resto é a nossa história de sucesso juntos! — disse Kuklo, pegando pela primeira vez a taça enorme de cerveja sem álcool e bebendo um gole enorme de uma vez.

— Tô ligado nessa história… Tá pensando que eu não sei a história da barraca? 

— Fala baixo! — disse Kuklo, quase vomitando a cerveja que tomou. Ele socou de verdade o ombro do amigo. Cardina só gargalhava.

— Quatro anos… Quem diria, hein? Só faltou combinar com a Dona Maria… 

— A Rosa é demais, cara! Ela também curte essas paradas militares que nem o pai dela… Minha mãe fala que isso é coisa que vem do sangue… Só não quero ninguém atrapalhando a gente, empatando a gente, ficando no pé dela direto e falando mal de mim toda hora… 

— Eu não entendo por que ela vai falar mal de você sempre… Isso é implicação demais… 

— Porque era tudo o que a mãe dela não queria! A Rosa só era voluntária, cara! Agora ela é enfermeira efetivada do "Heer"! 

— Entendi. Ela não queria que ela tivesse o mesmo destino do pai, não é?

— Sim, pra você ver! A última vez que eu vi a mãe dela foi no começo do ano, no desfile dos veteranos do Afeganistão. Ela viu a Rosa abraçada comigo, cara! 

— Eita!

— E a Rosa só provocando, eu não tava nem ligado na mãe dela! Ela não só viu a gente, como veio pra mim com uma cara séria que só! Daí, ela me perguntou: bom dia, Sargento! Eu gelei na hora, fiquei em posição de sentido e falei: sim coronel! Tenente Munsell me apresentando! Ela falou: Tenente Munsell? Seu sobrenome me é familiar… — Kuklo encenava a cena da continência à medida que falava.

— Puxa vida, cara! Ela ia chegar no seu pai!

— Cara… Pior que ela não chegou. Eu desconversei e falei: não, Coronel, deve ser engano, sabe como é…

— Você falou isso pra ela?

— Falei na maior cara de pau! — os dois amigos gargalharam. Kuklo continuou.

— Daí ela chegou e perguntou: você é amigo da minha filha, né? Aí, eu falei: sou sim, a Rosa tem muito amigo homem aqui. Tem o Hugo, o Ivo, o Félix, o Kai… Mas não adiantou. Ela me chamou de canto e falou: olha aqui, eu sei que você tá todo estropiado desse jeito porque você pisou numa bomba, não foi? Aí, eu não tive como negar. 

— Caramba, Kuklo! Ela falou desse jeito mesmo?

— Desse jeito mesmo! Foi então que ela me catou de vez e falou na lata: eu sei que foi um dos amigos da Rosa que convenceu ela a se efetivar no exército. Eu não sei quem é o pilantra, mas eu vou pegar quem foi e, se acontecer alguma coisa com a minha filha, ele vai se ver comigo!

— Caraca, maluco! A mulher te ameaçou mesmo?

— Você entende o meu medo? Se ela puxar minha ficha, vai tá lá: Kuklo Munsell, serviu no Afeganistão no mesmo ano que Rosa Carlstead e tá, tá, tá… É difícil, viu?

Kuklo terminou seu copo de cerveja e apoiou a cabeça com as duas palmas da mão na testa. Cardina terminou seu copo e colocou a mão no ombro do amigo.

— Hey, cara. Você me disse que o seus pais eram amigos. Ela não te reconheceu não?

— Eu era moleque naquela época, ela nem devia saber quem eu era, mas minha mãe chorou que nem uma louca no caixão e todo mundo se lembra disso. O general Jordi Piqué nem quis assinar a minha permissão pra ir pro estrangeiro por conta disso. Ele conhece a minha mãe… Ele só deixou depois de falar pessoalmente com ela e garantir que eu ficaria em segurança… 

— Eu te entendo, meu parça! Mas acho que a Rosa tá certa. Você tem que falar com ela. Não dá pra continuar mantendo segredos… 

— Eu sei, eu sei… — disse Kuklo, se levantando da cadeira. Cardina fez o mesmo e acompanhou o amigo. — Por hoje, eu quero chegar em casa e descansar.

— Na barraca?

— Na nossa cama, infeliz! 

— Ah… — disse Cardina, achando graça.

— Você perde o amigo, mas não perde a piada, né?

— Pois é, cara. Não tem como não achar graça disso, até imagino a cena… 

— Eu vou conversar com a Rosa hoje e… Amanhã, sem falta, eu vou encarar a fera. Dona Maria Carlstead que me aguarde! — disse Kuklo, com o olhar decidido.

— Cuidado pra ela não te comer vivo e te esmagar que nem um titã! — disse Cardina sorrindo. Kuklo fechou o olho e tentou ignorar.

— Vamo embora, vai… 

 

Continua… 

 


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