Entre Nós escrita por unalternagi


Capítulo 2
Temos que falar sobre Rosalie: medo de tudo


Notas iniciais do capítulo

Prontxs para conhecer a Rose?



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Temos que falar sobre Rosalie: medo de tudo

De acordo com o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, cerca de oitocentas mil crianças desaparecem a cada ano nos Estados Unidos - cerca de duas mil por dia. Desses, há cento e quinze casos de "sequestro desconhecido" a cada ano, o que significa que a criança foi levada por uma pessoa desconhecida.

Rosalie Lilian Hale entrou nas estatísticas aos nove anos de idade. Antes do que o habitual, seu nome e foto já estavam no sistema, a razão era por ela ser filha de um homem muito influente.

Seu pai, Caius Hale era um conhecido banqueiro da Califórnia, com alguns bilhões declarados. Tomaram sua filha como uma prioridade máxima, mas o sequestro todo foi muito bem armado, então tudo o que puderam fazer pelas semanas que se seguiram foi esperar uma ligação ou movimento dos sequestradores, todos estavam certos de que fora uma abdução visando extorquir dinheiro dos Hale.

O grande problema dentro daquilo tudo foi que o crime foi realizado por razões passionais e o dinheiro do banqueiro era o que a pessoa menos queria, sendo assim, Rosalie ficou por anos desaparecida.

Balançou a cabeça tentando sair de todos os pensamentos pouco interessantes que lhe rondavam a mente. Tomou como distração a escolha de uma roupa bonita para vestir já que iria para a ONG.

Parecia irreal, às vezes, principalmente depois dos pesadelos, que Rosalie estivesse naquele belo país. A Dinamarca lhe brilhou os olhos assim que pesquisou sobre os países mais seguros do mundo, não foi difícil para ela convencer seu pai a deixa-la partir, claro que com ele controlando cada respiração que ela dava.

Era um sonho virando realidade ter aquele espaço para abrigar mulheres que necessitassem, ainda mais, poder oferecer-lhes apoio psicológico.

Foram muitos anos de dedicação e muita força de vontade, mas Rosalie sentia que sua faculdade de psicologia em combinação com a abertura de seu próprio espaço a fizera realizar os maiores sonhos que não sabia que tinha, mais que isso, as duas coisas tinham sido passos importantes para a recuperação dela própria.

Próximo a completar o primeiro ano da organização, ela já sentia orgulho das mulheres que foram atrás dela e estavam começando a se desvincular de relacionamentos abusivos ou se curando de situações traumáticas. Naquele dia não tinha nenhuma paciente, mas diariamente era dia de ir para a ONG, era algo importante que ela gostava de fazer.  

O carro blindado com vidro escuro deixou Rosalie em frente a seu local de trabalho, ela sorriu quando seu segurança pareceu inseguro de deixa-la ali.

—Não seja acriançado, Afton, sabe bem que eu estou bem aqui – ela falou pegando sua bolsa, abriu a porta do carro e voltou a olhar para o amigo – Não lhe deixo ficar porque algumas mulheres podem se sentir intimidadas com uma presença masculina logo na porta da casa – explicou não querendo que ele pensasse que ela não gostava de sua companhia.

Tinha alugado uma casa no centro para ser a sede de seu negócio e a adorava. Era bem ampla e arejada e ela e Tia cuidaram de todos os detalhes para que ficasse bonita e aconchegante o bastante. O sistema de segurança que todos os seguranças dela, com a ajuda de Tia tinham instalado era de última geração e, Rosalie pensava com humor, que o local era mais seguro que sua própria casa.

—Quando Tia volta mesmo? – ele perguntou desgostoso e Rosalie riu.

—Mês que vem ela já chega – ela contou e ele assentiu.

—Certo, Srta. Hale, estarei por perto quando quiser voltar para casa – o homem alto falou e ela sorriu agradecendo, saiu do carro apressada e logo entrava na casa que era seu escritório.

Trancou a porta e teve a certeza de ativar o sistema de segurança. Sorriu ao acender as luzes. Tia normalmente ficava na recepção, Rosalie sentia falta dela, mas sabia que a amiga vivia um momento mágico de sua vida, por isso, não deixou a saudade a arrebatar, apenas foi até o andar de cima, organizando alguns papéis.

Próximo ao horário de almoço Afton ligou para ela, perguntando o que ela gostaria de comer e ela pediu marmita de um restaurante que gostava, Afton não demorou a chegar à recepção com tudo o que ela pedira, ele tinha uma chave reserva e a usara.

—Srta. Hale, já cheguei – Afton avisou no andar de baixo.

—Oras, suba aqui, ingênuo.

Afton sorriu ao escutar a risada melodiosa no andar de cima. Seguiu o som com calma, adorava quando a patroa estava de bom humor como naquele dia.

—Comprou tudo? – ela perguntou quando ele apareceu em sua linha de visão.

—Claro.

—Ótimo, espero que não tenha almoçado porque pedi por nós dois – ela contou sorrindo e foi seguida até a pequena cozinha que tinha ali.

Afton não era cego, enxergava a beleza arrasadora da chefe dele. Rosalie era uma mulher com um corpo muito bonito – resultado de treinos semanais que fazia com Tia e corridas diárias nas quais ele mesmo a acompanhava. Mas o que chamava a atenção era o rosto com feições tão bem coordenadas, quase uma simetria perfeita que, em muitos rostos os deixariam estranhos, no dela parecia que o melhor dos pintores a tinha feito com calma.

Apesar de ter consciência de tudo aquilo, nunca pensaria em Rosalie como algo mais do que a filha do seu patrão. O pai dela tinha uma cláusula muito específica sobre não poderem dar em cima da filha dele em todos os contratos que os seguranças de Rosalie assinavam, nem olhar para ela por muito tempo eles podiam. Havia cláusulas sobre não conversar também, mas essa Rosalie os mandou – terminantemente – ignorarem. Era uma mulher muito simpática.

Ninguém sabia o porquê dela precisar de tanta segurança, a não ser Tia, e a mesma nunca contou a ninguém. Rosalie Hale era uma mulher extremamente misteriosa, mas nunca sombria. Sempre parecia que um lindo brilho irradiava dela, qualquer um poderia ver aquilo.

Almoçaram a meio a conversas bobas e risadas. Afton lavou a louça e então voltou para o centro para resolver algumas coisas. Rosalie se viu sozinha e ficou pensativa, nunca gostara muito do sentimento. Decidiu ligar para sua irmã por videochamada.

Havia uma estatística muito bem conhecida no meio. Se a criança abduzida não aparecesse nas setenta e duas horas seguidas de seu desaparecimento, a chance de ela voltar – qualquer dia – para casa, caia para apenas trinta por cento.

Por anos a família Hale foi acometida com o medo e saudades. No aniversário de quinze anos de Rosalie, ela foi tida como morta e até mesmo uma lápide os Hale fizeram para ela.

Sua única irmã, mais velha – Katherine – era contra tudo o que os pais fizeram, desde esperarem pelas ligações dos sequestradores até a certidão de óbito que foi expedida pelo cartório da cidade, Kate achou um absurdo cada pequeno fragmento daquilo tudo e, sozinha, continuou procurando Rosalie. Contratou um detetive e foi com a ajuda dele que descobriu as mais diversas fraudes de seu pai, naquele ponto já morava no Alasca, longe de toda a podridão da Califórnia.

As atitudes de Kate não foram tomadas como amorosas, pelo contrário, julgaram-na como se fossem por remorso. Muitos conhecidos culpavam Katherine Hale pelo desaparecimento de Rosalie.

Ambas tinham saído para um dia na praia, Kate se distraiu com o estudante de intercâmbio e tirou os olhos de Rosalie por dez minutos. Dez minutos que lhe custaram dez horas, dias, semanas, meses e então anos.

Kate nunca se perdoou, por isso nunca deixou de procurar pela irmã.

Se soubessem que, dentre todo mundo, só Kate poderia ser tão vítima quando Rosalie, decerto teriam sido mais gentis com ela.

A abdução de Rosalie foi algo muito bem pensado e idealizado, foi um plano de anos e, mesmo que a garota estivesse dentro de uma sala do pânico, a pessoa por trás de tudo teria conseguido chegar até ela.

Kate era uma mulher quase tão linda quanto Rosalie. Era oito anos mais velha que a irmã, mas a diferença ficara quase nula com o passar dos anos.

Ainda mais depois do retorno de Rosalie.

Kate não estava online, então Rosalie escreveu um e-mail para ela, demonstrando seu desgosto pela falta de disponibilidade da irmã mais velha. E daí que viviam em fuso-horários diferentes? O que custava deixar um computador sempre disponível para o caso de Rosalie ligar.

Alasca para a Dinamarca... Dez horas? Rosalie corou ao pensar que fora burra com a falta de pensamentos, sempre se esquecia de contar o horário. Deveria ser três da manhã para Kate, as crianças deveriam estar dormindo e ela também.

Rosalie começou a navegar pela internet. Arrumou algumas coisas nas redes sociais da ONG.

Não aguentando ficar parada, logo se levantou quando aquilo não foi mais o bastante para mantê-la concentrada, então colocou uma água para ferver, faria um chá para si mesma, quem sabe assim o tempo não passava um pouco mais rápido? Terminava de coar o chá quando escutou a campainha tocar e, no alto-falante ao lado de sua mesa, ela respondeu antes de puxar a imagem do vídeo de segurança.

—Pois não – atendeu distraída, puxando as imagens.

Boa tarde, gostaríamos de conversar com a senhorita Hale— a voz máscula desconhecida a fez se retrair.

O plural do sujeito indefinido ainda mais.

—Quem “gostaríamos”? – perguntou mantendo a voz firme.

Não conseguiu enxergar grande coisa pela câmera de segurança que pegava os visitantes de cima. Era um homem bem alto e uma mulher com uma estatura pequena, não sabia o que pensar daquilo, era muito difícil homens procurarem a ONG, pensou que só poderia ser engano.

Sou Emmett McCarthy e...

Emmett.

Rosalie— uma nova voz chamou a tirando de seus pensamentos. Era feminina e parecia tão conhecida – Rose. É você mesmo?

Rosalie arregalou os olhos se aproximando da tela do computador. Não poderia acreditar que era mesmo ela. Ficou meio confusa, tirou os sapatos de salto e desceu apressada as escadas, surpresa demais para sequer pensar em pegar algo ou responder a eles, parou na escada pensando se liberava a entrada deles pelo botão, mas tinha um na recepção, não?

Correu para a mesa de Tia e olhou ao redor. Como ela fazia com todas as aquelas informações? Rosalie era uma mulher esperta, mas no momento sua mente estava desconectada com seu corpo. Pensou em voltar para o escritório para ver de novo a mulher, tentar enxergar, mas nada seria melhor do que a ver pessoalmente depois de todo aquele tempo.

Quase bateu a cara contra a porta, começou a girar a maçaneta pensando o porquê da porta não abrir e se sentiu uma burra quando se lembrou da chave em sua gaveta. Deu um soco na porta pensando que queria que fosse seu próprio rosto, tamanha fora sua burrice.

Olá— escutou a voz abafada do homem.

Emmett. Lembrava-se dele. Foi o policial que as salvou, o viu uma ou duas vezes, no máximo, mas Tia sempre lhe contava histórias engraçadas do homem.

—Não saiam daí, eu esqueci a chave no andar de cima – falou tentando não demonstrar na voz como era burra.

Sem esperar por respostas, ela voltou correndo para seu escritório.

Chaves... Chaves... Olhava ao redor tentando lembrar. Gaveta. Chaves! Comemorou mentalmente ao achar o molho de chaves que ela usava.

Desceu apressada e, finalmente, abriu a porta dando de cara com o homem forte com a feição conhecida, sorriu simpática para ele, mas não era para ele que ela queria olhar, virou-se para Marie a vendo tão parecida com suas memórias, ao mesmo tempo em que parecia tão diferente. Estava tão adulta. Sentiu o sorriso crescer involuntariamente em seu rosto, certa nostalgia a abraçando.

—Marie? – falou como que para ter certeza no que seus olhos tentavam lhe mostrar, a respiração vindo com dificuldade, mas ela não se importou – É você, eu sei que é. A sua voz... – sua voz morreu ao reparar a emoção da garota.

Ela mesma queria se debulhar em lágrimas, mas tudo o que conseguia fazer era sorrir. Sonhou por tanto tempo com o momento em que elas se reencontrariam e ela pudesse ter certeza plena de que a garota estava bem. E ela estava, e tão bonita.

Os movimentos ainda eram contidos, nunca foram muito de se tocarem, mas naquele momento a ânsia de sentir se ela era verdadeira assolou Rosalie e, por isso, se apressou em segurar a mão de Marie que sorriu. As mãos das duas sempre se encontravam quando estava na cabana, era como se passavam segurança, como diziam uma a outra que estavam bem e, naquele momento, o aperto forte recebido e enviado era toda a confirmação que Rosalie precisava.

Marie estava bem, ela também estava, ainda melhor ao vê-la. Era tão estranho. Depositou um beijo singelo na mão de Marie antes de dar espaço para os dois entrarem na sua ONG. Apressou-se para o andar superior, contente que tivesse algo para oferecer para eles. Os deixou confortáveis na poltrona e os ofereceu o chá, adoçou com mel e voltou lhes entregando xícaras antes de pegar a sua própria.

Tudo parecia um estranho sonho.

Tomou um gole de chá pensando se o líquido quente apaziguaria a garganta dela que arranhava com a emoção de se reencontrar com Marie.

—Estou muito surpresa, não mentirei – confessou ao perceber que ninguém falaria nada, antes dela dizer – Parece tão estranho que estejam aqui, ainda mais juntos assim – observou apontando para os dois.

Havia os visto de mãos dadas, imaginou se estavam juntos e tentou pensar se sabia a idade do policial.

—Fui atrás do agente Swan quando vi tudo sobre Mary – a voz de Marie a tirou dos devaneios e, antes de se sentir feliz por escutar novamente a voz da garota, pensou no que tinha dito.

Tudo sobre Mary.

Rosalie franziu o cenho, completamente confusa com o lado que a conversa tinha tomado. Há tanto tempo não se permitia pensar em Mary.

Dois anos depois do desaparecimento dela, foi quando Rosalie conheceu Marie. Rose estava prestes a desistir de viver, quando a garota lhe deu um novo ânimo. Três anos depois Mary chegou para aumentar o poder do psicopata por sobre as outras duas meninas. Era doentio, pesado e preocupante, mas Rosalie desenvolveu um instinto de proteção, o mesmo que Marie também tinha e, juntas, protegiam Mary que era mais vulnerável aos ataques de fúria do responsável.

Quando Mary foi levada, um grande vazio atingiu os peitos de Rosalie e Marie. Elas não puderam se despedir e, por semanas, sentiram o desespero de pensar na garota morta. O homem, querendo manter aquele elo de medo e proteção forte nas duas, mostrava fotos de Mary, entregava-as anualmente duas fotos da garota que crescia linda.

Rosalie guardava todas pelas paredes da cabana abandonada. Conversava com Mary sempre. Marie começou a visita-la nas madrugadas. Trazia comidas e remédios quando Rosalie precisava. Sempre cuidando da loira que era tão maltratada.

Já estava contentada com sua vida e sentia que não sobreviveria depois do último acontecimento. Sentia-se fraca e quando o psicopata a deixou, novamente, sozinha na cabana, Rosalie sentiu, aos poucos, a vida se esvair de seu corpo.

Foi quando o agente Swan apareceu e a deixou respirar um ar fresco que a fez sofrer nos primeiros minutos. Era puro de mais para alguém que havia respirado poeira e umidade pelos últimos dezessete anos.

Quando acordou novamente estava sozinha em um quarto branco e ligada a inúmeros fios. Desesperou-se e sua alta frequência cardíaca alta foi o que chamou a atenção das pessoas do lado de fora do quarto. Foi quando ela conheceu Tia.

Ela tomou consciência das pessoas a sua frente. Respondeu o que lhe foi perguntado, mas foi categórica ao dizer o que achava da ideia de Mary estar viva. Para Rosalie era apenas irreal. Ela e Tia conversaram muito sobre aquilo, ela tinha feito a paz com a morte de Mary.

E foi com a obsessão pela rejeição das ideias que ela levou o choque ao ver a foto de sua antiga conhecida numa página de revista.

Não leu uma só palavra antes de se afastar da revista, as coisas que revivia era demais para si. Queria chorar, mas simplesmente não conseguia, nada parecia real, mas a explicação calma e clara de Emmett a fez entender uma simples coisa: Mary corria perigo de vida.

E já não importava que Rosalie a tinha tido como morta por anos, naquele momento sabia que ela estava viva e não aceitava a perder novamente.

—Temos que ajudá-la – falou rapidamente – Ele não pode ficar sozinho com ela, ela é pequena – completou, desesperada.

Os quinze anos se comprimiram naquele singelo momento para Rosalie. Mary ainda era a garota de oito anos, ela sabia daquilo.

Por anos, o pânico foi presente na vida de Rosalie, ela lutou bravamente contra ele desde que saiu do cativeiro e pensara que o tinha vencido, mas não sentia mais tanta certeza enquanto pensava na pequena Mary.

Rosalie ainda sentia medo de tudo.

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Em Cima do Muro


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Notas finais do capítulo

Muito provavelmente amanhã tem capítulo novo em "Em Cima do Muro" espero ver - quem estiver acompanhando - por lá.

Não esqueçam de comentar o que acharam do capítulo e o que pensam dessa história toda.