Rainha de Vidro escrita por William de Assis


Capítulo 3
3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/784362/chapter/3

O AZUL NÃO DEVIA ser a nova cor do sangue das pessoas.

Quando pequena, adorava pintar o céu azul na creche do Éden e fingir que anjos deixavam suas marcas nas nuvens, mas agora, mesmo em sono profundo, fico me perguntando por que meu sangue está azul? Por que na noite de vinte e quatro de Dezembro, minha mãe sangrou azul como os nobres e por que ela se jogou do pico da montanha chionne?

Perguntas que não pareciam ter respostas, respostas que eu teria que procurar mais tarde. Ou não, afinal de contas tudo era apenas um sonho. Um sonho que revivi tantas vezes que quando finalmente acordei achei que os sinos de Galapos fossem apenas para indicar que os moradores do Éden finalmente estavam vindo atrás de mim com as foices do campo nas mãos, mas não. Eu estava enganada, mas queria não estar.

Suspirei aliviada. Meu coração saltou do peito tão forte, que me obriguei a olhar ao redor para ter certeza que ainda estava num dos quartos da igreja; a frustração veio logo em seguida, apesar de ainda estar em meu quarto, todo meu corpo parecia diferente. Os cabelos ainda mais ondulados que o normal e a cor aver4melhada tão intensa que ofuscava o novo azul de meus olhos. O tom avermelhado que deveria marcar meus pés estava azul, eu estava quase sem cor, parecendo um cadáver ambulante, porém, bonita como uma nobre, não como uma camponesa do Éden.

Meus olhos deveriam estar inchados, mas não estavam, minhas costas ainda tinham marcas do chicote do dia anterior e parecia sangrar bem pouco. Eu estava nua sobre a cama e mesmo assim algumas roupas haviam sido separadas para mim.

Os sinos tocaram outra vez, o cheiro do café da manhã invadiu meu quarto e deveria fazer minha barriga roncar como em todas as manhas, mas nada aconteceu. Havia uma bandeja prateada por cima da minha cômoda. Alguns sanduíches estavam cobertos e pelo que parecia, a porção que deveria pertencer a Jeon havia conseguido uma nova dona, eu. Eu olhei para os sanduíches e não senti fome alguma, pelo contrário, os quatro sanduíches embalados no plástico me davam uma sensação de enjoo tão forte que me obrigou a esconder meu rosto sobre a manta por alguns segundos.

— Só não estou com fome agora. — respondi, mais ter certeza de que meu corpo ainda funcionava corrente, porque a alternativa parecia ser bem pior.

Sinos tocaram outra vez.

Sorri animada, os soldados deveriam chegar hoje. Lee estaria aqui logo e então poderíamos esquecer a ideia de ficar no Éden pelos próximos três meses.

Joguei os lençóis brancos pro alto e usei a que a igreja tinha emprestado. Parecia muito com o vestido branco rasgado no chão, mas as cores estavam diferentes, verdes e negras, cores que chamavam atenção por onde um camponês passasse, cores que pertenciam apenas aos deuses da nobreza.

Mesmo descalça, corri pelos corredores da igreja, o som da risada das crianças ecoava pelo hall do segundo andar enquanto gritos e lágrimas vinham do primeiro. Os sons de caixões sendo jogados no chão eram tão altos que que cogitei parar de correr e apenas observar das poucas janelas que tinham, mas não, fui teimosa o suficiente para invadir a multidão do lado de fora a tempo de escutar a marcha.

— O que os nobres estão fazendo aqui? — perguntavam entre si.

Eu forcei meu caminho entre eles, passei por baixo de alguns e cheguei a gritar para que outros dessem passagens até que eu finalmente conseguisse ver a marcha dos nobres. Soldados do palácio marchavam com lanças e escudos nas mãos. O capacete e máscara negra impediam que o rosto fosse visto, a pouca armadura que usavam não servia para cobrir os ferimentos das batalhas e o dorso parecia coberto apenas por couro negro.

— O que aconteceu? — perguntei para a primeira pessoa que apareceu ao meu lado, mas ela nada disse.

Soldados camponeses se escondiam atrás das mulheres, mães se agarravam aos jovens que tinham voltado da primeira guerra. Procurei Lee ao redor, mas ele não parecia estar lá. Meu coração acelerou ainda mais, a marcha se arrastava e não parecia ter fim.

— Alguém viu meu irmão? — perguntei.

O silêncio ainda era o mesmo, mas o medo no rosto deles era evidente quando a marcha diminuía o ritmo para que o rei passasse em seu cavalo junto sua família e Lee ao lado deles como se fosse um deus.

— Que porra é essa? — um dos camponeses perguntou ao meu lado.

— Aquele não é o filho da Morgana? — sussurrou uma mulher.

O som dos sussurros aumentava cada vez mais e por alguns segundos me senti como uma formiga no meio de gigantes. Lee estava ao lado da família do rei como um igual... Como? As fardas de guerra tinham sido substituídas por um terno azul, exatamente como os filhos do rei, ele montava em um cavalo, parecia um príncipe.

Os cabelos negros estavam um pouco maiores desde a última vez que nos vimos, ele não também não demonstrava estar feliz ali em cima, alvo de todos os olhares e comentários.

— O que aconteceu com você? — sussurrei.

O céu estava nublado, o som da marcha havia parado e até mesmo os sussurros tinham parado. Toda a família real estava parada no Éden, na frente de centenas de camponeses que os odiavam e estavam dispostos a morrer se levassem um deles juntos e pior de tudo, Lee poderia ser um possível novo alvo.

O rei desceu de seu cavalo, calmo e com um semblante pesado em seu rosto, a rainha nos olhava com desdém, como se nossas casas e roupas lhe dessem nojo, os príncipes nem ao menos se davam ao trabalho de nos olhar; eram três ao todo, dois tão parecidos e ao mesmo tempo diferentes, o primeiro, de cabelos negros, cumpridos e ondulados e tatuagens por todo seu corpo, a camisa branca do terno estava entreaberta mostrando partes do dorso que só tinha visto em Jeon, ele parecia rebelde e mantinha um sorriso estranho em seu rosto, um sorriso que me fazia sentir medo apenas por vê-lo; o segundo, parecia mais tímido, o rosto corava em azul e nem os cabelos cumpridos e escorridos conseguiam esconder o quão desconfortável ele parecia estar; o terceiro era diferente, tinha os cabelos castanhos como o rei, os olhos azuis brilhavam intensamente no rosto mestiço que ele tinha, o único entre todos que realmente parecia humano.

Uma longa tatuagem aparecia em seu pescoço e sumia por entre o terno azul, a espada na bainha brilhava mesmo com a pouca a luz e diferente dos irmãos, ele parecia apreciar a decoração do Éden.

Mesmo assim, ao nossos olhos, eles eram os deuses que governavam  Avalon.

— É assim que recebem seu herói? — perguntou o rei. — É assim que recebem o rei e sua família?

Meu coração saltou no peito por alguns segundos. Outros membros da família real chegavam em seus cavalos, mas riam entre si como se os camponeses do Éden fossem uma piada. Princesas e príncipes, membros da corte real, todos vinham em direção ao Éden em suas carruagens que diferente das histórias que diziam ser puxadas por cavalos, na verdade eram grandes carros que deixavam suas marcas na estrada de terra.

— Ajoelhem-se! — ordenou o rei.

Os cabelos negros do rei não pareciam tão cumpridos, diferente da barba. Ele ainda usava das mesmas fardas que todos os soldados e acho que acabaram de chegar todos juntos.

Não, era impossível! Aprendi na escola que os nobres nunca se misturam com a plebe.

— Majestade, isso não é necessário — disse Lee, pela primeira vez.

Ouvir a voz dele me acalmou um pouco, o tom calmo e passivo me fazia lembrar que apesar dele estar perto dos deuses, Lee ainda era um humano igual a todos nós.

— É claro que é, vocês não reconhecem o herói que deu fim à guerra — disse o rei sorrindo. — O soldado Lee, sozinho foi até as linhas inimigas em seu primeiro ano, resgatou meu filho, o príncipe herdeiro e trouxe a chave da nossa vitória, que foi usada recentemente, após cinco longos anos.

— Majestade, por favor! O povo do Éden precisa festejar o retorno dos filhos, hoje é um dia importante — disse Lee. — Seguimos... — ele sussurrou, parecia cansado. — Seguimos para o castelo.

O rei olhava para o povo do Éden com raiva, mas para Lee, com medo. Estava claro em seus olhos.

— É claro! — o rei coçou a longa barba pensativo.

Os soldados nobres viraram-se rapidamente. Alguns velhos se ajoelharam por medo, os soldados do Éden se ajoelharam por medo e a grande multidão ainda continuou em pé, eu estava junto deles, incapaz de me mover enquanto Lee não olhasse para mim.

— Está tarde, meu amor! — disse a rainha do cavalo. — Nossos filhos acabaram de vir da guerra, o senhor acabou de voltar da guerra e marchamos desde cedo para trazer o herói de volta para casa.

— Bobagens! Ficaremos na casa do herói de guerra e então marcharemos para o palácio pela manhã, após o grande anúncio do casamento, até lá! Comecem logo a porra da festa.

E então o rei andou pela multidão raivosa, os sussurros começaram outra vez, a tensão aumentou entre o povo do Éden, o rei provavelmente não viveria para ver o dia de amanhã se continuasse com toda essa arrogância, mas então ele parou, levantou uma senhora idosa, lhe deu uma moeda de ouro e seguiu em direção aos caixões na igreja de Galapos.

— Perdoem meu pai — disse o príncipe herdeiro. Não tão autoritário, não tão manso, mas do seu jeito nobre de se importar com as pessoas. — Acabamos de voltar do campo de batalha, a guerra acabou, os domadores de dragões foram derrotados. Em breve, virão até aqui para assinar o tratado de paz.

— Como? — perguntei pela primeira vez. Autoritária como o rei, rebelde como uma camponesa e corajosa como meu irmão sempre era. — Como derrotaram os domadores de dragão?

Os príncipes riram entre si, não o príncipe herdeiro, mas os outros dois no cavalo pareceram animados ao ouvir o ar ser rasgado. Um rugido ecoou de longe e obrigou a todos a ficarem de pé, fogo surgiu dos céus e dele, um gigantesco dragão planou acima de nós.

Os soldados apenas continuaram abaixados, diferente das mulheres que agarraram os filhos e correram; os gritos voltaram e Lee apenas seguiu o dragão com os olhos, enquanto o mesmo pousava em cima do telhado da igreja e rugia para todos como se fossemos formigas.

As palavras do padre voltaram a minha cabeça, mas não, não consegui correr, eu estava imóvel diante de tudo, eu estava com medo, mas então senti mãos fortes segurarem minhas costas e a dor das chicotadas voltaram ainda mais fortes. Eu achei ser Lee me impedindo de correr e então me virei assustada, somente para dar dois passos atrás. O príncipe herdeiro estava bem ali, parado em minha frente como um dos novos deuses desse mundo.

Seus olhos pareciam sérios, mas me obriguei a olhar de volta para o chão. Senti minha cabeça doer um tempo e então passar tão rapidamente que quase cai se não fosse pelas mãos do príncipe.

Apesar do que diziam, os cadáveres ambulantes tinham calor e não, eles não pareciam monstros.

— Sempre o Velaryon! — sussurrou um dos príncipes no cavalo, aquele com as tatuagens e camisa aberta. — Sorria um pouco mais, assim você não assusta as pessoas que não estão acostumadas com seu mau humor.

O príncipe herdeiro se virou para o irmão como se desejasse mata-lo e então seguiu na mesma direção que o rei. Lee desceu de seu cavalo, colocou os braços ao meu redor e me apertou com força. Senti minhas costas ficando molhadas outra vez, provavelmente estava sangrando, mas não sentia dor. Eu coloquei meus braços ao redor de Lee e observei enquanto ambos os príncipes me olhavam como se esperassem alguma reação diferente vinda de mim.

Eu não gostava do olhar que eles tinham em todas as pessoas do Éden. Parecia com o da rainha, mas a mesma ignorava a todos enquanto ia em direção as carruagens.

— Precisamos conversar — sussurrou Lee em ouvido.

Ele me soltou e sorriu, depois olhou para o azul em sua mão e ficou sério outra vez. Retirou o palito azul e jogou sobre meu corpo; não é como se eu estivesse tão frio, mas as pessoas não poderiam me ver assim e acho que Lee concordava com isso.

— Sozinhos! — sussurrou outra vez.

— Estão liberados! — disse o príncipe com as tatuagens. — Vou atrás do meu pai.

Lee passou a mão pelas minhas costas e seguimos de volta a igreja.

O salão estava cheio de mães chorando, os caixões enfileiravam o altar dos deuses. Flores avermelhadas enfeitavam todos os assentos, o som dos sinos tocando alto finalmente indicavam que o enterro começaria dentro de algumas horas e então poderíamos finalmente começar a festejar o fim da guerra.

— Vamos pro seu quarto! — sussurrou Lee.

Padre Phillipe acenou de longe, mas não teve uma resposta agradável, atrás de si, um caixão de madeira estava aberto e ainda sendo decorado, um porta-retrato com a foto de Jeon havia sido posto ao lado, mas ainda faltava o corpo.

Senti minhas pernas quase cederem por alguns segundos e pensei até em sentar junto das mães que perderam alguém, mas não, a risada do rei vinda do segundo andar me despertou para nossa cruel realidade. William Orins, o deus rei e Velaryon Orins, o príncipe herdeiro, observavam do segundo andar. O rei ria apontando para alguns retratos dos soldados, o príncipe, entretanto, olhava para todos os lados como se procurasse alguém.

Lee e eu os alcançamos rapidamente, mas não paramos para conversar, eu olhei por cima do ombro, o príncipe estava nos olhando enquanto o rei gritava:

— Aquele ali, se mijou na primeira vez que viu o exército vindo contra nós.

E então voltava a rir.

Lee e eu atravessarmos o corredor mofado calmos, eu ainda olhava para o chão, seguindo as linhas do assoalho até finalmente estar de volta ao meu quarto.

Branco, sem muitas cores e completamente bagunçado com livros por toda parte.

Ali estava quente, a janela estava fechada, o cômodo tinha o mesmo cheiro de mofo que eu sempre odiava, mas agora tinha um diferencial enorme, o quarto parecia menor com mais uma pessoa ali. Jeon! Geralmente sempre jogávamos jogos de azar aqui; nós éramos obrigados a esconder em baixo da cama e até hoje nunca fomos pegos pelo padre... agora não seremos mesmo, ele morreu.

— O que aconteceu com suas costas? — perguntou Lee retirando o palito.

Me coloquei na frente do espelho. O sangue havia manchado o vestido; nada que eu não conseguisse resolver com outra roupa.

— Chicotadas! — sussurrei. — Mataram o Jeon! — disse de forma tão calma, que cheguei a realmente pensar se Jeon era realmente importante para mim. — Por que meu sangue está azul?

— Eu deveria estar fazendo essa pergunta — respondeu ele. — Quem mais sabe sobre isso? Quantos viram você sangrar?

— Todo o Éden suspeita, mas o padre está encobrindo tudo — respondi. — Eu estou de luto Lee! Por que parece tão irritado?

Ele agarrou meus braços e me sacudiu.

— Estou tentando proteger você, como papai pediu pra eu fazer — respondeu ele.

Acho que ele estava irritado e eu estava começando a ficar com raiva da nossa verdadeira situação.

— Está fazendo um excelente trabalho, herói de guerra — disse. — Você tinha um dragão? Por que não me contou?

Ele andou pelo quarto e então parou de frente a porta. Irritado, Lee socou com tanta força que fez um pequeno buraco bem ali.

— Eu não tinha escolha. Não era como se todos no exército soubessem — respondeu ele, tirando a mão da porta. — Catherine precisa confiar que tudo que fiz, foi pra te manter segura.

Suspirei e andei até ele. Nossos olhares se encontraram por alguns segundos e então ele saiu de perto como se tivesse medo de mim.

— Minha aparência te assusta tanto assim? — perguntei. — Estou tão confusa quanto você.

— Eu saí há nove meses e você tinha outra aparência, não parecia uma garota da elite. Mas não, eu nunca teria medo da minha irmãzinha.

— Até ontem eu era vermelha e agora sou azul. Não sei por que, não sei como e também tenho medo de descobrir as respostas, mas ao invés de me ajudar, você chega irritado, com um dragão e sendo chamado de herói de guerra — respondi irônica. — Quem é você e o que fez com meu irmão idiota?

Ele riu um pouco.

— Acho que falhei miseravelmente nessa tarefa — respondeu. — Papai deve estar se remexendo no túmulo.

— Ele deve ter feito a mesma coisa quando você virou herói de guerra. Como isso aconteceu?

Lee ficou em silêncio por um tempo e então se sentou na cama. Ele jogou o palito por cima das pernas, e então se encolheu na cama como uma criança, exatamente o que fazia quando alguma coisa dava muito errado.

— O que você fez? — perguntei quase sem emoções.

— Eu tinha duas opções — sussurrou. — Eu precisava dar fim à guerra ou fugir como um covarde. Fugir para longe de Avalon, pra um lugar onde o rei e seus homens não conseguissem me encontrar. Então eu fingi ter fugido antes do ataque começar e como se fosse fácil, esperei Avalon encurralar Albim e forcei Astan a matar todos eles.

Uma lágrima escorreu de seu rosto, mas ele não parou, simplesmente continuou falando:

— Eu continuei com o dragão, voando por Albim e destruindo tudo. Matei crianças, homens e mulheres que não tinham a chance de fugir. Encurralei as princesas, enquanto o rei e seus homens saqueavam, matavam e estupravam os inocentes. Mesmo assim, isso não limpou minha barra com eles.

— Então você não tinha duas opções, era tudo mentira — disse.

— Ofereci um cala boca ao rei. Nenhuma vergonha cairá sobre a família dele por minha culpa, ninguém vai lembrar dos boatos do campo de batalha, vão achar que tudo que fiz, foi pensando na minha irmãzinha.

— Em nome de todos os deuses — comecei calma. — O que você fez e por que está com tanto medo?

Ele ficou em silêncio por um longo tempo. O único som ao fundo pertencia as risadas do rei e ao sino do funeral iminente.

— Lee...

— A partir de agora você é a próxima rainha de Avalon — ele disse calmo, mas provavelmente com o coração tão rápido quanto de um cavalo. — Você será pedida em casamento pelo príncipe herdeiro e vai aceitar.

Neguei. Eu faria qualquer coisa pelo meu irmão, mas nunca faria esse papel de me casar com alguém para esconder segredos. Não como mamãe e papai fizeram.

— Por quê? O que você fez? — gritei.

Lee virou-se para mim e com lágrimas, enquanto soluçava ele disse:

— Eu fui pego com o filho da rainha. O enterro dos soldados hoje, foi porque eles sabiam o que tinha acontecido. A maioria dos soldados pensa que foi um ataque surpresa de Albim, os outros suspeitam de alguma coisa, mas não tem voz pra contrariar o rei.

Eu quis abraça-lo, sem nem ao menos pensar duas vezes, mas não pude, estava assustada demais pelo que tinha ouvido. Mas se eu parasse para pensar antes, tudo isso, herói de guerra, a família real aqui, tudo tinha que ter um motivo maior.

— Você me condenou — disse. — E o que eu faço agora? Me caso com ele? Digo que tenho sangue azul?

— Eu vou dar um jeito nisso! — respondeu Lee. — Só quero seu perdão.

Estava pronta para gritar, xinga-lo e até mesmo, estava disposta a deixa-lo sozinho, mas então eu seria uma completa hipócrita. Eu sempre disse que faria chover sangue se fosse para proteger meu irmão e por que me casar seria tão diferente?

— Fica quieto! — pedi quase que que indelicada. —  Desculpa! — sussurrei. — Desde que acordei que não me sinto bem.

Lee pareceu preocupado, mas disse uma única palavra a seguir. As lagrimas de seus olhos continuavam caindo e eu olhava diferente naquela época. Meus sentimentos estavam uma bagunça e eu tinha tantas dúvidas que minhas palavras saiam frias como gelo.

— Eu olho pra você e lembro que faria chover sangue do céu pra nos proteger, mas não consigo sentir firmeza nessa frase, eu ouço que você ficou com o filho da rainha e não me sinto surpresa, até lembro que uma vez, um vizinho do Éden te espancou porque te encontrou na cama com o filho dele, mas não sinto nada — disse calma. — Eu vou te ajudar, só não consigo entender por que estou assim.

— E o que você sente? — perguntou ele.

Me olhei no espelho e notei uma única lagrima escorrendo dos meus olhos, tão gelada que parecia um floco de neve.

— Além do medo.... eu não sinto nada.

— Raiva? Luto? Vontade de chorar?

— Nada Lee. — respondi calma. — Eu lembro que mataram Jeon e tenho vontade de arrancar a cabeça dos outros, mas então lembro que pessoas que eu vi a vida toda, destruíram o corpo dele e não me deram a chance de uma despedida. Estou tão confusa! Não sinto nada.

— Vai ficar tudo bem! — disse ele calmo. — Vamos dar um jeito nisso, juntos

Tentei abraça-lo, coloca-lo em meu colo e dizer que estava tudo bem, mas não tive a chance. Como se estivesse habituada aquele ambiente, a rainha entrou em meu quarto sorrindo, acompanhada de suas damas de honra.

Ela olhou ao redor, talvez esperando que o quarto fosse maior, sorriu de forma sarcástica e então disse:

— Desculpe atrapalhar, mas precisamos conversar.

Lee tirou algumas lágrimas dos olhos e tentou se colocar de pé. A rainha esticou a mão para que ele parasse; as damas se entreolharam e depois olharam pro meu quarto como se sentissem desgosto do local.

— Não se levante herói de guerra! — disse a rainha em seu tom calmo de superioridade. — Na verdade, eu estava falando com a sua irmã.

— Comigo? — perguntei assustada.

— Mas é claro! — a rainha sorriu irônica. — Quem melhor pra explicar as comemorações do dia de hoje?

Eu pensei em mentir e dizer que não estava me sentindo bem, mas não tive essa chance, ela somente apontou de volta para o corredor e esperou até que eu terminasse de vestir o palito de Lee e finalmente saísse da minha zona de segurança ir junto dos novos deuses.

Bati a porta atrás de mim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rainha de Vidro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.