Forever escrita por Saturn san


Capítulo 5
Capítulo 5 - Volta às aulas


Notas iniciais do capítulo

Notei que é um pouco difícil descrever as emoções da Wendy, ao mesmo tempo que quero fazer ela uma personagem introvertida e sem muito o que falar (pelo menos no início da história), também quero demonstrar o lado bom dela, em ajudar, se preocupar e etc. O lado "animado" dela sabe. Haha, é um pouco difícil, mas aos poucos estou montando ela e a conhecendo melhor. Espero que tenham carinho por ela e pelos outros personagens tanto quanto eu tenho.
Aproveitem o capítulo e boa leitura! ;)
P.S: Leiam as notas finais.



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Não conte para ninguém.
 Aquelas palavras simplesmente não saiam da cabeça de Wendy, quando voltava a imagem daquela noite na festa, onde ela encontrou seu irmão beijando um garoto. Wendy não sabia o que a surpreendia mais. Seu irmão beijando outro homem. Ou o fato de Anthony ter traído Lana. Ambos deixavam ela confusa, nervosa, sem saber como processar tudo aquilo. Ela lembrava dos gritos histéricos da mãe quando chegou bêbada e tonta em casa, trazida por Anthony, enquanto a despiam de jogavam em uma ducha gelada no banheiro. Anthony ficou do lado de fora com o pai, enquanto o mais velho calmamente perguntava o que acontecia, e então deu uma lição de moral, dizendo a falta de responsabilidade dele com a irmã.
 Agora, dois dias depois do acontecido, Wendy estava sentada na mesa de jantar com todos. Christine colocou duas colheres de macarronada em seu prato, cheio almôndegas e alface como acompanhamento. Wendy não disse uma palavra aos pais, tanto sobre Anthony quanto ela ter bebido metade de uma garrafa de vinho, ela apenas disse que confundirá seu ponche com uma bebida alcoólica, o que era pior ainda, falta de irresponsabilidade. Mas ela sentia que era melhor assim, do que a versão real. Mesmo sofrendo o castigo de até a volta as aulas ficar sem celular. O prazo acabava no dia seguinte.
Ela mastigava o alface, enquanto seu olhar se perdia em Anthony, sentando à sua frente. Ele não parecia atento à ela, comendo uma almôndega enquanto tinha uma curta conversa com o pai sobre esportes. Sua mente entrou em devaneios; quem era aquele garoto que Anthony beijou? Eles tinham um caso? ...Não, o garoto não parecia feliz com o beijo que Anthony o dava, ele parecia indiferente, quase sem sentir nada com aquilo. Muitas perguntas vinham e iam pela mente dela. Por mais que ela detestasse Lana e Lana a detestasse, Wendy sentia que nem mesmo ela merecia ser traída. Lana podia ser alguém fútil e maldosa, mas amava mesmo Anthony, mesmo que discutissem muito.   Era notável o brilho no olhar dela cada vez que o garoto a beijava ou abraçava. E agora...ele a havia traído com outro cara. Wendy remoía a imagem daquele garoto, seus olhos castanhos afiados e os cabelos negros bagunçados. Ela não se lembrava de o ter visto nos corredores da escola, na verdade ela mal reparava nas pessoas pelo corredores, evitando qualquer contato visual. Mas agora, sua mente ansiava por respostas.
 A partir da hora do jantar, Anthony parecia se esquivar de até mesmo ficar lado a lado de Wendy. Ele até havia se oferecido para lavar a louça do jantar junto à Christine. Wendy notou que uma abordagem agora era inútil, ela deveria esperar ele estar sozinho. As horas passaram lentamente, ela ficou entediada depois que o jornal local passava a terceira reportagem sobre um roubo de carros na região. O pai não parecia diferente, já que parecia louco para pegar o controle remoto e mudar de canal, talvez esportes ou algum filme de ação. Mas Christine insistia dizendo que precisava estar ciente de tudo que acontecia na cidade, ela era uma mulher bem informada -uma maneira mais educada, ao invés dela se referir a si mesma como fofoqueira. Wendy bocejou e subiu as escadas, retirando-se para o andar de cima. Amanhã era seu primeiro dia de voltas às aulas das férias de verão, e ela não estava nem um pouco a fim de se lembrar daquilo.
Seu olhar involuntariamente fixou na porta fechada do quarto de Anthony, pela fresta de baixo, podia-se observar que ele ainda estava acordado. Wendy hesitou, antes de bater três vezes na porta. Aguardando por sua voz.
 - Quem é? - Anthony perguntou.
 - A Wendy. - Saiu mais como um suspiro. - Posso entrar?
 Longos segundos de silêncio, antes de uma resposta.
 - Entre. Mas feche a porta.
 Não foi preciso repetir, ela entrou e bateu a porta tão rápido que parecia estar desesperada. E estava, estava desesperada para falar com o seu irmão. Não queria ser ignorada por ele, a pessoa que ela mais confiava, uma das poucas que a tratava bem na escola, o seu melhor amigo. Anthony a olhou sem dizer nada, antes de se levantar resmungando e se sentar na cama. Ela fez o mesmo, sem dizer nada. Os dois apenas ficaram ali, escutando as cigarras nas árvores do lado de fora, enquanto o canal no andar de baixo finalmente era mudado para um canal de esportes -felizmente para o pai da família.
 - Sobre sexta à noite. - Wendy começou, sem saber bem o que falar. - Não contei e nem vou contar nada. Para ninguém.
 Anthony riu com o nariz, sem mexer os lábios.
 - Eu sei. Você não é de espalhar segredos.
 - Um segredo...
 A palavra dançou pela língua de Wendy, saindo como um murmúrio que Anthony nem teria ouvido, se não estive literalmente ao lado dela. Ele apenas abaixou a cabeça e coçou a nuca, olhando para o lado. Wendy não sabia bem o que dizer, o mesmo parecia acontecer com seu irmão. Os ponteiros do relógio pareciam ecoar pelo quarto, em meio a tanto silêncio.
 - Você é gay? - Ela perguntou, se arrependendo logo em seguida.
 Anthony tremeu seus ombros, tornando-se cabisbaixo. Ela reparou então que suas mãos estavam inquietas, os polegares se esfregando um no outro freneticamente. Um claro sinal de quando Anthony ficava nervoso, ele tinha isso desde criança. Wendy suspirou, pronta para se desculpar ou sair do quarto, xingando-se mentalmente. Ela não queria ter dito aquilo tão descuidadamente ou o deixado sentido-se pressionado, tudo que ela queria é que sua relação continuasse como sempre, que ele voltasse a falar com ela.
 - Eu... - O irmão disse, ainda sem a encarar. - Eu não sei.
 Ela piscou diversas vezes.
 - Mas sexta feira, você e aquele garoto-
 - Ele não teve culpa. Fui eu que pedi.
 Wendy já perdera a conta de quantas surpresas ela teve naquela semana. Então o garoto não era um amante de Anthony? Anthony o forçou? Ela estava confusa, não sabia o que pensar -na verdade, não sabia mais como pensar, sua mente estava uma bagunça.
 - Você pediu? - Perguntou. - Por que, Anthony?!
 - Ele é alguém que conheço há algum tempo, apenas um amigo. Sério. - Suspirou. - Na verdade, ele já sabia sobre essa minha...dúvida.
 Anthony contou um segredo sobre ele para mais alguém que não era Wendy? Espere...ele havia contado para aquele garoto antes de contar a ela. Sua própria irmã. Wendy se sentia traída, até mais do que Lana. Estava pronta para fuzilar Anthony com perguntas, mas ele simplesmente continuou a explicar, mantendo seu tom calmo.
 - Naquela noite, eu queria conversar com ele sobre minhas dúvidas, ele já sabia então não tinha problema. Com medo, eu pedi para testar um beijo nele, eu queria saber se sentia alguma coisa beijando homens. Mas eu estava bêbado e perdi a noção. Para ser sincero, nem lembro como foi. Ele não é homossexual, de certa forma eu que o fiz pressão até ele aceitar.
  Coçou a nuca, sentindo-se sem jeito.
 - Mas quando vi você naquele estado, fiquei com medo. Mais medo ainda por ter me visto. Eu não sabia o que você pensaria de mim.
 - Para mim você continua sendo você mesmo.
 Anthony ficou com as palavras dela. Disse aquilo tão naturalmente, mas era a verdade. Não importava se Anthony gostava de garotos ou garotas, mas ela estava assustada pelo choque, assustada por ele ter a evitado e nunca a ter contado sobre aquilo. Mas estava sendo sincera, amava Anthony, não importava as circunstâncias. Se ele ficou com medo de contar, significava que a imagem dele para Wendy importava muito, ele só estava inseguro, não era algo errado.
 Ele sentiu os olhos arderem e encostou sua cabeça no ombro dela, sem dizer uma palavra. Apenas a abraçou com todas as forças do mundo. Finalmente teve coragem de falar aquilo para alguém da família. Suas dúvidas e segredos, mesmo ainda apavorado, estava aliviado.
 - Eu não sentia mais prazer com Lana. - Ele explicou, afundando o rosto no ombro dela. - Há algum tempo, não sei em que parte do nosso namoro. Eu não a queria mais.
 Wendy deu alguns tapinhas nas costas dele, sem saber como o confortar direito. Mas tentava. Ela sabia que era um momento em que precisava estar ao lado dele e o apoiar, mesmo que ele não tivesse certeza se podia confiar nela antes, agora Wendy não falharia com a confiança que ele depositou nela.
 - Fosse nos beijos ou na cama, eu não sentia mais prazer. - Fungou.
 Oh, certo. Essa parte tão íntima Wendy realmente não precisava saber. Já tinha entendido o recado. Ainda não sabia bem o que falar, mas afastou Anthony pelos braços. Os olhos do garoto as encaravam, a imagem dela torta pelas lágrimas que caiam dos olhos dele.
 - Seu segredo está a salvo comigo. Prometo.
                                                          ♥                     

Já passava das oito da manhã quando Wendy saiu ainda sonolenta do banheiro, os pés esbarrando contra o batente da porta e a cabeça ainda sem saber processar direito, alguns bocejos escapando aqui e ali. As calças jeans um pouco largas nas panturrilhas e o tênis preto desgastado pareciam combinar com sua expressão cansada, o sono fora de hora e a falta de bom-humor para aquela manhã que ameaçava com chuva. Desceu as escadas lentamente e chegou em frente à entrada, pegando a mochila amarela com alguns bottons de animais marinhos, um presente que Anthony trouxe de uma excursão do aquário quando estavam no ginasial. Levou alguns minutos para checar se todos os livros estavam ali e jogou o objeto sobre as costas, passando a alça por um dos braços.
 - Estão em cima da hora. - O pai comentou da mesa de jantar, enquanto segurava uma xícara de café e encarava o relógio de pulso.
 - Anthony dormiu até tarde. - Wendy respondeu, soltando outro bocejo. - E ele ainda queria chegar mais cedo para ver todo mundo.
 - Sempre entusiasmado.
 Alguém buzinou do lado de fora duas vezes, Wendy sabia que era o sinal do irmão para que se apresasse. Ela invejou Emmy, que ainda estava bem quentinha em sua cama e só teria as aulas iniciadas em três dias ou mais. Antes que Wendy pudesse sair, seu pai a chamou.
 - Querida, nesse semestre tente se animar um pouco. - Ele abaixou os olhos para a xícara. - Antigamente você era mais animada com a volta às aulas.
 Ele soluçou, pressionando um lenço contra a boca e parecendo escolher bem as palavras.
 - O que quero dizer é que uma volta as aulas sempre um novo início, uma nova página do livro. Tudo pode ser diferente do que o semestre passado foi, são experiências distintas uma da outra.
 - Eu não sei, pai. - Ela disse. - Não sinto mais vontade de virar "a página".
 Novamente outra buzina, o pai revirou os olhos bufando um "quanta pressa", mas logo sorriu, observando pela janela a figura do filho impaciente dentro do carro, batucando os dedos no volante.
 - Fico feliz que você tenha seu irmão ao seu lado. - Bebeu outro gole de xícara. - Me faz sentir mais seguro.
 Ela abriu a boca para falar algo quando uma terceira buzina veio mais alta e mais longa, Wendy apenas despediu-se brevemente do pai e saiu da casa, cruzando o jardim e se adiantando em entrar no carro e travar o cinto de segurança. Eles desceram a rua com um pouco mais de velocidade, o céu cinzento e com um leve garoa ameaçando qualquer um de sair em uma "linda" manhã de verão. Anthony fechou as janelas e ligou o para-brisa, enquanto a rádio local reportava a todos as novas notícias da manhã. A atmosfera entre eles parecia a mesma de sempre, depois da noite passada nem ele e nem ela tocaram no assunto, mas Wendy não se incomodava, desde que Anthony continuasse o mesmo de sempre com ela, estava tudo bem. O carro passou por casas de madeiras e algumas lojas de comércio, levando a uma estrada com pinheiros e encontrar uma rua que fazia uma curva para cima, levando a um grande estacionamento cercado com alguns arbustos e árvores. O estacionamento da Griffin High School, o nome vindo dos donos da escola, era uma coleção de edifícios de tijolos marrom-avermelhados, que abrigava mais ou menos 800 alunos. Era uma escola bem conhecida na cidade por sua boa educação e ser uma escola existente ali há muitos anos. Mas o que Wendy mais gostava é que ficava distante de sua antiga escola -talvez fosse uma das poucas coisas que ela gostasse ali, na verdade. Eles subiram uma escadaria de cimento que levava do estacionamento até um pequeno campus escolar feito de cimento, em frente a escola, entre o edifício e o ginásio de educação física. Anthony foi cumprimentado pelos colegas do time, enquanto algumas garotas tocavam seu braços e sussurravam algo que Wendy não escutava. Wendy teve certeza que Lana estaria se mordendo de ciúmes se visse aquilo.
 Nada muito diferente nos corredores, Anthony, assim como qualquer sênior ou jogador do time, era bem conhecido na escola, ele parecia conhecer todo mundo. Wendy por outro lado, parecia apenas uma sombra, talvez nem isso, visto que ela e Anthony não ficavam tão juntos na escola. Ela era do segundo ano, ele do terceiro. Era compreensível, mesmo que um pouco chateante.
Eles separaram-se quando Wendy avistou Rachel arrumando algo em seu armário, ajeitando a armação de óculos rosa choque no nariz fino.
 - Como foram as férias? - Rachel perguntou, sempre tão direta.
 - Hum, bem, eu acho. - Wendy contraiu os lábios, o cadeado de seu armário não abria.
 Rachel aproximou-se dela, ficando ao seu lado sem dizer nada. A garota de óculos apertou os olhos e socou algumas vezes no gancho do cadeado, fazendo com que se abrisse. Fora mais ou menos assim que Wendy conhecerá Rachel, no ano passado, quando ela se transferiu e parecia ter uma briga com seu armário, estava atrasada para a aula e ainda era sua primeira semana no colégio novo, Rachel chegou sorrateiramente e explicou o segredo, alguns cadeados estavam velhos demais e enferrujados, o segredo era bater e então girar até destrancar. Desde então, como alguém que a ajudou e boas vizinhas de armários, Wendy e Rachel fizeram amizade.
 - Obrigada. - Wendy deu um meio sorriso, colocando seus livros dentro do compartimento metálico, enquanto puxava outros para fora. - E onde está Cynthia?
 - Disponha! - Rachel respondeu. - Cynthia não vem hoje, ela e os pais acabaram de voltar de uma viagem do campo, ela está exausta.
Agora era Rachel quem travava uma briga contra seu cadeado, socando-o.
 - Eu acho que o zelador deveria ter uma conversa séria sobre esses malditos cadeados. - Ela resmungou. - Diana do primeiro ano quase quebrou uma unha no semestre passado, sabe quantas horas ela consegue ficar reclamando só disso?
 Wendy acenou com a cabeça, não conseguindo prestar muita atenção quando Rachel mudou o assunto sobre o almoço provavelmente ser bolo de carne, e se recusava a comer aquilo justo no primeiro dia de aula, quando a mãe teria feito aquilo praticamente em todos os jantares das férias de verão. Wendy encarou-se de relance no espelhinho do armário da amiga, decorado até demais com plumas ao redor. Os olhos verdes marcavam preocupação e cansaço, sua pele mais pálida do que nunca. Ela entendia que aquelas últimas semanas das férias de verão tinham a deixado sobrecarregada, a cena de seu irmão beijando outro cara pareceu rodear sua mente. Até agora aquilo não a tinha perturbando tanto, mas ao voltar para escola, ela sabia que deveria estar atenta. E se outra pessoa descobrisse aquilo? As pessoas, adolescentes principalmente, poderiam ser bem maldosos. Wendy sabia disso. Além de espalharem boatos que ele teria traído Lana, ainda com um garoto, poderiam distorcer tudo aquilo e transformar em boatos absurdos. Wendy sabia como aquilo poderia se transformar em uma bola de neve sem rumo.
 Rachel fechou seu armário com força, surpreendendo Wendy e a tirando de seus pensamentos. Rachel ajeitou seus cachos castanhos em um coque mal feito, enquanto lutava para colocar um moletom amarelo por cima da regata preta.
 - Qual seus primeiros horários? - Rachel resmungou. - Logo no meu primeiro dia, na terceira aula terei que ficar suando que nem um porco, correndo pela quadra enquanto Sullivan aperta aquele maldito apito.
 - Minha primeira aula é Literatura. - Wendy passou os olhos sobre a cartela de horários, colada em um de seus cadernos. - Minha terceira aula é Biologia, com o... Sr. Thompson.
 Rachel freou abruptamente, fazendo uma careta de desgosto para Wendy e dando tapinhas em seu ombro.
 - Pobre menina. - Rachel negou com a cabeça. - Meus pêsames.
 - Ele não é tão ruim. - Wendy questionou, tendo a imagem do homem roliço em sua cabeça. - Ele só é muito estressado e quase nunca fala, sempre grita.
 - Ele não deixa nem que espirre na aula dele, sério. - Rachel reclamou. - Ano passado ele não me deixou chegar 3 minutos atrasadas na aula, eu não tenho culpa que tive que parar para amarrar meus tênis.
 Wendy revirou os olhos com um riso nasal, sabia que o Sr. Thompson tinha uma certa implicância com Rachel, assim como ela tinha com o professor. Eles terem que dividir a mesma sala era sinal de fogo cruzado. As meninas separaram-se quando o sinal do primeiro horário tocou, fazendo Wendy subir para um andar acima, sendo esmagada pela multidão na escadaria e empurrada contra alguns armários. Um menino ao seu lado teve o pé pisado e xingando todos que passavam, ela arregalou os olhos e apressou-se, tomando cuidando em não ser vista e ter a raiva do duende descontada em si. Era assim que Wendy era, quando não era invisível, procurava em se disfarçar, as vezes ser esquecida pelos outros tinha seu lado bom. Mas fazer o que, os livros de William Shakespeare a esperavam, junto com a professora Russeful.
                                                           ♥
 

No terceiro horário, a aula do Sr. Thompson era no terceiro andar de um dos edifícios, um laboratório com bancadas enfileiras de frente para a lousa, espaço para atravessar entre as duas fileiras. O ventilador não funcionava direito, quase não fazia vento, e na parte direita superior da lousa havia um desenho de gato feito à caneta que não conseguiram tirar, fora isso as paredes, chão e mesas eram bem limpas. Enquanto os alunos chegavam aos poucos na sala, o Sr. Thompson limpava a testa suada com um lenço, o rosto vermelho e inchado, e como sempre veias marcando a testa. Ele sempre estava fazendo uma expressão de desgosto, o cenho sempre franzido e ele resmungava.
 Wendy sentou-se na terceira bancada, no assento para a parede, enquanto vasculhava por uma caneta em seu estojo dentro da mochila. Wendy reconhecia alguns rostos que pertenciam a outras pessoas que tinham aulas junto a ela, outras pessoas ela não reconhecerá ou não nunca notou antes. Melanie passou por sua cabeça, até agora não tinha se encontrado com a garota de aparência nativa-americana, talvez não tivesse vindo ao primeiro dia de aula? Ou estivesse em outra aula? Bem, fazer uma nova amizade e ter outra pessoa no trio de amigas fez Wendy um pouco feliz, mas não poderia ter tantas expectativas.

 


 - Bom dia. - O Sr. Thompson disse rispidamente, enquanto riscava algo na lousa. - Hoje nossa aula será uma breve revisão da nossa última aula do semestre passado.
 Todos cochichavam baixinho, enquanto o Sr. Thompson assoava o nariz no lenço, olhando para a classe com desdém, murmurando algo incompreensível.  Ele suspirou e pegou bandejas de metal que estavam guardadas na gaveta em sua bancada, fazendo com que um aluno escolhido distribuísse para as duplas nas bancadas.
 - Eu já separei as duplas de acordo com a minha escolha. - Ele sorriu. - Não serão as mesma duplinha de melhores amigos do semestre passado, dessa vez eu os escolhi a dedo.
 Todos protestaram, antes do professor continuar.
 - Os nomes estão escritos aqui na lousa atrás de mim, leiam com quem será sua dupla e sentem-se juntos. Sem reclamar ou fazer bagunça.
 Wendy afastou uma mecha que caiu sobre os olhos, colocando atrás da orelha. As pessoas passavam em sua frente, mas conseguiu ver o nome que estava escrito ao lado dela, desenhados sobre a segunda bancada da fileira da esquerda.
                                   Wendy J. Sumner - Noah Buckley


 Noah Buckley. Wendy não se lembrava desse nome em suas aulas anteriores de Biologia, com os horários desse semestre trocados, era normal ter um dois rostos novos, certo? Ela não pensou muito e se moveu para seu assento na segunda fileira, ela ficou logo atrás de Joseph do time de basquete e Kimberly do clube de jornalismo, eles não pareciam muito felizes com a companhia um do outro. Wendy ajeitou-se sobre o banco giratório, ajustando com sua altura. Todos estavam com duplas, menos ela.
 - Senhor Thompson. - Wendy levantou a mão timidamente, sendo observada por outros alunos. - Acho que meu parceiro faltou.
 O Sr. Thompson virou-se para a lousa, consultando os nomes, virando-se novamente. O cenho franzido e resmungando como sempre, as veias mais saltadas do que nunca.
 - Creio que esse semestre te dei o pior parceiro possível. - Resmungou, de novo. - Bom, uma aula sozinha não te matará.
 - Certo.
 Ela só respondera isso, antes de puxar a bandeja metálica com um sapo morto para si, virado de barriga para cima, ao lado da bandeja alguns bisturis, pinças e agulhas. Kimberly reclamou quando Joseph tentou pegar o bisturi sem colocar as luvas, enquanto ele retrucou dizendo que ela que não tinha lavado as mãos ainda, logo a dupla foi repreendida por causa do barulho pelo Sr. Thompson, algumas veias saltando na testa.
 A aula passou-se após uma hora, Wendy finalmente retirou as luvas e recolheu seu material e jogou na mochila, o sinal tocando no corredor e as salas de aula se tornando mais vazias com os alunos que saiam. Wendy passou pela mesa do Sr. Thompson, indo até a porta.
 - Sumner, fique. Quero falar com você.
 Ela parou, analisando a expressão rígida do professor e distanciado-se da fila dos colegas que saíam para a porta. Em poucos segundos, eram somente eles na sala de aula. O Sr. Thompson recolheu uns papéis na pasta, finalmente encarando Wendy.
 - Lamento ter colocado uma pessoa tão irresponsável como seu colega de classe. - Ele limpou a garganta antes de continuar. - Mas esse semestre não deixarei o Buckley fazer o que bem quiser, quando quiser. Muito menos que o parceiro de turma saía prejudicado por ele.
 - Eu realmente não me importo, senhor.
 - Não, acredite, estou fazendo isso mais para ele do que para você.
 Wendy não soube o que dizer, até o Sr. Thompson entregar-lhe um papel. Era um registro do semestre passado que mostrava os alunos presentes e que faltaram nas aulas, Wendy pensou que fosse algo a envolvendo, então procurou por seu nome. Havia apenas duas faltas seguidas, fora da semana que ela teve febre e precisou ficar em casa. Fora isso, estava presentes nas outras aulas.
 - Veja o nome do seu parceiro, o Buckley faltou em quase todas as minhas aulas no semestre anteriores.
 Wendy procurou o nome do garoto, era verdade. Noah Buckley só tinha estado presente em quatro aulas do Sr. Thompson. Ela começava a entender o que o professor alertava.
 - Consequentemente, as notas dele não foram boas ou foram zeradas. Nesse semestre se ele repetir isso, corre o risco de sua parte da nota cair junto com ele.
 - Então esse semestre ele tem que ser mais presente.
 Sr. Thompsom assentiu, o rosto parecia menos rígido agora.
 - Ele costuma vagabundear pela biblioteca com uns amigos, mas não para ler.  - Sr. Thompson concluiu. - Peço que o vá chamar para mim, ele tem que começar a ter mais responsabilidade.
 - Eu o chamar?
 - Sumner, vá buscar seu parceiro.

 Com essas palavras ainda a impressionando, Wendy vagava pelo hall da biblioteca, os ladrilhos sujos de poeira e o som repetitivo do relógio ecoando pelo lugar, junto ao dedos rápidos da bibliotecária teclando no computador, sem parecer se importar -ou notar- com Wendy ali. Quando perguntou pelo garoto, a bibliotecária alta e magrela apenas fez uma expressão de desgosto e apontou com a cabeça para um corredor de prateleiras que parecia não ter fim, os óculos da mulher teriam caído de seu rosto pelo movimento, se não fosse pela corrente que passava pelo pescoço. A garota apenas agradeceu brevemente e passou pelas fileiras, observando os mais diversos gêneros da literatura. Romance. Mistério. Terror. Mais romance Policia. Mais terror. Estudo de espécies em extinção. Eram dos mais comuns aos mais inusitados, mas a biblioteca sempre favorecia aos livros que forneciam estudos as matérias, é claro.
 Wendy parou quando um borbulhar de vozes surgiu no ambiente. Ela se aproximava cada vez mais até se tornarem nítidas.
 - É o que estou dizendo...
 Uma voz masculina surgiu no ar, de uma forma explosiva e animada, junto ao que parecia ser um leve tom de irritação.
 - Se você chama alguém de filho da puta você não está xingando ele, mas sim a mãe dele. Não faz sentido chamar alguém assim.
 - Mas carrega peso, você está xingando não só a pessoa, mas parte de sua árvore genealógica também. Se alguém xingasse minha mãe, me deixaria mais bravo do que se me xingassem.
 - Ser chamado de puto ou filho da puta, ambos parecem ruins para mim.


 Mas que tipo de conversa era aquela? Wendy nunca viu uma conversa tão inconveniente e sem sentido, ainda causando isso como algo que achavam realmente valer a pena. Ela suspirou firmemente, seu parceiro não parecia ser alguém fácil de lidar. Ela nem mesmo sabia se queria lidar com alguém assim, pensou que ter uma nota baixa não poderia ser tão ruim assim.
 Pensou isso antes de cruzar uma das estantes, quase batendo contra uma mesa de madeira estendida ali, ao lado de janelas. O piso úmido a fez deslizar para trás antes do impacto, por pouco não tinha batido o quadril contra a mesa. Ela analisou as pessoas daquela mesa quando notou que interrompera a conversa saudável que tinham. Não era bem a forma que ela queria abordar alguém, mas voilá.
 Ela reconhecerá dois rostos ali. O ruivo que parecia equilibrar uma caneta sobre os beiços, fazendo biquinho enquanto observava Wendy como se fosse uma atração de circo, talvez a mais interessante que ele já teria visto. O outro era o loiro, o mesmo da noite da festa, que agora parecia entretido demais com uma latinha de soda de limão e fones de ouvido passando sobre o pescoço e enfiados na camisa branca abarrotada. Outras duas pessoas estavam de costas para ela, sem parecer se importar muito.
 - Noah.. - Wendy murmurou. - Algum de vocês é o Noah Buckley?


 Ela abaixou a cabeça, pensando que morreria de vergonha e seria mais um motivo para cochichos sobre ela se tivesse se enganado de grupo. Mas o garoto ruivo retirou a caneta do beiço e jogou sobre uma folha de papel rabiscada.
 - Eu tô aqui.
 Wendy o observou, olhos escuros que pareciam não ter fim e refletir mil emoções de uma só vez. Wendy o encontrava pela terceira vez, mas ainda não sabia adivinhar qual emoção ou sentimento exatamente eles traziam. O cabelo ruivo despenteado com alguns fios que caíam sobre o rosto. O pescoço suado que inalava um forte cheiro de colônia masculina.
 Ela engoliu em seco quando notou que não o respondeu.
 - O Sr. Thompson de Biologia me pediu para te buscar, ele quer falar com você na sala dele e-
 - Ah não, não. - Ele coçou a nuca. - O Thompson não...
 Ele aninhou a cabeça entre os cotovelos sobre a mesa, aninhando nos braços e resmungando. Uma das pessoas sentada de costas para Wendy levantou-se e foi apalpar as costas do ruivo. Era o mesmo garoto da noite da lanchonete, cabelos escuro penteado para trás e olhos azuis, ele usava uma simples camiseta branca justa.
 - Deixa de ser preguiçoso. - Ele chacoalhou o ombro do mais baixo. - Eu avisei para não matar aula.
 - Me deixa, Jason.
 - Não banque o bebê, a garota teve o trabalho de vir aqui te buscar.
 O ruivo não respondeu, apenas levantou a cabeça e revirou os olhos, esfregando os cabelos e os bagunçando ainda mais. Ele levantou-se, mas não sem antes lançar um olhar metralhador para o loiro sentado a sua frente.
 - E você, não deveria estar na sua aula de geografia? Por que só implicam comigo?
 - Cala a boca, eu tenho náuseas ao perfume da Truman.
 Truman, ou senhorita Elisa Truman, era a professora de geografia. Uma senhora de meia idade com cabelos castanhos grisalhos e extremamente vaidosa, estava sempre usando terninhos de tons de rosa ou roxo, além de perfumes exageradamente fortes. No entanto, embora com um nariz empinado, ela tratava bem seus alunos. Embora não aplicasse a mesma gentileza nas provas.


 - E eu tenho náuseas só de escutar a voz do Thompson. - O ruivo rosnou.
 Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça e jogou uma mochila preta sobre um dos ombros, resmungando. Ele então parou, bem em frente a outra pessoa que estava de costas para Wendy, a mesma pessoa que até agora não teria falado ou se manifestado daqueles minutos. Wendy inclinou-se quando notou que ele estava lendo uma revista. Mas não deu tempo dela ver sequer uma imagem. O ruivo arrancou a revista das mãos do garoto e enfiou na mochila aberta, com uma certa fúria.
 - E você? Também deveria estar na mesma classe, seu bundão. Não fui só eu que matei aula.
 - Não amola.
 A pessoa inclinou a cabeça para trás. Wendy segurou a respiração. Os cabelos negros bagunçados, com algumas pontas espetadas caídas sobre a testa, olhos castanhos claros com um brilho intenso de adrenalina, pele branca e com as bochechas em um tom pêssego. Wendy notava cada detalhe em segundos, ficando cada vez mais impressionada. Nunca vira uma pessoa com características tão únicas -mesmo com o ruivo de cabelo laranja fosse o mais impressionante do grupo-, Wendy sentia-se puxada a ele. Mas tudo caiu quando a imagem de seu irmão o beijando naquela noite deu um tapa em sua cara, não. Aquele garoto era encrenca, poderia espalhar para pessoas que Anthony o beijará ou que traiu Lana, mesmo que Anthony confiasse nele, Wendy não tinha tanta certeza.
 O garoto olhou para ela brevemente, abrindo e fechando os lábios, sem falar nada. Ele apenas olhou para o relógio na biblioteca e suspirou, acariciando a nuca.
 - Eu cheguei atrasado hoje.
 - Muito atrasado. - Jason, o garoto de olhos azuis que Wendy já recordava o nome, completou.
 - Aposto que tava com alguma garota. - O loiro disse.
 Garota? Então, como Anthony afirmara, o garoto não tinha interesse em pessoas do mesmo sexo, garotos. Isso fez Wendy mais insegura, ela tinha facilmente algo contra Anthony, algo para usar contra ele e espalhar pela a escola.
 - Não, não. - O moreno suspirou rindo, a voz não parecia tão cansada agora. - De qualquer forma, eu me apressaria se fosse vocês. Thompson tem tendência a ficar vermelho quando impaciente.


 Ele tinha razão. Se não fosse pela alergia ao pólen ou o calor intenso, Thompson ficava com a pele avermelhada pelo stress, que na maioria das vezes era causado pelos alunos. Parecia que ele odiava adolescentes, mas não faria sentido trabalhar em um colégio. Bem, talvez ele apenas gostasse dos ótimos donuts que era colocados nas sala dos professores todas as manhãs, ou o café.
 - Vai quase repetir de ano de novo, se continuar assim. - O loiro disse sem hesitar, recebendo um olhar furtivo do moreno de olhos azuis, Jason.
— Leo!
 Um silêncio constrangedor pairou naquele ambiente, Wendy agora sentia-se completamente invisível, tão invisível que se ela não estivesse ali por Noah, sentiria que estava bisbilhotando uma conversa que não deveria. Noah passou por ela assoprando um "Vamos logo" cansado entre os lábios. Ela não esperou e o seguiu, dando as costas para o trio que ainda se encarava sem dizer nada.
 Eles passaram pela bibliotecária que olhou rispidamente para ambos, dizendo um "Shhh" enquanto os passos acelerados ecoavam pelo hall. Wendy virou uma esquina de corredores cheio de armários, mas com pouquíssimos alunos andando por ali. O ruivo parecia com pressa e irritado, pensando que talvez ela tivesse ficado abandonada na biblioteca. Quando subiram as escadas, ele finalmente se pronunciou, frustrado.


 - Você não é a irmãzinha do Anthony, não?
 Wendy teve que se segurar no corrimão para não cair escada abaixo, com o ruivo inclinado para a frente, o rosto parado centímetros em frente o dela. Ela agora podia ver mais de perto os olhos cinzentos escuros, com brilho nas íris e destacando a pupila naquela cor de cinzas. Ela prendeu a respiração com o forte cheiro de desodorante e colônia masculina, misturado a um suor quase imperceptível. O ruivo oxigenado não tinha a mesma atração que o moreno, mas mesmo assim era encantador, de uma maneira intimidadora, como quando vamos a um zoológico e vemos um majestoso tigre, mesmo sendo um carnívoro ameaçador, não deixa de impressionar. Wendy sentia-se assim, impressionada e assustada.
 - Sou sim. - Ela disse, sem desviar o olhar. - Por quê?
O ruivo pareceu refletir, olhando para os lados então para ela de novo, negando com a cabeça e voltando a ficar com a coluna ereta. Wendy reparou que ele usava botas de couro que faziam eco na escada, sem mais ninguém além deles. O ruivo retirou um pirulito de morango do bolso da calça e enfiou na boca. Olhando de longe, com a pose rebelde que ele tinha, facilmente alguém poderia pensar que era um cigarro. Eles agora subiam pelos degraus sem trocar uma palavra, enquanto ele tirava e enfiava as mãos no bolso impacientemente, murmurando e resmungando algo. Wendy percebeu que comparado aos outros do quarteto anterior, ele era o mais baixo, tendo apenas alguns centímetros a mais que ela. O sol refletido neles fazia parecer que os cabelos do garoto eram labaredas de uma fogueira, agitando-se ao vento. Ela abriu a boca para falar algo quando som da porta do laboratório se abriu, ela só agora reparando que já se localizavam no andar e o ruivo entrava impacientemente na sala, sem nem se anunciar ou bater na porta. Ela apressou-se para segui-lo, imaginando que somente aquele gesto seria o suficiente para aborrecer o professor.


 - Senhor Buckley... - A palavra arranhou na garganta do Sr. Thompson com desprezo. - Vejo que sua colega te convenceu a vir aqui, milagrosamente.
 - Eu apenas queria abençoar seus olhos com a minha linda aparição, professor Thompson. - O ruivo riu sarcasticamente. - Vai me dar pontos extras?
 - Antes fosse, garoto. Antes fosse.
 O Sr. Thompson limpou a testa suada, organizado alguns potes de vidro que estavam sobre a bancada, no armário. Seu humor estava péssimo, mas ele parecia tentar ao máximo se controlar para não berrar ou surtar com alguém. O ruivo revirou os olhos e sentou em uma das cadeiras, apoiando o queixo na mão de uma forma que mostrava claramente seu tédio. Wendy segurou a alça da mochila com mais força quando o Sr. Thompson olhou para eles, analisando suas expressões.
 - Serei curto e claro, com vocês dois. - Ele pausou, antes de continuar. - Ano que vem será o último ano de vocês aqui, tem que começar a agir como adultos e trabalhar em equipe. Isso vale mais para você do que para ela, Buckley.
 - Eu hein! - O ruivo franziu o cenho, fazendo uma expressão que sentia-se profundamente ofendido. - Nem disse nada.
 - Semestre passado o seu parceiro de laboratório ficou por um triz nas notas, isso por conta da sua irresponsabilidade e falta às aulas. Não vou permitir que isso se repita outra vez. Você e a Sumner serão uma dupla agora, portanto tenha um pouco mais de consciência de que se você falhar, ela falha junto.


 Thompson apoiou as mãos sobre sua bancada, metralhando Noah com o olhar. Se alguém de fora visse a cena, pareceria que os dois estavam querendo esganar um ao outro. Mas para Wendy, parecia mais um adulto dando bronca em uma criancinha, por ter quebrado o vaso preferido da mamãe.
 O ruivo abriu e fechou a boca duas vezes, antes de suspirar profundamente e abanar a cabeça em negação.
 - Tá certo. - Ele olhou para Wendy. - Foi mal, serei mais responsável esse semestre.
 - Como eu disse antes, mas você não estava presente, senhor Buckley. Farei o favor de repetir - Thompson retomou o tom ríspido. - As duplas foram escolhidas a dedo, escolhi a senhorita Sumner justamente por ser uma boa aluna na minha matéria. Ela te colocará na linha.
 Wendy sobressaltou, o ruivo a olhando impaciente. Do jeito que o professor fazia parecer, ela iria ser a carcereira do garoto nesse semestre, iria o controlar. Fazia parecer que ela era uma intimidadora. Ela quis questionar quando o Sr. Thompson recomeçou a falar, ele parecia bem satisfeito, gabando-se e explicando que esse ano as coisas seriam como ele queria. Wendy não teve oportunidade de se manifestar, nem ela nem o ruivo conseguiam interromper o discurso do professor de biologia. Mas isso durou pouco quando o ruivo levantou-se e jogou o palito de pirulito no lixo, ele agora estava triturando a minúscula bolinha açúcar com os dentes.
 - Posso ir agora? - O ruivo perguntou desinteressado.
 Cansado e frustrado pela inconveniência, o Sr. Thompson apenas murmurou impacientemente um "vá, vá". Noah não fez muito cerimônia e deu as costas, saindo pela porta quase trombando com Wendy, que jogou-se contra a parede para não ser atropelada pelo ruivo impaciente e feroz, um tigre preso dentro da jaula.


 Ele saiu pela porta murmurando maldições, cruzando o corredor. A sala com menos pessoas agora parecia menos abafada e silenciosa, com o ventilador falhando como sempre e diversas instantes lotadas de potes de vidro, com animais em conserva dentro. Ela abriu a boca para questionar o professor, quando um grito veio do corredor.
 - Já veio encher a droga do meu saco? - Oh sim, era o ruivo estressado. - Vai tomar conta da sua vida pô!
 Um estrondo foi escutado antes das botas de couro descerem pelas escadas furiosamente, como se os pés quisessem quebrar aqueles degraus. Nenhum outro grito ou protesto foi escutado, mas os passos ecoavam sem fim. Até sumirem de vez. Wendy pensou em sair pela porta para ver quem era o coitado que cruzou o caminho do ruivo furioso, mas não foi necessário. Os olhos castanho claro, quase como avelãs, capturaram a atenção dela quando o garoto passou pela porta. O ventilador agitava e bagunçava ainda mais os fios negros, fazendo o garoto parecer um pouco irritado e tirar as mechas que atrapalhavam. Ele olhou para Wendy por alguns segundos, só então percebeu que ainda estava jogada contra a parede, como se levasse um susto ou tivesse sido empurrada. Se recompôs quando ele foi na direção do Sr. Thompson sem dizer nada, entregando apenas um papel. O professor retirou os óculos do bolso da camisa e afastando o papel, lendo o que foi entregue.
 - Ah, ahãm. Entendo. - Concluiu, entregando de volta o papel que o moreno guardou no bolso da calça jeans. - Entendo os motivos, garoto. Mas tente avisar a escola antes.
 - Sim, senhor.
 O olhar mais uma vez se encontrou com o de Wendy, seu pescoço aninhando-se contra a gola do moletom, sentindo-se intimidada. Aqueles olhos afiados pareciam transmitir mil emoções de uma só vez, até mais que os olhos do ruivo. Ela tentou desviar o olhar, mas sentia-se perfurada por aqueles olhos, observando cada linha facial dela. O garoto virou a cabeça para o lado, como um cachorro, e soltou um riso nasal. O Sr. Thompson pigarreou, tirando ela daquela cena que parecia mais uma intimidação do que cena romântica.
 - Sumner, já falei tudo o que precisava com você. - Disse, desgostoso. - Pode me deixar para falar em particular sobre outro assunto?
 Ele apontou com a cabeça para o garoto a sua frente, enfiando as mãos nos bolsos das calças e exibindo o que parecia ser um sorriso sarcástico. Aquilo irritou Wendy mais do deveria, sem nem notar, ela saiu emburrada da sala, com a mochila batendo com fúrias nas suas costas. Ela só via aquele garoto pela terceira vez, mas a presença dele a incomodava. O que ela mais odiava era que nas três vezes, ela o encarou com toda a atenção que tinha, ela permitia que a presença dele a abalasse. Enquanto não olhasse ele cara a cara e falasse sobre aquele maldito beijo, não iria sentir que teria sossego consigo mesma.
 Sentou-se no terceiro degrau do andar superior, ignorando o sinal e o fato de que todos deveriam estar no refeitório. Por um segundo, sentiu uma ponta de culpa ao pensar que Rachel estaria esperando por ela, mas lembrou-se que a garota tinha amizade com praticamente todas as pessoas do clube de teatro e clube de música, ela sabia isso porque quase sempre duas ou três pessoas que Wendy não conhecia sentavam-se na mesa com elas, aonde Rachel estava, para falar sobre um filme ou cantor. Aquilo a tranquilizou um pouco, pelo menos sabia que a amiga não ficaria sozinha por muito tempo.


 O estômago dela roncou em protesto, fazendo a mesma procurar por alguma barra de cereal nos bolsos da mochila. Mas infelizmente, tudo que achou foi uma embalagem antiga de bala que ela já havia comida há muito tempo. Revirou os olhos, fechando novamente o zíper e apoiando o cotovelo na mochila, encarando a parede à sua frente. A imagem daquele garoto a irritava cada vez mais, por que Anthony tinha interesse em fazer amizade com alguém como ele? O que ele tinha de especial? Ela não entendia, pelo menos não ainda.
 Os minutos passavam no relógio, um insuportável e repetitivo tick-tack. Até que em determinado momento, e ela já não sabia mais nem quanto tempo estava ali esperando, um par de botas de couro preto parou ao seu lado. Seu olhar subiu para as calças jeans rasgadas, a blusa no Nirvana escrita em letras vermelhas já apagadas e então o rosto da pessoa que ela esperava. Wendy levantou-se em um solavanco, o rapaz arregalando os olhos com o susto. Até Wendy tinha achado sua reação no mínimo exagerada, mas o que ela podia fazer, nem sequer escutou o garoto chegar.
 - Eu posso falar com você? - Perguntou, abaixando a cabeça.


 Queria evitar o máximo possível de contato visual com ele, mesmo que estivesse sendo rude, não queria cair naquela armadilha novamente. Esperou impaciente por uma resposta, pensando que ele devia a achar uma louca. Mas não se importava, não estava fazendo aquilo por ela, mas sim por Anthony. Era apenas se lembrar disso, então a vergonha passaria.
 - Tudo bem. - A voz ecoou.
 Nas poucas vezes que Wendy tinha escutado a voz dele, percebeu que até mesmo a sua voz era de alguma forma encantadora e atraente. Isso quando não estava em um tom cansado ou entediado. Ela mordeu o lábio inferior, pensando no que dizer quando ele foi mais rápido, descendo os degraus das escadas.
 - Pode me seguir? - Disse olhando ela, por cima do ombro.
 Mesmo quando Wendy se esforçava para não o olhar, não teve jeito quando ele ficou degraus abaixo dela. Apenas concordou com a cabeça sem pensar muito. O rapaz deu o que parecia um sorrisinho de lado e desceu os degraus, sendo seguido pela mais baixa que se esforçava para o alcançar.
 Por alguns segundos pensou no que estava fazendo. Por que tinha concordado em seguir ele? Era Wendy que deveria ter assumido a posição e ter sido direta, mas ela não sabia o que fazer. Nunca tinha estado em uma situação parecida e aquilo a incomodava de tal forma que não sabia qual emoção manifestar. O garoto de costas não dizia uma palavra. Wendy apenas tinha a visão de uma cabeça cheia de fios negros sendo bagunçados pelo ar e uma hélice da orelha direita com alguns piercings prateados. Espere, aqueles piercings sequer estavam ali na noite da festa? Ela não tinha reparado.


 A grama verde a confundiu quando notou que não estavam mais dentro da escola, mas sim atravessando o campus e indo em direção a um campo aberto que a escola reservava aos clubes que envolviam esportes. Ela subiu a arquibancada com dificuldade, as tábuas pareciam ainda mais separadas do que da última vez que esteve ali. E o garoto parecia fazer questão de sentar em dos lugares mais altos, ela só não sabia se era proposital.
Sentou-se em uma das tábuas, percebendo então que alguns garotos de diversas salas pareciam jogar beisebol, enquanto as prováveis namoradas tiravam fotos e torciam por eles. Eram poucas pessoas, mas o suficiente para causa um barulho que poderia ser escutado a metros de distância. Wendy retomou sua atenção para o garoto sentado centímetros longe dela, procurando algo no bolso da calça. Curiosa, observou pelo canto dos olhos ele puxar um isqueiro e um maço de cigarros. Arregalou os olhos quando ele colocou um dos cigarros entre os lábios e acendeu, de forma despreocupada e sem parecer se importar se estava ou não em um ambiente escolar.
 - Não vou te oferecer. - Wendy se assustou quando ele a observou, também com o canto dos olhos. - Anthony me mataria se eu fizesse.
 - Desde quando conhece meu irmão? - Ela perguntou direta, desviando o olhar para o campo.
 O garoto abaixou a cabeça, soltando fumaça entre os lábios e fechando os olhos. Ele murmurou alguma coisa e então olhou para ela, a cabeça apoiada contra o pulso que segurava o cigarro.


 - Acho que um pouco depois do início dessas férias. Talvez mais.
 Wendy mordeu o lábio inferior irritada, Anthony o conhecia há tão pouco tempo e confiou nele antes de confiar nela, que era sua irmã, alguém que ele conhecia a vida inteira. Ela sentiu-se ridícula e desprezada, sentiu que o irmão a colocou em uma posição abaixo de um desconhecido. Qual confiança esse garoto passava?
 - Está se sentindo melhor?
 Wendy olhou em sua direção. Pela reação dele, ela deveria estar o olhando como se fosse a pessoa mais idiota do mundo. Mas a reação durou pouco, antes de olhar para o céu e rir nasalmente, apoiando os cotovelos na arquibancada de trás. Ele tragou o cigarro mais uma vez, a brasa brilhando nas íris acastanhadas, enquanto a fumaça escapava lentamente entre seus lábios.
 - Digo, sobre aquela noite. - A voz estava em um tom calmo, refletindo. - Você parecia mal.
 Ela lembrou-se da metade da garrafa de vinho que havia bebido na noite da festa, seu estômago se revirou. Depois daquilo, ela jurou que nunca mais beberia até completar dezoito anos. Apenas assentiu com a cabeça para o garoto, que ainda a encarava em busca de uma resposta.
 - Eu estou bem, pelo menos agora. - Pausou. - Eu fui irresponsável.
 - Fico mais calmo com isso.
 Olhou-o incrédula, mas ao mesmo tempo sem entender. Aquele sujeito mal a conhecia, ele nem sequer parecia se importar com o motivo dela querer falar com ele. Apertou a alça da mochila com mais força, procurando não se intimidar com aquele olhar profundo. Ela apenas respirou profundamente e o encarou.
 - Então...sobre o beijo entre você e o meu irmão. Você não vai usar aquilo contra ele, né?
 - O quê?
 - Dizer que ele beijou outro garoto. Espalhar para escola e dizer que ele traiu a namorada.
 O olhar dele pareceu se quebrar perante ela, por segundos parecia que sua defesa havia caído completamente. O cigarro ficou pendurado entre seus lábios, o papel pouco a pouco se reduzindo a cinzas que queimava e espalhava um odor horrível. Ao longe alguém gritou "Home run" e passos correndo no gramado, enquanto as garotas gritavam excitadas do lado de fora da quadra, separadas apenas por uma grade.
 Wendy pensou que teria sido direta demais, por um segundo refletiu o quão ridícula e rude teria sido, poderia ter dito aquilo de um jeito mais sútil. Mas já era tarde quando ela notou o garoto assoprar a fumaça e bater na bituca, fazendo as cinzas se dissiparem no ar, espalhadas pelo vento.
 - Estou ofendido por pensar que sou esse tipo de pessoa. - Ele disse diretamente, como se devolvesse um golpe. - Mas acho admirável se preocupar tanto com seu irmão.
 Os fios de cabelo foram agitados novamente com o vento, enquanto nuvens cinzentas ameaçavam uma segunda garoa e deixar as tábuas da bancada mais úmidas do que estavam. Mas o garoto não parecia de importar, pelo contrário, se Wendy o estivesse vendo pela primeira vez, ficaria impressionada que mesmo com aquela tempestade pairando sobre suas cabeças, ele continuava inabalável, sua aparência parecia combinar tanto com dias chuvosos quanto com dias ensolarados. O garoto deu uma última tragada, segurando a bituca entre o dedo do meio e o polegar, pressionando contra a sola de sua bota e apagando o cigarro. O moletom não foi o suficiente para esquentar Wendy do frio que batia contra seu rosto. O garoto pegou sua mochila azul-escura, com bottons e chaveiros de bandas, cantores e grupos de rock que metade Wendy não conhecia.


 Ele desceu os degraus antes de olhar novamente para ela, a cabeça na mesma direção que os joelhos dela.
 - Eu não vou chantagear seu irmão, nem planejo contar nada para ninguém. -  Sua voz não parecia exibir irritação, pelo menos um alívio. - Eu deixei que ele me beijasse porque sabia que estava um momento difícil para ele, sobre dúvidas e tudo mais. Ele queria saber se sentia algo em beijar...bem, outro garoto.
 - Ele me contou isso. - Wendy também mantinha o tom de voz mais calmo, procurando bem as palavras dessa vez. - Mas, estive preocupada que se isso se espalhar, posso acabar com alguém fazendo mal a ele. Não pense que tenho algo contra você.
 - Ele confiou um segredo à mim com aquele beijo, um segredo que eu já sabia na verdade. - O garoto disse. - Somos apenas amigos. Mas só isso basta para que não querer o mal dele.
 Cada palavra parecia ter uma emoção diferente para ela, uma emoção que fazia Wendy tornar-se mais culpada e estúpida. Já tinha percebido aquilo, mas a voz daquele garoto deixando aquilo cada vez mais claro, fazia toda sua ficha cair. Com a intenção de proteger Anthony, ela havia sido rude com alguém que mal conhecia e intrometido seu nariz aonde não a dizia respeito, mesmo Anthony confiando nela depois daquilo. Deveria ter ficado calada e observado, algo que sempre fez. Mas não, deixou a emoção substituir a razão. Era estúpida.
 - No entanto. Achei admirável o que você fez.
 Levantou sua cabeça, olhando diretamente nos olhos dele, dessa vez sem se intimidar. A sensação de embriaguez daquela noite retornou a sua consciência, com a imagem daquele garoto à sua frente, dessa vez muito mais perto e sem uma multidão que os separasse. A ventania parecia fazer a mochila em suas costas pesar mais, mas permanecia ereto.
 - São poucas as pessoas que se importam desse jeito, a ponto de enfrentar uma pessoa para proteger outro alguém. - Wendy arregalou os olhos quando um sorrisinho surgiu nos lábios fechados. - Você é mais interessante do que eu pensei, Wendy J. Sumner.
 Dito isso ele deu as costas a ela e desceu a arquibancada sem nem mesmo se despedir ou dizer outra coisa. Wendy o seguia com o olhar, sem saber se ele sentia-se ou não observado por ela. Por segundos sua mente ficou em branco, até ele entrar novamente no edifício escolar. As palavras dele ainda ecoavam em sua cabeça, a lembrança fresca em sua memória. O pessoal da quadra se retirava quando a ventania ficou mais forte e trovões ameaçavam no horizonte, as meninas correndo para pegar suas mochilas e com medo da chuva estragar seus penteados. Mas Wendy continuo ali sentada, observando onde o moreno[1] estava parado em frente a ela, minutos atrás. Algo dentro de si dizia que aquela não era a última vez que se encontrariam, mas foi longe de ser um incômodo. Dessa vez não sentia mais raiva ou uma mistura de emoções pela cena da festa, depois do alívio, sentia-se apenas vazia. Mas não em um sentido ruim, sentia-se vazia para recomeçar uma nova impressão sobre aquela pessoa. Não sabia se podia confiar nele como Anthony confiava, mas sabia que ele não era alguém ruim. Na verdade, tinha certeza de que ele não era. Ela já tinha sua nova primeira impressão.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima!



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