Poucos dias depois, antes que a notícia de que o casamento seria oficializado e celebrado pela comunidade do Santuário e das vilas próximas, tivesse se espalhado por completo, o Grande Mestre convocou os 12 Cavaleiros de Ouro até o seu salão no fim da trilha das 12 Casas, para uma reunião extraordinária.

            Matt de Leão foi o último a chegar e entrou no salão, sendo recebido pelos demais onze, que aguardavam a aparição do mestre Shion.

            O antigo Cavaleiro de Áries do século XVIII, no entanto, não compareceu sozinho. Rodeado por Gomes de Altar e Joana de Águia, seus assistentes imediatos, Shion trouxe também para a reunião a garota Luísa, nova encarnação de Atena.

            Os Cavaleiros de Ouro, postos em duas filas diante da cadeira do Grande Mestre, se entreolharam brevemente, um pouco surpreendidos. Luísa raramente aparecia diante deles, não só pelo mestre Shion querer poupá-la dos holofotes devido à sua tenra idade, mas também porque era sabido que ela passava a maior parte do tempo recebendo aulas das sacerdotisas, por instrução de Gomes e do mestre Shion. Alguma razão haveria de ter o Grande Mestre para querer a presença dela naquela reunião.

— Cavaleiros de Ouro, vocês atenderam ao chamado e compareceram a esta reunião – começou a dizer Shion, enquanto oferecia a cadeira para Luísa se sentar, ao passo que Gomes e Joana se postavam cada um de um lado do trono. – Devido a acontecimentos e crises recentes, vocês têm passado mais tempo no Santuário do que de costume, o que é algo pelo qual não somente eu, como também toda a comunidade do Santuário e dos nossos arredores, têm se mostrado imensamente gratos. Contudo, ainda não é hora de retornarmos à normalidade.

            O Grande Mestre fez uma pausa, deixando que os 12 cavaleiros assimilassem a importância daquele discurso inicial.

— Como já devem saber através de rumores, boatos e sussurros em nosso meio, temos recebido visitas ocasionais de outros deuses e de seus guerreiros. As notícias que chegam não são nem um pouco positivas. Ao que parece, tudo está começando pelo mundo inferior. Alguma coisa está perturbando e causando inquietações naquele mundo e, pelo andar da carruagem, essas inquietações podem, sim, reverberar até chegar à superfície e, é claro, ao Santuário. Os demais deuses já expressaram essa mesma preocupação.

            O velho Mestre fitou todos os Cavaleiros de Ouro, alguns deles estando visivelmente apreensivos, como se os instasse a fazer perguntas ou a questionar aquelas informações. Contudo, nenhum deles se manifestou. Shion concluiu que todos já deviam ter ouvido os boatos que corriam à solta dentre as pessoas que residiam no Santuário e em seus arredores.

— Tudo que sabemos, até o momento, é que um odor fétido começou a correr pelo reino de Hades. Um odor fétido acima do normal para os padrões desse reino, e que, por isso, deixou todos os residentes do mundo dos mortos em estado de alerta. Há razões para acreditarmos que esse odor é o prenúncio de uma ameaça que se erguerá, inicialmente, das profundezas do mundo inferior, para, depois, se lançar sobre o mundo dos vivos. Enquanto não temos confirmação de fato de que ameaça se trata desta vez, eu incumbi o mestre Gomes, bem como os cavaleiros Thiago de Aquário e Joana de Águia, para averiguarem em nosso extenso acervo e em nossa documentação, o que pode estar causando essa perturbação cósmica que, de certa forma, já se faz ser sentida a quilômetros de distância de seu ponto de origem.

            O mestre do Santuário fez novamente uma pausa. Notou que alguns cavaleiros haviam olhado de esguelha para Gomes, para Joana e mesmo para Thiago.

— Assim que eles concluírem a investigação, irão reporta-la a mim. Provavelmente será necessário que eu viaje para o Olimpo para apresentarmos o resultado de nossa pesquisa diante do conselho dos deuses, e também, para nos orientarmos acerca das medidas que deverão ser tomadas diante dessa possível ameaça, a fim de amenizarmos, controlarmos e, se possível, anularmos a possibilidade de que uma nova crise se inicie em nosso plano de existência.

— Senhor Shion – falou Betinho, o cavaleiro de Sagitário, de repente. – Por acaso somos só nós que teríamos que tomar a frente contra essa nova ameaça? Ou o acordo entre os deuses do Olimpo ainda será levado em consideração?

            Shion o fitou.

— O acordo permanece de pé, meu rapaz. Porém, pela tradição, como representantes da deusa da justiça e da guerra, cabe ao Santuário tomar a iniciativa em caso de uma guerra ser deflagrada. Uma guerra que, neste caso, seria direcionada contra todos os Olimpianos e seus seguidores. Nós nos defenderemos, sim, mas também defenderemos os demais deuses. Bem como eles também terão que se prontificar para proteger o mundo, proteger seus domínios, e os domínios de todos os demais deuses abrangidos pela aliança. Se for preciso. Se chegar a esse ponto, é o que será feito.

            Betinho fitou o chão. Os cavaleiros de Ouro pareciam divididos. Alguns assentiam com a cabeça, parecendo dispostos a se colocar de prontidão. Outros, porém, desviaram o olhar, voltando os olhos para o chão ou para outros pontos do salão.

— Bom, com isso, é claro que muito em breve eu precisarei me ausentar pessoalmente do Santuário para ir ter com os deuses. Levarei Joana comigo, e o mestre Gomes ficará encarregado das minhas funções até que eu retorne. Assim sendo, devem obediência a ele durante o período de minha ausência, Cavaleiros de Ouro. Entendido?

            Todos os Cavaleiros de Ouro assentiram e se curvaram respeitosamente para o Mestre do Santuário, ainda que alguns deles ainda exibissem um semblante contrariado.

— Muito bem. Agora que já deixamos isso claro, Atena tem algo a dizer para vocês.

            Os doze se sobressaltaram; Luísa não havia ainda se dirigido a eles em uma situação de caráter tão formal e oficial como aquela.

            A encarnação de Atena levantou-se do trono. Vestia as roupas brancas tradicionais da deusa e segurava o cetro de Niké na mão direita. Todos voltaram seus olhares para ela instantaneamente.

— Cavaleiros de Ouro... Sei que não tenho vindo falar com vocês o bastante. Saibam, porém... que todos vocês estão sempre em minhas preces. Quero agradecer, sempre, pela disposição e pelo serviço de vocês ao Santuário.

            Alguns dos Cavaleiros de Ouro assentiram entusiasticamente e até sorriam para a garota, porém, outros ainda olhavam para ela com um semblante bastante sério e compenetrado, como se ainda não tivessem total confiança nela.

— Face a essa possível nova ameaça que nos aguarda no horizonte... é essencial que estejamos em sintonia e unidos. Sei que não tenho ainda a total confiança de todos vocês, pela minha juventude e por ainda estar aprendendo sobre os preceitos de Atena e a hierarquia do Santuário e dos cavaleiros. Contudo, faço a vocês uma promessa de que serei digna dessa confiança, especialmente pelo fato de que a geração de vocês se mostrou ser uma das gerações mais vitoriosas que este Santuário já viu. Se entraremos no campo de batalha, seja lá contra quem for, entraremos unidos e em harmonia, como se fossemos um só; é esse, afinal de contas, o propósito das tropas de Atena.

            O discurso dela surpreendeu os Cavaleiros de Ouro. Eles sabiam que Luísa estava tomando aulas, mas o progresso que a menina havia feito em tão pouco tempo desde que fora reconhecida como a encarnação da deusa parecia estar sendo mais eficaz do que eles poderiam ter imaginado. Ela estava soando quase como uma Saori mais jovem.

— Sei que podem estar surpresos..., mas andei me debruçando sobre muitas das anotações e documentos que a senhorita Saori nos deixou.

            Aquela resposta pareceu fazer os Cavaleiros de Ouro se tranquilizarem brevemente, mas, ainda assim, parecia mesmo que Luísa progredira mais rapidamente do que o previsto.

— Ela pensou de fato muito à frente do tempo. Como se tivesse pressentido que passaríamos por uma situação assim. Então, lendo as anotações dela, é como se eu estivesse lendo um diário meu, pois ambas somos Atena; ela no passado, e eu hoje. Mas ao mesmo tempo, é o trabalho de outra pessoa, lições deixadas para que eu aprendesse com elas. Minha missão é manter a continuidade. Para isso, preciso do apoio de vocês, e estou fazendo por onde para consegui-lo. Se tenho que liderar vocês, uma geração forte e bem-sucedida de cavaleiros, em batalha, preciso fazer isso da melhor maneira possível. E a srta. Saori mostrou o caminho. Temos que honrar a memória e o legado dela, legado esse que vocês conhecem tão bem. Eu peço o voto de confiança de vocês. Para caminharmos unidos perante as adversidades, é essa a única forma de triunfarmos e de conseguirmos êxito. Unidos. Juntos como um só. Agradeço por me ouvirem, Cavaleiros de Ouro.

            Mesmo os cavaleiros dourados mais céticos se mostravam, agora, impressionados com o discurso de Luísa. Instantaneamente, como se tivessem ensaiado, mesmo possuindo opiniões diferentes sobre a nova Atena, todos eles fizeram o mesmo gesto: se ajoelharam cerimonialmente em respeito e perante à deusa.

— Eu agradeço, Atena, em nome dos Cavaleiros de Ouro, pelas palavras de encorajamento e esclarecimento – disse o mestre Shion categoricamente.

            Os cavaleiros de Ouro foram se levantando aos poucos, ao ouvir a fala do Grande Mestre.

— Eu chamei Atena para esta reunião porque acreditei que o discurso dela seria a motivação ideal para todos vocês, diante deste momento de iminência a uma nova crise, que requer a nossa resposta mais adequada possível. É como ela vos disse, temos de estar unidos e em consonância. Precisamos deixar nossas diferenças à parte e nos colocar lado a lado no campo de batalha para garantir, mais uma vez, a sobrevivência do mundo. Só conseguiremos isso se nos apresentarmos com unidade e harmonia. Reflitam bastante, Cavaleiros de Ouro. Precisamos de todos vocês para alcançarmos êxito nessa empreitada. O mestre Gomes os manterá informados dos próximos passos a ser tomados, principalmente quando do meu retorno da reunião no Olimpo. Por hoje, isso é tudo. Estão dispensados.

            Os Cavaleiros de Ouro levaram o braço direito ao peito e inclinaram a cabeça respeitosamente, primeiro em direção a Luísa, depois em direção ao Grande Mestre. Em seguida, saíram ordenadamente do salão.

            Assim que eles saíram, Shion pôs a mão no ombro de Luísa.

— Atena-sama... Digo, Luísa. Você foi incrível. Acredito que era este o empurrão do qual eles todos precisavam – confidenciou ele.

— Espero que sim, mestre Shion... Falei com o coração. Não tenho certeza, porém, se todos eles saíram convencidos – admitiu ela.

— Ora, também não é assim – respondeu Shion. – Eles teriam que ser muito loucos para peitar Atena dessa forma. Além disso, você mesma disse que falou com o coração. Isso irá ressoar dentro deles. Mesmo os que tinham dúvidas a seu respeito passarão a dar valor ao que você tem a dizer para eles.

— Eu torço que sim...

— Srta. Atena – interrompeu Joana. – Conheço bem os cavaleiros de Ouro. Foram todos meus colegas, já foram todos Cavaleiros de Bronze como eu. É verdade que, no geral, eles são bem cabeça-dura às vezes. Mas, provavelmente, assim que saíram daqui, eles foram se reunir entre si para divagar acerca da sua declaração. Acredite, aqueles que forem seus defensores fervorosos terão prazer em convencer os demais a seguir suas palavras.

— Você... você acha isso mesmo, Joana? – perguntou Luísa.

— Tenho certeza. Aliás... – ela olhou de esguelha para Shion e Gomes antes de prosseguir. – Seria interessante ir averiguar eu mesma como a conversa entre eles se desenvolve, não acham, meus senhores? O mestre Gomes sempre diz que é meu papel servir de ponte entre o Grande Mestre e os cavaleiros.

— Sim, sem dúvidas, minha jovem – respondeu Gomes.

— Que forma melhor de fazer isso do que acompanhar de perto a troca de ideias que eles estarão fazendo acerca do discurso da srta. Atena? – sugeriu Joana. – Se me derem licença... Irei até eles e me certificarei de que o manifesto da senhorita será bem absorvido.

            Luísa lhe deu um sorriso leve, mas não conseguiu responder. Shion tomou a dianteira.

— Como quiser, minha cara. Você realmente os conhece muito bem, creio que sua participação seja de suma importância para que eles coloquem as dúvidas de lado e assimilem corretamente o que Luísa trouxe para todos nós.

— Afirmativo, mestre. Com licença, acho até que já sei aonde eles estarão reunidos.

            Joana curvou-se levemente perante Luísa e o Grande Mestre, e saiu, apressando o passo, para encontrar os Cavaleiros de Ouro.

— Muito esperta, essa jovem – afirmou Gomes. – Você tinha razão em querer que ela atuasse mais próxima a nós.

— Não fui eu quem tive razão, prezado Gomes... – retrucou Shion. – Foram as estrelas e a vontade de Atena. Como Luísa bem disse, Saori-sama nos deixou um caminho bem ilustrado e iluminado. Se queremos atingir com êxito nossos objetivos, é por esse caminho que devemos seguir. E Joana se revelou uma peça fundamental nesse plano. Ela fará mais diferença em nossa missão do que pode imaginar. Só nos resta aguardar... e veremos.

            Os três voltaram seus olhares para a porta do salão, por onde Joana saíra há poucos instantes.