Saturday Night e outras histórias tristes escrita por LittleMalkavian


Capítulo 2
Saturday night pt 2




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O gato miava sobre a terra revirada no jardim. Dizem que gatos sentem e veem coisas de outro mundo, será que ele estava ali? Não tinha coragem de olhar de perto, pela janela parecia mais certo.

Eram três horas da manhã. Já havia limpado o quarto, o banheiro e tomado banho. Vestia uma camiseta dele como pijama agora.

Peguei um cobertor no armário. Tinha o perfume dele. Me enrolei e tentei dormir. Desejei que tudo isso tivesse sido apenas um pesadelo, e logo teria ele no meio das minhas pernas me acordando para fazer sexo na madrugada. Como eu adorava isso.

Mas havia um barulho de tic tac de relógio antigo que não me deixava dormir. Virava de um lado para o outro na cama, colocava o travesseiro sobre a cabeça, e nada de dormir.

Lembrei que não havia relógio no quarto. Abri os olhos na hora. Procurei pelo celular na cama para conseguir iluminar o quarto, mas a luz se acendeu sozinha. E lá estava ele.

—Deveria aprender a controlar seus instintos. Há uma pessoa enterrada no quintal. O coração dele ainda batia, sabia? – Indagou sorrindo sarcasticamente e eu quis gritar, mas não consegui – você não sabe nada, mas um canivete não o mataria tão facilmente. Enquanto você tampou cada “buraquinho” fez os sangramentos pararem, não atingiu nenhuma artéria principal, ele só estava perdendo sangue aos poucos. Ele vai morrer sufocado, coitado. – Fez o sinal da cruz –ah, você deve estar se perguntando quem eu sou. Muito prazer, meu nome é Lúcifer.

Comecei a rir. Eu estava dentro de um pesadelo, só pode.  Primeiro matei o amor da minha vida, depois o enterrei, e agora Lúcifer está no quarto, e dizendo que ele não está morto. Ainda.

—Bom, deve saber que eu sei exatamente o que está pensando agora. – Parei de rir na hora, e ele estava sério – você disse que faria qualquer coisa, e agora lhe pergunto: qual sua proposta para mim?

—Pro.. Proposta? – Gaguejei enquanto tentava pensar em alguma coisa

—Qualquer coisa… qualquer coisa… – ele riu irônico – você não pensa quando está nervosa.

O que eu poderia fazer? O diabo está na minha frente.

—Diabo não. Lúcifer – me corrigiu – tá, vou lhe dar uma chance. Não vamos voltar no tempo, mas quem sabe você possa desenterrar ele. – Ele disse como se aquilo fosse algo normal – nesse instante ele já acordou, percebe a agitação do gatinho? – Ele veio até a janela e eu sai da cama.

Realmente, o bichano andava em círculos e mexia o rabo inquieto. Miava e afofava a terra, como que fosse dormir.

—Felinos sentem esse tipo de coisa, sobrenatural.

—Eu só tenho que desenterrar ele? – A desgraça gargalhou

—É claro que não, você merece uma punição. Onde já se viu fazer isso? O pobre coitado nem fez nada.

—Eu não lembro. Em um momento estávamos nos beijando… no outro eu estava em cima dele.

—É, estava tocando Helena, ele duvidou de você quando disse que você era tão inofensiva quanto um coelho. Essa música sempre despertou sentimentos… estranhos em você, não é mesmo? – Apenas assenti – pois então. Foi tão rápido. Você pegou o canivete e provou o contrário, quando acertou a clavícula levou um tapa, mesmo todo cortado ter te batido doeu mais nele do que em você. – Fez cara de pena e eu me controlei para não chorar – aí você acertou a traqueia dele, ele não conseguiu respirar direito e desmaiou. Quando você percebeu o que estava fazendo, achou que ele estava morto – agora ele estava atrás de mim na janela, e tocava meus ombros, como se estivesse me consolando

—Me diga o que tenho que fazer – falei enquanto uma lágrima descia queimando pelo meu rosto

—Bom – ele se empolgou e juntou as mãos, as esfregando – primeiramente, você não é um humano, é um monstro. Então vai viver como um a partir de agora, para sempre. Sabe como você está agora? Se sentindo agoniada e um pouco feliz em saber que há possibilidades de salvar seu amado? Então, vai sentir essa sensação pela eternidade toda. Sim, você vai viver para sempre – ele disse sorrindo ironicamente e por instantes eu fiquei feliz – não, não, não; não fique feliz, um dia ele vai morrer de verdade. E você vai ver todos aqueles que ama morrendo.

Eu ainda não entendia o que aconteceria. Mas pelo menos teria ele de novo. Bom, todos morrem, e passar por isso seria justo, depois de tudo o que eu fiz. Então a proposta não era ruim, e ele disse que eu deveria sofrer uma punição…

—E vai. – Respondeu meu pensamento - Assim que assinar o contrato – ele estalou os dedos e do nada surgiu um manuscrito em cima da escrivaninha. Havia uma caneta antiga e um pote de tinta de cristal, mas estava vazio.

—Eu disse qualquer coisa, vai ser qualquer coisa então. Eu assino.

Sendo assim ele me pegou pelo pulso e materializou uma adaga em sua mão.  Cortou meu braço como se eu fosse pedaço de carne de um açougue e o sangue que jorrou, ele encheu o tinteiro.

—Assine – ele entregou a caneta

—Eu não sou canhota. Me cortou o pulso direito, como vou escrever? – Perguntei grunhindo de dor e ele gargalhou

—Faz parte da punição, se vira – deu ombros e eu tentei escrever ainda com a mão destra. A assinatura saiu torta e grotesca. Mas ainda era meu nome ali. Ele sorriu.

—Pois bem, belo e pomposo nome. Foi princesa em outra vida? – Debochou – dois nomes, dois sobrenomes, deve ocupar uma linha inteira. – Riu – mas agora vamos a punição. Seu corpo vai sentir tudo aquilo que ele sentiu. Tanto a dor quanto o medo, a agonia, a decepção e a tristeza. A única diferença é que os buracos em seu corpo vão se abrir e depois se fecharão, e todo o ferimento que você tiver depois disso, será cicatrizado.

Mal ele começou a falar e eu comecei a sentir uma dor descomunal, que me atingia em vários pontos do corpo. Não aguentei ficar em pé. As feridas se abriram de dentro para fora. Sangue vertia, eu não conseguia respirar e me manter acordada parecia impossível. Chorava temendo o que aconteceria depois que isso passasse, chorava sentindo o que ele sentiu. 

Mas então eu consegui respirar melhor. Toquei meu pescoço com a ponta do dedo indicador e não havia mais um ferimento ali. Olhei para meu braço, e como em um passe de mágica havia curado a ferida.

—Ah esqueci de dizer. – Ele se ajoelhou perto de mim – nada que não for humano a saciará – falou como se fosse uma piada – isso, mesmo minha querida. A partir de agora a única coisa que saciara essa sede exagerada que você já começa a sentir é… – Ele tocou meu peito e limpou um filete de sangue que escorria, levou seus dedos até a boca e os lambeu – sangue!

O que? Sangue… viver para sempre, ser jovem e nunca mudar… então eu virei um vampiro?

—Sim, uma linda vampira. Esses cabelos negros ficarão perfeitos com o tom pálido e morto que sua pele atingirá, será uma visão… do inferno. –Sorriu sedutoramente – me faça feliz agora, salve seu amor. – Falou rolando os olhos e do nada desapareceu.

Me levanto e vou até a janela. O gato parou de miar. O jardim esta intacto, a grama parece que nunca foi arrancada. Estranhei. Ouço batidas na porta.

 


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