Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada escrita por Eddie Stoff


Capítulo 4
Eu vou morrer, mas antes uma pausa para o bolinho




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783936/chapter/4

“Sabe como chegar naquela pessoa que você está querendo conversar a tempos? Fala assim: ‘Você está correndo risco de vida’.”

Aquela mulher — ou qualquer outra coisa que ela fosse cessou a conversa antes mesmo dela começar. É possível que morar ali, sozinha tivesse comprometido seus modos de socializar.

Talvez devesse provar aquele bolo antes de morrer.

Levei-o até a boca. Era incrivelmente bom. Se for pra morrer que seja, pelo menos, de barriga cheia, este é meu lema. Por um breve momento fiquei sentindo o gosto do bolo em minha boca, até que lembrei que não estava sozinho. A mulher misteriosa continuava ali, me olhando. Senti o bolo pesando na minha barriga.

— Suponho que você tenha gostado do bolo. — Ela disse usando um tom simpático.

— Sim, está bom, muito bom. — Respondi enquanto pegava outro pedaço. Olhei para ela meio que pedindo aprovação para pegar outro, seus olhos pareciam dizer “vá em frente”. — Olha dona, obrigado pelo bolo, mas agora tenho que ir. Todo esse lance de você está correndo perigo é um pouco estranho demais, até para mim.

Estava me levantando quando ela segurou meu braço com uma certa força, me fazendo sentar novamente no sofá.

— Nossa conversa ainda não acabou, Adrian. — O tom dela já era mais áspero — Temos que usar o tempo que nos resta antes que ele saiba que você está aqui. Ele está atrás de você. Além do mais, você está num sonho, não tem lugar algum para ir.

Quem estava atrás de mim? O bicho papão?

— Ele? Quem? — Perguntei — Por que alguém estaria atrás de mim? Não fiz nada. Eu juro. E, o mais importante, do que é feito este bolo? Está delicioso.

Veja bem, eu tenho cinquenta quilos de pele pálida e frágil, minha única forma de lidar com as situações é o senso de humor. Quando fico apreensivo começo a falar coisas sem sentido. E você já viu do que sou capaz quando fico nervoso. Porém, não me sentia nervoso diante da presença daquela mulher por dois motivos que me pareciam bem claros:

1) Estar ali, com aquela mulher, de alguma forma era confortante, mesmo não sabendo o porquê;

2) Era tudo um sonho, certo? Nada de mal pode acontecer com as pessoas enquanto sonha, por mais que ele pareça real.

— Eu poderia dizer-lhe o nome, mas, se assim o fizesse, Ele ficaria sabendo desta nossa pequena reunião. Então, minha criança, você terá que descobrir por conta própria. Faz parte do seu destino. — Enquanto ela falava mais parecia ter confiança no que dizia, como que, de alguma forma, ela soubesse o que estava por vir.

— Ok. — Eu disse — Se não pode dizer o nome de quem for que está atrás de mim querendo me matar, poderia, ao menos, dizer o seu? Ou, sei lá, quando disser vai atear fogo em mim como forma de manter o segredo a salvo?

Ela suspirou.

— Ah, Adrian, você se tornou um jovem bastante impertinente. – Ela disse isso como se soubesse de toda minha vida. – Não. Não irei revelar meu nome. Não ainda. E, pensando bem – Ela se permitiu um sorriso –, você está na minha cabana. Cabana que você invadiu. Logo, no meu ponto de vista, você não tem direito de perguntar nada. Apenas ouça o que tenho a dizer e, talvez sobreviva para o que está por vir.

Esta última frase saiu num tom profético, ao melhor estilo daquelas cartomantes.

A verdade é que ela estava certa. Eu invadi a cabana. Devia ficar grato por não sido jogado lá fora na ventania ou sido morto. Contudo, ela tinha me dado comida e, de uma forma bem distorcida, abrigo. Já não ouvia mais o ruído do vendo batendo fortemente naquela velha cabana de madeira, talvez fosse a hora perfeita para sair correndo e escapar dali. Talvez eu simplesmente acordasse.

Ela pareceu ter entendido o que eu iria fazer e se adiantou:

— Se eu fosse você não sairia daqui tão apressado. Aquele que está a sua procura enviou seres para levar você até ele, e um deles se aproxima cada vez mais. Será questão de tempo até ser pego se sair daqui. Agora, seja um bom menino e preste atenção no que vou dizer, certo?

Quem era essa mulher? Ela parecia ler meus pensamentos, saber tudo sobre mim mesmo nunca a tendo encontrado na minha vida. Ou será que já? Ela parecia familiar, mas ao mesmo tempo, tinha um déficit na minha memória quando tentava localizá-la em alguma lembrança.

— Moça, não sei quem está atrás de mim. Ou o quê. — Desabafei – Só entrei aqui por causa daquela ventania que começou do nada, eu não tinha muito o que fazer, só tinha duas opções: entrar aqui e me safar, ou ficar lá fora e morrer. — O jeito que falei morrer me pareceu ridículo, já que estava sonhando e pessoas não podem morrer enquanto sonham. Ou podem?

A mulher balançou a cabeça em sinal de negativo.

— Você não iria morrer; e, nem a ventania começou do nada. Eu a criei. – Ela falava de uma forma tão calma e natural que realmente parecia verdade. Talvez não fosse um sonho, mas um surto mental da minha doença a IDSE — Instabilidade de ser esquisito.

Fiquei, por um momento, a sós com meus pensamentos, esquecendo que ela estava ali me encarando "amigavelmente". Era muita coisa para assimilar.

— Adrian? – Ela me chamou, fazendo com que eu saísse do meu "mundinho dos pensamentos"

— Hãhãdãã? – Foi tudo que consegui dizer. Bati com a mão na minha testa para voltar a razão. – O que aconteceu?

— Ora, eu que pergunto. Você parecia bem e de repente começou a fitar o vazio e fez uma cara estranha, de quando as pessoas estão com gases. – Ela tentou segurar um sorriso – Você não está com gases, está?

Senti-me ficando corado. Não que eu não tenha gases. Todo mundo tem. Só que não me sinto confortável falar sobre isso com as pessoas. É a mesma coisa quando perguntam e as namoradinhas? É um tanto embaraçoso.

— Não! Eu só... Esquece. – Mudei de assunto – Você que iniciou aquela ventania? E apenas para que eu entrasse aqui? Não poderia simplesmente mandar um cartãozinho ou vir até mim como uma pessoa normal? — A repreendi. O modo como ela arquitetou tudo me deixou intrigado. Não tinha muito sentido nisso. Aliás, em nada daquilo! Honestamente, uma sessão com Freud teria sido ótimo para interpretar meus sonhos.

— Não foi nada pessoal – Ela disse com um tom casual, mas eu soube de cara que era mentira. De alguma forma nós tínhamos alguma ligação, eu podia sentir. — Queria ver como você se sairia numa situação de risco pra saber se você está à altura do que está por vir. De quem está por vir.

Era tudo um teste, então? Minha cabeça estava prestes a explodir com tudo aquilo acontecendo ao mesmo tempo, queria apenas acordar e esquecer esse sonho maluco e fingir que nunca tinha acontecido, mas não era bem assim. Sonhos malucos aconteciam quase sempre comigo, só que aquela fora a primeira vez que sonhei com algo tão real.

— Ah, tudo bem. Qual melhor forma de saber se uma pessoa é capaz de fazer algo do que jogar um tornado em cima dela? – Falei com o bom e velho sarcasmo, mas minha voz tinha algo de diferente. Algo como medo. – Quer saber? Águas passadas. Vamos fingir que você nunca lançou uma ventania gigantesca em cima de mim e que eu quase morri...

Quando ia terminar de falar, fui interrompido por um estrondo bem alto vindo lá de fora. Um urro de alguém com raiva.

— UHAAAAAAAAAA!

Por favor, que seja apenas o vento. Falei para mim mesmo, mas eu sabia que não era o vento. Quem for que esteja atrás de mim, acabou de achar. E não parecia muito a fim de querer conversar.

— ADRIAN WEEEEEST! APAREÇA E VOCÊ TERÁ UMA MORTE RÁPIDA. – Gritou. Reconheci imediatamente que era uma voz masculina por ser tão grave e pesada, como se estivesse sendo abafada por alguma coisa. Confesso que minhas pernas começaram a tremer de medo. A ameaça agora era bastante real. Bem mais que estar ali, naquela cabana com uma mulher estranha que sabe tudo sobre mim.

— Ele está aqui. – Falou a mulher.

— Ah, valeu. – Disse eu – Eu percebi pelo grito e pela oferta tentadora de querer me matar. Sério, ainda não entendi o porquê de alguém querer me matar, sou apenas um garoto qualquer.

Nessa altura do campeonato, eu já não acreditava que era apenas um sonho... Ou um pesadelo. Foi aí que uma lâmpada piscou na minha mente. Agora estava óbvio. Xinguei-me mentalmente por ser muito burro e não ter percebido antes. Eu sabia o que estava acontecendo, o motivo por ser tão real. Tem essas coisas que os médicos chamam de "sonho lúcido". É basicamente um sonho enquanto você está sonhando. As experiências que você tem são, hã... Reais.

— Minha criança – A mulher colocou sua mão fria e pálida sobre meu ombro —, você não é apenas um garoto. — Ela me encarou e olhou firmemente, pude notar que ela também estava nervosa e apreensiva com o "recém-chegado" — Quando chegar a hora você saberá toda a verdade sobre quem você realmente é.

— UHAAAAAAAAAAA! APAREÇA! — Gritou novamente.

— Infelizmente nosso tempo acabou e não posso explicar sobre as coisas que virão. — Disse a mulher, que estranhamente voltou a ter um tom calmo em sua voz — Não se esqueça das coisas que você viu e ouviu.

— Hã... Posso fazer uma última pergunta? – Falei na certeza de que seria negado

— Vá em frente. — Disse a mulher, o que me deixou surpreso, ela era TÃÃÃO misteriosa.

— Já que não pode dizer seu nome ou de quem está atrás de mim, poderia dizer, pelo menos, onde estamos?

A mulher demorou um minuto a mais do que tínhamos. Um estrondo grandioso derrubou a porta da frente. Estávamos praticamente sem defesas. Havia um tronco atravessado na varanda, que mais parecia um porrete dos homens das cavernas, mas me lembrei de que durante todo o percurso que fiz não tinha visto nenhuma árvore.

— JÁ QUE NÃO QUER VIR POR BEM, VIRÁ POR MAL! MAL POSSO ESPERAR PARA COLOCAR AS MÃOS EM VOCÊ! — O homem ou criatura das cavernas gigante gargalhou fazendo estremecer toda a estrutura da cabana; o jarro de água e os copos quebraram. O porta-chapéus caiu, derrubando tudo que tinha nele. Os quadros foram ao chão e as molduras se partiram com facilidade no impacto.

— Adrian... – Disse a mulher – Você quer saber onde estamos. Tudo bem. Irei lhe contar.

— Por favor, seja rápida. Não quero estar aqui quando ele chegar para colocar as mãos em mim. – Dava para sentir o medo em minha voz. Comecei a suar frio. Estava ficando nervoso e encurralado. A visão começou a ficar turva, como sempre ficava quando estou nervoso.

— Aqui, minha criança — Contou ela pragmática — É onde todos os males vêm parar quando morrem. Aqui é o Breu, a camada mais afastada do cosmo.

— Quê? Que Breu? Do que você está falando? – Aquela conversa tinha tomado um rumo confuso.

— Não há mais tempo para explicações – Sua voz estava apreensiva e parecia ter certa urgência – Você tem que acordar Adrian. Acorde!

Ainda estava confuso sobre o nome do lugar. Breu? Que tipo de nome é esse? Os males vêm para cá? Eu sou mau, então? Caaaara, eu estou muito confuso.

— ADRIAN, ACORDE! – de repente a voz dela se tornou cada vez mais distante, até que não passava mais de um sussurro jogado ao vento.

Tentei chamar por ela, dizer alguma coisa, para ela fugir ou se esconder, mas, minha voz não saia. Por mais que ela parecesse ser alguém que tem... hã, certos “poderes”, não parecia ser páreo para alguém que usava um porrete de, sei lá, dois metros de comprimento.

— Adrian, você precisa acordar. – Pensei que fosse aquela mulher falando comigo de novo, mas notei que o tom de voz era diferente; era outra pessoa. Desta vez, era alguém conhecido. Real. — Adrian, você vai se atrasar para seu primeiro dia de aula se não acordar.

Abri os olhos com grande dificuldade. Olhei em direção a porta e vi o rosto de uma mulher de meia idade, seus grandes olhos azuis cintilavam. Era a Marie.

Afundei a cabeça no travesseiro. Minha mente virava a mil por hora.

Grunhi. Tinha acordado, afinal.

— Ótimo... Aula.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Remanescentes - A Fazenda Amaldiçoada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.