WSU's Padre escrita por Lex Luthor, WSU
Maputo, Moçambique
De macacão laranja e algemado numa bancada de cor branco gelo. Era assim que Wellington, ao lado de seu advogado, assistia ao telão à sua frente. Da Cidade do Corsário o juiz ouvia, em tempo real, a transmissão das falas do advogado.
— Meritíssimo, estou certo que breve o meu cliente estará no Brasil — enfatizou, com um sorriso. — O garoto cuja lâmina de meu cliente perfurou já estava morto segundo os laudos, nada explica o que houve naquele dia e isso faz de meu cliente inocente.
— E o que o senhor Agostino tem a dizer sobre isso? — indagou, levando a mão ao queixo.
Apreensivo, o advogado olhou para o seu cliente com os olhos arregalados. Inclinou-se até os seus ouvidos para aconselhá-lo.
— Se acharem que você é louco — cochichou —, vai perder a guarda.
Wellington levantou-se rápido, até se esqueceu de suas algemas e levou um solavanco para frente. Bufou de raiva pela própria displicência, mas decidiu apenas responder.
— Excelência, se eu disse que o garoto morreu após ser estuprado por maníaco local e fez um pacto com uma entidade para se vingar — disse, com um sorriso cínico no rosto —, acharia surreal?
Seu advogado levou ambas as mãos ao rosto e o juiz confirmou serenamente com um aceno de cabeça.
— Eu também — continuou. — Não posso afirmar o que acho surreal. Assim como as autoridades daqui, as quais confio e dou fé que sairei inocentado, não posso concluir nada.
O advogado suspirou e o juiz tomou um gole d’água na outra tela.
— Muito bem — disse, antes de prosseguir. — O fato é que o garoto é filho de uma prostituta que veio a falecer e o senhor obteve a guarda dele de forma informal. Não o bastante, deu péssimas condições de vida ao garoto.
— Eu posso não ter tido condições de dar ele um teto! — exaltou-se Wellington. — Mas o dei educação, nunca o deixei passar fome, cuidei dele e o levei para a escola. Então não me diga que o tratei mal!
Enfezado, o juiz bateu o martelo três vezes, o bastante para que o padre sentasse calado à sua cadeira.
— O senhor falsificou sua identidade e nunca teve um comprovante de residência no Brasil — devolveu no mesmo tom. — Diante disso, o tribunal lhe nega a guarda de Lineker Santiago!
O juiz bate o martelo, é o fim do julgamento.
— Meritíssimo? — chamou Wellington, com os olhos mareados.
— Sim? — respondeu, confuso.
— O Lineker está aí? — perguntou, sendo respondido por um aceno negativo. — Quando disserem que eu não vou ter a guarda dele, digam que eu tentei de tudo.
O juiz acenou positivamente com a cabeça e fez um gesto, pedindo para desligar a transmissão.
— Infelizmente o tempo é curto, teremos que ficar por aqui.
— Digam que eu o amo muito — ignorou, aumentando o tom — e que...
Não pôde continuar, apenas viu a tela se apagar e teve que se contentar em olhar para baixo. Pensou no quanto podia ter feito pelo garoto e evitar toda aquela situação, mas quando os guardas se aproximaram, apenas deixou estes pensamentos irem.
— Desculpe, Wellington — lamentou-se o advogado, levando a mão ao seu ombro. — Nós fizemos o possível.
Os guardas aproximaram-se e um deles tinha um telefone em chamada, entregou-o ao padre.
— É para você — falou, num sotaque afro-lusitano.
Desconfiado, apenas pegou e atendeu.
— Alô?
— Wellington Agostino? — perguntou, a voz num puxado sotaque latino. — Aqui é Leão XIV.
— Sua Santidade? — assustou-se.
Olhou desconfiado ao seu arredor.
— Estou sabendo que anda escrevendo um livro chamado “A Nova Demonologia” e gostaria de saber se quando sair de Maputo, não gostaria de visitar Roma?
— Eu ficaria honrado — respondeu, sorrindo incrédulo.
— Mais uma coisa — falou com graça —, esta linha é única diretamente para mim e a Inteligência do Vaticano, a Santa Aliança.
Wellington virou o telefone e viu nele uma insígnia. Dois círculos circunscritos e dourados adornados pelos dizeres “Sancti Alliance”, com um rubi vermelho e redondo no meio.
— A turma da maçã mordida pira — admirou, levando o aparelho ao ouvido novamente.
— Sua missão — continuou o bispo de Roma —, caso deseje aceita, é retornar ao Brasil e nos fazer um relatório da atual situação dos eventos sobrenaturais na Cidade de Cárceres.
— Por favor, não me diga que essa mensagem vai se autodestruir, Sua Santidade.
— Claro que não — respondeu, rindo. — Encare isso como um pedido de desculpas.
O exorcista sorriu, emocionado.
— O senhor acaba de ter o Padre ao seu serviço — pensou em como aquilo estaria acontecendo. — Foi o Mathias, não foi? Achei que ele tivesse morrido.
— Deus vobiscum — despediu-se Leão XIV —, Patrem.
— Amen — respondeu, com gratidão.
Sua alma poderia estar ainda em jogo com Mefisto, mas o que a liberdade de seu corpo poderia lhe proporcionar era a chance de lutar por algo ainda mais precioso para ele: seu filho.
— I see the questions in your eyes — a melodia começou a tocar no telefone.
— Eu adoro esse papa! — gritou como um louco e fez os seguranças entreolharem-se, constrangidos. — E amo Mathias e também o Elvis Presley!
Cidade do Corsário, Brasil
— Mathias? — perguntou Lineker, assustado. — Achei que você tivesse...
— Morrido — respondeu. — Não.
Andou em direção ao garoto, auxiliado por uma bengala. Olhou envolta de si e viu todas aquelas freiras andando no pátio repleto de árvores. Decidiu sentar-se ao lado do garoto, na escada que dava acesso ao interior do convento.
— Como está se sentindo? — perguntou o padre.
— Tá tudo uma merda — respondeu sem hesitar, olhando para baixo em seguida.
— Não diga isso — repreendeu, sereno. — As freiras te tratam muito bem aqui.
— Foi mal — disse, fungando o nariz —, eu só não quero ficar aqui.
Mathias afagou os cabelos do garoto, se aproximando mais.
— Meu pai nem teve a chance de se despedir de mim.
— O seu pai tentou ficar com a sua guarda, mas não possível.
O padre colocou uma folha sobre o colo do garoto de cabeça baixa.
Termo de Adoção e Guarda
— Mas eu acho que posso fazer isso com a sua ajuda — continuou. — Vou te levar pra Roma, você vai ter um lar e uma ótima educação comigo lá.
Os olhos do garoto encheram-se de esperança.
— E um passarinho azul me contou que o Wellington vai estar por lá logo-logo.
O garoto abraçou o jovem padre, que se assustou. Porém, não pode conter o ânimo e retribuiu o gesto. Quando os braços se desataram, Mathias sorriu.
— Arrume suas coisas e agradeça às freiras — pediu, levando a mão ao ombro do garoto. — Vou fazer uma breve visita e volto pra te buscar.
Presídio Feminino da Cidade do Corsário
Ala Psiquiátrica
Ao lado de um doutor trajado num jaleco branco, Mathias atravessava o longo corredor com aquelas mulheres pouco amigáveis.
— Possui a minha xana, padre! — gritou estridente uma.
Impaciente, o médico bufou.
— Ignore — pediu, educadamente. — Só não mais loucas do que a sua Julia.
— Minha não, Deus me dibre — respondeu com desdém. — Ela é a mais louca?
— Disparada — falou com veemência. — Vive falando de uma presença maligna a guardando e que o bebê dela vai trazer o fim do mundo.
O médico destravou a porta eletrônica da última cela do corredor.
— Tivemos que fazer algo para ela parar de machucar o bebê, esmurrava a barriga e não se acalmava — acrescentou o médico. — Então, acho que ela vai falar mais merda que o habitual.
— É, acho que não vou estranhar.
— Tá chapadona.
Quando Mathias entrou, avistou Julia com uma camisa de força especial que deixava sua barriga enorme à amostra. Lembrava de longe a bela mulher que já fora. Cabelos emaranhados, grandes olheiras.
— Você não é o padre — falou com uma rouca.
A mulher estava sentada num piso revestido espuma macia, bem como a parede em que suas costas se apoiavam.
— Não o meu padre.
— Wellington está na África.
Julia soltou uma risada tímida, que aos poucos foi aumentando.
— Mas ele vai perder o nascimento do bebê — entristeceu-se, com um ar de infantilidade na voz. — Nós lutamos tanto para ele nascer.
— Ninguém lutou por isso, sua maluca — Mathias, enfezou-se.
Mais uma risada.
— Você fica engraçadinho com raiva.
A moça lambeu os próprios lábios antes de rir novamente.
— Olha — disse o padre, tentando se acalmar —, a família do seu ex-marido está procurando o corpo dele.
Julia inclinou o queixo para cima, cerrou os olhos e deu de ombros.
— Acha justo que a mãe dele não dê um enterro digno para ele? — indagou, apelativo. — Que tipo de mãe você quer ser?
— Que tipo de mãe eu não vou ser se fizer isso?
Mathias negou com a cabeça, desapontado.
— Eu chamei a polícia para que me trancassem aqui e me proteger de gente como você — foi o primeiro momento em que se notou a seriedade nela. — Aí, eu poderia ter o meu bebê sem me preocupar
— E valeu a pena ser privada de sua liberdade pra isso, Julia?
— Sim — respondeu, sincera. — Olha pra essa cela — contemplou o seu derredor —, porta de aço, paredes de concreto e outra camada de concreto maior ainda no piso.
— Ele está tão seguro assim mesmo? — perguntou, irônico. — O médico lá fora me disse que você tentou machucar sua barriga.
A moça olhou para baixo pensativa, mas logo encarou novamente o padre.
— É que eu só demorei para aceitar quem eu sou — respondeu, sorrindo. — Eu sou a porra da Virgem Maria, só que puta.
— Você nunca vai ser! — esbravejou. — Me fala aonde está a droga do corpo!
— Os meus advogados caros me disseram pra não falar nada sobre isso! — rebateu, gritando. — Se acharem o corpo, vou ficar aqui pra sempre e não vou poder cuidar dele quando nascer.
— Os advogados da Ordem dos Faustinos? — desdenhou. — Vai acreditar que seu filho é o anticristo por conta de um bando de hereges malucos de uma seita?
De repente, ela levantou-se usando apenas suas pernas e franziu o cenho demonstrando total agressividade.
— Não fale assim dele! — gritou, caminhando rapidamente em direção ao clérigo. — Ele é! — sua voz engrossou, aos poucos.
Assustado, Mathias deu um passo para trás.
— Ele é! — repetiu, cada vez mais próximas. — Ele é! — gritou, com a voz totalmente deformada. — Ele é! — Seus olhos tornaram-se negros.
A porta foi aberta, o médico encarou ambos e olhou para Julia.
— Não lhe falei para não perturbar a paciente! — esbravejou, voltando sua face para Mathias.
— Você não vê como ela está? — perguntou, arisco.
O doutor olhou-a de ponta a cabeça, mas a mulher estava exatamente como da última vez que vira.
— Drogada, eu te disse! — Apontou para o lado de fora da cela. — Agora saia imediatamente!
Mathias a encarou uma última vez antes de deixar o local, a moça apenas sorriu. Ela deitou-se no conforto do chão estofado e ouviu a porta de ferro bater.
— Sabe que ele é seu pai biológico, não é? — perguntou. — Não vão achar ele nunca, bebê.
A moça deu uma risada descontrolada.
— Não depois de terem passado uma camada de concreto em cima dele.
PADRE
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