Um pequeno problema escrita por Celso Innocente


Capítulo 15
Pai, irmão ou avô?




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Passava vários minutos das dezoito horas, quando seus ouvidos atentaram para o ronco de um motor se aproximando. Cinco segundos depois, George aproveitando o portão aberto e forçando o acelerador, fazendo barulho para quem quer e quem não quer ouvir, adentrava com sua moto potente o quintal de sua casa. O menino, depois de fazer até careta devido o ronco infernal (música para seus ouvidos bobinhos) correra até ele, cumprimentando-o com certa ansiedade:

            — Oi!

            — Oi papai! — Desligou a moto. — Como tens passado?

            — Bem!

            — O que tá fazendo aqui fora?

            — Brincando.

            — Sozinho?

            — É! Com os cachorros!

            — A Maysa não brinca contigo?

            — Ela está na vizinha.

            Calou-se por um instante, enquanto o rapaz já teria deixado a motocicleta, tirando o capacete.

            — Você vai dar uma volta em mim? — Perguntou timidamente.

            — Ah, é isso que você quer? Por que não disse logo?

            Deu uma volta ao redor do menino e insinuou:

            — Pronto. Pedido atendido.

            Como o menino permaneceu calado, ele especulou:

            — Não era isso que você queria?

            — Eu queria andar na moto.

            — Ah tá! É que você não explicou direito. Você disse dar uma volta em mim! Deveria ter dito, dar uma volta comigo!

            O menino franziu o nariz como a não entender. O rapaz pediu:

— Busque o capacete.

            Sorrindo, o menino correu até a sala da casinha, voltando em segundos com o capacete pequeno, já sendo colocado sobre a cabeça.

Aquilo o encantara. Talvez tenha passado a semana toda pensando em tal passeio com aquele “irmão” crescido.

            Apenas duas voltas até a rodovia e voltando, fora o suficiente para alegrar tal coraçãozinho ansioso.

            Depois, enquanto caminhavam juntos para o interior da residência, fechando antes o grande portão, George insistia:

            — Como passou durante a semana?

            — Bem! Estou indo na escola.

            — É verdade! Fiquei sabendo. Está gostando?

            — Muito!

            — Já arranjou uma namoradinha?

            — Não! — Pensou um pouco. — Quer dizer… mais ou menos.

            — Eu ouvi falar de um certo marido arranjar namoradinhas aí?! — Protestou Luciana se aproximando.

            — Não são namoradas! Só amigas!

            — Como? Não são namorá…das — Insistiu Luciana com forte ênfase na terceira sílaba. — Tem a cara de pau de dizer que não é só uma?

            — Todos gostam de eu. Os meninos também! São amigos. Só amigos! Não quero namoradas!

            — Está bem, meu bebê — Riu Luciana abraçando-o. — Estou brincando.

            — Não sou bebê!

— É nosso bebezinho — Confirmou George. — Só espero não encolher a tal ponto. O importante é ter amigos e estar gostando da escola.

— Mas eu estou triste.

            — Por quê? — Insistiu o rapaz.

            — Tou com saudade de meus pais…

            — A avó mora aí mesmo! — Alegou George. — É só você passar alguns dias com ela. Aliás, garanto que ela vai adorar.

            — Mas eu tenho saudade também do meu pai.

            — Meu avô?! Eu também tenho saudades daquele velho.

            — Ele não é velho! — Protestou o menino.

            — Pra mim, era — alegou George.

— Um velho rabugento — emendou a mãe.

— O que é… rabugento?

— Chato… mala… cricri… nervoso, não gosta de ninguém.

— Meu pai não é assim! — Tornou a protestar em defesa de tal homem que sim, era um pouco desse jeito.

— Pergunte à sua mãe!

— Ele nunca bate nos filhos! Minha mãe bate.

— Então meu papai também não é rabugento! — Ironizou George. — Ele nunca bate nos filhos. Já não posso dizer o mesmo de minha mamãe.

— As mães cuidam dos filhos! — Foi incisiva Luciana. — Os pais, os mimam. Deixa-os mal-acostumados.

— Vovô gostava da gente, as crianças!

            — Não é nem bravo? — Insistiu o menino.

            — Conosco não! Sempre nos dava bolinhas de gude. Ainda tenho um pote cheio delas! Vou dá-las pra você!

            Acompanhado por Regis, George correu ao porão, apanhou um pote plástico de dois litros, com três quartos de bolinha de gude e entregando a ele disse:

            — Ganhei do vovô. Pode ficar pra você!

            — Minhas bolinhas! — Admirou-se o menino. — Como elas estão aqui?

            — Suas?! Como assim?

            — São minhas! Minha coleção. Veja!

            Apanhou algumas e apresentando-as ao rapaz explicava:

            — Têm carambolas. Tem de aço. Mascotes… sou bom em jogar burquinhas! Ganho de todo mundo!

            — Que palavra é essa? Burquinha?

            — Jogo de burquinhas, ué! — Deu de ombros.

            — Nunca ouvi falar esse nome! Vou procurar no dicionário.

            (Se algum dia George procurou tal palavra no dicionário, com certeza não encontrou. Porém, se ele resolveu fazer uma busca em um portal da internet, encontrou até fotos de diversos tipos de bolinhas de gude).

            — Onde estão as outras? — Estranhou o pequeno. — Tinha mais!

            — Tinha mesmo! Acho que você cresceu e às abandonou. Vovô às manteve guardadas e depois acabou repartindo conosco, as crianças. Eu as mantive guardadas pelo carinho que significava. Será que eu sabia que o verdadeiro dono voltaria para buscá-las?

            Acho que as bolinhas de gude, primeiro significou alegria pela surpresa gerada, depois virou lembrança e saudade, de um tempo que para ele estava logo ali, distante apenas duas semanas, enquanto que para o rapaz, um tempo que nem existiu.

            — Queria tanto voltar para minha casa — alegou o pequeno, sentindo que as lágrimas queriam rolar pela face.

            Saindo da pequena porta do porão para o quintal, aproveitando os fundos alto e deslumbrante da residência, George insistiu:

            — Não está gostando de nossa casa? Você sabe que ela é mais sua do que minha. Ela foi construída com o dinheiro do suor de seu trabalho cansativo, em constantes viagens por este país inteiro. Viagens meu papaizinho, que nem deixou que você vivesse a infância de seus filhos — o rapaz também sentia lágrimas. — Nós crescemos e você… ou que seja ele, nem viu. Por isso que enquanto ele estava aqui, antes de você chegar, ele sempre brincava, alegando que éramos mais jovens do que verdadeiramente somos. Sempre me dizia, você já tem quatorze anos. E eu respondia, não pai, tenho vinte e dois. Falava pra Maysa, você tá velha, já tem sete anos, e ela respondia, tenho dez. Acabou de completar onze. Meu pai não queria ver a gente crescido.

            — Meu eu grandão perdeu a infância dos filhos?

            — Sim! Perdeu. Ele sempre saía de casa na segunda feira pela manhã, antes de a gente acordar; as vezes saía no domingo à tarde e só retornava na sexta-feira à noite. Nós crescemos e ele nem viu. Justo ele que adora crianças.

            — Por quê?

            — Para hoje termos isso aqui que você está vivendo.

            — Compensa? — Estranhou o pequeno.

            — Não sei! — Teve dúvidas George. — Meu pai tinha um ótimo emprego. Passava a semana inteira em São Paulo, Santos, Campinas… Bauru. Corria o estado inteiro. Acho que qualquer nome de cidade que você dissesse a ele, com certeza ele saberia dizer em que lugar ela está localizada. Por menor que seja.

            — Tá! Eu não quero viajar tanto quando for grande.

            — Toda criança gosta de viajar — foi incisivo o rapaz.

            — Sim! Pra praia!

            — Já foste à praia?

            — Não! — Deu de ombros.

            — Seu eu grandão sempre nos deu este privilégio.

            — Você disse que ele nem viu vocês crescerem!

            — Tínhamos férias! Férias significava passeios… para compensar as perdas.

            — Será que meus pais também vão perder a minha infância?

            — Nós vivenciaremos a sua infância… nem sei se continuo chamando você de papai, de irmão ou de amigo. Acho que o terei mais como um filho. Prometo cuidar muito bem de você. Sua mamãe está lá! Talvez ela precise de você agora, mais do que naquela época. E esta casa, de seu suor, é uma dádiva que como seu eu grandão sempre dizia, um presente de Deus. Não gosta dela?

            — Gosto muito! — Pensou um pouco. — Sabe, quando eu vinha da escola, no meu outro tempo, atrás da Igreja de Fátima, passava em frente a uma linda casa que me deixou encantado. Ela era tão linda, nem sei se ainda é. Tão linda que eu a imaginava como se fosse minha. Acho que minha imaginação valeu a pena. Esta casa aqui é muitas vezes mais linda do que aquela.

            — E é sua! Com muita garra! Não veio de mão beijada.

            — Qualquer dia você me leva atrás da Igreja de Fátima pra ver se aquela casa continua igual?

            — Claro! Farei tudo o que você me pedir, papaizinho.

            — Se você não souber onde fica, eu te explico.

            — O que foi? Tá me tirando? Trabalho nos correios! Sou carteiro!

            — Uhm! — Não entendeu o pequeno.

            — Deixa pra lá.

            — Você sabia que esta chácara é muito parecida com a da minha avó? — Alegou o menino. — Não a casa. A casa da chácara dela é antiga, esta é novinha.

            — Seu eu grandão sempre me falou isso.

            — Eu adoro passear na chácara dela! Quer dizer… adorava. Acho que ela já… morreu!

            — Infelizmente já! — Confirmou George.

            — Foi o que Arthur também me disse.

            — Eu nem a conheci. Você grandão sempre me falava da tal chácara. Uma vez ele me falou de certos piolhos de galinha! Será que era verdade?

            — Sim! — O menino riu. — Eu adorava brincar pela chácara inteira. Ela era muito limpa. Meu avô cuidava muito dela. Sabe o que ele fazia?

            — Acho que devia ser aposentado — deu de ombros o rapaz.

            —Ele juntava papel usado para vender na Incópa.

            — O que é Incópa? — Não entendeu George.

            — A fábrica de papel usado! — Gesticulou o menino.

            — Reciclagem de papel — explicou George.

            — É o que ele juntava. Eu adorava mexer naquele montão de papel.

            — E os piolhos?

— Uma tarde eu já tinha tomado banho e fui brincar no galinheiro. Quem disse que à noite eu conseguia dormir! Tinha um milhão de piolhos andando em mim!

— Um milhão!? Quem contou?

— Ah! Parece bobo! Não vê que é jeito de falar!

— E aí? Foi dormir no galinheiro?

 — Tive que tomar outro banho. No final eu gostei, pois o chuveiro da vovó era igual aos de hoje.

            — Elétrico — confirmou o rapaz.

            Calaram-se por um instante e o rapaz continuou:

            — Agora eu vou tomar banho. Vê se deixa essa carinha triste de lado e seja um menino feliz. Tenho certeza que tudo se resolverá e depois você voltará para o seu tempo! Pensa que também já não estou com saudades de meu pai grandão?! E o pior, depois que isso se resolver e vocês voltarem cada um pro seu lugar, adivinha de quem vou ficar com saudades?

            — De mim?! — Alegou alegre o menino.

            — Ainda tem dúvidas!? Esse seu jeitinho sapeca!

            — Não sou sapeca! — Protestou ele. — Minha mãe disse que sou anjinho!

            — Claro que é! Anjinho da cara suja!

            — Não tenho a cara suja! Tomo banho todos os dias!


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