Os Encontros da Nossa Vida escrita por Foraquel


Capítulo 2
Sete Anos ATRÁS




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— Ele está bem? – perguntou com as forças se esvaindo - Não escutei mais o seu choro? Ele es... – ela fechou os olhos tentando acalmar sua respiração. Estava tentando ficar viva. Meu coração doeu.

— Ele está bem – respondi com um pesar. A verdade não era necessária. Não mais. Ela o encontraria logo – Está dormindo tranquilamente. Como um anjinho.

Senti a sua mão apertar a minha com mais força. A cama parecia um mar vermelho do sangue que ela perdeu depois do parto. Os cabelos dela, que quando o vento balançava, estavam grudados na testa pelo suor. Seus lábios que um dia tinham saído maravilhosas canções e histórias, agora estavam brancos e secos e sua voz não passava de um sussurro. O seu olhar ainda era firme, mas as vezes perdia o foco.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Ela estava indo e eu não podia fazer mais nada. Não podia ir sem eles. Ela nunca me perdoaria

— Eu não posso ir – disse estremecendo – Eu não posso seguir com...

— Shhhh... As paredes têm ouvidos – o aperto da sua mão estava afrouxando – Você é tão forte, Mel - passou a mão tremula no meu cabelo - Você consegue! Nick precisa de você – fechou os olhos por um momento e falou sussurrando – A carta está no quarto dele.

O médico disse que ela tinha poucos minutos de vida, por causa da perda de sangue. Nick era prematuro.  Tive a chance de o pegar no colo por alguns minutos. Um lindo garotinho cabeludo. Ele deveria ter nascido daqui dois mês, mas quando ela deu a luz, os batimentos dele já estavam fracos. "Não há o fazer" disseram e o levaram. E eu não tive coragem de dizer a ela.

Eu achei que poderia passar a força para ela tentar resistir. Mas ela sabia que era hora dela. No momento, em que ela não sentiu mais o bebê se mexer ela sabia. Olhei ao redor do quarto. O silêncio só era quebrado pela respiração dela que não era mais presente. Senti uma lágrima escapar das muitas que tentavam escapar, não soltei a mão dela. Mas ela já tinha ido para outro lugar. Um lugar maior. Um lugar melhor. Um lugar onde ela encontraria o Nick.

Meu irmão se foi

Minha mãe se foi.

Eu estava sozinha na Fortaleza. E não fazia ideia de como sair sem eles.

 

Minha mãe me disse uma vez que ela não me desejava. Durante toda a gravidez, ela não havia pensado nada sobre mim. Até o momento que eu nasci.

"Seus olhos se abriram e eu vi algo de especial", foi isso que ela falou. Estávamos de frente para o espelho enorme do meu quarto. Lembro de chegar mais perto dele e tentar achar algo de especial nos meus olhos, até que minha mãe mandou rindo eu parar quando eu coloquei o dedo machucando um olho.

"Você não vai encontrar, só quando tiver os seus filhos" gargalhou. Franzir o cenho e disse "Eu não vou precisar de filhos. Eu terei você e meu irmão para cuidar", uma tristeza passou rapidamente pelo rosto dela "Mas porque meu nome é Bee?" perguntei mudando de assunto "Foi o papai que escolheu?". Ela riu "Seu pai teve uma viagem de emergência e só chegou no dia seguinte" virou para o espelho e olhou pra mim "Quando eu vi realmente que eu era mãe e fiquei imaginado como eu daria conta de uma bolinha chorona, você se mexeu em meus braços, abriu a boquinha e fez um som parecido como uma abelha. A partir daí, eu sabia que encontraria um jeito de cuidar de você, Mel"

Eu não sei como ela conseguiu convencer o Senhor Alabá, mas meu irmão seria chamado de Nikolas Fernando. Ela já tinha a documentação dele perfeita, faltava o dia e a hora. Agora, já não era necessário. Ele já não estava mais lá.

A melhor hora para tentar era agora. Perderia o enterro dos dois, mas era algo que eu não teria outra chance. Ela disse "Só o meu corpo estará aqui. Não fará diferença se você for ao meu enterro".

A carta estava na mochila junto com os documentos, dinheiro e o celular. Tínhamos ensaiado o percurso várias vezes antes dela saber da gestação. Até que três dias antes da fuga, os sintomas apareceram.

Minhas roupas eram todas marrons, por causa de um excesso de proteção ridícula.

Fortaleza é uma chácara enorme, que fica no topo do morro. Sete km do centro de Slin. Havia a casa central, onde eu só entrava com autorização e as casas distantes e pequenas ao redor. Nasci vendo homens com armas para todo lado. Empregados e mulheres. Muitas mulheres. Hoje sei o que ela fazem, mas nem sempre foi assim.

Perto dos meus sete anos foi a primeira vez que eu vi Fortaleza sem nenhum guarda. Nesse dia, meu avô Joseph morreu. Eu o amava muito. Ele sempre contrabandeava uma sacola da nossa fruta favorita, mexerica, quando me visitava uma vez por semana. Mas quando ele se foi parecia que um peso tinha sido tirado dos ombros da minha mãe, ela sempre ficava incomodada com as visitas do vovô, porém nunca vi eles brigarem.

Durante o enterro, o lugar estava todo deserto e aproveitei para explorar cada canto da chácara nos três dias de luto. Conheci as cozinheiras e o caseiro e eles me mostraram o lugar onde tinha animais domésticos e a horta.

O relacionamento dos meus pais piorou depois que o meu avô morreu e com o passar dos anos, praticamente nem existia. Com o tempo, eu nem lembrava como era a voz do meu pai, mas às vezes, eu via algum vislumbre do carinho que ele sentia pela minha mãe e por mim. Porém, eu não podia confiar neste sentimento mais, já que os dois estão mortos.

Caminhei em direção ao chiqueiro com a mochila em uma sacola, como minha mãe tinha planejado. Passei por baixo da porteira e me joguei na lama prendendo a respiração. O cheiro era insuportável, mas valia a pena. Fiz questão de verificar cada parte do meu corpo para não ter erros. Está era minha única chance e eu tinha que aproveitar.

Depois do chiqueiro tem um rio muito sujo que passava por baixo do centro de Slin. Eu só precisava passar pelas pedras e não ser vista por ninguém.

Dong-Dong. Dong-Dong.

Era o sinal estavam me procurando. Tentei andar mais rápido pela lama e me esconder entre os porcos. Ouço barulhos na direção do galinheiro e apresso a rolar nas pedras e mergulhar no córrego. É uma decida, então não me preocupo em nadar. Olhei para trás.

Até nunca mais Fortaleza.

Encontrei dificuldade em convencer alguém deixar uma pessoa imunda tomar banho. Muitas pessoas me encararam quando atravessei a cidade. Então, entrei na floresta ao redor da cidade e andei até achar um rio. O sol estava queimando dando sinal que já era meio-dia e fazendo com que a sujeira grudasse mais em mim e o meu cheiro não era dos melhores.

Não podia dormir na floresta e nem ficar na cidade. Logo assim que avistei o rio, entrei e tirei toda lama do meu corpo. Ele não era tão fundo. A água estava fria e estava agradecendo por isso. Olhei ao meu redor. Não tinha nada. Tentei ouvir algo alem do barulho das águas. Nada. Tirei a roupa marrom e deixei que o rio a levasse. Peguei a mochila de dentro do saco e vestir uma roupa nova. Coloquei um jeans, uma blusa com um capuz e boné.

Segui o rio em direção ao norte até encontrar a estação de trem da outra cidade. Já tinha escurecido, assim que sai da mata. Coloquei o relógio de pulso. Oito e meia. Minha passagem era pra dez horas.

Meu estomago reclamou. Assim que entrei na estação de trem, apanhei o sanduíche esmagado no meio das coisas e devorei sem nem sentir o gosto. Olhava pelo ombro toda hora, tentando ver alguém de vestimenta marrom a procura de alguém e quando o trem chegou entrei rapidamente. Peguei meu documento e a autorização da minha mãe, mostrei ao funcionário. Ele olhou para o meu rosto com cortes, mas ignorou. Quando ele passou pelo vagão quase vazio, eu guardei a mochila dentro do casaco, dando a impressão que estava grávida.

A viagem durou três horas. Não prestei atenção na paisagem. A todo o momento olhava para as pessoas que passavam no corredor. Ainda não tinha caído a ficha que eu fugi da Fortaleza. Esmaguei o papel com o endereço e o numero de alguém que eu nunca vi, mas que minha mãe confiava bastante. Respirei fundo e comecei a discar no telefone público. Na segunda tentativa no último toque a pessoa atendeu. Minhas mãos suavam.

— Alô? – a voz era masculina – Alô!

— O-oi – respondi tremula – A minha mãe mandou eu te procurar.

— Quem é? – perguntou confuso – Isso é uma brincadeira?

— Nome da minha mãe é Sol – disse. Ele precisava acredita em mim. Não tinha mais ninguém. Só tinha ele. Uma pessoa que nunca vi na vida. Que eu precisava confiar. Ouvi sua respiração acelerar.

— Sol?! – arfou - Se for Sol é sua mãe, onde que ela está? E Alabá? – questionou.

— Eu tenho uma carta que ela escreveu pra você – falei rápido – Ela disse que você era única pessoa que eu podia confiar. Ela-ela disse que te chamava as vezes de "sapo" – ele ofegou. Ele estava acreditando em mim. Minha visão estava embaçada por causa das lágrimas – Eu acabei que chegar à capital e não sei pra onde ir. Mamãe falou que você poderia me ajudar.

— Qual é o seu nome?

— Bee, mas minha mãe me chamava de Mel – silêncio – Alô?

— Bee, você fugiu?! Como? – falou como se estivesse sufocando – Fala onde você está que te buscarei.

Minhas lágrimas caíram. Respirei fundo. Obrigada Deus!

— Estou na estação Nolasco, perto do desembarque – respondi.

— Entre no banheiro feminino e fique lá até ouvir minha voz. – falou serio – Não saia pra nada.

Tum-tum-tum.

Larguei o telefone e procurei o banheiro, entrei em um compartimento e fiquei. Sentei em cima do vazo com as lagrimas caindo. Não conseguia parar. Bati com força na porta. Era pra minha mãe e meu irmão estarem comigo. Era pra eles estarem aqui. Meu coração estava doendo.

A porta abre. Meu coração acelera. Tampo minha boca.

— Olá! Alguém? – Silêncio. Ouço a porta fechando e solto a respiração que não sabia que tinha prendido. Pego o papel e enxugo meu rosto molhado. Minha barriga ronca alto. Ignorei. A última coisa que estava pensando era na comida. Meus músculos estavam tensos. Confiar na palavra de alguém que eu não conheço por causa da minha mãe era coisa mais difícil que eu tive que fazer no meu dezesseis anos de vida.

Ouço passos novamente. Meu coração acelera de ansiedade. Alguém bate na porta e depois de um tempo entra. Seguro a respiração. A pessoa vem andando até chegar à minha porta. Bate de novo na porta.

— Bee? – chama a pessoa, porém eu não respondi – Você lembra que eu pedi pra abrir só quando eu chegasse? – pergunta com calma, mas não conseguia me mover – Sei que está nervosa, mas é só abrir a porta para sairmos daqui.

Respirei fundo. Era a voz dele. Do amigo da minha mãe. Meu corpo estava tremendo, mas consegui abrir a porta e logo em seguida abraçar ele. Ou melhor, me jogar em cima dele. No primeiro momento, ele ficou todo paralisado, porém começou a falar palavras de conforto mexendo nos meus cabelos. Quando eu me acalmei, ele desfez o abraço e pegou a minha mão.

— Vamos sair daqui – disse se virando pra mim. Foi a primeira vez que notei como ele era. Tinha cabelos grisalhos e olhos verdes. Usava uma jaqueta preta e calças jeans e parecia esta na faixa dos quarenta. Me fez perguntar se a esposa dele acharia estranho ele levar uma menina que ele não conhecia pra casa. Mas esqueci deste detalhe quando o meu estomago reclamou alto – Minha mãe adivinhou que você estaria com fome.

— Obrigada – falei enquanto ele estava me guiando para algum lugar. Quando chegamos ao carro, ele abriu a porta pra mim e entrou logo em seguida.

— Não me agradeça. Não ainda – disse ligando o carro e sorrindo pra mim – Não sei pelo que você passou para chegar aqui. Só me agradeça quando não precisar mais de mim.

O caminho da casa dele era silencioso, mas eu agradecia por isso e a luz da cidade grande me distraíra. Nunca tinha visto prédios tão grandes, tinham carros na ruas e já passou da uma da manha. Passamos por uma ponte e ele vira a direita, entra em outra rua iluminada com poucos postes, parando em uma casa azul com um jardim pequeno. Uma janela estava com a luz acessa. Será que a esposa dele achara estranha uma menina do nada ligar para ele no meio da noite?

Han murmurou algo que eu não entendi. Ele parecia que estava em outro mundo, pois não falou nada Saiu do carro e fez um gesto para segui-lo.

Saio do carro meio receosa, mas ele estende sua mão pra mim. Sem pensar duas vezes a pego. Não noto que chegamos em frente a porta. Me assusto. Caramba, eu não conheço esse homem. Nem sei o que ele faz ou como ele é. E se ele tiver uma família. E se eu não puder ficar aqui. Pra onde eu irei?

A porta se abre. Uma mulher baixinha com cabelos brancos e de roupa de dormir me encara ansiosa.

— É ela? – pergunta para Han sem parar de me olhar. Será que ela é uma empregada? Fortaleza tinha muitos empregados. Eu não podia ter contatos com eles, mas eu sempre conseguia burlar algumas regras.

Acredito que Han deve ter anuído, porque, em seguida, vejo um vulto se vindo pra cima de mim. Me encolho esperando o contato, mas por mais que o abraço quase tenha me derrubado, é carinhoso. Respondo colocando meu braços ao redor dela. Parece um abraço de mãe. Aperto meus olhos para as lágrimas não caírem. Nunca irei receber um abraço dela.

Ouço um barulho estranho e tento identificar. É meu choro. E a mulher tenta me consolar como Han fez. Em algum momento, sinto que sou guiada para dentro da casa, mas com a fome, choro e o cansaço emocional e físico nem me importo. Algo macio toca meu rosto e abro meu olhos. De alguma forma estou sentada no sofá sendo abraçada pela mulher que acabei de conhecer e que está enxugando minhas lágrimas. Peguei a carta que estava dentro da minha mochila e entreguei a Han. Ele soube o que fazer.

O tempo que eu me acalmei, lágrimas desceram do rosto de Han, enquanto lia a carta. Ele olhou para mim quando terminou e disse:

— Sei que você passou por muita coisa, mas prometo que irei cuidar de você como se fosse minha filha.

 


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