A Bruxa Forasteira escrita por Lilien


Capítulo 1
1 — O Trágico Passado


Notas iniciais do capítulo

Não espere conflitos mágicos ou coisas do tipo. A história apenas foca na trajetória da personagem até ela se tornar uma bruxa.



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Houve chuva pela manhã. A chuva já passou, mas ainda continua um pouco dublado, e fazendo frio lá fora.

Uma gota cai, como ocorre com as gotas de água das folhas após uma longa chuva. Não caiu na terra macia, mas em um chão duro revestido de cerâmica. Não era água da chuva, mas a lágrima de uma garota solitária e depressiva.

Depois disso, outras gotas caíam, e eram mais lágrimas que batiam fortemente contra o chão do quarto da garota e respingavam. Um dos respingos atinge uma barra de metal vertical que compõe a cadeira de rodas na qual a garota está sentada. Cada gota carrega memórias dolorosas de sua vida.

A pessoa sobre a cadeira de rodas é Tahine Fuchihana, uma garota de cabelos brancos e olhos marrons claros. Por sentir frio no outono, ela está vestindo um casaco em moletom com capuz de cor azul-acinzentado.

Este veículo é de grande importância para ela, é o único método pelo qual ela pode ter uma noção de movimento, uma vez que ela nunca teve pernas funcionais e, portanto, nunca experimentou a sensação de andar. Isso porque, antes de ela nascer, quando ainda era um feto em desenvolvimento no útero de sua progenitora, sua mãe sofria abusos físicos constantes do marido, e em um desses atos de violência, a criança em formação foi danificada e nasceu com ambas as pernas deficientes. Apesar disso, tem tido muita sorte de não ter sido afetada mais que isso.

Teve um crescimento decente e até saudável, pois seus pais se separaram, apesar de sem um divórcio oficial, e ela ficou morando com a mãe, que a cuidou muito bem como se a criança fosse a coisa mais preciosa para ela. Todas as cadeiras de rodas que Tahine teve durante seu crescimento foram presentes da mãe.

Apesar das coisas parecerem bem em seu lar, houve dias em que a Tahine de oito anos de idade chegava da escola e ouvia sua mãe chorando no quarto, mas não entendia por quê. Em outro dia, ela chegou em casa mais cedo da escola, e viu que seu pai saía do prédio do apartamento, e entrando em casa, ouvia sua mãe chorando. Daí Tahine percebeu que alguma coisa estava muito errada, e isso mudou o seu comportamento e a sua personalidade para sempre: apesar deles morarem separados, sua mãe ainda continuava sendo violentada. Sem que a mãe soubesse o que Tahine sentia, a jovem menina ficava irada por isso, julgando o pai como mau por o que tinha feito a elas, sem querer ouvir explicações do lado do pai. Afinal, ela nunca perdoaria-o pelos atos dele, independente dos motivos.

Tahine ainda viveu como podia, até se passarem dois anos e sua mãe morrer após cair atirada do alto do prédio do apartamento.

Seguindo essa tragédia, Tahine ficou morando na casa do pai, onde mora até hoje, mas quase nunca falava com ele ou com a madrasta.

A cadeirante já não recebia mais presentes como antes, ganhava no máximo refeições para se alimentar, mas comia pouco, e emagrecia com o tempo. Quando ia à escola, chegava muito cedo na escola e muito tarde em casa, pois odiava o ambiente em que morava. Quando não podia ir ou ficar na escola, sua tendência era ir para lugares muito longe de casa, lugares que até mesmo ela não sabia onde era, e não sabia como voltar para a casa daquele ponto, e acabava dormindo na rua, sem preocupações. Afinal, não era como se o pai sentisse sua falta para que ela precisasse retornar cedo.

Hoje era só mais um dia como aqueles. Quando o rosto de Tahine se secou, ela moveu sua cadeira de rodas até à janela do quarto e encarou as ruas da cidade sob o céu nublado. “Para onde eu devo fugir hoje?”, ela pensava, como todos os dias depois de acordar e chorar. “Será que vou ao shopping, para tentar comprar algumas coisas?”. Tahine costumava roubar dinheiro de seu pai, vasculhando as roupas dele, e pegando um pouco dos bolsos das calças e ternos, e, quando tinha sorte de encontrar, da carteira. O pai de Tahine era um homem rico, então ele não ia perceber quando uma pequena quantidade de seu dinheiro não estivesse onde deveria, e nem faria questão de sentir falta. Apesar de retirar pouco dinheiro, o que ela conseguia era bastante para fazer muita coisa, apesar de Tahine quase nem se interessar em comprar coisas além de doces. “Será que uma feira está ocorrendo no centro da cidade ou em algum lugar? Ou alguma peça teatral…? E se eu fosse para o fliperama, para tentar recuperar meu nome na tabela de classificação? Ou eu devo ir para muito longe, além da cidade, passar um tempo na floresta?”...

 

A lua já tinha surgido, e o sol estava sumindo, deixando uma coloração alaranjada sobre o céu e as nuvens. A deficiente parecia impressionar as pessoas, por não ser tão comum pessoas em cadeiras de rodas serem vistas andando sozinhas pela rua nesse horário. Ela passava pela calçada em frente a prédios de uma zona comercial. Fazia frio, ainda mais pelos fortes ventos que os carros traziam, fortes o suficiente para empurrar a cadeira de rodas. Mas os braços de Tahine eram mais fortes, pois mover a cadeira era o que ela mais fazia, tanto era sua força que poderia superar a de um homem comum!

O caminho que ela ia era para voltar para a casa. Tahine precisava fazê-lo, para que pudesse dormir, para acordar novamente pela manhã, chorar, e sair de casa para fazer outra coisa. De repente, um carro se aproxima e para ao lado dela. Algumas vezes, um estranho ou uma pessoa nojenta parava-a nas ruas, mas Tahine o ignorava e ia embora, e ela pensou que isso ocorreria novamente, e sua expressão ficou séria. Mas, quando a janela do carro se abaixou, olhou para dentro do carro e sorriu um pouco ao reconhecer a mulher que o dirigia. Era a irmã mais nova de sua mãe, uma mulher loira que parecia pelo menos 15 anos mais jovem do que realmente era.

— Ah… Tia Fuchihana!

— Tahine-chan, eu estive a procurando... Eu ia até a sua casa, mas já a encontrei. O que você está fazendo aqui fora? — A tia, séria de preocupação, não compreendia nada do que Tahine estava passando. A jovem pensou em explicar.

— É uma longa história… — Voltou a ficar séria. — Eu posso contar para você os detalhes, mas eu gostaria que não falasse nada com o meu pai.

— Você tem problemas com ele, não é…? — A mulher falava mais baixo, como se estivesse entristecida. Ela esteve presente no funeral da irmã, mãe de Tahine, e lá viu como a menina chorava bastante com a perda da mãe. Ela sabia que a filha morava com a mãe, e que estaria depois morando com o pai. Tamanha era sua preocupação em relação à menina, mas por causa da morte da mãe. Ela nunca soube como era o relacionamento de Tahine com o pai.

— A senhora está indo a algum lugar? Estaria tudo bem em eu entrar no carro e conversar com a senhora um pouco?

A tia respondeu concordando. Tahine entrou no carro e, na estrada, explicou a situação de sua vida e o que sentia. Após longos minutos de conversa, por fim, a mais velha perguntou:

— Você quer fugir de casa? Eu posso levar você para um lugar seguro.

Tahine confiava na tia e sabia que, diferente do pai, ela não era uma ameaça. Afinal, ela era bastante próxima de sua mãe, e mora bem longe. Porém, estava meio hesitante, pensando que seria arriscado fugir de casa, que o pai talvez não gostasse. Tahine já apanhou do pai algumas vezes por ir contra suas ordens, mas não sabia o que aconteceria se de repente fugisse para nunca mais vê-lo. Até porque, ele não parece se importar com a educação e o crescimento da jovem.

— Assim que possível. Mas eu prefiro fazer isso quando meu pai e minha madrasta não estiverem em casa.

— E como eu saberia quando seria possível?

Realmente, Tahine lembrou que não possui meios de comunicação, como um celular. Mas pensou que, pelo computador de uma lan house, seria possível fazer uma comunicação. — A senhora pode me passar o seu e-mail? Acredito que meu pai pode viajar daqui a poucos dias. E quando isso acontecer, eu irei arrumar as malas e sair para nos encontrarmos. — E também lembrou que ouviu seu pai falar com alguém ao celular sobre uma suposta viagem de negócios, apesar de não entender muito bem do que se trata.

A carismática mulher anotou seu endereço eletrônico em um pedaço de papel e entregou para a jovem garota, que o guardou no bolso da calça jeans preta, e ficou olhando para a janela, observando a paisagem urbana, repleta de casas, carros, pessoas caminhando, luzes dos semáforos e das lojas, e uma extensão azul escura no céu que segurava as estrelas. Observando o caminho, percebeu que o carro estava andando em círculos. — A senhora pode me deixar aqui. Irei para a casa. E obrigada.

Então ali, o carro parou. A cadeira de rodas foi desdobrada, e colocada na calçada, e Tahine usou a força de seus braços para ir do assento esquerdo do carro para seu veículo particular, e se foi de volta para a casa.


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Notas finais do capítulo

O segundo capítulo será lançado na próxima segunda-feira.



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