Altivez Criativa escrita por Juarez Weiss


Capítulo 1
Superação


Notas iniciais do capítulo

Essa história está saindo num ritmo estranho, mas estou gostando.

Espero que curtam.



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Talvez sua altivez fosse justificada pelo seu talento.

 

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      Desde o começo, quando era pequeno, seus amigos e familiares diziam que tinha um dom. Mesmo sua Tia Bete, aquela tia chata que via defeito até nas costuras dos vestidos de noiva das lojas, admitiu que o garoto era especial. Tinha algo diferente, uma personalidade forte e firme quando mostrava suas habilidades. Já desde criança era conhecido na sua cidade como "criança prodígio", "gênio" e outros apelidos superestimativos.

 

      Ou verdadeiros, talvez.

 

      Geralmente tocava nas madrugadas, quando não havia os sons agitados e truculentos da cidadezinha, quando podia se concentrar e deixar que a musicalidade o levasse onde só ela conhecia o caminho.

 

      O banquinho pequeno de madeira o aguardava todas as noites, paciente, calmamente prostrado acima do tapete tricotado por sua vó, que tinha carinhosamente presenteado a família após o nascimento do garoto. Ela nunca fora muito presente na família, mas quando soube do dom do garoto, afastou-se de vez e havia anos que não faziam contato. Ninguém havia entendido a razão da senhora, mas respeitavam-na, alguns parentes maldosos alegando "loucura digna dos velhos".

 

      Porém, quando sentava em seu banquinho, todas estas questões mundanas eram esquecidas assim que posicionava seus dedos nas teclas. Uma ligação etérea então acontecia, as pontas dos dedos esquentavam e a mente ficava em branco.

 

      Foi assim que explicou à sua mãe o que sentia ao tocar piano. Quando terminou a fala apaixonada, sua mãe silenciosamente o levou até um internato e deixou-o lá, alegando que "o rapaz não tinha mais solução". Autista, eles diziam. Problema de nascença, retardo mental, insociabilidade e vários outros diagnósticos cruéis vindos de qualquer ralé de fofocas.

 

      Então, esquecido no internato, evitado pelos professores e colegas, estava um dia passeando pelos corredores do colégio quando se deparou com uma grande porta de madeira entalhada. A madeira era escura e pesada, mas ao menor empurrão curioso do menino, cedeu com preguiça e lentidão, rangendo alto ao abrir.

 

      E lá, solitário no meio da grande sala oval, estava um austero piano de cauda. Era o começo de uma relação apaixonada.

 

      Num de seus dias de "autismo" criativo, estava dedilhando qualquer melodia simples quando notou que um par de olhos azuis brilhantes o observava pela porta. Interrompeu então o som e ficou à espera. O par de olhos se aproximou e apareceu uma senhora de longos cabelos brancos amarrados em um rabo de cavalo informal, dizendo que já o ouvia tocar há semanas e nunca vira nada igual. "Você me lembra meu filho", dissera ela, chorando. Abraçou-o então e disse-lhe que queria adotá-lo. Naquela mesma noite foi embora do internato e de sua paixão, para encontrar um novo lar e uma nova relação em sua vida: madeira nobre, branco e preto, cordas visíveis... o piano mais lindo que já vira em toda a sua vida.

 

      "É seu", disse ela, e ele sentou e tocou até não aguentar mais e dormir ali mesmo.

 

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      Bateu o último dedo na tecla e recuperou o controle de sua mente. Os aplausos já começavam quando se levantou do banco de couro e levantou seu rosto para encarar a multidão que o ovacionava, como em todos os outros recitais que fazia.

 

      Fez uma leve e educada reverência para a platéia e se retirou em meio aos emocionados aplausos, deixando apenas um rastro de arrogância em seu caminho.

 

 


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