Star Wars- Coração Rebelde escrita por Daniela Lopes


Capítulo 4
Uma aventura subterrânea


Notas iniciais do capítulo

Shae Wendallis faz uma escolha difícil e pode pagar caro por isso. Mas até onde suas decisões realmente são apenas suas?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783283/chapter/4

Quando Kylo Ren abriu os olhos, percebeu que estava sendo arrastado. Uma corda passava por baixo de seus braços e circundava seu peito. Ele inclinou a cabeça para trás e viu Shae puxando-o, a mesma corda ao redor da cintura dela e por sobre os ombros. A caverna estava úmida, abafada e a moça arfava, mas seguia em frente, passo por passo.

            Ele viu seu elmo e o sabre sobre suas pernas e tentou se mover. Shae parou de andar e falou:

—Acordou, finalmente.

—O que... Onde...

            Ela ajoelhou-se junto dele e colocou um cantil em sua boca, obrigando-o a beber água. Ele sorveu alguns goles e tossiu. Tentou se desvencilhar da corda, mas ela falou:

—Ainda não chegamos ao...

—Não serei arrastado por você! Posso andar sozinho e...

Ela suspira:

—Estou te arrastando por duas horas seguidas, Comandante. Precisamos chegar ao próximo ponto de apoio e achar água, comida e medicamentos. Você continua perdendo sangue...  Kylo olhou para baixo. Seu abdômen estava enrolado numa faixa encharcada de vermelho vivo. Já não doía como no início, mas o sangramento podia minar sua vida.  Ela retirou a corda dele com cuidado:

—Se quer andar, apoie-se em mim...

            À contragosto, ele levantou-se com a ajuda de Shae, que o segurava pela cintura. Apoiou-se no ombro dela e seguiram a passos lentos caverna adentro. Havia uma leve iluminação natural, mas o solo irregular e pedregoso retardava o avanço deles. Ren odiava ter de depender da ajuda de quem quer que fosse, mas naquele momento, não tinha muitas escolhas.

 Após quarenta minutos de penosa caminhada na semiescuridão, perceberam que a luz natural aumentava e Kylo viu cristais estranhos incrustados nas paredes rochosas. O solo ali era mais arenoso, plano e Shae o conduz até uma rocha. Ela se afasta e segue até uma saliência na parede, retirando de lá uma caixa de metal desgastada pelo tempo.

Ao abri-la, encontra comida desidratada em sachês, sacos de dormir, garrafas de água e um kit de primeiros-socorros. Ela sorri, satisfeita com a descoberta e leva tudo para perto do Comandante:

—Apesar do tempo, a caixa preservou bem os suprimentos. Tome, isso vai aliviar seu desconforto.

            Kylo recebe água e um envelope contendo pequenos pedaços de uma substância que parecia papel picado. Ele colocou na boca e o medicamento desmanchou-se em sua língua, deixando um gosto acre. Bebeu água em seguida e recostou-se na parede de pedra, esperando o efeito. Enquanto isso, Shae hidratou a comida e ofereceu ao Comandante, mas ele recusou-se a comer. Ela insistiu:

—Existem três saídas daqui, Comandante Ren. Se duas delas estiverem obstruídas, restará uma que é mais difícil e vai mais fundo chão adentro. Precisará de energia para chegar lá.

            Ele ri, sarcástico:

—Mais fundo?

            Ela não fala mais nada e se afasta, sentando-se longe dele, enquanto come sua porção. Kylo apanha a comida e cheira, para em seguida comer uma parte dela. Ao terminar, ele pergunta:

—Por que não me deixou lá? Ficaria livre de mim...

            Shae toma um gole de água e diz:

—Sim, ficaria... Mas eu não sou uma assassina. E aqui não somos inimigos.

—Não?

            Ela sorri, cansada:

—Quando uma enchente ou um incêndio assolam uma floresta, presas e predadores dividem o mesmo refúgio, dividem o mesmo caminho até se salvarem...

            Ele a encara e ambos se calam. Shae abre os sacos de dormir e estende um para Ren. Improvisa uma fogueira com raízes secas e se deita no lado oposto ao dele. Ela está em silêncio até que:

—Comandante... Precisa se recuperar logo. Não podemos ficar aqui embaixo por muito tempo.

—Por que não?

—Há...Criaturas que vivem aqui e espero que não encontrem nosso rastro tão cedo. Vamos dormir duas horas e depois seguimos caminho...

Segundos depois ela está adormecida, deixando Ren apreensivo quanto à possibilidade de serem atacados enquanto repousam. Porém, a tranquilidade dela faz com que ele relaxe e se deite, dormindo em seguida. Durante o sono, ele sonhou que estava na Starkiller, na ponte onde matara Han Solo, seu pai. Estava parado, olhando o sol morrer no céu e a escuridão avançar sobre a base.

Nisso, algo se moveu na ponte e segurou-o pelo tornozelo. Kylo recuou e uma forma escura ergueu-se e se aproximou. A ponte atrás de Ren se desfez, impedindo sua fuga e ele se vê diante de uma criatura cuja pele parecia queimada ou apodrecida, mas o olhava com vivos e tristes olhos azuis. Os olhos de Han.

Ren acordou, suado e ofegante. A dor na ferida parecia aumentada e ele sentou-se. Shae ressonava de leve e ele decidiu não chamar por ela. Andou até a caixa de suprimentos e vasculhou seu conteúdo. Achou mais da estranha medicação e colocou logo dois pedaços na boca. Fechou os olhos e esperou. A onda de dor diminuiu aos poucos e ele respirou profundamente. Além do remédio, encontrou um mapa da base e analisou cada passagem e onde estava naquele momento. Como não conhecia o local, corria o risco de estar sendo arrastado para uma nova armadilha, já que a prisioneira não conseguira se livrar dele na primeira tentativa.

Acompanhou o trajeto com o dedo à partir da entrada agora soterrada e viu pontos marcados em vermelho ao longo do caminho. Eram dez ao todo e indicavam pontos de suprimento. As três passagens mencionadas pela jovem estavam à bons metros de distância de onde estavam acampados. Duas eram quase paralelas e a terceira se afastava da trilha principal e apresentava um trajeto irregular, cheio de curvas. Kylo Ren dobrou o mapa e voltou para seu leito improvisado. Deitou-se e esperou, pois já não tinha sono.

Shae bocejou e espreguiçou-se. Sentou-se e olhou ao redor. Ren estava deitado, olhando o teto da caverna e viu-a se erguer e aproximar dele:

—Comandante?

—Estou acordado...

—Vamos continuar. Precisa de alguma coisa? Não vamos levar muita coisa da caixa, por isso...

—Não se preocupe. Não preciso de nada.

            Ela dá de ombros e vai até a caixa de suprimentos. Apanha mais comida, água e medicamentos, além de corda, pó combustível e uma faca. Nisso, ela encontra um papel dobrado no canto da caixa e o abre. O que lê parece iluminar suas feições e ela se vira para ele:

—Acho que posso te ajudar com seus ferimentos!

—Como?

—Vamos! Não muito longe daqui há um pequeno desvio. Tem um lugar onde devemos ir antes de seguir caminho.

            Ren lembrou-se do mapa. Nada lá informava do tal desvio e isso o enfureceu. Ela tentaria algo mais cedo do que ele esperava, mas agora que possuía o mapa, podia eliminar aquele inconveniente e sair dali.

            Após guardar o que usara no acampamento de volta à caixa, acariciou-a por um segundo. Ren não entendeu aquele gesto, mas viu tristeza nublar o olhar da jovem. Ela seguiu até ele:

—Consegue andar? Precisa de apoio ou...

—Posso seguir...

—Certo. Vamos então.

            Seguem devagar e Shae percebe que Kylo Ren mantinha-se a três passos atrás dela. Ele andava empertigado, abrindo e fechando as mãos vez ou outra. Ela associou isso à dor do ferimento e não se alarmou, mas não gostou do olhar do Comandante sobre ela.

            Pouco depois, numa curva menos acentuada, ela parou e olhou para a esquerda. Havia uma fenda estreita na rocha, por onde uma pessoa adulta poderia passar de lado. Shae abandonou sua mochila e falou:

—Aqui!

            Ela esgueirou-se com cuidado pela fenda:

—Venha! Sou menor que você, mas não é tão apertado quanto parece.

            Ela desaparece através da passagem e Kylo vai em seguida, mantendo o sabre ao alcance caso fosse necessário. Do outro lado havia uma formação rochosa semelhante a uma pequena caverna e parte dela estava coberta com uma estranha vegetação verde-escuro, tal como uma cortina natural. Shae olhou ao redor e voltou-se para ele:

—Depois daquela abertura, nós podemos...

            Mas não conclui sua fala, pois num gesto rápido, o vilão a arremessa contra a parede da caverna, onde ela bate as costas na rocha com violência. Ele se aproxima, aumentando a pressão contra o corpo dela:

—Acha que sou idiota? Está tentando me arrastar cada vez mais fundo nesse labirinto de passagens e se ver livre de mim! Farei daqui seu túmulo!

            Shae se debate, enquanto o ar escapava-lhe dos pulmões à medida que o poder de Ren a empurrava cada vez mais forte contra a parede. Ela ergueu a mão com dificuldade e apontou para a vegetação, insistindo nesse gesto como último recurso. Ele virou-se na direção indicada e percebeu uma luz azulada por entre a folhagem escura.

            Enquanto a mantinha presa, com a outra mão ele gesticulou e arrancou a vegetação. A caverna foi inundada com uma suave luz azul proveniente de um lago cristalino poucos metros adentro. A surpresa de Ren fez com que ele se esquecesse que esmagava o corpo de Shae contra a rocha. Ela gemeu e ele virou-se de uma vez, libertando-a da Força.

            Shae cambaleou e caiu para frente, mas o Comandante amparou-a. Ela tentava respirar, mas seu peito doía horrivelmente e lágrimas queimavam-lhe a face avermelhada. Shae segurava o braço de Ren com força e permaneceram assim até que a agonia passou e ela pôde respirar normalmente.

            Ren ajudou-a a se erguer e ela o empurrou com violência:

—Qual é o seu problema? Por que fez isso?

            Ele olhou por um momento. Não estava acostumado a desculpar-se, arrepender-se de suas atitudes ou se importar com alguém. A indignação dela não o comovia. Shae andava de um lado a outro, esfregando o pescoço dolorido, limpando o rosto molhado:

—Não precisa confiar em mim... Apenas...

            Ela para de andar e olha para ele:

—Acha que eu o trouxe aqui para matá-lo, não é? Não lhe ocorreu que eu poderia ter feito isso enquanto estava inconsciente?

            Kylo não responde e se volta para observar o lago azul. Shae suspira cansada e se senta numa pedra, retirando as botas. A mudança de temperamento daquele homem era algo difícil de prever e mesmo que saísse dali, ela não sabia como faria para escapar. Naquele momento era grata pelo implante impedi-lo de ler seus pensamentos.

            A jovem tirou o colete, a camisa e as calças, ficando apenas com um tipo de bustiê e short. Kylo Ren ficou aturdido ao vê-la se despir e passar por ele, rumo ao lago. Ao entrar na água, a jovem exclamou de prazer ao contato com a água fresca. Ren percebeu que onde havia machucados na pele dela, a concentração da cor azul era maior e ficou observando. Shae falou:

— Se fosse você, entraria também...

—Alguma razão especial para isso?

—Seus ferimentos.

            Ele entendeu. Aquele lago possuía alguma propriedade curativa e isso poderia agilizar a saída deles daquele lugar. Kylo Ren retirou a capa, a pesada túnica negra e por fim as botas e calças, ficando apenas com a roupa de baixo. Shae estava de olhos fechados, encostada na margem do lago, relaxada. Quando ouviu o chapinhar da água, olhou rapidamente para Ren e enrubesceu. Além de alto, Kylo possuía um corpo atlético e de pele muito clara. Tinha cicatrizes antigas pelo corpo, certamente derivadas de combates e treinamento árduo.

            Ele seguiu até a parte mais funda do pequeno lago e sentou-se. Fechou os olhos e esperou. A ferida no abdômen foi cercada pela mesma coloração azul e ele sentiu pequenas agulhadas na pele ferida. As mãos também tinham ferimentos superficiais e assim, ele permaneceu quieto, esperando o efeito daquilo. Shae mergulhou a cabeça e ficou alguns segundos imersa. Era o suficiente para que pequenas feridas recebessem o cuidado.

            Ela voltou a superfície e olhou Ren. Ele estava imóvel e de olhos fechados, como se apreciasse o contato com a água. Shae fala:

—Seu rosto. Acho que precisa de mais algum tempo aqui para sanar essa ferida...

            Ele olhou-a e mergulhou, deitando-se no fundo. Tinha bom fôlego e podia ficar um bom tempo submerso. As mesmas agulhadas tomaram conta de sua face ferida, mas o efeito era quase anestésico. Enquanto relaxava, ele avaliou seus passos até aquele momento. No lado oposto ao do Comandante, Shae refletia sua situação. Estava esgotada, triste e talvez fosse melhor desistir de lutar e morrer nas mãos daquela gente, juntar-se aos seus entes queridos.

            Shae saiu da água e seguiu até onde suas roupas estavam, vestindo-as sem pressa. Kylo Ren levantou-se e seguiu até a margem. Ela estava de costas para ele, que percebeu na jovem um ar desanimado. Quando ele apanhou suas roupas, ela virou-se e falou:

—Espere... Deixe-me ver seus ferimentos.

Ele estacou quando a viu se aproximar. Ela parou junto dele e tocou a pele de sua barriga, apertando de leve onde o ferimento que apresentava um aspecto mais saudável, rosado, sem vestígios de sangue. Ela olhou para cima, para a face ferida e tocou-a suavemente. Ren respirou fundo, tenso. Ele não entendeu o súbito cuidado que ela teve com sua situação, talvez Shae tentasse barganhar sua fuga da Primeira Ordem. O calor da mão dela em seu rosto permaneceu por alguns segundos depois que ela se afastou e ele ouviu-a dizer:

—Não terá problemas com isso até sairmos daqui...

— O que é esse lago?

—É água mineral. A coloração azul vem de pequenos organismos em suspensão que se alimentam de tecido morto ou em processo inflamatório. Enquanto fazem isso, liberam enzimas que obrigam nosso corpo a reagir, acelerando a renovação celular...

            Ren toca o ferimento:

—Como no tanque de Bacta.

            Ela sorri:

—Melhor que Bacta. Nosso líder encontrou esse lugar por acaso, durante tempos difíceis... Abandonar esse lugar não foi exatamente uma escolha, mas não podemos nos dar ao luxo de permanecer no mesmo lugar sem o risco de sermos capturados ou mortos.

            Kylo a vê atravessar a fenda e veste suas roupas. Sentia-se mais revigorado e sem dor. Pouco depois estavam de volta ao caminho e Shae seguia na frente, sem se importar que ele mantinha distância dela. Após uma curva acentuada, ela viu uma elevação no solo. Olhou ao redor e franziu o cenho. Ele postou-se ao lado dela:

—Por que paramos?

—O solo... Aconteceu alguma coisa aqui. Não havia esse relevo antes.

—Tem certeza?

—Sim. Após a curva tudo era reto até as saídas.

            Ela subiu no elevado e cobriu a boca. Poucos passos à frente abria-se um abismo até a outra margem do caminho. Kylo sentou-se numa pedra:

—Temos corda.

            Shae olhou para cima:

—Sem um ponto de apoio seguro, não tem como usar a corda. Ali em cima seria ideal para prendê-la e...

            De repente ela sente o corpo ser erguido até uma estalactite acima deles e grita de susto. Ele gesticula, impaciente:

—Amarre logo essa corda...

            Ela se apoia com os pés, ficando quase de cabeça para baixo. A sensação de flutuar era estranha, como se estivesse solta no espaço. Quando terminou a amarração, testou o nó e disse:

—Vai aguentar nós dois...

            Porém o Comandante não espera muito, fazendo Shae flutuar até o outro lado do abismo, saltando para a corda e se lançando para junto dela. Ela exclama:

—Isso foi... rápido!

—Vamos continuar.

E seguem sem perceber formas escuras descendo pelas paredes em direção ao caminho. Num segundo ponto de apoio, Shae abre outra caixa de suprimentos e prepara refeição para os dois. Ela decide perguntar:

—Como se juntou à Primeira Ordem?

Ele ergue o olhar para a moça:

—Não temos que fazer isso... concentre-se em nos tirar desse lugar e talvez eu interceda por você junto ao Líder Snoke.

            Ela ri:

—Minhas chances não são melhores que antes... Lembre-se que destruí a base, matei seus soldados e atrapalhei você de descobrir mais sobre meu Líder.

—Isso não importa para Snoke. Há outros meios de descobrir o que queremos. Chega de conversa, quero sair logo daqui.

            Ele se vira para andar e Shae suspira:

—Que bicho mordeu você, afinal?

            Súbito, uma sombra cai do teto sobre a jovem e ela cai ajoelhada no chão. Ren aciona o sabre, enquanto a criatura tenta atingir Shae com suas garras afiadas, mas acerta a mochila que ela levava às costas. Com o peso do animal sobre si, a jovem não consegue se levantar e fugir. Kylo gira o corpo e atinge a besta no pescoço, arrancando-lhe a cabeça repugnante. Sangue negro e mal cheiroso espirram na parede rochosa e Shae ergue o rosto para o Comandante. Ele estende a mão para ela, ajudando-a a se levantar:

—Está ferida?

—Não! Só assustada!

            Porém outra criaturas já cercavam os dois e investiam com ferocidade.

—O que são essas coisas?

—As criaturas que eu mencionei antes. Acho que a formação do abismo isolou-as desse lado!

            Ren não espera:

—Afaste-se! Não me atrapalhe!

            A jovem apanha a faca do cinto e corre até um canto atrás do guerreiro, posicionando-se para revidar algum possível ataque. Sabia que não tinha chance de lutar com nenhuma daquelas feras apenas com uma faca, mas faria de tudo para sobreviver. Seus olhos iam dos bichos para o Comandante da Primeira Ordem, que, com seu sabre laser, investia contra os animais com rapidez e precisão nos golpes. Cada movimento era mortal e muitas feras foram partidas ao meio, enquanto outras eram arremessadas contra a parede da caverna, arrebentando-se na ação.           

            Aquelas que morriam eram devoradas por outras e Ren percebeu que isso seria a distração ideal para fugirem. Matou o maior números de animais possível e lançou-os mais longe de onde estava. Enquanto as bestas saltavam sobre os cadáveres, Kylo correu até Shae, puxou-a para si e começaram a correr pelo caminho o mais rápido que o solo pedregoso permitia. Alguns animais ainda tentaram persegui-los, mas Ren usou a Força e rechaçou-os, ganhando uma distância segura deles.

            Duas curvas adiante, Shae viu a primeira passagem e correu, animada até ela. Estacou, cobrindo a boca e voltou-se devagar, olhando para o chão coberto por esqueletos humanos inteiros ou ossos espalhados. Ren avaliou a passagem e o que encontraram:

—Seu Líder não abandonou esse lugar apenas para fugir de invasores externos. Não creio que a segunda opção seja tão segura, assim nos resta a terceira saída.

            Ao dizer isso, ele retira o mapa da capa e Shae olhou-o, furiosa:

—Isso... Oh! Você roubou-o!

—Precisava de uma garantia. Agora vejamos o que nos espera.

Ele analisou o mapa e a última saída dali. Havia toda sorte de marcações estranhas e Shae olhou por alto:

—Quedas d’água... Talvez a saída seja por baixo de alguma cachoeira ou...

—Não conhece o lugar?

—Nunca me aventurei por lá.

            Ren se ergue, balançando a cabeça em desaprovo, e segue na frente. Agora não era preciso segui-la como antes.

            Shae andou atrás dele e avaliou-o. Recordava os brigões das cantinas por onde andou com seus amigos de causa, recrutando simpatizantes. Para ela, o Comandante era um brigão mal humorado, profundamente magoado com alguma coisa ou alguém. Enquanto seguiam, Ren sentia que Shae o analisava. Irritava-o não conseguir ler os pensamentos da prisioneira e ter de descobrir o que ela pensava através do que falasse eventualmente. Assim como ele, ela era uma pessoa obstinada. Talvez por ser jovem, ainda mantinha a ideologia de poder ajudar alguém, salvar alguém.

            A passagem surgiu à frente deles. Dali já se ouvia o rugido longínquo de água e Kylo virou-se:

—Daqui para frente não vou parar por nada. Não me faça perder tempo tendo de salvar você.

            Ela dá de ombros:

—O mesmo pra você!

            E seguiu na frente dele, caminhando empertigada. O trecho por onde seguiram era quase totalmente escuro e Shae temeu que mais daquelas terríveis criaturas pulassem sobre eles. Kylo Ren sentiu-a se aproximar dele, percebendo o temor dela e acionou o sabre. A luz avermelhada iluminou o caminho e a jovem murmurou, aliviada:

—Obrigada...

            Ela acreditou que ele não ouvira, mas ele voltou seu rosto, olhando-a por um segundo, algo que ela não percebeu. Ao saírem na curva seguinte, depararam-se com um espetáculo impressionante. Diversas quedas d’água desciam até um abismo sem fim abaixo deles. Elas vinham de uma imensa cratera acima e caíam de várias direções.

            Shae inclinou-se para o abismo e respirou fundo:

—Eu... Não estava preparada para isso...

—Se quiser ficar, não vou me opor... A saída está ali.

            E apontou para o alto. A água que caía pela gigantesca entrada, escavava a rocha e formava uma colossal escadaria. Teriam de enfrentar toda aquela força até alcançarem a saída.

            Seguiram pela trilha estreita e chegaram à primeira ponte natural. A umidade tornava a rocha escorregadia e Shae seguia devagar, cautelosa, enquanto o Comandante caminhava confiante. A névoa fina começava a encharcar as vestes dos dois, mas não havia volta. Após a terceira ponte até o extremo da cratera, se depararam com o primeiro degrau e subiram nele sem muito custo.

À medida que avançavam, as rochas se tornavam mais cheias de limo e os degraus aumentavam de tamanho, assim como o grau de dificuldade para subi-lo. Shae era menor e apesar de treinada, tinha menos força muscular que Ren. Um escorregão e ela despencaria metros abaixo do ponto em que estavam. Quando alcançaram um degrau mais largo, pararam por um momento para recuperar o fôlego. No caso, Shae precisava de uma pausa e não Ren.

Ele olhou para a parede acima deles:

—Logo estaremos no topo...

—Você estará, eu não...

Ele olhou de volta para a moça, encostada na rocha, encharcada e trêmula. Ela olhava as mãos machucadas. Os braços tremiam devido o esforço muscular e o frio já fazia efeito em seu corpo.

            Furioso, Kylo Ren a agarra pela gola do casaco e a ergue do chão até a altura de seu rosto:

—Eu avisei que não aceitaria atrasos!

            Shae não se intimida:

—O que está te prendendo, então?

            Para surpresa dela, ela a conduz até suas costas e fala, ríspido:

—Segure-se direito. Se cair, não poderei salvar você.

A jovem abraça o pescoço do Comandante e fecha os olhos com força, enquanto Ren galga o próximo degrau com a jovem pendurada à ele. O avanço foi mais lento, devido ao peso extra, mas Ren continuou.

            Alguns metros acima, uma nave Trooper pousou a três metros de distância da borda da imensa cratera e soldados cercaram o local. Com binóculos especiais, vasculharam o paredão rochoso. Cobertos pela névoa oriunda das quedas d’água, Kylo e Shae seguiam subindo, açoitados pelos ventos potentes que circulavam no abismo.

            Phasma apontou:

—Lá! Naquele ponto é possível ver o Comandante.

            Troopers se posicionaram e colocaram um tipo de guincho portátil fixo no chão rochoso. Lançaram um cabo com uma alça na ponta e a desceram até onde Ren estava. Ele viu o movimento ao seu lado e alcançou o cabo, segurou-o e encaixou o pé na alça. Avisou Shae:

—Segure firme. Vamos ser içados.

            Ela abriu os olhos e olhou para cima. Viu três soldados da Primeira Ordem controlando a velocidade da subida até que Ren alcançou a borda e apoiou o pé na plataforma de rocha. Phasma aproximou-se:

—Bem vindo, Comandante Ren. Nossos escâneres informaram sua presença há pouco mais de duas horas. Por um momento perdemos o sinal.

            Kylo pousa Shae no chão e ela cai sentada. Olhou ao redor e viu-se cercada novamente por seus inimigos. Sentiu-se perdida, enquanto Ren a ignorava e dava ordens aos seus subordinados. Pouco depois, aproximou-se dela e segurou-a pelo braço, fazendo a jovem levantar:

—Venha.

—Não pode me levar de volta! Não vai conseguir tirar nada de mim! Deixe-me ir! Não posso voltar para sua nave... Por favor...

            Ele a olha com frieza:

—Eu lhe avisei... Capitã Phasma! Algeme a prisioneira.

Phasma ordena que um soldado algemasse a jovem, enquanto Ren se encaminhava para a nave. Shae olha seu captor e seu coração se enche de raiva e desespero. Ela espera o soldado colocar-lhe os grilhões e, num ato repentino, derruba-o com um golpe de punhos unidos para, em seguida correr em direção a uma queda livre e mortal na cratera à frente.

Shae sente a lufada de ar frio e o corpo ser puxado violentamente de volta à terra, como se uma corda invisível a tivesse laçado. No tranco, ela desmaiou, mas antes, no segundo fatal, viu de relance Ren baixar a mão. Havia sido a Força. A maldita energia que a trouxera de volta antes que caísse e morresse no abismo.

Ren aproximou-se e examinou a prisioneira, nada quebrado ou deslocado. Ele ergueu-a do chão e seguiu para a nave que os aguardava. Deitada num leito preparado, ela permaneceu desacordada até chegarem à Destroyer e só despertou na enfermaria, trajando um tipo de camisola branca que chegava até os tornozelos.

Shae percebeu que estava algemada à cama e olhou ao redor. Estava de novo na nave da Primeira Ordem, prisioneira. Chorou em silêncio, tentando controlar os soluços e respirou profundamente diversas vezes até conseguir se acalmar. Precisava repensar seus passos até ali e refazer novo plano de fuga. De repente, algo se moveu nas sombras da sala e ela ficou imóvel. A voz grave e sem emoção de Kylo Ren chegou até a jovem como uma punhalada:

—Pretendia mesmo se matar?

            Ela não responde e vira o rosto para o outro lado, evitando olhar o Comandante, que se aproxima da cama. Ele se inclina sobre a moça:

—Shae Wendallis... Você é uma pessoa de coragem, admito, mas não pode resistir à Primeira Ordem. Enquanto tentávamos fugir da sua armadilha, meus técnicos descobriram coisas interessantes sobre o implante que usa... Agora sabemos como retirá-lo sem matar o usuário...

            Ela volta-se para Ren de uma vez, o pânico estampado em seu rosto e ele fala:

—Viu? Vai viver, apesar de tudo, e ainda vai colaborar conosco.

            Shae se debate:

—Não! Solte-me! Por favor!

            Então um droid-enfermeiro aproximou-se e aplicou nela um sedativo especial e Shae ficou inconsciente. O procedimento consistia em gerar pequenos curtos-circuitos na base do cérebro onde ficava a principal conexão do implante. À medida que os circuitos eram danificados, cada uma das micro ramificações interligadas ao cérebro se rompia, como fios esticados ao limite.

A cada investida, o implante perdia aderência e se soltava da pele, até sair completamente. Após isso, o usuário sentiria, inicialmente, uma confusão mental, mas logo as funções cerebrais se restabeleceriam, não havendo sequelas. Horas depois, Shae despertou na enfermaria e sentiu-se estranha. Tocou a cabeça e sentiu a pele nua, percebendo que o implante fora removido. Agora nada impediria Kylo Ren de saber seus segredos mais íntimos, seus temores mais terríveis.        

Nisso, um Trooper entrou no aposento e entregou um tipo de embrulho para a jovem, saindo em seguida sem dizer nada. Shae viu que eram roupas limpas e vestiu-as com dificuldade. Ela conseguiu sentar-se na cama e olhou ao redor, mas ainda sentia tonturas. Outro soldado apareceu e falou:

—Siga-me. Precisa de ajuda para andar?

            Ela balançou a cabeça em negativa e foi atrás dele devagar. O corredor parecia interminável, mas logo chegaram a um salão imenso, cujas paredes eram cinza escuro e a pouca iluminação do local se refletia no chão polido. Shae foi deixada sozinha ali e ela virou-se para a janela que mostrava o espaço profundo. Nisso, a luz vermelha do sabre de Kylo Ren brilha na escuridão de um canto do salão e Shae recua.

            Ren caminha devagar até ela. Parecia furioso:

—Seus pensamentos são curiosos, prisioneira Shae...

            Ele anda ao redor dela:

—Vejamos agora...

            Súbito, a jovem sente uma forte pressão na base da nuca e um estranho formigamento subir pela coluna. A sensação seguinte era como se algo estivesse separando os hemisférios de seu cérebro e a dor fez com que caísse de joelhos no chão.

            Ainda enfraquecida pelo processo de remoção do implante, ela sente que as investidas mentais de Ren equivaliam a um coice de Reek. Shae não possuía mais nenhuma defesa contra ele e teve seus pensamentos totalmente vasculhados pelo Comandante do Lado Negro.

            Prostrada pela dor do ataque psíquico, ela ouviu a voz dele em sua mente:

—A “causa” pela qual seus companheiros deram a vida e você resiste tanto em nos contar é um sonho de principiantes, um embuste para mentes fracas!

            Shae grita:

—Não!

            Ren continua:

—O líder de vocês morreu há algum tempo naquele planeta, mas continuam sustentando sua ideologia, tornando-se ladrões, contrabandistas e traficantes de mercadorias para financiar sua causa perdida. A memória dele é apenas um eco em suas ações!

—N- Não!!

            Ele para frente à jovem:

—Você desperdiçou meu tempo. Perdi soldados para descobrir quem eram e como agiam, enquanto preferiu tentar me arrastar para uma armadilha ao invés de colaborar e acabar com esse jogo ridículo.

            Shae sentia-se mais enfraquecida a cada segundo. Sangue escorria de seu nariz e sujava sua roupa. Ren agachou-se e encarou-a:

—Durante nossa “estadia” em sua base, tentou me decifrar... Tentou apelar para meus “bons” sentimentos, não?

            Ela tossiu e ergueu os olhos. O elmo negro cobria o rosto do vilão e Shae duvidou que viveria um próximo dia. Kylo Ren ergueu-se:

—Desde que saíram daquela base, você e seu grupo têm vivido como nômades, tentando recrutar integrantes. A nave que explodiram era uma das últimas, não é? Continha o que restou dos negócios que faziam em Corellia, Dattoine e outros planetas de natureza duvidosa...

            Shae decide se sentar e arrasta-se até a parede próxima, respirando pesadamente. Ren se vira e caminha para a saída. Ela ainda o ouve dizer:

—Não vale a pena matá-la...

            A jovem se deita no chão e fecha os olhos. A cabeça doía, mas o nariz havia parado de sangrar. Naquele instante ela viu a imagem dos pais e irmãos em sua mente, porém outra imagem ocupou o lugar deles e Shae abriu os olhos de uma vez. Na semi escuridão, uma mulher de uns cinquenta anos, cabelos castanhos e sorriso amável ergueu os braços na direção da moça. A visão tinha a força de uma presença real e Shae ergueu os braços de volta. Nisso a imagem se dissipou e a jovem percebeu que estava sozinha ali.

            Capitã Phasma apareceu na porta e aproximou-se:

—Levante-se e venha comigo.

            Shae se levantou sem dizer nada e, cambaleante, seguiu Phasma. Desceram por um elevador até um ponto da nave onde ficavam as celas de prisioneiros da Primeira Ordem, que no momento estavam vazias. Shae olhou ao redor e suspirou, pois não havia como fugir dali. Phasma andou mais algum tempo e mostrou uma cela diferente para a jovem:

—Entre.

            A prisioneira olhou para o corredor por onde seguiram e viu que ficava isolado das demais celas. Talvez ali fosse o local onde prisioneiros mais perigosos ou “encrenqueiros” eram colocados e quase riu de sua situação.

Entrou e a porta fechou-se atrás dela com um chiado leve. Havia uma cama-painel, assim como uma mesinha semelhante, onde colocaram água em uma jarra. Shae bebeu um pouco do líquido e deitou-se. Queria o sono do esquecimento e desaparecer.

Kylo Ren estava em seu aposento, sentado diante do elmo deformado de Darth Vader. Tinha os olhos fechados e meditava profundamente. Hux bateu à porta e entrou, enquanto Ren colocava o elmo:

—Espero que seja importante.

Hux respirou fundo:

—Estou aguardando seu relatório da missão. Preciso me justificar ao Líder Supremo por liberar o contingente que se perdeu na explosão.

—VOCÊ precisa se justificar? Não foi você quem desceu ao planeta. Não lhe devo satisfações. Se Snoke precisar saber algo, será diretamente comigo.

            Hux insiste:

—E a prisioneira? Por que ela ainda...

            Ren ergue a cabeça e encara Hux. Não era preciso ver seus olhos para perceber que eram como adagas atravessando o General:

—O que tem ela?

—Quero interrogá-la.

—Não será necessário. Já obtive dela as informações que acho pertinentes, não muitas por sinal...

—Mesmo assim, Comandante. Eu...

—Se o Líder Supremo achar necessário, você poderá interrogar a prisioneira, Comandante Hux.

            O General calou-se e saiu do aposento. Kylo Ren sabia ser intransigente e arrogante na mesma proporção e isso deixava Hux furioso. Seguiu até a ala dos prisioneiros e entrou na cela de Shae. Ela dormia profundamente e parecia esgotada, as vestes estavam sujas de sangue e Hux sabia os efeitos de um ataque mental de Kylo Ren sobre uma pessoa. Era devastador.

            Ele saiu da cela e abandonou a ideia de interrogar a prisioneira até que chegassem no quartel general de Snoke. Na ponte de comando, sentou-se em silêncio, quando Phasma aproximou-se:

—General. Chegaremos no QG em dois dias.

—Certo...Ah, Capitã?

—Sim, senhor?

—A prisioneira disse algo além do que o Comandante Ren colheu no interrogatório?

—Não, meu senhor.

—Hum... Se houver alguma mudança, quero ser informado.

—Como quiser, senhor.

            Hux vê a Capitã se afastar e suspira. Teria de conversar com seu líder sobre a postura de Kylo Ren quanto ao que ele deveria ou não saber numa situação como aquela.

            Shae acordou com cheiro de comida. Um droid pousara a bandeja na mesa-painel e esperou. A jovem olhou a janela e viu uma nebulosa ocupar aquela porção de espaço com luz e nuvens coloridas de gás e poeira. O droid falou:

—Prisioneira Shae, é importante que se alimente.

            Ela se volta para o robô de estatura mediana, aparência humanoide e grandes olhos verdes e brilhantes. Olhou o prato e tocou no talher, para depois abandoná-lo:

—Não tenho apetite...

—Seu organismo precisa de nutriente para...

—Eu sei tudo isso, robô, mas não podem me forçar à comer contra minha vontade.

            O droid a observa e diz:

—Vou deixar o alimento conforme ordenado por...

            De repente, o corpo do droid é sacudido por um violento espasmo. Ele se inclina todo para o chão e permanece ali, parado, emitindo um leve zumbido, até que se ergue devagar e mira Shae intensamente. Ela recua na cama, temendo ser atacada, mas ele fala com voz estranha:

—Não tema, Shae Wendallis. Preciso que me ouça com atenção. Sou um aliado.

            Ela franze o cenho:

—Quem...

—Tudo a seu tempo. Apenas ouça o que vou lhe dizer. O destino da galáxia depende de suas ações daqui em diante. Se for tão corajosa agora como tem sido todo o tempo...

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Uma presença misteriosa faz contato com a prisioneira. Qual será o papel de Shae Wendallis na guerra entre os lados opostos da Força?
Um abraço! Boa leitura!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Star Wars- Coração Rebelde" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.