She Is The Sunlight escrita por Brê Milk


Capítulo 3
II


Notas iniciais do capítulo

''She is tomorrow and I am today
And if right is leaving I'd rather be wrong
She is the sunlight and the sun is gone''

''Ela é o amanhã e eu sou o hoje
E se o certo é ir embora, eu prefiro estar errado
Ela é a luz do sol, e o sol se foi''



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783134/chapter/3

 

Jasper ficou atônito com a descoberta, coisa que há muito tempo não acontecia. No entanto, o choque foi rapidamente substituído pela cautela quando sentiu os dedos trêmulos da garota cega deslizar por seu rosto até seu braço, onde ela apertou desesperadamente. 

 

— P-por favor, não me mande embora. Ele quer me pegar — A voz embargada só enfatizava o estado transtornado e frágil que ela estava. 

 

O vampiro franziu o cenho ao ouvir a declaração. Não escutara ninguém se aproximando além da garota, o que levantava motivos para dúvidas. Mas se ela dizia que estava sendo perseguida, então provavelmente era verdade, pois, quais razões ela teria para mentir? Ainda mais se levasse em consideração o estado que se encontrava: tanto emocional, quanto físico.  

 Dando uma olhada analítica, Jasper percebeu o estado deplorável que os trajes dela estavam: a barra do vestido de aparência puída estava encharcada de lama e retalhada, como se alguém tivesse tentado rasgá-lo com as próprias mãos. Não havia sinais de sapatos - que ele deduziu que ela tivesse os perdido-, ela não usava casaco, e deveria ter se cortado nos galhos das arvores enquanto fugia, pois, o sangue doce de sangue que emanava ao seu redor era muito forte.  

 O vampiro trincou o maxilar ao pensar na última parte, afugentando a imagem de suas presas em contato com o pescoço alvo da garota que apareceu em sua cabeça. Poderia ser um monstro da noite, mas ainda era um homem, um minimamente decente ao menos, que agia com decoro com jovens mulheres atacadas daquela maneira. Ainda mais quando conseguia sentir as emoções dela. O medo... estava lá, era palpável. O terror, a agonia e a sensação de morte... ele sentia. Na verdade, sempre sentia as emoções de suas vítimas quando estava as matando, mas as daquela humana eram fortes demais. Talvez seus sentidos fossem mais fortes pelo fato da perda da visão. Era como se ele próprio tivesse vivenciado a situação, como se agora fosse a caça, assim como ela havia sido.  

 E aquilo o desconcertou totalmente, assim como o enfureceu dada as circunstâncias do sentimento.  

 

— Eu não farei isso - O Whitlock soltou as palavras lenta e gentilmente, tocando o ombro da garota, ato que a fez solta-lo e se encolher. - Fique aqui e se acalme. Olharei em volta da propriedade e até eu voltar, não abra a porta, está bem? 

 

 A jovem balançou a cabeça, mas continuou tremendo.  

Jasper retirou o quepe de sua cabeça e a deu as costas, saindo rapidamente da pequena cabana e fechando a porta trás de si. O ar noturno acertou o rosto e ele permitiu-se expelir o ar desnecessário que prendera em seus pulmões. Controlar-se perto de sangue era difícil e estava surpreso por não ter pulado na jugular da jovem dentro da cabana. Contudo, não pretendia fazer o mesmo pelo cretino que a fizera ir até ele.  

 Ao contrário. Já sabia exatamente quem seria a sua próxima refeição, uma vez que estava com fome agora. Desse modo, aguçou os sentidos e partiu floresta a dentro, assumindo a postura de caçador, tal como era.  

 

 
 

  Fora uma caçada ruim. Quem quer que fosse o atacante, era bom em cobrir seus rastros, até mesmo de um vampiro. Sem pegadas ou rastros e até mesmo o cheiro se misturava com a podridão encontrada no coração da floresta. Frustração foi apenas o que Jasper conseguiu após duas horas de procura.  

 Com o amanhecer se aproximando, o vampiro resolveu retornar a cabana.  As janelas e as portas estavam trancadas, mas usando um pouco de força, ele quebrou a fechadura e entrou na pequena construção. As chamas das velas nos castiçais estavam quase se extinguindo e tudo estava como antes, exceto pela pequena silhueta feminina dormindo sentada próxima à mesa de madeira. A garota ainda estava ali, o que significava que havia seguido suas ordens.  

 O Whitlock tinha certeza que aquilo não fora muito inteligente. Que garota daquele tempo, ainda mais cega, aceitaria refúgio em uma cabana com um homem desconhecido após ter sido atacada por outro homem? Ele não tinha certeza, mas não a recriminava, pois ainda se lembrava da proporção de seu medo quando a conhecera.  

 Jasper caminhou silenciosamente até a mesa, retirou a parte de cima do uniforme militar que ainda trajava, colocando a peça na cadeira e parou a uma distância segura da jovem, a observando de cima. Os cabelos claros pendiam em ondas perfeitas ao redor dela, alguns fios cobrindo o rosto delicado e sereno, os lábios cheios entreabertos emitiam um ressoar baixo, o busto pressionado contra a madeira da mesa subia e descia compassadamente, tornando-se uma vista muito interessante para ser apreciada.  

Não a conhecia, mas estava quase convicto de que era uma boa moça. E de que merecia muito mais do que ter seu corpo encontrado drenado em uma cabana no meio da floresta; tal como o monstro dentro de si o dizia para fazer, visto que ainda estava com fome. Sentia-se em um deserto, e a garota adormecida era seu oásis. Sua cabeça o dizia para fazer uma coisa enquanto seus instintos diziam outra.  
 

 

— Para o inferno com isso - rosnou, aproximando-se completamente dela, tomando sua decisão. 

 

 Então, suavemente, Jasper abaixou-se e a pegou no colo, indo em direção a cama do antigo dono daquele lugar. Ele a depositou no colchão, tomando cuidado para não a acordar. A loira nem se mexeu, demonstrando o quão exausta estava.  

 O vampiro empurrou as mãos para dentro dos bolsos da calça e franziu o cenho enquanto a observava, questionando-se sobre o que aquele sentimento de empatia queria dizer. Não se lembrava nem da última vez que o sentira e se o fazia tomar atitudes imprudentes como aquela. De qualquer modo, Jasper apenas balançou a cabeça e se afastou, saindo rapidamente para se alimentar antes do nascer do sol e do despertar da bela adormecida.  
 

 

XXX 

 

Ela estava acordada quando o vampiro retornou assim que os primeiros raios solares surgiram no horizonte. Com um pouco de hesitação, ele endireitou o quepe na cabeça – um irritante hábito adquirido - e deu duas batidas leve na porta para anunciar sua presença. Em seguida, adentrou a cabana.  

  O cabo de uma vassoura passou muito próximo de seu rosto, e o teria acertado se não fosse por seus sentidos aguçados. Jasper segurou o cabo, meio confuso, e olhou para a jovem que salvara noite passada tentando puxar a vassoura de volta para acertá-lo com ela enquanto gritava a plenos pulmões.  

 

— Senhorita, o que pensa que está fazendo? - Bradou Jasper, por cima dos gritos irados.  

 

— Tentando acertar você, seu calhorda miserável! - Disparou a jovem, ainda tentando recuperar a total posse da vassoura com muito empenho. O cabelo claro lhe caia pelo rosto, a boca estava torcida em fúria e por cima do vestido esfarrapado, ela vestia o uniforme dele que poderia muito bem caber duas. Daquele angulo, aquela jovem parecia uma louca desbocada, não uma donzela que estivera em perigo. - Está aqui para terminar o que começou ontem, pois não? Como ousa me perseguir daquele jeito e continuar insistindo? Quem é você?! Eu tive uma péssima noite por sua culpa, seu desgraçado. Não se mexa, pois irei arrancar sua cabeça! 

 

Jasper quase engasgou com o próprio ultraje. Aquilo estava mesmo acontecendo? Aquela jovem era mesmo cega? E que tipo de dama se comportava daquela maneira e possuía um vocabulário tão sujo?  

Ele tinha quase certeza que nenhum vampiro da história deveria ter passado por aquilo. Pois, sim. A situação era tão inusitada que ele não pensou como um vampiro, e sim como o Jasper Whitlock, ou ao menos os resquícios dele. 

 

— Senhorita, se acalme. Acho que há um mal entendido - disse Jasper. - Eu não sou o homem que a atacou. Sou o... dono desta cabana - não era completamente mentira, afinal de contas. Ele observou a jovem franzir o cenho e afrouxar os dedos em volta do cabo de madeira, embora ainda estivesse em posição de defesa. - Eu a ajudei noite passada. Mandei que a senhorita ficasse aqui até que eu voltasse, lembra-se?  

 

A jovem pestanejou e pareceu ponderar por um momento. 

 

— Bem, eu... me lembro disso. E, de fato, a voz do calhorda não se parece com a voz do senhor... - A jovem parecia estar ponderando sobre a situação. Avaliando os fatos. Preparando seus próprios golpes. Fosse o que fosse, Jasper ficou atento aos seus menores movimentos, sentindo-se instigado a ver onde aquele peculiar episódio o levaria. Por fim, ele a viu sair da posição de ataque e abaixar os punhos, fitando um ponto fixo em sua frente. - O senhor dá a sua palavra de cavalheiro que não me fará mal? 

 

A pergunta chegava a ser irônica. 

 

— Sim, certamente - A resposta do vampiro soou convicta, embora não houvesse uma gota de certeza dentro dele sobre aquela promessa que fazia para o que deveria ser sua caça.  

 

 Lentamente, ele viu a jovem hesitar por meros dois segundos antes de dar um passo em frente e seguir firme em sua direção. Quando ela parou a poucos metros dele, levando consigo o cheiro doce de sangue, o monstro dentro dele rugiu, despertando.  

 Jasper apertou os dentes, as presas se expondo, e se preparou para avançar sobre a garota e matá-la. Quebraria o pescoço primeiro, pois assim seria rápido e indolor. Depois cortaria a jugular e se esbaldaria no sangue que escorreria pelo chão da cabana.  

 Contudo, os planos do monstro foram adiados no momento em que ela esticou a mão tremula no ar e o tocou, traçando um caminho em seu rosto que se iniciou na testa, percorreu as maçãs do rosto e terminou nos lábios entreabertos, os mesmos que pretendiam marca-la, como se desejasse conhece-lo de seu jeito.  

 

— Sou Elle Woodbead - disse ela, o tom de voz baixo ecoando pelas paredes da pequena cabana, se misturando com as batidas de seu coração vacilante. - E qual seria o nome do homem gentil que me salvou? 

 

Então foi aí. Foi aí, nesse exato momento, no momento em que a jovem cega que ele salvara em uma noite qualquer sorriu genuína e corajosamente para ele, apesar de todo o medo e insegurança que ainda sentia, que Jasper soube que aquele caminho instigante que decidira trilhar não havia mais volta. Porque, durante os segundos que ficou observando o sorriso de Elle, ele notou a forma como o mundo todo ficou silencioso e nada mais parecia importar além dela e a forma como ela o tocava. Ele sentiu paz naquele momento, como se ela fosse a luz preenchendo os cantos escuros daquela cabana. 

E aquilo o assustou mais do que qualquer coisa que já havia visto. 

 

— Sou o Major Jasper Whitlock, senhorita Woodbead -Pronunciou Jasper, se afastando bruscamente do toque dela, os dentes trincados. - Mas acho que deve saber disso, dado ao fato de que está com a parte de cima do meu uniforme militar.  

 

O rosto de Elle transformou-se em um tomate enquanto a jovem piscava diversas vezes, tentando tirar a peça de roupa e se enrolando no processo. 

 

— É-É um prazer conhece-lo, Major. E sinto muito pelo uniforme, mas, como o senhor já deve ter percebido, sou cega, e ele acabou sendo a única coisa que encontrei para cobrir meu vestido rasgado. 

 

O vampiro ficou um pouco surpreso com a franqueza e naturalidade dela ao falar sobre a própria deficiência. Ainda mais quando ouviu a risada nervosa e delicada que ela deixou escapar durante a briga com o uniforme:  

 

— Diabos! Por que não consigo tirar uma mísera vestimenta?!  

 

— Está tudo bem, fique com ela por agora - Jasper se ouviu dizendo, embora não conseguisse compreender porque estava as dizendo ou porque a garota ainda estava respirando.  

 

Ele observou Elle parar, os longos cabelos claros caindo pelo rosto, e aguardou pela próxima reação dela; reação que veio em forma de sorriso singelo.  

 

— Obrigada, Major Whitlock. De verdade. 

 

— Não precisa agradecer, senhorita Woodbead. É só uma vestimenta. 

 

— Não só por isso. Por ter me deixado entrar ontem à noite em sua casa e ter me salvado daquele infel... homem desprezível - Elle se encolheu com a lembrança, passando os braços ao redor de si mesma, parecendo menor do que já era. - Foi muito gentil da sua parte. E corajoso.  

 

Jasper não conseguiu formular uma resposta para aquilo. Fazia tempo que ninguém se diria á ele daquela forma. Gentil e corajoso. Aqueles eram adjetivos que poderiam definir o Jasper Whitlock humano, não o monstro cruel e sanguinário que ele havia se transformado. E se Elle pudesse enxergá-lo naquele momento como ele realmente era, perceberia isso.  

 No entanto, lá estava ela. O agradecendo. O pintando como um herói quando na verdade ele era o vilão. Ela tinha tamanha ingenuidade que ele não poderia se atrever a corromper, não quando parecia ser a única coisa boa que aparecera em seu caminho.  

Por isso, o vampiro tomou sua decisão. E estava disposto a viver com as consequências dela, mesmo que elas o atormentassem por longos anos. 

 

— Já amanheceu. Creio que a senhorita esteja segura agora e já possa ir para sua casa, até porque não irá parecer muito decoroso nossa situação para as pessoas de fora - Jasper aproximou-se dela, inspirando silenciosamente o cheiro delicioso que ela tinha. Quando voltou a falar, sabia da coloração negra de seus olhos e da gravidade em seu tom, indicando que precisava comer. - Consegue encontrar sua casa, senhorita? 

 

— Claro. Não estou muito longe dela. Eu moro no vilarejo aqui ao lado - A resposta de Elle foi rápida e tímida, como se só então tivesse percebido as condições da situação em que estava: sozinha em uma cabana com um desconhecido onde havia passado a noite. As más línguas da região não perderiam a oportunidade se soubessem. Então, com o mesmo olhar em um ponto fixo que não existia e o sorriso pequeno nos lábios rosados, ela fez uma mínima reverencia desajeitada e ergueu a mão para tocar o Whitlock novamente, mas desistiu no último segundo e voltou a abaixar a mão: - Obrigada, Major. Por tudo. E perdão, por tudo também. Espero que nos encontremos novamente. 

 

— Certamente. Eu preciso do meu uniforme de volta algum dia - Jasper soltou sem nem ao menos piscar, deixando a jovem ainda mais vermelha, o atormentando.  

 

— Adeus.  

 

 Com visível pressa para desaparecer das vistas dele, Elle Woodbead juntou o que restara das saias de seu vestido e se virou, caminhando meio hesitante pela cabana, procurando a saída. O vampiro a observou, decidindo se oferecia ajuda ou não, a jovem estender um dos braços e começar a tatear os poucos móveis do lugar, tentando se localizar. Ele a viu respirar fundo duas vezes até encontrar finalmente a porta e abri-la, saindo da cabana e a fechando atrás de si.  

Elle finalmente havia ido embora, levando consigo o delicioso perfume e toda a paz que se alastrara no interior do vampiro que era capaz de controlar as emoções alheias. E, como se não pudesse ser mais irônico, pela primeira vez desde que se tornara um vampiro, Jasper não conseguia controlar o que sentia.  

E tê-la seguido á distancia para garantir que ela não seria atacada novamente, mesmo na luz do dia, quando deveria manter distância, confirmava isso.  

 
 

 
 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu ainda estou viva, desculpem pela demora!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "She Is The Sunlight" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.