She Is The Sunlight escrita por Brê Milk


Capítulo 2
I


Notas iniciais do capítulo

''If all the flowers faded away
And if all the storm clouds decided to stay
Then you would find me each hour the same''


''Se todas as flores sumissem
E se toda as tempestades decidissem ficar
Então você iria me encontrar a toda mesma hora''





Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/783134/chapter/2


1888 — East End, Londres

 

O cavalo puro sangue relinchava todas as vezes que o seu condutor apertava as rédeas, tentando assumir o controle da cavalgada, ou pelo menos tentando, visto que o animal era indomavelmente teimoso. 
Empertigado sob o dorso de seu cavalo, Jasper Withlock retornava de mais uma guerra. Ninguém diria isso se o visse. 
As roupas perfeitamente alinhadas e limpas, as botas lustradas e os cabelos louros comportados debaixo do quepe do exército britânico diziam o contrário, exceto pela pequena mancha de terra em sua bochecha esquerda. Tirando isso, ele era o oposto de alguém que voltava de uma guerra. 

Mas também, não havia como ele não ser. Seus reflexos e sentidos aguçados e habilidade de cicatrização o faziam ser o oposto. Porque, diferente dos homens com quem lutara ao lado e até contra, Jasper Withlock não era normal, muito menos humano. Jasper era um vampiro, e desde que fora transformado estava tentando fugir disso. 

Porém, por mais que tentasse, não conseguia. Não conseguia ficar longe do sangue humano correndo nas veias das pobres pessoas que cruzavam seu caminho, muito menos ficar longe das emoções delas. E não sabia o que era pior. Então ele fazia aquilo: partia e se camuflava nas guerras, onde ninguém pararia para perguntar sobre seus olhos anormalmente vermelhos enquanto lutava pela própria vida. Ninguém o faria perguntas. E, por mais que soasse cruel para ele, ninguém se importaria com a matança que ele fazia. 

Por isso tinha ido para a Inglaterra, para lutar nas grandes e pequenas guerras, onde podia ser o que era. Um monstro. E agora que a guerra havia acabado, Jasper se perguntava para onde iria. Era isso que estava fazendo enquanto percorria o bosque de East End em Londres em cima do cavalo que adotara como seu nos campos de batalha, na penumbra da madrugada. 
Não podia viajar na luz do dia, muito menos por estradas. Os efeitos de ser um vampiro impediam isso e ele não tinha muitas opções além de aproveitar a noite e seguir para um novo destino. O problema, no entanto, é que ele não tinha um destino. Não parava para pensar em um; apenas o encontrava nas ocasiões. E assim era desde que decidira abandonar Maria...

Jasper balançou a cabeça quando percebeu que rumo seus pensamentos estavam tomando. Grunhindo baixo, ele puxou as rédeas do cavalo, que relinchou em protesto antes de trotar mais rápido, avançando pelo bosque. 
O vampiro aproveitou para pensar naquele tempo. Olhou para o céu e observou as nuvens densas e escuras começarem a se dissipar. Amanheceria dali a algumas horas, e não poderia seguir viagem porque ultimamente o sol andava dando as caras em Londres. Seria uma péssima ideia viajar com a possibilidade das pessoas o verem brilhar e uma irresponsabilidade. 
Sendo assim, Jasper desistiu de seguir viagem e resolveu procurar um lugar para se abrigar e esperar até a próxima noite.

Não demorou muito e, no coração do bosque, uma pequena cabana surgiu. Havia uma tocha acessa do lado de fora e uma leve claridade bruxuleante do lado de dentro, através do vidro da janela fechada. 
Jasper decidiu que seria ali que ficaria.

Fez o cavalo desacelerar o ritmo até parar e desceu, amarrando o animal no grosso tronco de uma árvore no quintal da cabana. Em seguida, o vampiro caminhou pelo gramado e parou em frente à velha porta de madeira, com os ouvidos atentos. O som de um coração com batidas lentas o fez ter certeza que a casa já tinha morador,  contudo isso não o impediu de bater duas vezes e esperar até ouvir passos lentos e arrastados.

Alguns segundos depois, o som do trinco sendo aberto ecoou, e o rosto enrugado de um velho corcunda apareceu na entrada da porta, vestindo um pijama de listras esfarrapado com uma luminária na mão, que manteve na altura do pescoço do vampiro, parecendo não se importar com um desconhecido batendo em sua porta no meio da madrugada. 
O primeiro e mais grave erro cometido pela vítima.


— Ora, um soldado! — disse o velho, olhando para os trajes do exército. E então, abrindo um sorriso sem dentes, perguntou: — Posso ajuda-lo, meu jovem?

Jasper quase desistiu do que estava prestes a fazer. Conseguia sentir a simpatia e gentileza do velho senhor irradiando, e sabia que era errado. Mas ele precisava de um lugar e não podia correr o risco de ser percebido por pessoas demais. E, acima de tudo, estava com sede. Não se alimentara desde que deixara o quartel, e sua garganta ardia como as chamas do inferno. 
Por isso, Jasper se amaldiçoou, como sempre fazia.

— Me desculpe — disse, vendo a confusão do velho diante de tais palavras.

Mas Jasper não o deu tempo; com um gesto rápido, empurrou o velho para dentro da cabana e entrou em seguida, fechando a porta atrás de si. Antes que sua vítima gritasse, ele já estava cravando os dentes em seu pescoço, sugando o sangue e a vida do corpo daquele homem, como o monstro que era. 
E sempre seria.

xxx

 

Quando amanheceu, o Withlock já estava entediado. Achava até que poderia morrer de tédio enquanto olhava para o teto caindo aos pedaços da cabana, se já não estivesse morto. 
Já havia explorado o pequeno lugar completamente — não encontrara nada de interessante além de uma espingarda e um  baú com dezenas de relógios de bolso quebrados. Tudo indicava que o velho que vivia ali era sozinho, sem fotografias, roupas ou cheiro de outra pessoa. E aquilo confortou Jasper um pouco, pois não tinha arrancado uma pessoa de alguém. Embora não aliviasse sua culpa.

De todo modo, ele não tinha nada para fazer. A única tarefa que realizou foi enterrar o corpo do velho atrás da cabana, sentindo que era o mínimo que poderia fazer. Mais uma vez, aquilo não o fez se sentir melhor. E com o fim da tarefa, não sobrou nada. Apenas o teto e os buracos nele. 

O vampiro suspirou, frustrado. Ainda faltavam muitas horas até o anoitecer, e ele estava prestes a explorar a casa novamente quando ouviu o ruído de passos se aproximando correndo. O corpo dele ficou rígido, pois desde que chegara na cabana ninguém apareceu por aquelas bandas. 
Do lado de fora, seu cavalo relinchou duas vezes, agitado. Jasper ficou em alerta e levantou-se da pequena cama, chegando até a porta um nanosegundo depois. Ele ouviu atentamente o que se seguiu.

Pés pisoteando as folhas e gramas, um farfalhar de tecido e respiração acelerada. Quem quer que fosse, parecia estar fugindo. E encontrou a cabana, porque logo o ruído dos passos se aproximaram mais. Antes que Jasper se movesse, o cheiro de orquídeas o acertou, e em seguida, alguém bateu na porta, ao mesmo tempo que gritava desesperadamente:

— Socorro! Abra a porta, por favor! — A voz era feminina e estava embargada. — Há alguém em casa? Por favor, abra! Ele está atrás de mim! Por favor!


Jasper ficou em silêncio, imóvel. Conseguia ouvir a súplica na voz da moça do lado de fora, assim como conseguia sentir seu medo e pavor, o que o fez querer ajuda-la. Mas não tinha certeza se deixando-a entrar a deixaria mais segura. Não sabia quem era pior... quem estava a perseguindo ou ele próprio. 

Contudo... contudo...

Quando percebeu, estava apanhando o quepe em cima da mesa de madeira e o colocando na cabeça, puxando a aba para que cobrisse seus olhos. E, sabendo que iria se arrepender, ele puxou o trinco e abriu a porta, sendo surpreendido com o corpo pequeno que se atirou em seus braços. 
Se não tivesse reflexos perfeitos, Jasper teria caído no chão com o impacto dos corpos, mas se manteve equilibrado e segurou a garota pela cintura com firmeza, a impedindo de cair. Ela arfou, e então levantou a cabeça, olhando para algo além de Jasper, o que ele achou estranho.

Por baixo da aba do quepe, o vampiro a olhou. A primeira coisa que notou foi o longo cabelo castanho da cor do mel, bagunçado ao redor do rosto fino e pálido. A segunda, foi as quase invisíveis sardas no nariz e nas bochechas, e os lábios rosados. E a última foram os olhos, que peculiarmente possuíam cores diferentes. O da direita era castanho e o da esquerda verde, e pareciam sem foco, assim como também derramavam grossas lágrimas.

A garota soluçou.

 

— Você está bem? — Ele se obrigou a perguntar, disfarçando o sotaque texano.

Ela não respondeu como o esperado. Virou a cabeça para o outro lado, como se procurasse por ele, e então, ergueu uma das mãos que tremia sem parar, e fez algo surpreendente e impróprio para a época.
Tocou o rosto do vampiro, finalmente o encontrando.
 Foi aí que Jasper percebeu o que estava errado. O fato dos olhos dela parecerem sem foco, o fato dela olhar além dele como estivesse o procurando, o fato dela toca-lo no rosto.

A garota era cega.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá, pessoal.
Este foi o primeiro capítulo e espero que tenham gostado. Até o final da história, o enredo se passará no passado, que são as memórias do Jasper. E os trechos colocados nas notas iniciais são partes da música que inspirou a fanfic, com o mesmo título.

É isso. Conte-me o que achou, por favor.
Até o próximo...



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "She Is The Sunlight" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.