Ponto de Fusão escrita por Mony Celis


Capítulo 9
Capítulo 8




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08

Connor

 

 

Sentado na margem do lago, ele estava tendo o primeiro dia de aula da sua vida.

Juliet explicava o funcionamento do governo de Luanda. O Absolutismo havia sido um modelo muito utilizado pelos seus antepassados, antes mesmo das primeiras guerras mundiais. Então, eras depois, o modelo ressurgiu e o que o diferenciava é que a servidão não existia. Todos eram livres, na teoria.

Além disso, não havia tantos nobres como outrora. Abaixo do rei, os cargos mais importantes eram o de comandante e guardião do reino. Esse último nunca fora ocupado, ninguém havia se mostrado digno e honrado para exercê-lo.

Conforme a aula seguia, Connor ficava cada vez mais preocupado. As leis existiam, mas o rei ou a rainha poderia passar por cima delas quando quisesse e nenhuma de suas decisões deveriam ser questionadas.

Ele se sentia um idiota por estar discordando mentalmente daquilo tudo. Ou ele nascera sem a menor capacidade de se tornar um rei ou os anos de cativeiro o enlouqueceram de vez. Por que Connor precisava inspirar medo? Não era exatamente isso o que Ariel fazia?

— O senhor está conseguindo acompanhar a explicação? — perguntou Juliet, despertando-o de seus pensamentos.

— Nós nunca tivemos outro sistema de governo? — perguntou o príncipe.

— Não, senhor.

— E a democracia? Ela passou a ser usada depois das duas primeiras guerras mundiais.

Juliet arqueou as sobrancelhas.

— E essa mesma democracia os levou a fazer outras duas guerras até quase exterminar a humanidade.

Connor não estava convencido.

— Por que existem todas essas regras se eu não preciso segui-las?

— Todo país precisa de lei, mas o soberano é autoridade máxima. O que ele decidir, está decidido.

O príncipe soltou um suspiro, estava ficando louco, essa era a única explicação. Tudo deveria fazer sentido, tudo deveria parecer certo. Então, por que Connor sentia que estava novamente em seu quarto no palácio de Ariel? Por que ele ainda se sentia como um prisioneiro mesmo depois de ter ganhado a liberdade?

A comandante o encarava intensamente, analisando sua expressão como se pudesse ler seus pensamentos.

— Se o senhor quiser, paramos por aqui.

— Não é isso, Juliet — Connor nem conseguia encará-la, então criou uma pequena bola de neve e ficou jogando-a entre as mãos. — Eu pensei que as coisas fossem diferentes.

Juliet esfregou as mãos, devia ter sentido a queda da temperatura. Era difícil saber, Connor não sentia frio — sentira só uma vez na vida e nunca mais queria repetir a dose — e isso significava que sua magia estava se estabilizando. Era cada vez mais fácil criar coisas pequenas, como bolas e flocos de neve.

— O senhor é jovem, Alteza — disse ela. — Com o tempo, vai compreender que as coisas são melhores assim.

— O que o meu pai pensava sobre isso?

A comandante fitou o chão, como sempre fazia quando o assunto era o falecido rei. — Ele nunca questionou, era mais novo do que você quando compreendeu que nem sempre as coisas são como nós queremos.

— Eu não quero ser um rei cruel, perverso, que só pensa em si próprio.

— É melhor ser temido do que ser amado, meu príncipe.

A bola de neve esfarelou em sua mão.

— Então, por que ainda estamos lutando? Pelo que estamos lutando?

Juliet franziu o cenho, sentindo o tom questionador.

— Pelo seu direito de governar Luanda.

— Para ser só mais um? — Connor retrucou. — Ou a comandante ainda não percebeu que esse pensamento não nos faz tão diferentes de Ariel Me’vi?

Os olhos da comandante faiscaram, mas a chegada de um soldado interrompeu a discussão.

— Comandante, perdão por interromper, mas a espiã Lena trouxe dois jovens da capital.

*

Antes mesmo de entrarem no escritório de Juliet, eles podiam ouvir uma discussão sobre arriscar a vida de forma desnecessária. Ao notarem a presença da comandante e do príncipe, o burburinho cessou.

— Tudo bem por aqui? — perguntou Juliet, notando a tensão no ar.

— Sim, comandante. — A espiã ajeitou sua postura. — Esses dois jovens dizem terem vindo do Reino do Sol a pedido da senhora.

Os dois em questão deveriam ser parentes, já que tinham os mesmos olhos escuros e traços delicados. No entanto, a garota de cabelos ruivos na altura dos ombros trouxe ao príncipe lembranças sobre a sua infância. Memórias de uma menininha ruiva sorrindo e correndo pelo jardim, tentando se esconder dele.

Ela sorriu, notando que o príncipe a reconhecia.

— Alteza — disse ela, os pontinhos brilhantes das paredes da caverna iluminavam seus olhos.

— Lia. — Connor se permitiu sorrir também, Juliet o encarou, atônita. — É ela, pode confiar.

A comandante assentiu, ainda atordoada. O garoto ao lado de Lia, dono de cabelos louros, parecia estar se sentindo excluído.

— E eu sou o Jimmy, também é um prazer imenso conhecer vocês.

Risadinhas ecoaram pelo ambiente. Juliet cumprimentou os dois com um aperto de mão.

— Fico feliz por terem se juntado a nós, apesar dos riscos — disse. — E Lia, agradeço mais uma vez o que você fez, poucos teriam a mesma coragem.

A espiã Lena pigarreou.

— Acabei de ter uma amostra da coragem da senhorita, ela estava defendendo uma mulher que estava prestes a ser agredida pelo marido.

— Ela poderia ter morrido! — argumentou Jimmy. — O cara estava carregando um machado e ainda deu um tapa no rosto dela.

Lia encarou o garoto, fuzilando-o com o olhar.

— Mas eu não morri, Jimmy! E faria de novo, se você quer saber.

A comandante e a espiã trocaram olhares, pareciam impressionadas. Connor fez uma nota mental de nunca contrariar as decisões de Liakánda Me’vi.

Um súbito e estranho pensamento lhe ocorreu, ela poderia ser uma ótima rainha, sua determinação e olhar forte jamais permitiriam que alguém se levantasse contra ela.

Não se pode comparar a vida dos outros com a sua, meu filho. É o que sua mãe diria a ele, as coisas não poderiam mudar. Connor nascera para ser o herdeiro do trono, Juliet nascera para comandar exércitos e talvez Lia nascera para salvar vidas. Ele não poderia questionar algo que já estava definido.

Ainda assim, não se sentia como um rei e temia nunca se sentir como um.


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