omega escrita por softbennet


Capítulo 1
1.01 Lone Wolf


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos,
esta história foi criada num surto de criatividade onde me peguei pensando se a série fosse feita para um público mais adulto e com mais detalhes. Portanto, aqui está como pedido por alguns leitores, uma história que segue o roteiro original porém muito mais detalhista, real e impactante.

Foi classificada como +16 por conter cenas de violência e sangue.

Faça uma boa leitura e espero que acompanhe essa aventura comigo ♥



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Capítulo um: Lobo solitário

Palavras: 5.531

⁎✶⁎

A noite estava agradável com a lua cheia no topo do céu. Uma sensação de liberdade toma conta do meu corpo assim que meus pais entram na toca. Finalmente estou sozinha. 

Com meu cobertor nos braços, desço até a sala para assistir alguns filmes que estejam passando na televisão. Se minha mãe estivesse aqui, certamente me daria uma bronca por dormir tarde e comer comidas gordurosas. Mas como não está, decidi aproveitar.

Durante quase uma hora, assisto um filme de terror que passa em um dos canais, quando escuto um barulho do lado de fora. Abaixo o volume e levanto calmamente até a porta dos fundos.

Observo o quintal da minha casa com cuidado até que vejo a fonte do ruído alto. Um lobo grande com pelos castanhos escuros que tinha derrubado a lixeira e devorava uma carcaça de frango, mais conhecido por mim como pai. 

Já irritada pela bagunça que terei que limpar, caminho lentamente até o local fazendo meu pai direcionar os olhos para mim. Eu sabia que em forma de lobo, ele não iria ceder a "caça", então estendi minha mão direita em sinal de rendição e senti meus olhos ardendo mudando a coloração para um amarelo ouro. 

Fui avançando até ele estar perto do alçapão onde é a toca. Com mais alguns passos, consigo finalmente fazer meu pai cair dentro do buraco. Fico satisfeita que consegui manter tudo sobre controle. Quem é o filhote agora mamãe?

Vou até as alças para fechar as portas, quando minha mãe que estava dentro da toca pula tentando o acesso ao lado de fora. "De novo não", eu apenas penso. Sem refletir muito nas consequências, eu pego meu par esquerdo do tênis e arremesso no focinho dela, fazendo com que ela caia no chão da toca com um barulho alto.

— Foi mal mãe! - eu grito esperando que ela não esteja brava comigo.

Fecho as portas, colocando uma tora de madeira por dentro das alças para não haver mais nenhum incidente. Com a vassoura e pá, recolho todo o lixo e logo em seguida volto para o meu conforto da poltrona, meus salgadinhos e mais um filme que começaria.

No dia seguinte

Acordo com o barulho insuportável do meu despertador. Eu até poderia colocar ele no modo soneca, mas se uma mãe normal saberia, imagina minha mãe que também é um lobo?

Levanto e começo a arrumar minhas coisas para a escola. Minha vontade praticamente nem existe de ir á escola, mas minha mãe certamente não vai acreditar em nenhuma desculpa que eu criar. 

Depois de estar devidamente arrumada com meu uniforme, coloco um casaco por cima e desço a fim de abrir a porta da toca, afinal a lua não está mais no céu e meus pais já devem de volta ao normal.

Quando abro a porta, vejo meus pais deitados em um colchão velho que deixamos no canto para essas ocasiões. Assim que eles colocam os olhos em mim, começando a levantar.

— Aquela galinha pegou mal - diz meu pai passando a mão por cima da barriga para indicar o problema.

— Vocês são inacreditáveis! Saindo escondido e fuçando no lixo? - pergunto irritada.

Eles me dão o famoso olhar de cachorro abandonado, até que vejo o par do meu tênis que eu tinha jogado em minha mãe, no chão todo sujo e cheio de buracos.

— Mãe! Você estragou meu tênis favorito - digo brava fazendo sinal de negação com a cabeça mostrando minha irritabilidade. 

Deixo eles fechando a porta e saio de lá bufando. Eles sempre dizem que não podemos dar brecha para as pessoas descobrirem nosso segredo, mas saem em plena noite de lua cheia e fazem a maior bagunça do lado de fora. E se algum dos vizinhos vissem ou se assustassem por ver um lobo? Nosso segredo iria água á baixo e tudo por falta de responsabilidade dos meus queridos alfas da casa.

— Sempre dizem que devemos nos esconder dos humanos, não deixando ceder o nosso lado lupino e assim que vocês tem uma chance, saem do porão - exclamo me movendo até a sala de estar.

— Você não entende como a lua é poderosa - meu pai fala.

— Quando tiver idade para se transformar... - minha mãe tenta dizer.

— Não serei hipócrita e direi "esconda-se" e depois sairei assim que farejar comida - falo seguindo minha mãe que ia em direção ao lixo da cozinha para jogar meu tênis - E aquela galinha... - deixo a frase no ar fazendo cara de nojo.

— Seu pai não é o único comendo coisa que não deve, é? - ela fala assim que vê as embalagens de salgadinhos e joga o pé esquerdo do tênis no lixo, fechando-o logo em seguida.

— Pois é. E você ainda estava vestida quando saiu ontem, mocinha - meu pai briga.

— Combinamos que dormiria ás 22h durante a semana - ela fala olhando com cara de brava.

— Vou perder o ônibus. Preciso ir. Até mais tarde! - saio da conversa imediatamente para não piorar a situação ou levar castigo.

Quando estou saindo escuto minha mãe dizendo "Não bata no meu focinho de novo". Mas já estou na porta e nem dou bola. Quando estava pra sair olho meus pés e vejo que ainda estou descalça e aquele tênis que eu havia dito que era meu favorito, na verdade era o único. Já que o outro par que tenho, está no armário da escola. "Obrigada mãe!"


Chego na escola atraindo atenção. Afinal, não é todo dia que alguém acorda pela manhã e resolve usar galochas verde musgo. Se eu ligasse um pouco para moda, eu também ligaria. Mas não é o caso.

— O que é isso no seu pé? - pergunta Tom assim que me aproximo.

— Lobisomens comeram meu sapato - eu brinco - Não viu a lua cheia ontem á noite?

— Não comece. Já sei de onde tirou isso - diz se referindo á nossa melhor amiga - Shannon! - ele grita o nome dela, assim que a vê, vindo em nossa direção.

Ela vem com seus cabelos flamejantes presos em sua típica trança e um cachecol que abraça seu pescoço. Pelo sorriso estonteante, já sei o assunto que passa em sua cabeça.

— Ouviu aquilo, ontem a noite no pântano? - olha para nós dois, esperando uma resposta que não veio - Uivos. Veja o que encontrei em Drayman's Lane de manhã - diz pegando seu celular na bolsa - Vou comparar com fotos de pegadas de cães.

Assim que pego o aparelho, me deparo com fotos de pegadas na lama. Seria facilmente identificável como pegadas caninas, se não fosse pelo tamanho. Entro em crise rapidamente. Quem deixou essas pegadas? Esse é o nosso território, ou seja, não existem Wolfbloods nessa área a não ser minha família. E sei muito bem onde meus pais estavam ontem a noite.

— De todo tipo de cão? - pergunta Tom, já achando a ideia um tanto quanto absurda.

— Essa é a prova, Tom. Prova de que tem algo estranho no pântano - revida ela com um ar esperançoso de que aquilo que ela quer há anos, finalmente foi descoberto.

O assunto morre pois nem eu, nem Tom quer estragar a felicidade de nossa melhor amiga. Isso dói mais em mim, obviamente. Minto sobre isso há anos para meus amigos e sei que isso não é nada legal.

Seguimos pelo corredor em direção aos armários. Quero trocar logo esses sapatos antes que eu ouça mais um comentário pelos corredores. Odeio ser o centro das atenções. 

Tiro as galochas colocando-as no chão do armário e em seguida calço um par de tênis preto que sempre deixo de reserva. Vejo então Shannon olhando a lista do nosso clube de fotografia pregado na parede onde existem seis nomes escritos.

— Oba! Membros novos para o clube de fotografia - exclama Shannon.

— Finalmente! - diz Tom, provavelmente não aguentando mais as cobranças da diretoria pelo clube ser composto por apenas três pessoas. No caso, nós.

Sr. Jeffries, professor de história e responsável por diversas atividades escolares, passa pelo corredor e nos olha pelo entusiasmo aparente em nossos rostos.

— Vão precisar de um quarto escuro maior - comenta ele.

— O quê? - Tom pergunta.

— Parece que o Incrível Hulk vai entrar para o clube junto com o Super Homem - ele diz apontando os nomes escritos no cartaz - E tem alguém com uma caligrafia horrível nesta escola.

Realmente a nossa euforia foi a toa. Algum engraçadinho da escola escreveu nomes de personagens na folha. Eu tiro as tachinhas que prendem a folha no cartaz para ver melhor e meus amigos se aproximam de mim.

— Vamos conseguir membros novos - eu digo quase implorando. Fotografia é uma coisa que nós três compartilhamos e amamos mutuamente. Não quero que a escola feche nosso clube, apenas para fazer uso da nossa sala.

— Que bom que vocês se interessam tanto por algo, mas isso não dá o direito de usar uma sala da escola como se fosse o porão de vocês - ele diz apontando o dedo indicador para mim - Têm até amanhã de manhã para conseguirem três novos membros ou fecharei o clube - com isso, ele começa a caminhar pelo lado esquerdo do corredor - Harry! Nada de correr na escola.

— Quando eu descobrir quem foi... - diz Shannon irada tomando a folha das minhas mãos.

Eu observo o ambiente e percebo que o trio de patetas mais conhecidos pelos alunos como Sam, Jimi e Liam, dão gargalhadas no final do corredor. Já suspeita que poderia ter sido eles, coloco meus cabelos atrás da orelha a fim de ouvir melhor o que dizem.

"Boa rapazes"

"Bem feito pra ela. Clube idiota"

— Jimi - eu digo bufando de nervoso.

— Como sabe? - Shannon pergunta confusa.

Eu travo. Simplesmente esqueci que usei uma das minhas habilidades de lobo e ainda falei para eles. Isso ás vezes acontece, afinal, o lado lupino é uma grande parte minha. Rapidamente me vejo pensando em mais uma desculpa para me livrar.

— Quem mais tem uma letra tão horrível? - eu pergunto á eles - Vamos!

Meu plano era questionar o trio de meninos. Mas assim que uma brisa passa pela janela, sinto uma fragrância diferente no ar, diferente de todos os perfumes, cremes e cheiros naturais que os alunos daqui possuem. Era o cheiro de um Wolfblood.

Observo o corredor e uso minhas habilidades vendo um rastro amarelo de odor, o que indica que esta pessoa já passou por aqui hoje e está em algum lugar do prédio.

Ignoro o chamado dos meus amigos que estranham minha repentina mudança de planos e sigo o rastro, esperando que ele me leve até o indivíduo que o possui.

Saio pela porta e viro o corredor, descendo pelos lances de escadas e vendo vários alunos embolados subindo em direção ás salas de aula. Tom me chama, avisando que iríamos nos atrasar. Decido acompanhá-lo e desistir da minha busca, afinal poderia ser coisa da minha cabeça.

Assim como todos, vamos até a primeira aula do dia, que no nosso caso seria história com Sr. Jeffries.

— Bem - vindos a bordo. Meu nome é Sr. Jeffries. Sou professor desse ano e serei também o tutor, então verão muito a minha cara - diz ele - Pessoal! Este é Rhydian Morris, que imagino que seja do País de Gales - diz falando pelo sobrenome do menino.

— Não - Rhydian fala com uma cara de poucos amigos.

A sala inteira começa a dar risada pela reação do menino, mas não acho engraçado e muito menos presto atenção nisso. Meus olhos começam a observá-lo atentamente e vejo o rastro amarelo de odor que vi mais cedo, fazendo uma trilha até seu corpo. Ele é o Wolfblood e está no nosso território.

Vejo ele atentamente. É um garoto alto, talvez o mais alto da sala. Tem cabelos loiros e olhos azuis profundos. Veste de maneira um pouco desleixada o uniforme da escola, pois a gravata verde escura está bem frouxa em seu pescoço. Está com um casaco grosso por cima das roupas e botas nos pés. É inevitável dizer que ele é lindo, mesmo para mim que nunca presto atenção nessas coisas.

Consigo ouvir as risadinhas vindo das meninas do fundo, o que indica que elas observaram a mesma coisa que eu. 

— Você tem o mesmo cheiro que os meus pais - sussurro bem baixinho, mas pela audição aguçada que sei que ele tem, surte efeito pois ele me encara de maneira estranha.

— Maddy! Sente-se, obrigado. Rhydian, você também - o professor diz e só assim percebo que nós dois éramos os únicos em pé na sala.

Assim que me sento ao lado de Tom, tudo parece um borrão, tanto que nem me atento á algazarra da turma e muito menos os olhares estranhos que meu amigo do lado passa para mim. 

Só consigo olhar para o menino novo. Aquele que eu sabia que traria confusões, afinal nunca é pacífico quando um lobo invade o território de outro, ainda mais que lobos não andam sozinhos, então provavelmente ele possui uma matilha.

A primeira aula é fácil de não prestar atenção, Sr. Jeffries apenas explica como vai funcionar as provas, atividades extracurriculares e um par de coisas que não diriam ser importantes nesse momento. Consigo sentir Rhydian me olhando praticamente todo o período que estivemos lá dentro e sabia que eu tinha que falar com ele assim que o sinal tocasse.

O novato desce as escadas distraído olhando seu horário escolar. Cuidadosamente vou atrás depois de avisar aos meus amigos que me esperassem no refeitório. Assim que ele para com uma feição claramente de perdido, decido que é a hora da minha intervenção.

— O que está fazendo aqui? - pergunto de supetão.

— Estou procurando... - claramente, ele não entendeu minha pergunta.

— Não, no nosso território - eu insisto - Não conhece as regras? Não pode ficar. Se meus pais sentirem seu cheiro...

— Eu nem te conheço - ele responde irritado.

— Exatamente!

— Não importa de quem é o território. Não vou ficar aqui. Por que ficaria nesse lixo de cidade? Mas nenhuma garota fedorenta me diz se posso ou não ficar - depois disso, ele vira as costas e me deixa sozinha no corredor.

"Fedorenta" eu penso, meu cheiro é exatamente igual ao dele. O quão confuso esse garoto pode ser? Eu sabia que me traria problemas e até agora ele não me fez o favor de provar o contrário.

Caminho pensativa até o refeitório, enfrento a fila para pegar meu lanche e sento onde Tom e Shannon já estão. 

Conto meu momento com o menino novo, omitindo é claro o foco principal da conversa.

— Ele me chamou de fedorenta - eu reclamei. Acho que fiquei mais irritada com essa parte aparentemente.

— Maddy, você começou - disse Shannon. Afinal de que lado ela está?

— Não comecei. Foi ele que... Esquece - eles não sabem a história toda, então desisti de tentar provar meu ponto.

— Como sempre, vocês não fizeram a pergunta mais importante - Tom fala e olha para nós duas esperando uma resposta que não veio - Ele joga futebol? - ele diz dando uma risada.

— Você só pensa nisso? - Shannon pergunta.

— Basicamente, sim - ele fala - Ei, Jimi! Vai chamar o novato para o time? - ele chama e pergunta ao garoto assim que ele passa por nossa mesa.

— O garoto alho? - ele zoa - Acho que ele não se encaixa no time, e você?

Deixando a pergunta no ar, Jimi nos dá as costas e vai sentar em outra mesa com seus amigos.

— Ele não disse que você não poderia chamá-lo - Shannon fez a observação dando de ombros.

— Tem razão! - diz ele animado já levantando da cadeira.

— Não, Tom - tentei segurá-lo, mas foi em vão.

— Qual é Mads, ele não morde - nesse momento eu quis rir de tão irônico que essa frase soou diante das circunstâncias.

— Eu não teria tanta certeza assim - murmurei baixinho.

Ficamos observando as ações de Tom com o novato. Ele chegou perto dele, que desenhava algo em um papel. Conversaram um pouco, Rhydian se exaltou em algum momento e Tom voltou para nossa mesa desconfortável.

O assunto morreu e consegui ver depois as três meninas mais populares da escola, apelidadas de K's por se chamarem Katrina, Kara e Kay sentarem na mesma mesa de Rhydian. A probabilidade disso acontecer eram grandes. Essas aí não podem ver um aluno novo que já vão para cima.

Enquanto Tom e Shannon comiam, eu fiquei prestando atenção na conversa da outra mesa. Eu posso abusar das minhas habilidades ás vezes. 

Escutando uma delas oferecendo o cargo de guia turística para ele, numa clara tentativa de dar em cima dele. Ri com isso e só então percebi que ele ouviu e me olhou. Depois disso ele pergunta quem eu sou e obviamente as queridinhas da escola começaram a me difamar.

O dia não poderia estar melhor e eu iria descobrir que estava prestes a piorar.

— Precisamos de mais três membros amanhã. O que vamos fazer hoje? Onde conseguiremos os membros? - perguntei já desesperada enquanto nos acomodávamos na sala de fotografia.

Ficamos em silêncio por uns segundos até que Shannon solta um gritinho.

— A caminhada dos texugos da Sra. Parrish! - diz ela já nos puxando para fora da sala.

— É aberta a todos, mas faz parte da programação da sétima série - fala ela apontando para o folheto do grupo no mural - Todos da sala deles vão!

— Shannon, você é um gênio! Se distribuirmos as câmeras do clube, aposto que teremos três membros até amanhã - eu respondo. A caminhada de texugos é um evento que uma professora sempre faz para levar os alunos na floresta para observar os animais, principalmente texugos obviamente. Vai ser uma ótima maneira de conseguirmos resolver nosso problema.

Estávamos os três felizes pela ideia e por termos um plano para salvar nosso clube, quando ouvimos Sam, Jimi e Liam zoando com Rhydian que estava em seu armário. Aparentemente eles conseguiram abrir o armário dele e colocaram vários alho poró por cima de seu material. Poderia ser algo pior, mas ninguém dá o direito de alguém abrir o armário de outro aluno sem permissão.

O trio vira as costas ainda dando risada com a intenção de irem embora, se não fosse por Rhydian que já irritado, joga um alho poró acertando as costas de Jimi. Eu percebi que isso não iria terminar bem. Mesmo que Rhydian não fosse um Wolfblood, ele é bem mais alto e forte que Jimi. 

Sam e Liam ficam surpresos com a atitude do garoto novo e Jimi aparentemente pensa por alguns segundos em recuar, mas uma multidão de alunos já começa a se formar diante da confusão e ele não iria querer nem um pouco em passar pelo "covarde" da situação.

Jimi fica furioso e parte pra cima de Rhydian tentando dar um soco nele sem sucesso, a força e reflexo do adversário é bem superior.

O novato já explodindo de raiva, joga Jimi no chão pronto pra começar a troca de socos. Vejo então suas mãos, que já estão com veias negras subindo por seus braços. Ele não conseguiu se controlar e iria se transformar em um lobo gigante na frente da escola inteira.

Acordando para a realidade, eu percebi que precisava intervir antes que nosso segredo fosse espalhado aos quatro ventos. Mesmo ouvindo uma voz que parecia ser de um professor, puxo Rhydian pela manga do casaco até a sala de fotografia.

Empurrei ele até o meio da sala e fechei a porta pelo trinco. Rhydian parecia desesperado. Ele respirava ofegante, suava e ficava procurando com os olhos um lugar por onde ele pudesse escapar. 

— O que está fazendo? - ele perguntou cada vez mais ofegante.

— Está tudo bem! - eu tentei acalmá-lo sem sucesso.

— Saia! - apesar de ele tentar me expulsar, fiquei feliz que ele estava tentando guardar o segredo.

— Apenas respire - eu falei.

— Você precisa sair daqui! - ele foi andando para trás e bateu as costas em uma das prateleiras, derrubando vários filmes de câmeras e fotos reveladas.

A prateleira terminou de cair quando Rhydian já estava caído no chão. O processo de transformação estava quase completo e sua voz ficava cada vez mais grave, não demoraria muito tempo até que ele virasse completamente um lobo.

— Eu sinto muito - ele sussurra.

Eu tento permanecer calma, apesar de nunca ter visto outro lobo além dos meus pais, sei que medo é um sentimento facilmente identificável e isso só pioraria as coisas.

Seus olhos azuis começam a mudar para amarelo, seus ossos começam a se quebrar e modificarem em estrutura. O silêncio é tão grande que acho que consigo ouvir até suas células de modificando.

Segundos depois um lobo grande aparece na minha frente. Ele é quase inteiro branco, se não fosse uma pelagem loira em volta de seu pescoço. Seus olhos voltam a coloração humana, mostrando o azul límpido que eu já sabia identificar.

Involuntariamente, ele começa a rosnar pra mim, mostrando seus dentes grandes que facilmente destroçariam meu corpo. Ele tenta se esconder em um canto da sala onde a luz quase não chega, mas eu não recuo, indo atrás dele logo em seguida.

Ele corre, mas pelo tamanho do espaço da sala, acaba esbarrando em diversas mesas e armários derrubando diversos itens fotográficos. Rhydian se estabelece no centro da sala em posição de alerta.

Faço contato visual, estendo minha mão direita e começo a me agachar para mostrar submissão e tentar acalmá-lo.

Curioso com meus movimentos, ele para de rosnar e fica atento em tudo que faço. Quando levanto meus olhos, sei que estão queimando em um amarelo vivo.

Ele se aproxima devagar e abaixa as orelhas mostrando que não se sente mais ameaçado. O garoto senta na minha frente e ficamos apenas olhando um para o outro, compartilhando aquela conexão que eu nunca senti com mais ninguém.

Ouvimos algumas vezes exaltadas no corredor, mas permanecemos como se fossemos os únicos no mundo. Aos poucos, Rhydian conseguiu se acalmar e voltar para sua forma humana. Levantamos e ficamos olhando um para o outro, vendo quem teria a coragem de falar primeiro.

— Sabia que tinha algo estranho, mas quando seus olham mudaram... É verdade, não é? Você é como eu! - enquanto ele falava, eu tentava consertar a bagunça que foi feita.

— Eu não sou como você! - foi mais forte do que eu e acabei falando coisas que no fundo eu nem acreditava. Rhydian fez cara de confuso - Eu não fico me exibindo. Não arrumo briga, nem invado o território de outra alcateia. Você é um perigo para todos! Quanto antes for embora, melhor.

Me arrependo de tudo que falei logo depois de ver a feição chateada dele. Por que eu não consigo controlar as coisas que falo? 

Alguém usa uma chave para abrir a porta e logo em seguida vemos Tom e Shannon, aparentemente confusos pela grande bagunça presente no cômodo.

— O que houve aqui? - Shannon pergunta de forma curiosa.

Rhydian que parecia ainda mais culpado pelo que fez, pega sua mochila jogada no chão e sai feito um raio pela porta, me deixando com remorso para trás.

Entramos na cafeteria da vila, a fim de comprar algo quente para tomar, afinal o clima aqui não é muito generoso. Falávamos sobre o que tinha acontecido na sala de fotografia, demorou um bom tempo para colocar tudo de volta no lugar e meus amigos acharam tudo aquilo muito suspeito.

— Ainda acho que devíamos contar a alguém - Tom fala assim que chegamos no balcão.

— É. Contar ao Jeffries que o quarto escuro foi destruído e ver o clube fechar rapidinho - falei ironicamente.

— Vão comprar algo? - pergunta Bernie, dono do estabelecimento.

Shannon escolhe um chocolate e algo para beber, assim como Tom. Estou aborrecida demais para querer algo no momento. Enquanto eles pagam, as K's entram e param do nosso lado e começam a perguntar para o dono se ele viu Rhydian por aí.

— O novo garoto adotado pelos Vaughan, vocês querem dizer - responde ele.

— Rhydian mora num lar adotivo?  - eu pergunto sem esconder minha curiosidade. Esse definitivamente não é meu dia. Está sendo desastre atrás de desastre.

— Sim. Deve ter sido um garoto mau. Ele se mudou para cá para recomeçar - responde Bernie.

— Ele é órfão. Separado dos pais e sozinho no mundo. Preso num lugar estranho, sem poder contar com alguém. Isso é tão triste - divaga Katrina, me deixando ainda com mais culpa do que já estava.

Se ele realmente mora num lar adotivo, então ele provavelmente não tem matilha. É um lobo solitário. É jovem ainda, assim como eu. O que significa que não se transformou há muito tempo, nem deve saber porque isso acontece conosco. E pela surpresa dele na sala de fotografia, nem sabia que existia mais da espécie dele. Eu cometi um erro enorme, mas estava disposta a concertá-lo. Imediatamente.

— Continuem vocês dois. Encontro vocês na floresta - digo rapidamente, sem dar espaço para os meus amigos me questionarem.

Saio correndo do café e vejo um rastro amarelo subindo pela colina. Depois de um tempo, consigo ver Rhydian andando com sua mochila nas costas. Já estou sem fôlego quando falo com ele.

— Rhydian! - grito alcançando ele.

— Não se preocupe, vou dar o fora - diz ele irritado.

— Não! Eu fui idiota, desculpe. Não vá, podemos te ajudar... - eu falo quase implorando. Só agora me dei conta do quão incrível seria ter alguém da minha idade para compartilhar como é ser um Wolfblood.

— Ajudar? Já tive ajuda. Ritalina, aconselhamento, psicólogos...

— Podemos ajudar, mesmo. Precisa aprender a controlar o lobo antes que alguém se machuque - faço ele parar puxando seu braço e fico de frente para ele - Provavelmente você!

— Você é como os outros! Não preciso da sua ajuda - quase grita e sai correndo disparado pela estrada.

Eu conheço essa cidade melhor que ele, se eu pegar um atalho, sei que posso alcançá-lo novamente. Entro na floresta e depois de um tempo correndo, saio na estrada novamente encontrando novamente com ele.

— Eu sei sobre os Vaughan. Sei que é sozinho - eu falo com cuidado, sei que deve ser um assunto delicado.

— E daí? - ele pergunta como se nem se importasse. 

— Sou como você. Você viu.

— Pode ser como eu, mas pensa como eles. Quer que eu seja melhor. Mas quer saber? O que eu sou, no que me transformo, isso é melhor. É melhor do que tudo que tive na vida. Não deixarei ninguém tirar isso de mim - ele desabafa.

— Não deixarei você ir - falo decida a convencê-lo de uma vez por todas a ficar aqui.

— Vá em frente. Me persiga, me impeça. Use seus poderes de lobo e veja quanto tempo demora até descobrirem o que você é. Seus amigos não conhecem o seu segredo, não é? - ele diz e eu já faço uma cara que certamente entrega aquilo que ele já sabe - Foi o que pensei. Não tenho nada a perder, ao contrário de você.

Ele sai correndo loucamente e pula a cerca que define o limite da floresta e da estrada. Faço o mesmo e vou atrás dele, não vou desistir dele assim tão fácil. Ele é um lobo solitário, não tem conhecimento, proteção, alguém a quem recorrer. Não vai sobreviver sozinho. Está nos nossos instintos precisar de uma matilha e eu estava disposta a dar uma a ele.

Depois de um tempo correndo, até esquecemos da "briga" anterior. Foi tão divertido apenas correr e se divertir com alguém que me entende. Em um momento de impulso, pulo em cima dele para pará-lo e acabamos rolando por uma descida. Quando levantamos, vemos um grupo de alunos, Shannon e Tom. 

Eu deveria ter encontrado eles aqui quase uma hora antes. Acho que perdi a noção do tempo.

— Desculpe o atraso. Já viram algum texugo? - falo tentando tirar algumas folhas do meu cabelo.

— Não. Vocês dois assustaram qualquer animal a quilômetros - diz a professora da sétima série exaltada - Sinto muito turma, teremos que voltar outro dia.

Todos os alunos junto com a professora, começaram a ir embora deixando as câmeras que Tom e Shannon tinham distribuído para animá-los a entrar no clube. Pelo jeito ninguém está interessado.

— Muito bem Mads, estávamos tão perto de conseguir, aí vocês aparecem e estragam tudo - diz Shannon irritada.

— Aconteceu uma coisa importante... - eu digo tentando justificar o atraso e a entrada triunfal que tivemos.

— Mais importante que o clube? - pergunta Tom desconfiado.

— Para falar a verdade sim. Rhydian é mais importante que o clube - os dois fazem uma cara estranha de que estavam desconfiando de algo - A questão é... Rhydian e eu somos parentes. Primos distantes. Ele é a ovelha negra da família. Não queria que ele ficasse aqui, então eu o tratei mal. Por isso ele atacou e destruiu o quarto escuro. Não precisam ser amigos dele, mas Rhydian faz parte da minha vida agora.

Os dois demoraram alguns segundos para absorver todas as informações que eu joguei neles. Falando sério, essa deve ter sido a maior história esfarrapada que eu já criei para poupar meu segredo. Eu queria que as coisas pudessem ser mais simples e eu pudesse contar meu segredo a eles. Afinal, somos melhores amigos. Mas meus pais não querem arriscar.

— Bem-vindo á Stoneybridge então - diz Tom tentando ser amigável - Não gosta mesmo de futebol?

— Não - Rhydian responde e dá risada.

— Certo, já que estamos resolvidos... Estou congelando, então podemos ir? - pergunta Shan, já dando meia volta e começando a andar com Tom.

— Pode ficar aqui e se aquecer. É uma longa viagem até o País de Gales - eu falo.

— Eu não sou... - ele percebe que eu estou dando risada e entende a brincadeira, sorrindo logo depois.

No café, estávamos os quatro sentados aproveitando um delicioso chocolate quente e lamentando o fim do clube de fotografia, quando as K's entram e fazem uma proposta. Se tirássemos fotos delas para montarem um portfólio, elas colocariam seus nomes no clube apenas para que o Sr. Jeffries não fechasse nosso clube, mas não iriam fazer uso da nossa sala para nada.

A proposta delas definitivamente veio no melhor momento e aceitamos. Apesar de que tirar fotos delas vai ser muito difícil, é um sacrifício que teremos que fazer por um bem maior.

Decidimos ir embora e eu acompanhei Rhydian, enquanto Tom levou Shannon até sua casa. Durante o caminho, eu vi uma oportunidade para conhecê-lo melhor.

— Se não é do País de Gales, porque seu nome é Rhydian?

— Minha mãe era galesa, eu acho - respondeu tímido.

— Há quanto tempo está em lares adotivos?

— Desde os dois anos. 

— E ninguém sabe o que você é? - isso era realmente impressionante. Um garoto sem total conhecimento de sua espécie e do que acontece com seu corpo, mas mesmo assim conseguiu manter o segredo á salvo. Ele rapidamente nega com a cabeça.

— O que você fez ontem na lua cheia?

— Eu não podia ficar no quarto não é? Saí pela janela - quando ele falou isso as informações começaram a se juntar na minha cabeça.

— Então a pegada que a Shannon achou era sua - ele deu de ombros - Foi sua primeira transformação?

— Segunda. A primeira me fez ser expulso do último lar adotivo.

— O que houve?

— Não sei. Fui dormir e acordei em uma vala. Eu acabei com o meu quarto, então me expulsaram - esse é o problema de ser um lobo solitário, não tinha ninguém para entendê-lo e explicar esse tipo de coisa.

— Deve ter sido difícil - falei baixinho, mas aparentemente ele não queria mais falar sobre o assunto.

— E você? As luas cheias devem ser épicas aqui - na hora já fiquei com vergonha. Ainda não tinha me transformado e esse era um dos maiores motivos dos meus pais me tratarem como filhote.

— Eu ainda não me transformei.

— Então sei mais do que você sobre isso? - pergunta ele confuso.

— Sim, você é o especialista - falei ironicamente - Por isso perdeu o controle com o Jimi na frente de metade da escola.

Chegamos na ponta de um riacho onde tinha várias pedras, não era tão longe de casa, afinal eu sempre vinha aqui quando criança.

— Eu não sabia que aquilo podia acontecer. Achei que só nos transformássemos na lua cheia.

— Nós também podemos transformar quando nos sentimos ameaçados ou bravos. Aprenda a controlar e poderá se transformar sempre que quiser - eu falei sorrindo.

— Como sabe tudo isso?

— Meus pais contaram - falei o que era óbvio para mim.

— Eles são como nós?

— Sim! E é Wolfblood, não lobisomem. Não somos monstros.

— O mais estranho é que não me lembro de ter sido mordido - eu soltei uma risada sem querer.

— Mordido? Não é por ter sido mordido!

— Não ria de mim!

— Desculpe. É que você tem mesmo muita coisa para aprender - pensei que finalmente faríamos uso dos livros antigos do papai.

— Então me ensine, garota fedorenta - olhei pra ele ameaçadoramente.

— Você nasceu assim. Você é normal - ele ainda não parecia entender a seriedade da coisa - Olhe á sua volta. Tudo o que você achou que fazia de você um ser estranho, sua visão, audição, sua velocidade, olfato apurado... Tudo isso é totalmente normal para um Wolfblood.

— Então digamos que eu fique por aqui, só por um tempo, sem promessas...

— Teria uma alcateia, finalmente. Pessoas para te ensinar.

— Não. Nada de regras, lições ou sermões. Guarde seu abraço para sua família peluda. Faço as coisas do meu jeito.

— Lobo solitário, não é? - ele ia mudar de ideia mais cedo ou mais tarde. Mas vou deixá-lo pensando o contrário - Da próxima vez que perder o controle do seu lado lobo, o que vai acontecer?

— Será um dia interessante, não acha? - esse garoto ainda vai me trazer milhares de problemas...

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Notas finais do capítulo

01. Garoto alho é o apelido dado á Rhydian por Jimi, pois por ter nome de descendência galesa, todos acham que ele vem de lá. Sendo que o alho poró é um dos símbolos nacionais do País de Gales;

02. Rhydian chama Maddy de 'fedorenta' pois ela tem um cheiro forte, obviamente de lobo, mas que só outros Wolfbloods podem sentir. Como ele nem sabia que existia outras pessoas iguais a ele, achou a princípio que ela cheira mal;

Gostaria de saber de vocês uma coisa. Gostaram da estrutura que eu fiz o capítulo ou preferem algo mais curto e resumido? Não prometo mudar tanto, mas posso tentar diminuir os próximos.

Espero que tenham gostado. Deixe seu comentário e se tiver qualquer dúvida, eu espero poder ajudá-lo.

Até a próxima.



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