Nathaniel deposita a rosa branca no túmulo a sua frente e se senta no chão. Usa a mão enluvada para limpar os resquícios de neve da lápide, fazendo assim o nome, as datas e o epitáfio ficarem visíveis.

— Hey, Amby! Eu sei, eu sei, eu sei, já tem muito tempo que não venho te visitar, mas não é fácil lidar com dois pré-adolescentes e um restaurante, que fica lotado todas as noites. — o sorriso orgulhoso do loiro é brilhante. — Ok, talvez eu esteja me vangloriando porque meu restaurante é um sucesso, assim como você disse que seria. E, Amby, coloquei o nome que você sugeriu, sei que era uma brincadeira, mas é um nome muito bom: “Maison de La Iris”, no fundo do restaurante tem um enorme jardim de Iris e entre as flores uma única mesa de dois lugares, já tivemos alguns pedidos de casamento, é um lugar tão mágico, que estou quase o usando para fazer um pedido de casamento apropriado para Melanie também. Amelia tocou na inauguração, queria que você estivesse aqui para ver, foi tão bonito, não tenho ideia de onde ela herdou tanto talento para o piano, mas fico muito agradecido por ela ter herdado. Não é só a Amy que tem me dado orgulho, Josh tirou uma nota azul em matemática, nós estamos muito felizes, ele está radiante, está tentando estudar um pouco mais mesmo que ele não consiga prestar atenção por muito tempo. Os professores também disseram que o comportamento dele está muito melhor, não foi fácil encontrar meios para dispersar toda a energia dele, ele está fazendo tantas atividades extracurriculares agora que mal tenho tempo para vê-lo, mas ele está feliz, é o que importa para nós. Melanie os levou para passar o final de semana com os avós, foi o aniversário da Anaïs, eles estariam de volta na segunda, só que uma tempestade de neve cobriu todas as vias e graças a isso vou passar meu aniversário sozinho. Não se preocupe, não estou triste, isso me permitiu vim te visitar.

Nath continua a falar sobre o cotidiano com os filhos e a esposa para a irmã, até que percebe flocos de neve caindo, solta um suspiro longo porque está na hora de ir embora, se levanta com cuidado e bate as mãos nas calças para se livrar de alguma sujeira que possa ter ficado presa em suas roupas.

— Tenho que ir, Amby, antes que neve mais e eu não consiga nem entrar em casa. Mas eu vou voltar em breve e vou trazer as crianças da próxima vez, prometo!

Acariciando a lápide uma última vez, o loiro se afasta pelo caminho bem cuidado do cemitério. Enquanto anda na direção de seu carro, cruza com um casal de senhores indo pelo caminho que ele acabou de fazer, os olhos verdes da mulher brilham ao vê-lo, mas Nathaniel segue andando sem dar atenção, foi o tempo que vê-los lhe deixaria infeliz e duvidando de suas próprias capacidades, agradece todos os dias pela esposa tê-lo obrigado a fazer terapia.

No passado passaria horas se martirizando pela infelicidade nos olhos dos pais, mas já não faz isso há muito tempo, a infelicidade que eles vivem não é culpa de ninguém, além dos próprios e Nath não mais pegará para si essa responsabilidade. Levou muito tempo para se conhecer e gosta muito da pessoa que se descobriu, mas para continuar sendo quem é, Adélaide e Francis não podem fazer parte da sua vida, pelo menos não ainda. Além do que não quer que seus criativos e agitados filhos se sintam reprimidos pelos avós paternos, assim como ele mesmo foi. Amelia e Joshua sabem que os avós existem e que o relacionamento do pai com eles é inexistente, não sabem o porque, Nathaniel pretende contar o motivo quando os filhos tiverem idade suficiente, se após conhecerem a história eles desejarem conviver com os avós, o loiro não impedirá, mas até lá os manterá distante do casal.

Dirigindo pelo caminho conhecido para casa, Nath sente-se um pouco solitário, esse é o primeiro aniversário que passará longe da família, por isso resolve que fará uma vídeo chamada para a esposa e os filhos, espera que isso cesse pelo menos um pouco a saudade. Para o carro na frente de casa e não na garagem, pois talvez vá ao restaurante mais tarde, mesmo que seja seu aniversário, em tese esteja de folga, que confie perfeitamente no sócio e em seus funcionários, não tem absoluta certeza de que a solidão passará, trabalhar o manterá ocupado e não o deixará pensar que está longe de quem mais ama em seu aniversário.

Saindo do carro coloca a mão no bolso tirando a chave de casa, anda pelas pedras do quintal esperando que não tenha que limpar neve mais tarde, encaixa a chave, destranca a porta e gira a maçaneta, ao abrir a porta o vapor quente o abraça, assim como a melodia inconfundível de “Parabéns Para Você” vindo do piano de Amelia, as luzes se ascendem e pode ver bandeirolas coloridas, cada uma com a letra do seu nome. Melanie está parada a sua frente com um sorriso travesso nos lábios e um bolo ricamente confeitado em mãos, ela começa a caminhar em sua direção, mas antes que ela chegue, Nathaniel tem a cintura abraçada por Josh.

— Feliz aniversário, papai! — o menino felicita animado com um grande sorriso.

— Obrigado, Josh! Vocês realmente me enganaram dessa vez. — Nath está sorrindo quando abre os braços para Melanie entrar no abraço, o bolo fora deixado na mesa.

— Foi ideia do Josh. Nós íamos ligar ontem para falar que desobstruíram as vias e estávamos voltando, mas ele achou que seria legal fazermos uma surpresa. — Amy comenta, ela parou de tocar e também se enfiou no abraço em família.

Por mais que o abraço esteja maravilhoso, eles se afastam, todos sorriem. Melanie planta um selinho no marido ao som do protesto dos filhos.

— Quando vocês estiverem em um relacionamento isso será lembrado. — Mel finge estar brava e depois gargalha quando as crianças fazem cara de nojo, mas o comentário causa um calafrio em Nathaniel, espera que esse momento demore bastante, ainda não está pronto para que os filhos cresçam tanto. — Então, onde o nosso aniversariante estava com todo esse frio?

— Fui visitar a minha irmã, afinal hoje também é aniversário dela. — Nath fala após os filhos se afastarem e começarem a rondar o bolo com carinhas pidonas.

— Isso é ótimo, meu amor! Também tenho que ir visitar a minha amiga, já tem um tempo que não levo uma rosa para ela.

Olhando para os filhos, Nathaniel se lembra da promessa que fez a irmã antes de se despedir.

— Prometi que dá próxima vez que eu voltar, levarei as crianças. O que acha de irmos assim que o inverno acabar?

Um sorriso afável se exibe nos lábios grossos de Melanie.

— Isso é perfeito, tenho certeza que ela iria amar e as crianças também, acho que devemos falar mais sobre a Ambre com eles, tudo bem para você?

— Eu vou amar falar sobre minha irmã com eles, principalmente sobre a forma criativa que deixamos ela usar para escolher o nome deles.

Melanie sorri com carinho das memórias de quando se descobriu grávida, na época fora desesperador, porém agora pode se lembrar dos momentos sem peso algum. Se lembra como foi difícil para ela acreditar que Nathaniel teria responsabilidade para ser pai, mesmo que ela o amasse desde o ensino médio, ele não era nem de longe o homem que é hoje. Mas Ambre forçou o irmão dar o primeiro passo para o amadurecimento ao fazê-lo arrumar um trabalho de lavador de pratos em um restaurante, isso o ensinou responsabilidade e comprometimento de uma maneira saudável, com o pouco dinheiro do salário comprou uma aliança barata, casando com Melanie sem grandes alardes em um cartório logo em seguida. O salário era realmente bem baixo e por isso era complementado pelos pais de Mel, com isso Nath também aprendeu que estava tudo bem pedir ajuda as vezes.

Alguns anos após a morte precoce de Ambre em um acidente de carro, coube a esposa guiar o loiro para encontrar uma maneira de completar seu amadurecimento e depois de acordar com o marido com os dedos das mãos quebrados ficou evidente para Mel, que a ajuda que ele precisava era profissional, a violência praticada pelo pai deixou marcas que eles sozinhos não podiam lidar.

A terapia não apenas fez Nath resolver seus problemas internos, como também melhorou o relacionamento dos dois, os fazendo criar uma conexão quase inexplicável. Conexão essa que os permite se entenderem apenas com olhares, por isso quando Nathaniel olha longamente para a esposa enquanto Joshua e Amy se seguram para não passar o dedo no glacê do bolo, ela entende que ele quer conversar mais tarde, longe das crianças. Não existe segredo entre eles, até às menores coisas são conversadas e por esse motivo ele não esconderá que viu os pais no cemitério.

— Mãe, pai queremos bolo! — Josh diz, chamando a atenção dos pais que estavam presos nos olhos um do outro. — Bolo! Bolo! Bolo!

Amelia não faz coro com o irmão, ao invés vai até a cozinha, pega uma espátula, alguns talheres e pratos, os pais se juntam aos filhos ao redor do bolo aos risos, Melanie pega a espátula da mão da filha e olha para o bolo completamente perdida, mesmo sendo casada com um chef de cozinha não tem ideia de como corta-lo. Nathaniel ri antes de pegar a espátula da mão da esposa e cortar o bolo de maneira hábil.

— Hum.... Antes de servir preciso perguntar, quem fez esse bolo? — Amy e Joshua gargalham da expressão que a mãe faz mediante a pergunta do pai. — Mel, por mais que te ame e esteja muito agradecido pela surpresa, não vou comer e nem deixar nossos filhos comerem nada que você tenha feito, te conheço bem o suficiente para saber que você é uma das maiores escritoras da atualidade, mas é incapaz de cozinhar um ovo, na verdade já te vi queimando água.

Melanie dá um tapa no braço do marido, o que provoca mais risos nos filhos, Nath como troco tira o glacê da espátula e passa no rosto da esposa, em segundos os quatro estão completamente sujos de glacê enquanto comem o bolo mais gostoso que já experimentaram na vida.

A risada da família enche a casa a deixando mais aconchegante, Nathaniel nem mesmo lembra que um dia já se sentiu solitário, incapaz, triste e inseguro, todos os seus momentos de infelicidade foram guardados onde não podem mais machuca-lo, deixados do lado de fora no frio do inverno, pois não tem lugar naquela casa tão quente e cheia de amor.