Éter escrita por Mayara Silva


Capítulo 1
O Princípio de Todas as Coisas




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“Quando os homens começaram a multiplicar-se na terra e lhes nasceram filhas, [...]
[...] os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram bonitas e escolheram para si aquelas que lhes agradaram. ”

Gênesis 6:1,2

 

Amo uma humana.

Uma mortal. Criatura térrea a quem devemos respeito e zelo. Ser tão desprezível e insignificante, e ainda que a heresia seja a única palavra que sai de sua boca, ainda sim (ainda sim) um ser tão protegido e resguardado por Deus.

Misericordioso.

Como é concedido dons divinos a organismo tão frívolo? Nós, criaturas etéreas, não sobrepujemos à importância dos mortais, para Deus. Talvez, porque somos servos, e eles, livres. Nós temos um propósito inquestionável, e eles, questionam as próprias ideias. Não temos alma, e eles, alguma. Não temos vida, e eles, uma.

Estão abaixo de nós, e ainda sim, sobrepõem-se a nós.

Desci à alvorada assim que finalizei as minhas reflexões. Distanciar-se do ninho celestial é impensável a qualquer criatura etérea, todavia, o desejo de conhecer seres tão intrigantes instigava a minha curiosidade e, principalmente, a minha paixão.

A aurora nascia às minhas costas, meus pés alcançavam o chão, e, instantaneamente, meu corpo tornou-se carne, sangue e ossos. As minhas vestes alvas e infinitas agora tornar-se-á finita. Usual, como qualquer material presente naquele universo sensível.

As minhas asas, grandiosos pares de valor hierárquico e majestoso, tornar-se-á vão, como qualquer símbolo de vaidade e orgulho encontrado naquele mesmo universo sensível.

Finalmente, estava pronto para arriscar meu valor divino entre as criaturas imperfeitas.

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— Gabriel, mensageiro. Foste chamado aqui para me acompanhar em missão conjunta.

O anjo solicitado pelo príncipe Miguel aquiesceu e inclinou levemente a cabeça em sinal de respeito às suas ordens, que, vindas do Arcanjo, tinham propósito divino.

— Missão conjunta, disse? Ainda há quantos, com a nossa exceção?

— Um. — Miguel acomodou os braceletes de sua armadura, porém, não desviou os olhos da conversa iniciada pelo anjo. — A um anjo conceder-se-á morte, e este receberá a missão de castigar o nosso traidor.

Gabriel sentiu-se instigado a perguntar.

— Traidor?

— Me admira não saber. Mas... ocorreu a poucos instantes.

Miguel, enfim, aproximou-se do anjo. Gabriel manteve-se na mesma posição, comportamento típico de guerreiro. Embora suas missões constantes fossem a de anunciar, fora preparado para qualquer que fosse a ordem.

— Um anjo ultrapassou a divisa que separa os céus da terra humana. Sem missão, sem ordens, para o descontentamento de Deus. — De sua mão direita, um aro de luz surgiu, formando, assim, o que parecia ser um pergaminho. — Procure aquele que guiou Tobias durante seu tempo na terra. Ele dominará a morte, a serviço do Senhor.

O anjo Gabriel tomou o pergaminho em mãos e afastou-se sem questionar. Não queria opor-se às ordens de Miguel, porém não considerava o anjo solicitado por ele capacitado o suficiente para tal situação. Sabia o quão árduo seria controlar a morte, quando a virtude deste era a vida e a cura.

Ao andar sob as ruas de ouro, seguiu o rastro de jaspe até chegar à 2ª hierarquia dos anjos, as Virtudes, cujo líder era quem Miguel estava à espera. Lá, ele teria uma conversa com o próprio.

—------------------------- X --------------------------

Eu sou Rafael, um dos sete anjos que estão ao serviço de Deus, o Senhor, e que têm o direito de entrar na sua presença gloriosa. ”

Tobias 12:15

 

— Rafael.

O anjo demorou a reagir. Sentado sob a luz do sol, e o rosto tão radiante quanto sereno, molhava uma das mãos nas águas de cristal e deixava que o calor da luz tocasse em sua pele úmida. Era incisivo em suas respostas, objetivo em suas missões, mas extremamente dócil em momentos de paz como aqueles. Tinha nas mãos a virtude da cura e, com poucas ferramentas, conseguia fazer milagres.

— Rafael.

— Eis-me aqui.

A voz suave pôs-se para fora, mas o corpo permaneceu inerte. Logo, Gabriel decidiu se aproximar e usar do reflexo da água para despertar Rafael, que, ainda vislumbrado pelo brilho da água, levantou-se vagarosamente para receber o anjo.

— Gabriel.... A tempos não trabalhamos juntos.

— E Miguel chama-te outra vez.

Lhe estendeu a mão, onde havia o pergaminho. Rafael demorou mais uma vez para responder, mas, estendeu a mão e agarrou o item.

— Ao apartar esse invólucro, terás poder sobre a vida e a morte. Contudo, esteja alerta, tens permissão para dizimar uma única alma. Está sob a ordem de Miguel.

Rafael observou o pergaminho em suas mãos. Tão silencioso quanto antes, aquiesceu e separou o conteúdo do envoltório, mas, antes que pudesse completar o ato, Gabriel o impediu.

— Não aqui. Faça isso na terra.

— Vamos descer?

— Sim. E fique alerta. Nem sempre as Virtudes têm essa oportunidade.

—------------------------- X --------------------------

Os três divinos estavam a observar a terra sob a divisa que separa a pureza do desconhecido. Cada anjo com sua força, com a sua capacidade, com a sua missão e, principalmente, com as suas ideias.

— Rafael...

Disse Miguel. Gabriel não reagiu, manteve o foco na terra dos mortais. O anjo, por sua vez, disperso como de costume, custou a perceber que este falava consigo.

— Estou concentrado.

Incisivo e objetivo. Rafael tinha um alvo e uma personalidade marcante.

— Rafael...

Gabriel chamou-lhe a atenção. O príncipe dos Arcanjos não queria contenda entre os anjos, por isso, como autoridade entre eles, concentrou-se apenas em lhes separar as metas.

— Há, em ti, poder sobre a vida e a morte. Assim que pisar na terra, utilize em prol de nosso objetivo, e não mais que isso. Tens em tuas mãos o Abadom. Destruirá aquele a quem perseguimos.

Rafael assentiu, quieto. O vazio atmosférico durou alguns instantes até haver a quebra do silêncio, pelo Arcanjo.

— Resistam às tentações. Controlar um corpo humano não é simples como aparenta. Apartai-vos uns dos outros, sigam diferentes caminhos, o trabalho deve ser finalizado o mais depressa possível.

 Logo, esperaram uma ordem de Miguel, até que este deu-lhes o sinal.

 — Desçam.


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