A Volta da Raposa escrita por Claen


Capítulo 53
Entrevista com o Bandido




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Bernardo não era o único agoniado com toda aquela situação, pois grande parte da população padecia do mesmo sofrimento, especialmente Lupita. A dor de seu ferimento era pouca se comparada à angústia de não saber o que aconteceria a Diego, mas infelizmente, não havia nada que ela ou Don Miguel pudessem fazer, a não ser rezar e esperar.

Após ter recebido os primeiros socorros do Dr. Ernesto, a moça foi levada à casa do médico e lá permaneceu, aguardando ansiosamente pelo seu retorno. Ela não estava tão mal, mas tinha pressa em rever o médico, pois nutria a esperança de que ele talvez trouxesse alguma notícia de Diego, já que ele também estava no quartel atendendo ao Capitão. No entanto, o tempo passava e nada do médico voltar para casa.

Longe da inquietude do povo, o Governador e seu vice já tinham se instalado na sala de Monastário, quando Don Alejandro e Zorro finalmente chegaram. Aurellana e Garcia também estavam presentes.

— Boa noite, senhores. – cumprimentou Zorro educadamente com uma mesura, que lhe causou uma tontura momentânea e fez com que ele precisasse do auxílio de Don Alejandro para se manter em pé. – Perdoem-me pelo meu estado um tanto deselegante, mas eu espero que os senhores compreendam que ser um fora da lei tem suas desvantagens, como ser ferido ocasionalmente, por exemplo.

— Eu compreendo, Sr. Zorro. – disse o Governador, que estava sentado à mesa do Capitão.

O homem ficou surpreso com a inesperada aparente boa educação do bandido mascarado. Ele não tinha chegado a trocar nenhuma palavra com o bandido que o tinha ferido quase que mortalmente, mas imediatamente ele teve a impressão de que aquele à sua frente não era o mesmo homem. Numa análise rápida, Don Luíz notou certa diferença em sua postura e principalmente em seus olhos. Eles eram completamente diferentes. Seu agressor tinha os olhos azuis e frios, já o rapaz ali em pé, tinha olhos verdes e brilhantes.

Ele começava a formar algumas opiniões, mas preferiu mantê-las temporariamente apenas para si, porque primeiro desejava conversar com o famoso bandido para confirmar se sua impressão inicial estava correta ou não.

— Sente-se aqui, por favor. – disse o Governador, enquanto apontava com a bengala para a cadeira logo a sua frente. – O senhor também, Don Alejandro. Vejo que não se encontra tão bem quanto da última vez em que conversamos.

— É verdade, Sr. Governador. Confesso que não estou no meu melhor dia. – reconheceu Don Alejandro, enquanto se sentava com um pouco de dificuldade na cadeira ao lado de Zorro.

— Bem, Sr. Zorro... – começou o Governador.

— Pode me chamar apenas de Zorro, Vossa Excelência. – disse o bandido, interrompendo-o.

— Está certo, Zorro. – continuou o homem dirigindo-se diretamente a Zorro, sem ser ofender com a interrupção - Eu creio que você já saiba sobre o atendado que sofri há alguns dias.

— Sim, senhor.  – confirmou o mascarado.

— Acho que também já esteja ciente de que o indivíduo que atentou contra minha vida se vestia exatamente como você e já tinha me enviado uma carta ameaçadora alguns dias antes. Com tantos indícios claros apontando para você, a decisão obvia a ser tomada foi a de decretar sua prisão. O Capitão Monastário afirmou ser a única pessoa capaz de captura-lo e, por esse motivo, Don Arturo o restituiu ao seu antigo cargo de comandante do quartel de Los Angeles.

— Também já sabia desses fatos. O próprio Capitão Monastário me contou tudo assim que retornou ao povoado. – disse Zorro.

— Pois bem. O que eu acho que o senhor ainda não sabe, é que Don Alejandro veio até mim justamente para defendê-lo. – revelou o Governador.

— Ora, disso eu realmente não sabia. Fico lisonjeado, Don Alejandro. Nunca imaginei que um bandido como eu seria defendido por um cidadão tão honrado como o senhor. – disse Zorro, exibindo sua melhor cara de surpresa.

Don Alejandro não respondeu ao comentário, apenas meneou a cabeça e achou graça da interpretação convincente do filho.

— Sua visita inesperada foi um dos motivos que me fez repensar o assunto. – confessou o Governador – Os De La Vega são uma família de muito prestígio e Don Alejandro é um cidadão bastante respeitado por todos. Tê-lo em meu gabinete defendendo um bandido foi algo, no mínimo, inusitado. No entanto, sua visita não foi suficiente para me convencer a vir até aqui.

— Não? E o que foi então, senhor? – perguntou Zorro curioso.

— Foi isto. – respondeu o Governador, enquanto exibia uma folha de papel dobrada e um pouco amassada que tinha acabado de tirar do bolso do casaco - Essa carta, de conteúdo surpreendente, me foi entregue há alguns dias por um cidadão bastante humilde. Foi com grande incredulidade que li seu conteúdo e principalmente seu remetente. Ela era assinada não somente por Don Alejandro, mas também por outros seis fazendeiros de renome, porém a forma incomum com que tal carta chegou até mim, causou-me certa dúvida sobre sua autenticidade. O senhor e os outros fazendeiros realmente escreveram esta carta, Don Alejandro?

— Sim, Sr. Governador, e é por isso que estou nesse estado em que o senhor me encontra agora. O Capitão descobriu nosso plano de avisa-lo sobre seus desmandos e nós pagamos o preço de sua ira. Não tínhamos certeza de que a carta tinha chegado às suas mãos, já que nosso mensageiro inicial foi interceptado e preso também. A pessoa que lhe entregou a carta era um primo do rapaz.

— Muito bem. Já que confirmamos a autenticidade da carta, agora eu preciso que o senhor me responda algumas perguntas, Sargento Garcia. – disse o Governador, pegando o soldado desprevenido.

— Pois não, Vossa Excelência. – respondeu Garcia, prontamente.

— A carta de Don Alejandro continha alguns fatos que eu preciso que sejam confirmados ou negados pelo senhor. Não se preocupe com as respostas, apenas me diga a verdade, está bem?

— Sim, senhor.

— É verdade que o Capitão Monastário aumentou os impostos de forma exorbitante de um dia para o outro, com a desculpa de que precisava de verbas para se armar para perseguir o Zorro, e que quem não pudesse pagar seria preso, chicoteado e exposto em praça pública para servir de exemplo?

— Sim, senhor, infelizmente é verdade. – confirmou o Sargento envergonhado.

— Esse homem perdeu o juízo! – indignou-se o Governador - E as ordens foram cumpridas?

— Sim, senhor... – confirmou Garcia mais uma vez, sentindo-se o homem mais miserável do mundo. A aba de seu chapéu já começava a entortar, enquanto ele a apertava nervosamente entre seus dedos suados.

— Isso eu também posso comprovar. – Disse Don Alejandro, se levantando e retirando o casaco que cobria sua camisa rasgada pelos soldados. Ele se virou e mostrou as próprias costas feridas pelas chicotadas. Os cortes profundos e ainda recentes foram uma visão chocante para o velho Governador e para o jovem também. 

— Meu Deus, Don Alejandro! – exclamou Don Luíz bastante surpreso. Apesar da atual aparência do fazendeiro não ser das melhores, ele não imaginava que ele estivesse tão ferido. – Capitão Aurellana, assim que o médico terminar de atender Monastário, peça para ele venha ver Don Alejandro.

— Eu estou bem, Excelência. – respondeu Don Alejandro, tentando amenizar a situação. – O Dr. Ernesto já me atendeu há algumas horas, porém não teve autorização de Monastário para fazer os curativos necessários. Garanto que já fui medicado e só preciso de algum tempo e de descanso para me recuperar.

— Se o senhor diz isso, não insistirei, mas pela quantidade de sangue que está se acumulando no tapete, suponho que o Zorro também precise de cuidados médicos. – observou o Governador.

— Eu gostaria de ser forte como o nobre Don Alejandro e recusar a ajuda, mas acho que um auxílio médico seria bem-vindo. – respondeu o Zorro bastante debilitado. Ele sabia que se o Governador mudasse de ideia e decidisse prendê-lo naquele instante, ele não teria alternativa a não ser se render.

— Sr. Governador, - continuou Don Alejandro - eu e os demais fazendeiros fomos obrigados a agir, porque a situação se tornava insustentável, mas como Monastário descobriu nosso plano, também acabamos presos junto daqueles pobres coitados que não podiam pagar os impostos e sofremos as mesmas punições.

— Entendo. – disse o velho Governador tristemente.

— E eu também fui obrigado a intervir. – afirmou Zorro. Ele tinha muitas coisas para dizer e o momento finalmente parecia ter chegado. – Apesar de ser considerado um bandido, tudo o que fiz desde o dia em que decidi me tornar o Zorro foi proteger esse povo. Comandante após comandante, eu vi essas pessoas inocentes sofrerem sem alguém que pudesse olhar por elas. Não nego que precisei agir à margem da legalidade para ajuda-los, mas eu fiz o que era preciso e não me arrependo, e se isso faz de mim um criminoso, eu aceito a alcunha. Eles precisavam de alguém que pudesse estar do lado deles e eu decidi ser essa pessoa. Ano após ano, eu lutei ao lado deles e eles me ajudaram e me protegeram. Quando a minha presença se fez necessária eu vim, quando não, eu me mantive nas sombras. Embora o Sargento Garcia estivesse do “outro lado”, acho que ele pode confirmar que durante os tempos de paz eu me mantive afastado. O próprio Capitão Aurellana pode confirmar isso, porque apesar de ele ter ficado pouco tempo no povoado, nós tivemos algumas oportunidades de conversar. Eu achei mesmo que o Zorro finalmente pudesse deixar de existir, mas quando eu soube que nosso Capitão seria remanejado e pior ainda, quando descobri que Monastário voltaria, vi que minha missão ainda não estava cumprida. A prova disso, é que hoje o senhor nos encontrou após um duelo sangrento, mas necessário, que buscava pôr um ponto final em tudo isso.

Após ouvir o relato sincero, e porque não dizer, coerente, do bandido, o Governador permaneceu em silêncio, pois muitas coisas passavam pela sua cabeça naquele momento.

Zorro percebeu que suas palavras tinham surtido algum enfeito no velho Governador e sentiu-se mais confiante. Até aquele momento ele só havia se justificado e se defendido, então decidiu que já era hora de complicar as coisas um pouco mais para Monastário e quem quer que o estivesse ajudando.


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