Cafés quentes não aquecem corações frios escrita por mandy


Capítulo 5
Capítulo 5




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Remus ficou um tempo sem aparecer. Era de se esperar. Se antes amaldiçoava aquelas visitas, agora amaldiçoava a própria sorte.

Nos primeiros dias, quase sempre olhava para a porta em horário específico. Depois, quando Lucius voltava com um pedido tradicional, espiava por de trás do balcão como se para confirmar o autor do pedido. Queria ter a chance de se explicar. Combinar alguma coisa ou mesmo deixar que ele o odiasse por algum motivo real.

A chance veio, no entanto, próxima a um final de expediente. Faltavam menos de vinte minutos para as oito da noite e apenas os velhos, aqueles que Regulus presumia ser um casal em longa idade, estavam sentados numa mesa afastada, a meia luz. Fora um dia cheio e o rapaz nem mesmo havia cumprido o horário de almoço, então deixou-se relaxar na mesa dos fundos do Café, mexendo uma taça de chocolate quente. Precisou confirmar que não havia ninguém olhando quando tirou os sapatos, movendo os pés cansados de uma maratona intensa de trabalho. Não ouviu a sineta ou prestou atenção na silhueta que dirigiu-se primeiro ao balcão.

Apenas se deu conta quando Remus se aproximava de sua mesa. Parou de mexer o chocolate e levantou-se de forma brusca, sentindo, por baixo das meias, o frio nos pés. Percebendo o quão patética poderia soar aquela atitude, devagar, sentou-se novamente em seu lugar.

Por um tempo mantiveram silêncio, um olhando para o outro, Remus de pé a sua frente. Sentiu os ombros relaxarem quando o outro sorriu.

— Posso me sentar?

O quanto havia reprimido Sirius por atitudes como aquelas, o tamanho da confusão que poderia causar para si se Lucius o visse conversando com um cliente - e ele veria! - deveria ser motivo suficiente para negar, mas Regulus sequer pensou nisso. Assentiu com a cabeça algumas vezes.

Novamente, silêncio.

Durou até que Lucius servisse a xícara de café. Tradicional, intuiu. Lucius lançou-lhe um olhar reprovador que, com maestria, Regulus pode ignorar naquele momento. Procurou em sua cabeça alguma forma de começar a se desculpar quando o outro voltou ao balcão, observando-o despedir-se dos senhores que seguiam para a saída agora. Não conseguia se lembrar de nenhuma das formas que havia ensaiado para aquele momento, mesmo que o mais fácil fosse apenas lhe pedir desculpas. Ao final, acabou por dizer:

— Café, a esta hora da noite, pode te dar problemas de insônia.

Novamente, Remus sorriu. Tomou um pouco do que havia na própria xícara e ergueu os olhos para ele.

— Eu quase nunca durmo — e lhe dava uma piscadela então.

Retribuindo ao sorriso, Regulus assentiu. Tomou igualmente um pouco da própria taça e, então, respirou fundo, baixando os olhos por um momento.

— Me desculpe — disse, por fim, voltando a olhá-lo desta vez — Naquela noite… Os meus pais me esperavam em casa, eu não pude. Sabe como é, reunião de negócios e coisas sobre o Café.

— Na verdade não sei — o seu tom, apesar de parecer mesmo curioso, tinha um tom de provocação — Me conte.

— Bom. É porque esse é o negócio centenário da família. Todos os membros participam da administração do Café, mesmo que alguns tenham participações mais ativas detrás de balcões — ria baixo, encolhendo os ombros — Mas geralmente todos ficam cientes das decisões que envolvem o futuro do negócio. É importante porque, bem, isso aqui é nosso.

Seu também?

Porque estava falando sobre aquilo? Remus era amigo de Sirius, deveria saber de tudo o que ele agora contava, talvez numa versão distorcida, mas sabia.

— O que você gostaria de fazer se não precisasse trabalhar aqui, dia e noite?

Certamente não seria uma peça de teatro no colégio… — respondia com a voz abafada pela taça que acabara de levar à boca, contendo o riso enquanto bebia o chocolate.

— Ei! — Remus bronqueava, entre risos.

— Já apresentaram? Como é que foi? — Mudava o assunto para não ter que pensar em pergunta tão difícil.

A verdade era que não sabia como responder. Era como se não tivesse tempo para pensar e quando uma luz sonhadora lhe apontava na cabeça, Regulus tratava de expulsá-la para longe. Havia se conformado que trabalhar no Café era o seu destino.

— Apresentamos ontem a noite. Deveria ter visto a minha cara toda cheia de glitter, porque eu não sei porque, mas eles resolveram que Romeu deveria brilhar — respondia com ares divertido.

— Eu adoraria ter visto — comentou com sinceridade, encarando-o por um momento.

Demorou-se alguns segundos em seus olhos, perguntando-se se agora estava tudo bem. Se Remus lhe havia perdoado. Desejou muito que sim, porque gostaria de estar em contato com aqueles olhos outras vezes mais. Regulus não se lembrava de ter se sentido tão bem na presença de alguém, de uma pessoa de carne e osso, que não as dos livros que devorava pela noite. Queria agarrar-se àquela sensação viciante.

Percebeu, detrás da cabeça do outro, as sobrancelhas arqueadas de Lucius Malfoy, que agora apontava para um relógio imaginário em seu pulso. Precisou tomar coragem para lhe responder:

— Pode deixar que eu fecho!

Com uma negativa, o homem balançava a cabeça e apanhava a pasta, seguindo para a saída e deixando que o vento batesse a porta.

A ideia de agora estarem sozinhos ali o deixou, momentaneamente, nervoso. O que viria, então? Continuariam a conversar, falar sobre peças, glitter e negócios da família Black? Regulus não se importaria nenhum pouco. Mas abandonando os devaneios apenas por alguns segundos, tomava um gole grande do chocolate, dando-se conta de que precisava fazer juz ao que dissera a Lucius.

— Eu realmente preciso fechar. Se alguém mais resolver entrar por conta das luzes acesas eu vou precisar trabalhar até Deus sabe quando e estou exausto — ainda assim, não se levantava, arrependendo-se no segundo seguinte do que havia dito.

Não queria expulsá-lo.

— Você quer ajuda? — Remus questionava.

O pai o mataria se soubesse que um estranho havia o ajudado no Café. E, ainda assim, como se não estivesse encrencado o bastante, assentiu. Não poderia, uma vez mais, perder a oportunidade por imposição dos pais e poderia dizer que, naquela hora, entendia só um pouquinho o irmão mais velho.

Regulus calçou os sapatos e ambos se levantaram e seguiram para o balcão. A maioria das coisas já estavam na mais perfeita ordem, visto que era prudente deixar tudo bem organizado quando próximos às oito da noite, tirando do lugar somente o necessário para o funcionamento do Café no meio tempo restante. Enquanto Regulus dirigia-se ao disjuntor, apagando as luzes principais e deixando apenas as lâmpadas amareladas detrás do balcão acesas, Remus juntava as xícaras e talheres na pia, ligando a torneira na intenção de lavá-las. Regulus se adiantou então.

— Deixa que eu faço isso! — Disse quase com urgência, tocando o braço do rapaz e sentindo a quentura da pele por trás do tecido fino. Respirou devagar — Por favor.

Afastando-se então, Remus assentiu.

Lavava com água quente as xícaras usadas pelos últimos clientes, assim como a sua própria e a de Remus. Enquanto o fazia, olhava de rabo de olho para o outro, que se mantinha recostado no balcão, de frente para ele.

— Então é isso que gostaria de fazer para o resto da vida? — Remus voltava a questionar.

— Meu Deus, você fala como Sirius — resmungou uma vez, revirando os olhos.

— Não, se eu falasse como Sirius seria — pigarreou uma vez, passando a mão pelos longos cabelos imaginários e montando-se numa pose desleixada — Regulus! Precisa tomar um rumo na vida e iniciar a revolução contra o patriarcado da família Black!

Regulus não pode deixar de rir. Secando as louças restantes, guardou-as na cristaleira, cada uma em seu lugar, balançando a cabeça negativamente em seguida enquanto virava o corpo para o de Remus, se aproximando alguns passos.

— Ou então, qual é o seu sonho, Regulus? Não fala! O meu é ser famoso! — Fazia a imitação do que imaginava do irmão mais velho, com ares de galã de televisão, ao que Remus se rendia ao riso igualmente.

O espaço ali não era muito grande. Tão logo, estavam bastante próximos um do outro e se Regulus esticasse um pouco mais o joelho, poderia tocar o do outro. Havia algum espaço ainda atrás de si, mas preferiu ficar ali, naquele espaço caloroso.

Um tempo depois, Regulus achou que não devia mais se desviar do assunto. Encolhia os ombros e comprimia os lábios, preferindo ser sincero com o mais velho.

— Eu realmente não tenho ideia do que faria se não fosse o Café.

— Isso quer dizer que o Café da sua família salvou a sua vida?

— Bem longe disso… — disse, abaixando o rosto por um momento, envergonhado por expor a verdade em voz alta.

Era o contrário daquilo.

Houve um pouco mais de silêncio, aquele silêncio incerto que aquecia todo o corpo. Regulus voltou a sentir frio na barriga. Erguia os olhos para o mais velho e depara-se com aquela troca de olhares. Os de Remus eram infinitamente mais bonitos quando próximos daquele jeito, em meio a luz amarela do balcão. Comprimiu os lábios e mordeu a língua por um instante, mas acabou por se deixar levar pelo impulso.

— Isso é um encontro? — Parecia bobo. Tentou concertar então — Como quando íamos nos encontrar depois do trabalho, digo. Só que… dentro do trabalho, desta vez.

— Acho… que sim… — Remus respondia com um sorriso espontâneo.

— E... o que a gente faz num encontro?

— A gente pode recitar Shakespeare — brincou, entre risos ainda. E então  dava um passo à frente, os joelhos enfim se tocando — Mas eu tenho uma ideia que pode ser mais… real e menos trágica.

A mão de Remus então seguiu para o seu rosto. Regulus pode sentir o calor de seus dedos em contato com a pele, fechando os olhos por um momento e precisando molhar os lábios, que estavam secos, com a língua. O calor da proximidade do outro, assim, se fez mais presente e o coração do garoto disparou, tão forte que temeu que Remus pudesse ouvi-lo. Desejou beijá-lo e teve medo do que desejava, visto que nada em sua vida era, de fato, da forma como desejava. Se desejasse o contrário, quem sabe… Mas não podia. Queria beijar Remus.

E quando o mais velho o fez foi como sentir o corpo flutuar. Com algum receio, levou ambas as mãos aos braços de Remus, apertando-lhe as vestes por entre os dedos, como se para ter certeza de que era mesmo real.

A língua dele tinha gosto de café.

Poderiam se perder no tempo naquele momento. Aquele Café era, de todas as formas, o lugar menos indicado para o beijo de dois garotos, completamente diferentes um do outro. Mas Regulus não conseguiu pensar no olhar dos velhos catatônicos caso o vissem ali, naquele momento, beijando um dos melhores amigos de seu irmão baderneiro - a não ser, é claro, na aprovação que o casal de senhores que sempre observava lhes daria, confirmando enfim a sua teoria acerca de velhos amigos com benefícios. Não pensava também no quão encrencado estaria se os pais soubessem. E, por mais que pudesse ser satisfatório, não pensou mesmo na cara que Sirius faria ao vê-lo beijando o seu melhor amigo, porque naquele momento não havia prazer maior do que beijar Remus, sentir suas mãos lhe agarrando a cintura, a compressão dos quadris, as respirações descompassadas.

Quando precisaram tomar um pouco mais de ar, Regulus permaneceu com os olhos fechados, um riso bobo nos lábios molhados. Não pensou em como soaria o que vinha a seguir:

— Eu ainda não sei o que eu faria, pelo resto da minha vida, se não fosse o Café — os olhos se ergueram para o mais velho então que o observava com um sorriso, os olhos brilhando para ele — Mas sei que, se não precisasse trabalhar amanhã, eu gostaria de passar o dia todo com você.

— Não seja por isso… — Remus agora acariciava o seu rosto com o polegar, inclinando-se mais uma vez, de forma que os lábios roçassem uns nos outros — Amanhã, às oito em ponto. Eu não aceito atrasos e não aceito desculpas.

Era estranho pensar, mas Regulus sentia-se forte agora. Deslocaria montanhas para honrar, daquela vez, aquele compromisso.

— Às oito.


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