Olhos Solitários escrita por unalternagi


Capítulo 1
Capítulo Um - Acaso




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Capítulo Um - Acaso

O início foi quando ela chegou à cidade nova. Viajando de carona com pessoas diversas – das mais gentis até as mais repugnantes –, ela chegou à cidade que daria início a todo o plano friamente calculado.

Cambridge é uma cidade vizinha de Boston no estado de Massachusetts. Famosa por ser casa de diversas instituições de Ensino Superior. A garota achou que seria o disfarce perfeito, apenas mais uma aluna por ali.

Na Harvard Square, um dos pontos mais importantes da cidade, tinha uma vendinha tão velha quanto à cidade.

O dono era Aro Volturi, um estrangeiro que chegou ao país no início da Segunda Guerra Mundial. De origem italiana, Aro fugiu quando percebeu que a coisa ficaria feia na Europa e, com Sulpicia grávida de seus gêmeos, ambos fugiram para a Terra Prometida.

Os Estados Unidos estava em expansão e Aro pareceu ter previsto isso ao decidir abrir uma mercearia em um ponto singelo do que hoje é conhecido como um dos pontos mais importantes da cidade. Com o passar dos anos e a administração impecável de Aro e, posteriormente de Jane, o mercado cresceu e expandiu ao ponto de abrir filiais e virar um dos maiores mercados do país. Alec cuidava do marketing do mercado e, juntos, os gêmeos Volturi levaram o nome do pai a lugares que o mesmo nunca tinha pensado.

Apesar de tudo, com todo o orgulho que sentia dos gêmeos e o poder em suas mãos de ser dono de uma grande rede de mercados, a mercearia da Harvard Square estava intocada desde sua inauguração, sendo o ponto favorito de compras de muitos alunos que tentam economizar dinheiro. Aro e Sulpicia estavam sempre ali para dar dicas de como tirar manchas de roupas, ou novas receitas fáceis ou, até mesmo, como gastar dinheiro de forma mais inteligente.

Foi assim que Edward Anthony Masen conheceu os dois. Ele era um calouro em Harvard, seguindo a carreira de seu padrasto como um neurocirurgião, Edward encontrou em Aro e Sulpicia um calor bem-vindo. Foi contratado para trabalhar na mercearia pelos dois verões que se seguiram e foi efetivado como funcionário fixo, quando resolveu trancar a faculdade de medicina.

Aquele foi o ano em que ela chegou à cidade. Apareceu na vendinha com os quatro dólares que tinha no bolso fazendo a pose de quem tem muito mais, como tinha observado diversas meninas na rua. Das mais inteligentes até as mais ricas, ela tinha entendido como deveria se portar para se misturar e, apesar das roupas puídas e o cabelo mau cuidado, a beleza angelical de seu rosto conseguiu fazer o bastante para ela se misturar, apenas o bastante para não chamar a atenção que não queria.

Pelos próximos meses, a mercearia era seu lugar favorito. Às vezes furtava uma coisa ou outra, mas a maioria das vezes conseguia comprar com o dinheiro que chegava a suas mãos de forma não correta, mas a única que ela conhecia.

Edward passou todos os meses observando a garota de olhos claros e tão frios. Olhos tão solitários como nenhum deveria ser.

—O que levará hoje, Bella? – perguntou Suplicia, amorosa, como Edward conhecia desde que entrou pela porta da primeira vez.

Não era o nome da garota, mas era como todos a chamavam, desde que Suplicia o fez pela primeira vez. Edward foi procurar o significado de Bella no dicionário italiano que Aro o deu no natal passado como encorajamento para que ele aprendesse o idioma e Edward se esforçava para fazer aquilo por Aro.

Bella tinha a ver com beleza. Algo agradável de olhar, usado para mulheres. Edward não tinha o que discordar e ele mesmo começou a chamar a garota daquela forma, quando ela não estava.

—Só água – a voz baixa pediu colocando o dólar no balcão.

Eles tinham reparado que Bella não era uma garota com muito poder aquisitivo havia um tempo, por isso Suplicia pediu que Edward cobrasse a água dela e correu para dentro pedindo que ele não a deixasse sair até que Suplicia voltasse.

—São setenta centavos – o garoto disse, o sotaque inglês forte em sua voz introduzia uma história que quase ninguém conhecia.

—Não pode ser – Bella falou confusa – Como vocês não vão à falência com esses preços tão abaixo? – perguntou retoricamente oferecendo o dólar a Edward.

 O que ela não sabia, e nunca saberia, era que tudo vendido para ela tinha dedução de valores. Costumavam vender a preço de custo, mas Edward não comentou nada, apenas pegou o troco e colocou na mão dela encoberta por uma luva pequena demais.

—Muito obrigada – a garota disse se ajeitando para sair para o inverno rigoroso.

—Calma, Suplicia pediu que a esperasse bem aqui – Edward contou e Bella corou.

—Não quero nada, eu comi hoje – ela disse séria e Edward fingiu que não tinha escutado enquanto organizava algumas coisas no caixa.

Alec entrou olhando feio para a garota. Já a tinha conhecido e achava que era uma oportunista qualquer. Muito esperta para ser uma pobre coitada.

—Boa tarde – ele falou rudemente entrando.

Suplicia saiu dos fundos com um saco de papel.

—Um agrado para você, querida – Suplicia disse oferecendo o saco para Bella.

—Não precisa mesmo, senhora, não estou com fome – a garota tentou negar, apesar da fome óbvia que sentia.

—Ora, e quer dizer que mais tarde não sentirá fome? – Suplicia perguntou ofendida – Por favor, é pão de ontem, vamos jogar fora se você não comer – ela disse.

Edward sabia que era mentira. Não tinha pão do dia anterior, eles doavam os alimentos que sobravam. Eram pessoas de bom coração. Bella lambeu os lábios inconscientemente ao pegar o pacote.

—Obrigada, senhora – a garota disse colocando a touca encardida na cabeça antes de sair da loja.

—Queria poder ajuda-la, ela tem um bom coração – Suplicia comentou consigo mesma.

—Sempre está alimentando ela e a trata tão bem, isso já é grande ajuda – Edward comentou e Suplicia fez careta.

—É o mínimo do que devemos fazer a outro ser humano.

Edward ficou quieto, pois concordava com aquilo. Ele também queria ajudar a garota tão bonita que o roubava pensamentos desde quando a conheceu.

A primeira vez que a viu foi quando ela entrou e ele lembrava o que ela tinha comprado porque tinha achado muito estranho. Duas barrinhas de cereal, um pacote de chicletes e uma bebida ruim de mais que só vendiam porque era barata, e a garota só tinha comprado pelo mesmo motivo.

Edward desistiu da medicina quando sua paixão por arte gritou mais alto. Ele adorava desenhar e tinha comprado um caderno especial para Bella quando ela se tornou uma figura tão presente em sua vida e mente. Não havia um só dia em que ele não pensava nela.

Viu o rosto ganhar mais forma nos últimos meses e se perguntava quantos anos aquela menina tinha. Ele já era maior de idade, vinte e um anos. Bella não deveria ser maior e ele tinha consciência da ilegalidade caso qualquer coisa acontecesse entre os dois, mesmo assim, o sentimento era maior do que a vontade de tê-la para ele. Era uma proteção gritante, ele queria tomar conta dela, perguntar onde estavam seus pais – caso ela fosse mesmo menor de idade. Porque estava sempre sozinha, da onde vinham às escoriações e hematomas que apareciam e desapareciam do rosto dela de forma que fazia Edward perder a cabeça sempre que os via mais fortes.

Ele passou o resto do dia pensando nela, desenhando o rosto de pele translúcida no caderno com capa de couro e páginas sem linhas. O cabelo parecia mais comprido do que no primeiro desenho, o nariz estava ganhando mais forma e as bochechas perdendo carne.

—Querido, está no seu horário – Suplicia avisou a Edward.

Ele sorriu para ela, se despediu de sua mãe do coração e jogou a mochila sobre o ombro. Tirou o cigarro do bolso quando estava longe o bastante e uma tragada foi o bastante para ele relaxar da tensão habitual de um dia cheio.

O celular no bolso vibrou e ele pensou em ignorar a ligação, até ver o nome escrito na tela.

Victoria.

Ele sorriu de canto e atendeu ao telefone.

—Diz, fogaréu – Edward atendeu bem humorado.

Mamãe lhe disse que já não me chamasse assim, Edward— a garota o repreendeu e Edward riu.

—Pode falar – Edward encorajou-a.

Laurent e eu sentimos a sua falta e gostaríamos de saber quando volta para casa.

—Sabe que não posso, com toda a matéria acumulada da faculdade e...

Mamãe disse que, se eu e Vic realmente quiséssemos, poderíamos ir vê-lo no natal— Lau disse tomando o telefone da mão de sua irmã gêmea.

Edward riu da animação do garoto.

—Eu adoraria isso, sabem que sim – Edward disse -, mas quase não terei tempo para vê-los.

Que tal em nosso aniversário? Mamãe disse que poderíamos fazer uma grande festa e o papai disse que nosso pula-pula poderia te aguentar— Laurent falou ainda muito animado por estar conversando com o irmão mais velho.

Edward voltou a rir.

—Sim, eu acho que soa bom – o homem falou terminando seu cigarro.

Nenhum trauma de infância ou ressentimento poderia apagar a adoração que sentia pelos irmãos. Sentia falta deles mais do que de qualquer coisa que já conhecera.

Bom, ao menos temos uma perspectiva agora— ele ouviu a voz de sua mãe ao telefone com o tom.

Ele odiava quando ela falava com ele daquela forma, deu mais uma tragada no cigarro antes de descarta-lo e se esticar para pegar outro em seu bolso.

—Esme – ele cumprimentou educadamente enquanto, inconscientemente, arrumava sua postura.

Imaginei que só atenderia a um dos gêmeos, acho que começo a lhe entender— a mulher disse com a ironia cortante em sua voz.

—Bem, sinto-me lisonjeado que ao menos esteja tentando agora – ele respondeu com a voz fria igual.

A tensão na linha de telefone era o que ele lembrava e o porquê de evitar a Inglaterra a todo o custo.

A ligação não durou mais que cinco minutos. Edward se despediu dos gêmeos e desligou ainda no meio da despedida de Esme que viria carregada de cobranças e foi o que fez terminar a ligação com mais afinco e menos cuidado.

Foi também o motivo pelo qual seu aparelho celular caiu no chão, fazendo ele se atrasar apenas o bastante para que seu rumo pudesse ser traçado.

Diariamente pessoas conversavam e se indagavam sobre o destino, sobre o curso das coisas, do por que de algumas coisas parecerem ser feitas para acontecer da maneira correta. Não era algo sobre divindade alguma, ou sobre o que desejávamos. Era mais forte, uma força invisível, intangível.

Edward nunca acreditou muito em coisas destinadas, nunca tinha tido seu momento de grande força hercúlea que faria alguma diferença, que causaria alguma mudança de curso. Bella ainda menos. Nunca tinha conhecido, mas aquela noite era o momento dos dois.

Entre derrubar o celular no chão, xingar, abaixar para pegá-lo e levar o primeiro soco não demorou mais do que três minutos, apenas o bastante.

Desde que abdicara da ajuda de custo oferecida por seus pais, Edward vivia numa parte mais perigosa da cidade, sabia que tinha que tomar cuidado, mas aquela noite, a semi-discussão recorrente com Esme e mais uma somatória de coisas que ele não lembraria quando acordasse, o fez descuidado como teria que ser.

Duas pessoas bateram nele até ele perder a consciência. Acordou ainda perdido, mas levantou rápido quando escutou o pedido.

—NÃO, POR FAVOR – a pessoa gritou.

Contra todo o torpor, Edward levantou indo para a voz.

Sem pensar no porque estava caído na neve fria, sem pensar no risco em entrar no beco, sem pensar que já tinha escutado aquela voz antes.

—Hoje não, de novo não. Por favor – a pessoa clamava antes de ser silenciada e Edward tentava chegar mais rápido, mais perto, seguir as respirações altas, os gemidos não contidos.

Edward se encostou à caçamba de lixo, tentando recuperar seu centro gravitacional, querendo ter forças para ajudar quem clamava por ajuda e foi quando escutou a roupa sendo rasgada que ele se apressou ainda mais para o local a poucos metros de onde ele estava.

O beco estava escuro e, tudo o que viu antes de agarrar o ombro do homem, foi Bella chorando baixinho com um pano tampando sua boca e seu olho roxo.

Como um ímpeto que nunca sentiu antes, Edward socou o homem drogado que não mostrou grande resistência no início, mas logo ficou alucinado indo para cima de Edward, batendo por sobre os machucados já feitos antes. A luta não foi muito justa, mas o bastante para segurar tempo até que a garota amordaçada conseguisse alcançar uma pedra e batesse contra a cabeça do homem que a atacava um momento mais cedo.

Edward caiu perto dela, cuspiu sangue e um dente. Pensou o que poderia ter feito para merecer aquilo. Agora como faria para chegar em casa? Deveria ir ao hospital? Ele sentia a dor nos pulsos, mas não parecia nada fraturado. Foi quando se lembrou da garota que abriu os olhos.

Ela lutava contra a amarra de seus pulsos, tentando tirar a de sua boca.

Com pressa, ele se forçou a levantar e tirou, com calma, a amarra dela, tentando ignorar a barriga e início do seio desnudo dela. Tirou a amarra da cabeça dela e ela se tampou, envergonhada.

—Quer o meu casaco? Está muito frio – ele falou rouco.

Ela apenas o encarava, não esboçou gratidão ou infelicidade, então ele pensou que poderia estar em choque. Deu o casaco a ela sentindo, quase que instantaneamente, o frio gelado congelar seus músculos. Imaginou o que ela sentia antes de vestir o casaco dele.

—Eu não moro longe daqui – ele falou.

Ela ainda olhava para ele. Ele ofereceu a mão a ela, lutando contra a dor que sentia para não fazer careta alguma. Quando Bella pegou na mão dele as coisas pareciam que iam funcionar.

Ele a levou para casa. Não pensou que ela poderia ser perigosa e Bella, de fato, não achava que o garoto da mercearia a faria mal. Ele deu toalha e roupas quentes para que ela pudesse tomar banho.

Depois Edward foi preparar algo para comerem, deixando para cuidar de seus ferimentos depois do banho, não querendo sequer se olhar no espelho que tinha perto de sua porta.

O Studio em que morava era perfeito para ele. A cozinha era em conceito aberto com a sala e o quarto, o único cômodo em separado era o banheiro, onde a garota tomava banho. Terminou de montar dois sanduíches simples e deixou com a jarra de suco em cima da mesa pequena com apenas uma cadeira.

Sentou-se em sua cama pela falta de sofá e decidiu deixar a televisão ligada. Separou uma roupa quente e pensou sobre o kit de primeiros socorros que tinha no banheiro. Bella saiu de lá parecendo pior do que quando tinha entrado. Sem toda a sujeira do rosto, os machucados pareciam gritar contra a pele pálida da garota. O cabelo molhado dava aflição a Edward, queria pedir para ela secar, mas não queria a deixar sem graça.

Ele alcançou uma touca dentro de uma gaveta e entregou a ela.

—Para que não sinta frio na cabeça – ele anunciou quando ela fez careta confusa para a vestimenta que ele a ofereceu – Vou tomar um banho, mas, por favor, fique à vontade, eu volto logo, tem lanche na cozinha se quiser comer – falou entrando no banheiro.

Trancou a porta antes de se despir e ver o que tinha acontecido com seu corpo.

O rosto estava bem machucado e roxo. Limpou todos os machucados que encontrou e agradeceu por ter estado com tantas camadas de roupas que foi o que o ajudou a não estar pior do que viu antes de se despir. Cuidou de seus machucados e foi tomar o banho com cuidado, depois de seco tampou os machucados que precisavam ser tampados e então saiu do banheiro se sentido aquecido.

Encontrou Bella sentada no chão, encarando a televisão, vidrada. O prato, com os sanduíches, estava vazio, a jarra com suco, pela metade e ele estranhou a falta de copo, mas não comentou nada. Ela o encarou quando ele saiu do banho e se levantou.

—Desculpa, eu...

—Por que não se sentou na cama? Está frio – ele falou colocando o estojo de primeiros socorros em cima da cama antes de ir ajeitar o aquecimento da casa.

—Não quero incomodar – ela falou baixinho.

Ele fez careta e negou de pronto.

—Não incomoda, não se preocupe, só queria que deixasse que eu limpasse alguns machucados seus para que não piorem – ele falou e ela franziu o cenho.

—Como esse da sobrancelha e esse corte no seu rosto – ele pediu.

Não era habitual que as pessoas cortassem o rosto por acidente, alguém a tinha machucado e aquilo girou na cabeça dele por mais tempo do que poderia considerar normal ou aceitável.

Ela não se moveu.

Edward percebeu que era a maneira dela em dizer que não se opunha àquilo. Ele pediu que ela sentasse na cama e ela o fez. Era uma cama de casal bem confortável e estava bagunçada, mas Bella não pareceu se importar.

Ele cuidou com cuidado de cada machucado que a roupa deixou aparecer. Lembrou-se de ver um machucado aberto na barriga dela e ficou dividido entre pedir ou não para limpar, mas resolveu que poderia ser demais a ela que ainda deveria estar assustada com o que tinha acontecido.

Edward fez um lanche para si e comeu na cozinha ainda. Guardou as coisas, limpou o que haviam sujado e tomou o resto do suco na jarra, como descobriu que Bella também tinha feito. Guardou os primeiros-socorros e voltou para sala, encontrando-a dormindo pesado no canto da cama, mal coberta, mas parecendo em paz.

Com o cobertor extra que tinha em casa ele a cobriu, desligou a televisão e as luzes da casa antes de dormir ao lado da menina com quem vinha sonhando a algumas semanas.


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